sábado, 18 de outubro de 2014


A propósito da iniciativa legislativa da FPV

Entusiasmo, perplexidade, recusa


Nuno Serras Pereira, 7 de Outubro de 2014

1. Pouco tempo depois de ter enviado o texto em que dizia dos meus motivos para este ano não participar na Caminhada pela Vida, recebi da parte de um membro da direcção da fpv [Federação Portuguesa pela Vida] uma mensagem, que agradeço, na qual me enviava, sob condição de embargo, o/s texto/s que eu reclamara por não ser/em do conhecimento público.

2. Tive então a oportunidade de ler a «iniciativa legislativa de cidadãos – lei de apoio à maternidade e paternidade – do direito a nascer». Em tudo o que adiante escreverei tenham sempre em conta que parto do princípio que quem elaborou e assinou esta iniciativa o fez com recta intenção e de boa-fé, julgando que seguiam o n.º 73 da Encíclica O Evangelho da vida.

Confesso que me entusiasmaram muitas das medidas propostas, mas esse regozijo foi, pouco a pouco, esmorecendo à medida que cresciam em mim interrogações e dificuldades que me deixaram perplexo.

Por exemplo, querer fazer aprovar uma lei do direito a nascer no quadro de uma «lei» que liberaliza o aborto não será algo de parecido com empenhar-se numa iniciativa legislativa que queira fazer aprovar o direito à indissolubidade no casamento no quadro da actual «lei» que liberaliza o divórcio-expresso-sem culpa? Não sou jurista mas pergunto-me se nos levarão a sério, caso subscrevamos esta iniciativa – trata-se de uma dúvida que pessoas competentes nesta matéria certamente esclarecerão.

Também na exposição dos motivos, n.º 8, se afirma que o aborto foi despenalizado por referendo. Ora é sabido de todos que o referendo não foi juridicamente válido. Mais, poderá a fpv admitir e afirmar que qualquer tipo de referendo, mesmo que válido juridicamente segundo a «lei» positivista em vigor, o seja realmente? Alguma vez seria admissível admiti-lo e afirmá-lo em relação a um referendo que despenalizasse o gaseamento de judeus?

3. Passemos adiante que me falta o tempo para tudo esmiuçar. O Art. 6.º (Acompanhamento e apoio psicológico e social) indica-se o acompanhamento da mulher que pediu o aborto para consulta e acompanhamento interdisciplinar com pelo menos um psicólogo e um assistente social, no 16.º f) impera-se a consulta de acompanhamento psicológico e por técnico de serviço social durante o período de reflexão. Eu creio que tudo isto que aqui é dito tem como finalidade dissuadir a mãe grávida a não abortar o seu filho. Creio que com a esperança de que alguns defensores e promotores do direito a nascer consigam desse modo salvar algumas vidas de crianças nascituras e salvaguardar as suas mães de graves consequências psicológicas e espirituais, resultantes do homicídio de seus filhos. No entanto, se assim é, isso suscita-me pelo menos duas objecções:

a)  «Apostar» nos psicólogos e assistentes sociais será (é isso que concluo dos estudos que tenho feito e conhecimentos que tenho adquirido) uma roleta russa invertida, isto é, em vez de haver uma só bala no tambor cilíndrico do revólver, apenas lhe falta um projéctil. Poderia trazer aqui bastantes exemplos mas não me sobra o tempo.

b) O facto de a consulta e o acompanhamento serem um requisito não vejo como se poderá deixar de exigir um certificado como garantia do seu cumprimento. A ser assim, como cuido que terá de ser, isso equivalerá a um passaporte para o homicídio na forma de abortamento.

Na Alemanha formaram-se organizações católicas no intuito de propor, com ajudas muito concretas e consistentes, todas as alternativas às mães grávidas que queriam matar seus filhos nascituros. Apesar de terem conseguido salvar um número significativo de vidas, não o conseguiram de muitas outras. Estas organizações eram reconhecidas pelo estado e estavam integradas no sistema. Por isso, tinham que passar certificados a todas as mulheres que queriam destruir os seus bebés, antes de nascerem. Esse atestado servia de passaporte para exterminarem esses nossos irmãos, totalmente inocentes e eminentemente vulneráveis. Esta situação gerou um escândalo enorme, no sentido verdadeiro da palavra, corrompendo as mentalidades e as consciências. Entretanto havia filósofos e teólogos que esgrimiam controvérsia argumentando uns que se tratava de uma cooperação formal com o genocídio e outros, pelo contrário, sustentavam que era material. S. João Paulo II não quis ou não achava necessário dirimir a questão teológica, mas insistiu quer pessoalmente quer através da Congregação para a Doutrina da Fé, para que se pusesse imediatamente cobro a essa prática, uma vez que era de uma gravidade extrema. Não pode existir a mínima dúvida de qual é a posição da Igreja e, portanto, dos Católicos sobre a defesa da vida. Não se pode admitir qualquer tipo de ambiguidade. Quase todo o episcopado germânico opôs-se obstinadamente às directivas e mandatos de Roma. Os seus representantes foram de novo chamados a Roma e foi-lhes dito, claramente, que ou obedeciam ou seriam considerados cismáticos. Ao que parece S. João Paulo II considerou a matéria tão grave que, para terminar de vez com aquela situação, não recuou nem hesitou perante a eminência ou ameaça de um cisma na Igreja.

Meus bons e pacientes amigos e leitores, se há coisa que muito me custa e cansa é escrever, mas apesar de esbodegado vou tentar chegar ao fim, ainda esta madrugada – desculpem lá o desabafo...

