Filipe d’Avillez, Actualidade
religiosa, 30 de Maio de 2016
Dois pontos prévios… 1) Toda a vida andei em
colégios particulares, nenhum dos quais com contrato de associação, mas tirei
o curso numa universidade pública. Não é que isso seja particularmente
importante, mas é para não me virem acusar de nada.
2) Os meus filhos andam num colégio privado, sem
contrato de associação, pela simples razão de que a minha mulher trabalha na
instituição e por isso é-nos simultaneamente mais prático e ao mesmo tempo
economicamente viável por causa do desconto de que beneficiamos.
Yellow? Is it me you're looking for? |
Dito isto, quero deixar claro que sou
simultaneamente um ignorante em matéria de política educativa e também o maior
especialista do país em política educativa. Não percebo nada da legislação nem
dos programas escolares, ignoro as guerras dos professores e da Fenprof bem
como o que se passa no Ministério. Mas enquanto pai de quatro alunos, com um
quinto a caminho, sou o maior especialista que existe sobre aquilo que quero da
sua educação e aquilo que espero para eles na escola.
Com estes preliminares esclarecidos, vamos à
questão do momento… Os contratos de associação.
Pelas redes sociais e também pelas caixas de
comentários das notícias da Renascença, que por vezes preciso de moderar, vejo
que reina uma ideia muito simplista sobre esta disputa.
A ideia que se espalhou é que o Governo anda a
sugar o tutano das escolas públicas para ajudar os donos dos privados a
construir piscinas olímpicas para meninos ricos. Mas não