4. O Art. 2.º (Consulta, informação e acompanhamento) e o Art. 16.º (consulta préviag), exigem a obrigatoriedade  e requisito de verificação necessária para que seja praticada a eliminação violenta e letal dos petizes. O Art. 19.º (Interrupção da gravidez) 4 – b), reza que os estabelecimentos oficiais ou oficialmente reconhecidos devem garantir às mães grávidas que suprimem, escangalhando-os, seus filhos a marcação de uma consulta de saúde reprodutiva/planeamento familiar a realizar no prazo máximo de 20 dias após a matança dos seus pequeninos.

a) Embora a expressão planeamento familiar seja usada por alguns católicos para se referirem aos métodos naturais de regulação de fertilidade todos sabemos que na sua esmagadora maioria é usada pelos agentes de saúde, pelo legislador, pelos políticos como sinónimo de contracepção, temporária ou definitiva. Demais não há centro de saúde nem hospital que a ela não recorra, que não pressione os pacientes a fazerem dela uso ou mesmo a impô-la abusiva e subrepticiamente.

b) Apesar de, como ensina o Evangelho da vida n.º 13, a contracepção e o aborto serem males diversos – pois enquanto a primeira priva o acto sexual da sua integridade, opondo-se à virtude da castidade, o segundo destrói a vida de um ser humano; a verdade é que, como afirma no mesmo número, o recurso à contracepção cria uma mentalidade que conduz ao aborto. Não é preciso ser católico para dar razão ao Papa. Quem lê estes rabiscos que vou redigindo sabe muito bem que já apresentei informação abundantíssima, fornecida pelos mais eminentes propugnadores ao longo de décadas, que o uso da contracepção não diminui mas, pelo contrário, aumenta o número de abortos. Também não se pode escamotear que há uma vasta gama de produtos que são apresentados como contraceptivos quando na realidade funcionam frequentemente como abortivos, sendo que isso é, propositadamente, ocultado às mulheres que vão a essas consultas.  Não vejo pois de que modo é que isso poderá contribuir para aquilo que se diz querer diminuir, isto é, o número de abortos. Alguém tem dúvidas na fpv que as pessoas minúsculas antes de se aconchegarem no útero materno têm o mesmo valor, a mesma dignidade, do que qualquer um de nós?

Estou em que o que disse acima no n.º 3 b) se aplica aqui ainda com maior vigor.

c) Para além disso temos que considerar atentamente outras consequências devastadoras: Há indicações, mesmo provas maciças, que o recurso à contracepção tem tido um papel decisivo e principal no aumento exponencial do divórcio, gerou a fecundação artificial extracorpórea, com a consequente destruição de centenas de milhares ou milhões, a experimentação letal nas pessoas no seu estado embrionário, a clonagem, a coisificação dos filhos e também das mulheres, a nova escravatura gerada pelas barrigas de aluguer, a ideologia lgbtqi e a do género, etc.

Sinceramente, não vejo como seja possível diminuir o número de abortos indo por aqui.

5. É certo que na proposta ou iniciativa legislativa há muitos pontos positivos, que poderiam ser aproveitados, não para esta petição, no meu entender, mas talvez para uma outra mais cuidada.

6. Ficou muita coisa por dizer e desenvolver, mas não aguento mais. Somente tenho forças para dizer que entendo que não posso subscrever nem apoiar esta iniciativa.


Nossa Senhora do Rosário intercedei por nós. Ámen.





sexta-feira, 17 de outubro de 2014


Cardeal Burke:

«Os Padres sinodais pedem

que a
relatio seja rectificada»


Belgicatho, blog católico belga laico de informação

Tout sauf la «langue de buis»: une interview du cardinal Burke par Antoine Pasquier sur le site de l’hebdomadaire «Famille chrétienne», ce 17 octobre:

Le co-président du groupe de travail anglophone au Synode revient sur les enjeux de fond de ce dernier.

Après la publication lundi d’un rapport d’étape peu satisfaisant, de nombreux Pères synodaux ont travaillé à l’améliorer pour que le texte final, qui sera voté (ou non) samedi 18 octobre donne une vision juste de la pensée de l’Église sur la famille. Parmi eux, le cardinal Edmund Burke, préfet du Tribunal suprême de la signature apostolique – et surtout co-président du groupe de travail anglophone au Synode – revient sur ce processus synodal et sur les enjeux de fond sous-jacents.

Comment les cercles mineurs se sont-ils approprié la relatio post disceptationem aprés la polémique du début de semaine? Faut-il s'attendre à de profonds changements de la relatio?

Il y a eu une réaction forte contre le texte de lundi matin. Quasiment tous les cercles mineurs ont exprimé des objections fondamentales et proposé des révisions substantielles. Les pères synodaux ont demandé une plus forte référence à l’écriture sainte et au riche magistère de l’Église sur la famille.

Ils ont regretté l’absence de référence à la loi naturelle et ont jugé inacceptables les affirmations sur les rapports sexuels hors mariage et entre personnes de même sexe. L’accès des divorcés remariés à la sainte communion a été rejeté par plusieurs cercles mineurs.

Le message envoyé est fort: le texte doit être radicalement changé. Samedi matin, j’attends de la relatio synodi qu’elle soit très différente de la relatio post disceptationem.

La relatio synodi est présentée et discutée samedi matin, avant d’être votée dans l’après-midi. Un rejet est-il envisageable?

C’est très possible. Si les membres de la commission chargée d’écrire la relatio synodi ne prennent pas en compte l’approche rectifiée sortie des cercles mineurs, le texte ne sera pas approuvé.

Sur certaines questions, comme celle relative à l'admission des divorcés à l'eucharistie ou celle concernant l’homosexualité, peut-on maintenir l’enseignement tout en ayant une attitude miséricordieuse?

Certainement. L’Église adresse son enseignement au monde avec tout le respect dû à la personne, mais en indiquant en même temps le besoin de la conversion des comportements peccamineux.

L’Église doit annoncer la vérité avec charité, car la vérité est l’unique voie pour trouver la félicité et le Salut.

Dans les débats qui animent le synode, percevez-vous, comme l’affirment certains observateurs, une volonté de s’éloigner de l’enseignement de Benoît XVI sur le danger du relativisme et de l’héritage de Jean-Paul II sur le mariage?

Je partage cette même impression, et cela me préoccupe beaucoup. Le texte de lundi ne cite pratiquement pas l’exhortation apostolique Familiaris consortio de Jean-Paul II. Et le riche magistère de Benoît XVI sur le relativisme n'y apparaît même pas! La relatio post disceptationem donne le sentiment que l’Église n’a rien fait de valable par le passé, et que tout est à recommencer de zéro.

On justifie cette herméneutique de la discontinuité ou de la rupture au prétexte que le monde a totalement changé. Un cardinal a même affirmé que Familiaris consortio n'était plus valable, car l'exhortation a éte écrite il y a trente ans. C'est absurde.

Des commentateurs pensent que le processus synodal vise à atteindre un seul objectif: permettre aux divorcés remariés d’accéder à la communion eucharistique. Tout est-il écrit d’avance?

Durant le synode, j’ai eu l’impression que les textes étaient déjà préparés, les conclusions déjà faites, et que les Pères synodaux n’avaient plus qu’à donner leur validation. Mais ils s’en sont aperçus et ont réagi.

Jeudi par exemple, le secrétaire général du Synode a demandé que les conclusions des cercles mineurs ne soient pas publiées. Mais nous avons insisté pour qu’elles le soient, car le monde écoute et doit savoir ce que pensent les Pères du synode.

Ref. Cardinal Burke: «Les Pères synodaux demandent que la relatio soit rectifiée»

JPSC






Carta aos bispos da Igreja católica

sobre o atendimento pastoral

das pessoas homossexuais


CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, 1986

1. O problema do homossexualismo e do juízo ético acerca dos actos homossexuais tornou-se cada vez mais objecto de debate público, mesmo em ambientes católicos. Em tal discussão, propõe-se muitas vezes argumentos e exprime-se posições não conformes com o ensinamento da Igreja católica, que suscitam justa preocupação em todos aqueles que se dedicam ao ministério pastoral. Por esse motivo esta congregação julga o problema tão grave e difuso que justifica a presente carta sobre o atendimento pastoral às pessoas homossexuais, Carta dirigida a todos os bispos da Igreja católica.

2. Naturalmente, não se pretende elaborar neste texto um tratado exaustivo sobre um problema tão complexo. Prefere-se concentrar a atenção no contexto específico da perspectiva moral católica. Esta encontra apoio também nos resultados seguros das ciências humanas, as quais, também, possuem objecto e método que lhes são próprios e gozam de legítima autonomia.

A posição da moral católica baseia-se na razão humana iluminada pela fé e guiada conscientemente pela intenção de fazer a vontade de Deus, nosso Pai. Desta forma, a Igreja está em condições não somente de poder aprender com as descobertas científicas, mas também de transcender-lhes o horizonte; ela tem a certeza de que a sua visão mais completa respeita à complexa realidade da pessoa humana que, nas suas dimensões espiritual e corpórea, foi criada por Deus e, por sua graça, é chamada a ser herdeira da vida eterna.

Somente em tal contexto poder-se-á compreender com clareza em que sentido o fenómeno do homossexualismo, nas suas múltiplas dimensões e com os seus efeitos sobre a sociedade e sobre a vida eclesial, é um problema que afecta propriamente a preocupação pastoral da Igreja. Por isso mesmo, requer-se dos seus ministros atento estudo, empenho concreto e reflexão honesta, teologicamente equilibrada.

3. Já na «Declaração acerca de algumas questões de ética sexual» de 29 de Dezembro de 1975, a Congregação para a Doutrina da Fé tratava explicitamente este problema. Naquela declaração, salientava-se o dever de procurar compreender a condição homossexual e observava-se que a culpabilidade dos actos homossexuais deve ser julgada com prudência. Ao mesmo tempo, a congregação levava em consideração a distinção feita comumente entre a condição ou tendência homossexual, de um lado, e, do outro, os actos homossexuais. Estes últimos eram descritos como actos que, privados da sua finalidade essencial e indispensável, são «intrinsecamente desordenados» e, como tais, não podem ser aprovados em nenhum caso (cfr. n. 8, § 4).

Entretanto, na discussão que se seguiu à publicação da declaração, foram propostas interpretações excessivamente benévolas da condição homossexual, tanto que houve quem chegasse a defini-la indiferente ou até mesmo boa. Ao invés, é necessário precisar que a particular inclinação da pessoa homossexual, embora não seja em si mesma um pecado, constitui, no entanto, uma tendência, mais ou menos acentuada, para um comportamento intrinsecamente mau do ponto de vista moral. Por esse motivo, a própria inclinação deve ser considerada como objectivamente desordenada.

Aqueles que se encontram em tal condição deveriam, portanto, ser objecto de uma particular solicitude pastoral, para não serem levados a crer que a realização concreta de tal tendência nas relações homossexuais seja uma opção moralmente aceitável.

4. Uma das dimensões essenciais de um autêntico atendimento pastoral é a identificação das causas que provocaram confusão quanto ao ensinamento da Igreja. Entre elas, deve-se assinalar uma nova exegese da Sagrada Escritura, segundo a qual a Bíblia ou não teria nada a dizer acerca do problema do homossexualismo, ou até mesmo tacitamente o aprovaria, ou então ofereceria prescrições morais tão condicionadas cultural e historicamente, que afinal não mais poderiam ser aplicadas à vida contemporânea. Tais opiniões, gravemente erróneas e desorientadoras, requerem, portanto, uma especial vigilância.

5. É verdade que a literatura bíblica é tributária das várias épocas nas quais foi escrita, em relação a grande parte dos seus modelos de pensamento e de expressão (cfr. Dei Verbum, n. 12). Certamente, a Igreja de hoje proclama o Evangelho a um mundo bastante diferente do mundo antigo. Por outro lado, o mundo no qual foi escrito o Novo Testamento estava já consideravelmente mudado, por exemplo, quanto à situação na qual foram escritas ou redigidas as Sagradas Escrituras do povo judeu.

Deve-se ressaltar todavia que, embora no contexto de uma diversidade notável, existe uma evidente coerência no interior das mesmas Escrituras no que diz respeito ao comportamento homossexual. Por isso, a doutrina da Igreja acerca deste ponto não se baseia apenas em frases isoladas, das quais se podem deduzir argumentações teológicas discutíveis, e sim no sólido fundamento de um testemunho bíblico constante. A actual comunidade de fé, em ininterrupta continuidade com as comunidades judaicas e cristãs no seio das quais foram redigidas as antigas Escrituras, continua a alimentar-se com aquelas mesmas Escrituras e com o Espírito de Verdade do qual elas são a Palavra. É igualmente essencial reconhecer que os textos sagrados não são realmente compreendidos quando interpretados de um modo que contradiz a vigente Tradição da Igreja. Para ser correia, a interpretação da Escritura deve estar em acordo efectivo com esta Tradição.

A este respeito, assim se exprime o Concílio Vaticano II: «É claro, pois, que a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, por sapientíssima disposição de Deus, são entre si tão relacionados e unidos, que não podem subsistir independentemente, e todos juntos, segundo o modo próprio de cada um, sob a acção de um só Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas» (Dei Verbum, n. 10). À luz dessas afirmações aqui se delineia sucintamente o ensinamento da Bíblia sobre a matéria.

6. A teologia da criação, presente no livro do Génesis, fornece o ponto de vista fundamental para a adequada compreensão dos problemas suscitados pelo homossexualismo. Na sua infinita sabedoria e no seu amor omnipotente, Deus chama à existência toda a criação, como reflexo da sua bondade. Cria o homem à sua imagem e semelhança, como varão e mulher. Por isso mesmo, os seres humanos são criaturas de Deus chamadas a reflectir, na complementariedade dos sexos, a unidade interna do Criador. Eles realizam esta função, de modo singular, quando, mediante a recíproca doação esponsal, cooperam com Deus na transmissão da vida.

O capítulo 3 do Génesis mostra como esta verdade acerca da pessoa humana como imagem de Deus foi obscurecida pelo pecado original. Daí provém inevitavelmente uma perda da consciência acerca do carácter de aliança, próprio da união que as pessoas humanas mantinham com Deus e entre si. Embora o corpo humano conserve ainda o seu «significado esponsal», este, agora, é obscurecido pelo pecado. Assim, o deterioramento devido ao pecado continua a desenvolver-se na história dos homens de Sodoma (cfr. Gn 19, 1-11). Não pode haver dúvidas quanto ao julgamento moral aí expresso contra as relações homossexuais. Em Levítico 18, 22 e 20, 13, quando se indica as condições necessárias para se pertencer ao povo eleito, o autor exclui do povo de Deus os que têm um comportamento homossexual.

Tendo como tela de fundo esta legislação teocrática, São Paulo desenvolve uma perspectiva escatológica, dentro da qual repropõe a mesma doutrina, elencando também entre aqueles que não entrarão no reino de Deus os que agem como homossexuais (cfr. 1 Cor 6, 9). Noutra passagem do seu epistolário, baseando-se nas tradições morais dos seus ancestrais, mas colocando-se no novo contexto do confronto entre o cristianismo e a sociedade pagã do seu tempo, ele apresenta o comportamento homossexual como um exemplo da cegueira em que caiu a humanidade. Tomando o lugar da harmonia original entre Criador e criatura, o grave desvio da idolatria levou a todo tipo de excessos no campo moral. São Paulo aponta o exemplo mais claro desta desarmonia exactamente nas relações homossexuais (cfr. Rm 1, 18-32). Enfim, em perfeita continuidade com o ensinamento bíblico, na lista dos que agem contrariamente à sã doutrina, são mencionados explicitamente como pecadores aqueles que praticam actos homossexuais (cfr. 1 Tm 1, 10).

7. A Igreja, obediente ao Senhor que a fundou e a enriqueceu com a dádiva da vida sacramental, celebra no sacramento do matrimónio o desígnio divino da união do homem e da mulher, união de amor e capaz de dar a vida. Somente na relação conjugal o uso da faculdade sexual pode ser moralmente correcto. Portanto, uma pessoa que se comporta de modo homossexual, age imoralmente.

Optar por uma actividade sexual com uma pessoa do mesmo sexo equivale a anular o rico simbolismo e o significado, para não falar dos fins, do desígnio do Criador a respeito da realidade sexual. A actividade homossexual não exprime uma união complementar, capaz de transmitir a vida e, portanto, contradiz a vocação a uma existência vivida naquela forma de auto-doação que, segundo o Evangelho, é exactamente a essência da vida cristã. Não quer dizer que as pessoas homossexuais não sejam frequentemente generosas e não se doem, mas quando se entregam a uma actividade homossexual, elas reforçam dentro delas mesmas uma inclinação sexual desordenada, caracterizada em si mesma pela auto-complacência.

Como acontece com qualquer outra desordem moral, a actividade homossexual impede a auto-realização e a felicidade porque contraria a sabedoria criadora de Deus. Refutando as doutrinas erróneas acerca do homossexualismo, a Igreja não limita, antes pelo contrário, defende a liberdade e a dignidade da pessoa, compreendidas de um modo realista e autêntico.

8. O ensinamento da Igreja de hoje encontra-se, portanto, em continuidade orgânica com a visão contida na Sagrada Escritura e com a constante Tradição. Embora o mundo de hoje esteja, realmente mudado, sob diversos pontos de vista, a comunidade cristã está consciente do vínculo profundo e duradouro que a une às gerações que a precederam «no sinal da fé».

No entanto, um número cada vez mais vasto de pessoas, mesmo dentro da Igreja, exerce fortíssima pressão para levá-la a aceitar a condição homossexual como se não fosse desordenada e a legitimar os actos homossexuais. Os que, no interior da Igreja, pressionam nesta direcção, frequentemente mantêm estreita ligação com os que agem fora dela. Ora, tais grupos externos são movidos por uma visão oposta à verdade acerca da pessoa humana, verdade que nos foi revelada plenamente no mistério de Cristo. Embora de modo não de todo consciente, eles manifestam uma ideologia materialista, que nega a natureza transcendente da pessoa humana bem como a vocação sobrenatural de cada indivíduo.

Os ministros da Igreja devem agir de tal modo que as pessoas homossexuais confiadas aos seus cuidados não sejam desencaminhadas por estas opiniões, tão profundamente opostas ao ensino da Igreja. Contudo o risco é grande e existem muitos que procuram criar confusão quanto à posição da Igreja e aproveitar-se de tal confusão em favor dos seus próprios objectivos.

9. Mesmo dentro da Igreja formou-se uma corrente, constituída por grupos de pressão com denominações diferentes e diferente amplitude, que tenta impôr-se como representante de todas as pessoas homossexuais que são católicas. Na realidade, os seus adeptos são, na maioria dos casos, pessoas que, ou desconhecem o ensinamento da Igreja, ou procuram subvertê-lo de alguma maneira. Tenta-se reunir sob a égide do catolicismo pessoas homossexuais que não têm a mínima intenção de abandonar o seu comportamento homossexual. Uma das tácticas usadas é a de afirmar, em tom de protesto, que qualquer crítica ou reserva às pessoas homossexuais, à sua atitude ou ao seu estilo de vida, é simplesmente uma forma de injusta discriminação.

Em algumas nações funciona, como consequência, uma tentativa de pura e simples manipulação da Igreja, conquistando-se o apoio dos pastores, frequentemente de boa fé, no esforço que visa mudar as normas da legislação civil. Finalidade de tal acção é ajustar esta legislação à concepção própria de tais grupos de pressão, para a qual o homossexualismo é, pelo menos, uma realidade perfeitamente inócua, quando não totalmente boa.

Embora a prática do homossexualismo esteja ameaçando seriamente a vida e o bem-estar de grande número de pessoas, os fautores desta corrente não desistem da sua acção e recusam levar em consideração as proporções do risco que ela implica.

A Igreja não pode despreocupar-se de tudo isto e por conseguinte mantém firme a sua posição clara relativamente a, posição que não pode, certamente, modificar-se sob a pressão da legislação civil ou da moda do momento. Ela preocupa-se também, sinceramente, pelos muitos que não se sentem representados pelos movimentos pró-homossexuais e por aqueles que poderiam ser tentados a crer na sua propaganda enganadora. Ela está consciente de que a opinião segundo a qual a actividade homossexual seria equivalente à expressão sexual do amor conjugal ou, pelo menos, igualmente aceitável, incide directamente sobre a concepção que a sociedade tem da natureza e dos direitos da família, pondo-os seriamente em perigo.

10. É de se deplorar firmemente que as pessoas homossexuais tenham sido e sejam ainda hoje objecto de expressões malévolas e de acções violentas. Semelhantes comportamentos merecem a condenação dos pastores da Igreja, onde quer que aconteçam. Eles revelam uma falta de respeito pelos outros que fere os princípios elementares sobre os quais se alicerça uma sadia convivência civil. A dignidade própria de cada pessoa deve ser respeitada sempre, nas palavras, nas acções e nas legislações.

Todavia, a necessária reacção diante das injustiças cometidas contra as pessoas homossexuais não pode levar, de forma alguma, à afirmação de que a condição homossexual não seja desordenada. Quando tal afirmação é aceite e, por conseguinte, a actividade homossexual é considerada boa, ou quando se adopta uma legislação civil para tutelar um comportamento ao qual ninguém pode reivindicar direito algum, nem a Igreja nem a sociedade no seu conjunto deveriam surpreender-se se depois também outras opiniões e práticas distorcidas ganham terreno e se aumentam os comportamentos irracionais e violentos.

11. Alguns afirmam que a tendência homossexual, em certos casos, não é fruto de uma opção deliberada e que a pessoa homossexual não tem outra alternativa, sendo obrigada a comportar-se de modo homossexual. Por conseguinte, afirma-se que, em tais casos, ela agiria sem culpa, não sendo realmente livre.

A este propósito, é necessário referir-se à sábia tradição moral da Igreja, que alerta para as generalizações no julgamento dos casos individuais. De facto, num determinado caso, podem ter existido no passado, e podem subsistir ainda, circunstâncias tais que reduzem ou até mesmo eliminam a culpa do indivíduo; outras circunstâncias, ao contrário, podem agravá-la. Em todo caso, deve-se evitar a presunção infundada e humilhante de que o comportamento homossexual das pessoas homossexuais esteja sempre e totalmente submetido à coacção e, portanto, seja sem culpa. Na realidade, também às pessoas com tendência homossexual deve ser reconhecida aquela liberdade fundamental que caracteriza a pessoa humana e lhe confere a sua particular dignidade. Como em toda a conversão do mal, graças a tal liberdade, o esforço humano, iluminado e sustentado pela graça de Deus, poderá permitir-lhes evitar a actividade homossexual.

12. Que deve fazer, então, uma pessoa homossexual que procura seguir o Senhor? Substancialmente, tais pessoas são chamadas a realizar a vontade de Deus na sua vida, unindo ao sacrifício da cruz do Senhor todo o sofrimento e dificuldade que possam experimentar por causa da sua condição. Para quem crê, a cruz é um sacrifício frutuoso, pois daquela morte derivam a vida e a redenção. Ainda que se possa prever que qualquer convite a carregar a cruz ou a compreender de tal forma o sofrimento do cristão será ridicularizado por alguns, é preciso recordar que é este o caminho da salvação para todos aqueles que seguem Cristo.

Não é outro, na realidade, o ensinamento transmitido pelo apóstolo Paulo aos Gálatas, quando diz que o Espírito produz na vida do fiel «amor, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade, fidelidade, mansidão e auto-domínio» e, mais adiante: «Não podeis pertencer a Cristo sem crucificar a carne com as suas paixões e os seus desejos» (Gal 5, 22. 24).

Todavia, este convite é facilmente mal interpretado, se é considerado apenas como um inútil esforço de auto-renegação. A cruz é, sem dúvida, renegação de si mesmo, mas no abandono à vontade daquele Deus que da morte faz brotar a vida e habilita os que nele depositam a sua confiança a praticarem a virtude em lugar do vício.

Só se celebra autenticamente o Mistério Pascoal quando se deixa que ele impregne o tecido da vida cotidiana. Recusar o sacrifício da própria vontade na obediência à vontade do Senhor é, de facto, opor obstáculo à salvação. Exactamente como a Cruz é o centro da manifestação do amor redentor que Deus tem por nós em Jesus, assim o facto de conformarem a negação de si mesmos ao sacrifício do Senhor constituirá para homens e mulheres homossexuais uma fonte de auto-doação que os salvará de uma forma de vida que continuamente ameaça destruí-los.

As pessoas homossexuais, como os demais cristãos, são chamadas a viver a castidade. Dedicando-se com assiduidade a compreender a natureza do chamado pessoal que Deus lhes dirige, serão aptas a celebrar mais fielmente o sacramento da Penitência e a receber a graça do Senhor que, neste mesmo sacramento, se oferece para generosamente poderem converter-se mais plenamente ao seu seguimento.

13. É evidente, por outro lado, que uma clara e eficaz transmissão da doutrina da Igreja a todos os fiéis e à sociedade no seu conjunto depende em grande parte do ensinamento correcto e da fidelidade daqueles que exercem o ministério pastoral. Os bispos têm a responsabilidade particularmente grave de preocupar-se que os seus colaboradores no ministério e, sobretudo, os sacerdotes, sejam correctamente informados e pessoalmente bem dispostos a comunicar a todos a Doutrina da Igreja na sua integridade.

São dignas de admiração a particular solicitude e a boa vontade demonstradas por muitos sacerdotes e religiosos, no atendimento pastoral às pessoas homossexuais; esta congregação espera que tal solicitude e boa vontade não diminuam. Estes zelosos ministros devem nutrir a certeza de que estão seguindo fielmente a vontade do Senhor quando encorajam a pessoa homossexual a levar uma vida casta e relembram a dignidade incomparável que Deus lhe deu também.

14. Considerando tudo o que precede, esta congregação deseja pedir aos bispos que sejam particularmente vigilantes em relação aos programas que, de facto, tentam exercer pressão sobre a Igreja a fim de que ela mude a sua Doutrina, embora às vezes, verbalmente neguem que seja assim. Um estudo atento das declarações públicas neles contidas e das actividades que promovem revela uma calculada ambiguidade, através da qual procuram desviar pastores e fiéis. Por exemplo, costumam citar o ensinamento do Magistério, mas somente como uma fonte facultativa na formação da consciência; a sua autoridade peculiar não é reconhecida. Alguns grupos costumam até mesmo qualificar de «católicas» as suas organizações ou as pessoas às quais pretendem dirigir-se, mas, na realidade, não defendem nem promovem o ensinamento do Magistério; ao contrário, às vezes, atacam-no abertamente. Mesmo reafirmando a vontade de conformar a sua vida ao ensinamento de Jesus, de facto os membros desses grupos abandonam o ensinamento da sua Igreja. Este comportamento contraditório de forma alguma pode receber o apoio dos bispos.

15. Esta congregação encoraja, pois, os bispos a promoverem, nas suas dioceses, uma pastoral para as pessoas homossexuais, que concorde plenamente com o ensinamento da Igreja. Nenhum programa pastoral autêntico poderá incluir organizações em que pessoas homossexuais se associem entre si, sem que fique claramente estabelecido que a actividade homossexual é imoral. Uma atitude verdadeiramente pastoral incluirá a necessidade de evitar, para as pessoas homossexuais, as ocasiões próximas de pecado.

Devem ser encorajados os programas em que tais perigos sejam evitados. Mas é necessário deixar bem claro que afastar-se do ensino da Igreja ou fazer silêncio em torno dele, sob o pretexto de oferecer um atendimento pastoral, não é forma legítima nem de autêntica atenção nem de pastoral válida. Em última análise, somente aquilo que é verdadeiro pode ser também pastoral. Quando não se tem presente a posição da Igreja, impede-se a homens e mulheres homossexuais de receberem o atendimento de que necessitam e ao qual têm direito.

Um programa pastoral autêntico ajudará as pessoas homossexuais em todos os níveis da sua vida espiritual, mediante os sacramentos e, particularmente, a frequente e sincera confissão sacramental, como também através da oração, do testemunho, do aconselhamento e da atenção individual. Desta forma, a comunidade cristã na sua totalidade pode chegar a reconhecer a sua vocação de assistir estes seus irmãos e irmãs, evitando-lhes tanto a desilusão como o isolamento.

16. Desta abordagem diversificada podem advir muitas vantagens, entre as quais não menos importante é a constatação de que uma pessoa homossexual, como, de resto, qualquer ser humano, tem uma profunda exigência de ser ajudada contemporaneamente em vários níveis.

A pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, não pode definir-se cabalmente por uma simples e redutiva referência à sua orientação sexual. Toda e qualquer pessoa que vive sobre a face da terra conhece os problemas e dificuldades pessoais, mas possui também oportunidades de crescimento, recursos, talentos e dons próprios. A Igreja oferece ao atendimento da pessoa humana aquele contexto de que hoje se sente a exigência extrema, e o faz exactamente quando se recusa a considerar a pessoa meramente como um «heterossexual» ou um «homossexual», sublinhando que todos têm uma mesma identidade fundamental: ser criatura e, pela graça, filho de Deus, herdeiro da vida eterna.

17. Apresentando à atenção dos bispos esses esclarecimentos e orientações pastorais, esta congregação deseja ajudar com os seus esforços no sentido de assegurar que o ensinamento do Senhor e da Sua Igreja acerca deste importante tema seja transmitido integralmente a todos os fiéis.

À luz do que se acaba de expor, os Ordinários locais são convidados a avaliar, no âmbito da própria competência, a necessidade de particulares iniciativas. Além disso, se julgarem útil, poder-se-á recorrer a uma acção mais extensa, coordenada a nível das Conferências Episcopais Nacionais.

Os bispos serão particularmente solícitos em apoiar com todos os meios à sua disposição, o desenvolvimento de formas especializadas de atendimento pastoral às pessoas homossexuais. Isso poderia incluir a colaboração das ciências psicológicas, sociológicas e médicas, mantendo-se sempre na plena fidelidade à Doutrina da Igreja.

Os bispos, sobretudo, não deixarão de solicitar a colaboração de todos os teólogos católicos, os quais, ensinando o que a Igreja ensina e aprofundando com as suas reflexões o significado autêntico da sexualidade humana e do matrimónio cristão no plano divino, como também das virtudes que este comporta, poderão desta forma oferecer um válido auxílio neste campo específico da actividade pastoral.

Particular atenção deverão ter os bispos, além disso, ao escolher os ministros a serem encarregados desta delicada tarefa, de modo que estes, graças à sua fidelidade ao Magistério e ao seu elevado grau de maturidade espiritual e psicológica, possam ser de real ajuda às pessoas homossexuais, de forma que elas alcancem o seu bem integral. Tais ministros rechaçarão as opiniões teológicas que são contrárias ao ensinamento da Igreja e que, portanto, não podem servir como directrizes no campo pastoral.

Será conveniente além disso promover adequados programas de catequese, baseados na verdade acerca da sexualidade humana, na sua relação com a vida da família, tal como é ensinada pela Igreja. Tais programas, com efeito, fornecem um óptimo contexto, dentro do qual pode ser abordada também a questão do homossexualismo.

Esta catequese poderá ajudar inclusive as famílias em que se encontrem pessoas homossexuais, a enfrentar um problema que as atinge tão profundamente.

Deve ser retirado todo o apoio a qualquer organização que procure subverter o ensinamento da Igreja, que seja ambígua quanto a ele ou que o transcure completamente. Tal apoio, mesmo só aparente, pode dar origem a mal-entendidos graves. Uma atenção especial deveria ser dedicada à programação das celebrações religiosas e ao uso, por parte desses grupos, de edifícios de propriedade da Igreja, inclusive a possibilidade de dispor das escolas e dos institutos católicos de estudos superiores. Para alguns, tal permissão de utilizar uma propriedade da Igreja pode parecer apenas um gesto de justiça e de caridade, mas, na realidade, ela contradiz as finalidades mesmas para as quais aquelas instituições foram fundadas, e pode ser fonte de mal-entendidos e de escândalo.

Ao avaliar eventuais projectos legislativos, dever-se-á pôr em primeiro plano o empenho na defesa e promoção da vida da família.

18. O Senhor Jesus disse: «Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará» (Jo 8, 32). A Sagrada Escritura manda-nos realizar a Verdade na Caridade (cfr. Ef 4, 15). Deus, que é ao mesmo tempo Verdade e Amor, chama a Igreja a pôr-se ao serviço de cada homem, mulher e criança, com a solicitude pastoral do nosso Senhor Misericordioso. É com este espírito que a Congregação para a Doutrina da Fé endereça a presente carta aos bispos da Igreja, na esperança de que lhes sirva de ajuda no atendimento pastoral a pessoas cujos sofrimentos só poderão agravar-se por doutrinas erróneas, enquanto que a Palavra da Verdade os aliviará.

O Sumo Pontífice João Paulo II, no decurso da Audiência concedida ao Prefeito abaixo-assinado, aprovou e ordenou a publicação da presente Carta, decidida em reunião ordinária desta Congregação.

Roma, da sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 1.º de Outubro de 1986.

Joseph Card. Ratzinger
Prefeito

+ Alberto Bovone

Arcebispo Tit. de Cesaréia de Numídia
Secr






Lapso meu. Erro de tradução?, e mais


Nuno Serras Pereira, 16. 10. 2014

No início do texto intitulado «A Inacreditável Discriminação no Sínodo!», que vos enviei no dia 14 do corrente, escrevi erradamente que o Santo Padre tinha nomeado mais seis relatores para a redação do «relatório intercalar», quando na verdade os designou para «ajudarem» o Cardeal Erdó, tido como fiel à Tradição e Magistério da Igreja, para redigirem o relatório final[1] (um dia saber-se-á, sei-o de fonte segura, as coisas que o Cardeal Baldisseri obrigou Erdó a escrever). Provocou grande estranheza que nessa inopinada decisão o Papa não tivesse designado nenhum Cardeal ou Bispo africano. O Cardeal Kasper encarregou-se de «explicar» o porquê, mas o teor das suas declarações foi de tal modo escandaloso[2], se não mesmo racista, que, inesperadamente, Francisco I lá acabou por escolher também um africano.

Entretanto, neste mar revolto e tempestuoso que, segundo todos dizem, foi querido pelo Papa, representante e Vigário d’Aquele Cristo que na Terra serenava as tormentas, a sala de imprensa da Santa Sé, tendo em conta as reacções ao «relatório intercalar», veio esclarecer que a tradução inglesa, não oficial, que tinha distribuído à comunicação social padecia de um erro, pois tinha traduzido mal, o italiano valutare (avaliar, ter em consideração) por valuing (valorizar). Mas será mesmo assim? Confesso que me cheirou a esturro enxofrado (já sei que isto é mania minha, uma vez que também me cheirou a esturro uma iniciativa legislativa que a par do direito a nascer inclui também o direito a matar, através de consultas obrigatórias de «saúde reproductiva», a que os Bispos portugueses aderiram alegremente) e fui rever a gravação televisiva em que um repórter interroga directamente, citando à letra o texto inglês distribuído, o redactor, o Arcebispo Bruno Forte. Este Bispo é um filósofo e teólogo famoso, muito ligado aos jesuítas, que mede cada palavra e está tão à vontade no inglês como no italiano (excepto na pronúncia...), de modo que, parece-me evidente, se a tradução do texto estivesse errada logo o notaria e corrigiria, o que não fez como mostra a reportagem da ChurchMilitant.TV, de dia 14 do corrente entre os minutos 3. 42 a 6. 16. De resto nem responde à pergunta, recorrendo àquela linguagem viscosa que Robert Royal denuncia no seu boletim de hoje.[3] Acresce que valutare pode de facto traduzir-se como valorizar, reconhecer o valor, estimando as suas qualidades: Tenere qualcuno, qualcosa in buona considerazione, stimandone il pregio e le qualità: i suoi meriti non sono stati giustamente valutatilo hanno sempre valutato meno di zerol'hai valutato troppo‖ SIN. apprezzare.[4]

É próprio dos dissidentes recorrer a uma linguagem ambígua, que dizendo finge que não diz, podendo assim desculpar-se afirmando que foram mal entendidos. Mas o veneno já foi inoculado, e como bem observou o Cardeal Napier, esse grande franciscano africano, o Sínodo está agora «working from a position that is virtually irredeemable.» «The message has gone out that this is what the Synod is saying, this is what the Catholic Church is saying, and it’s not what we are saying at all,» he said. «No matter how we try correcting that ... there's no way of retrieving it.»[5]

Mas mesmo que a tradução fosse incorrecta a maneira perniciosamente inovadora como aborda em geral o tema da «homossexualidade» não faz mais do que favorecer a ideologia «gay» como bem o entendeu um dos maiores activista desse bando que louva o relatório intercalar por causa da mudança na terminologia: «uma mudança na linguagem provoca uma reacção em cadeia; originará uma mudança na prática pastoral e isso causará uma mudança no ensino [da doutrina da Igreja].»[6]  Não admira pois que um especialista italiano, nestes temas, tenha denunciado a deriva antiMagistério empuxada por alguns poderosos e influentes no Sínodo.

Ademais, como afirma um investigador reconhecido, Paul Cameron, existem provas: «that wherever social and political attitudes towards homosexuality are more positive, sex crimes against minors with a homosexual element are more numerous.».[7]

Se há inimigos jurados do casamento e da família eles são os activistas lgbtqi e se o Sínodo quer falar deles devia denunciá-los como tais. E não me venham com o «quem sou eu para julgar?» porque a isso respondo com as palavras de Jesus: «Porque não julgais por vós mesmos, o que é justo?» (Luc 12, 57).

Também em relacção às situações irregulares e situações problemáticas o «relatório preliminar» está prenhe de cedências a uma mentalidade em parte protestante e em parte mundana – parece que não aprenderam nada com a armadilha em que caiu a igreja anglicana em 1930. E chega ao cúmulo de recorrer à expressão «lei da gradualidade» da Familiaris Consortio de S. João Paulo II para a manipular, como bem notou Phil Lawler.

Num texto notável, Ricardo Cascioli, hoje, no diário online que dirige, diagnostica com impressionante precisão o porquê de o Sínodo estar a correr mal, como podem ler aqui.

Felizmente, o Espírito Santo soprou incutindo fortaleza, audácia e franqueza a muitos que nos grupos de trabalho, hoje concluídos, apresentaram centenas de emendas e propostas que vão no sentido contrário ao do «relatório intercalar».



[1] http://www.catholicculture.org/news/headlines/index.cfm?storyid=22910

[2] https://www.lifesitenews.com/news/breaking-cardinal-kasper-denies-making-comments-about-african-bishops-repor

[3] http://www.thecatholicthing.org/synod_report/synod_report/synod-day-10-a-ton-of-vaseline.html

[4] http://www.grandidizionari.it/dizionario-italiano/parola/v/valutare.aspx?query=valutare

[5] https://www.lifesitenews.com/news/cardinal-pell-after-tendentious-and-incomplete-synod-report-church-must-rea

[6] http://www.religionenlibertad.com/catolico-exgay-explica-como-la-relatio-dana-a-los-homosexuales-al-38168.htm

[7] https://www.lifesitenews.com/news/positive-correlation-between-homosexual-sex-abuse-and-acceptance-of-homosex






quinta-feira, 16 de outubro de 2014


Resistir à tendência herética


Roberto de Mattei



O relatório Erdö apaga de repente o pecado e a lei natural. No Sínodo, roturas, desentendimentos teológicos, desacordo de ideias sobre o pecado  e a redenção.


http://www.ilfoglio.it/articoli/v/121899/rubriche/sinodo-famiglia-resistere-alla-tendenza-eretica.htm




Sínodo: afinal, a culpa das confusões

é do tradutor de valutando...


Luís Lemos

Tudo tranquilo, pessoal! Afinal a culpa das confusões geradas no sínodo e em torno do sínodo é apenas de um reles e incompetente tradutor que traduziu mal valutando!

Sabem, valutando foi traduzido por valorizando, quando «seria mais correcto» traduzir por «tendo em conta». E isso «poderá ter feito toda a diferença na forma como se reagiu ao documento, embora este não seja o único ponto de discórdia sobre o seu conteúdo». (É esta a descoberta da fantástica Rádio Renascença e de outras renascenças que existem por esse mundo dito cristão e mesmo católico, descoberta esta que não deve ser confundida com aquilo de tapar o sol com uma peneira.)


Sim, pessoal, «ter em conta» os invertidos não é propriamente «valorizar» os invertidos, é apenas acarinhá-los, é praticar a caridade e a tolerância, é ser verdadeiramente cristão, é não pretender julgar!

Calma, pessoal!

O barco está na boa rota.

O homem do leme está firme e claro no seu posto.

Os seus imediatos, por ele nomeados, e da sua confiança, mantêm-se firmemente fiéis à rota.

Durmamos tranquilos. Como eles e os redactores da RR nos recomendam.






quarta-feira, 15 de outubro de 2014


A inacreditável discriminação no sínodo!


Nuno Serras Pereira, 14. 10. 2014

O «relatório intercalar» foi fundamentalmente redigido por hierarcas escolhidos a dedo pelo Papa Francisco. Provocou estranheza que apesar de já ter dois relatores, Baldisseri e Bruno Forte, claramente partidários de uma «revolução» a que chamam «abertura» ou «desenvolvimento doutrinal» – mas que na verdade é uma inversão das verdades contidas na Sagrada Escritura e na Tradição, proclamadas e explicitadas constantemente pelo Magistério da Igreja – à última da hora, de supetão» tenha nomeado mais seis relatores, todos eles, com a mesma configuração ideológica dos já referidos.

Esse «relatório preliminar» lançado à comunicação social, sem conhecimento nem autorização dos Padres Sinodais, foi, objectivamente, redigido e publicitado com o propósito de condicionar os trabalhos sinodais. Entre outras coisas, podemos verificar que esse texto demonstra uma verdadeira obsessão que se exprime pelo empenho em inverter ou falsificar a verdade doutrinal em relação aos, como eles dizem, homossexuais, à contracepção, à não admissão dos adúlteros «divorciados recasados», e, pela sua eloquentíssima ausência, ao aborto.

Mas em relação a estas obsessões há uma que se destaca, porque já aparecia também no «Instrumento de trabalho», e me espanta grandissimamente, a saber: por que se trata, num sínodo sobre a família, o tema das pessoas com inclinações e/ou práticas intrinsecamente desordenadas em relação a outras do mesmo sexo? Quando me ponho a cogitar sobre isto, se é que eu tenho alguma capacidade de pensar, conjecturo que será, talvez, porque essas pessoas são filhos, irmãos, tios, sobrinhos, netos e, por vezes, pais. Mas estas hipóteses não me convencem, pois se assim fosse ter-se-ia igualmente que tratar de uma infinidade de situações, igualmente desordenadas. Por exemplo, os alcoólicos, os toxicodependentes, os ladrões, os mafiosos, os cleptomaníacos, os viciados no jogo, as prostitutas, os pedófilos, os hereges, os ateus, os maçons, os homicidas, os assassinos em série, os advogados da eutanásia, os abortistas, os polígamos, os poliamorosos, os neonazis, os ditadores, os terroristas, etc. É claro, ou alguém tem dúvidas?, que toda esta gente é pessoa. E como, dizia Bruno Forte, sendo pessoas, têm a dignidade de criaturas de Deus, criadas à Sua imagem e semelhança. Por isso, seguindo o mesmo raciocínio, a Igreja tem de os acolher, fazê-los participantes das actividades eclesiais, dando-lhes cargos como sucedeu com um «homossexual», vivendo em união de facto com outro, em Viena, por decisão, contra a do Pároco, do Cardeal da capital austríaca. Se aguçarmos as nossas mentes de modo a ficarmos tão sagazes como alguns dos prelados que agora discorrem sobre a família poderemos mesmo encontrar «elementos de santidade» em toda esta gente que o Sínodo clamorosa e escandalosamente discrimina. Abaixo a discriminação! Viva a igualdade!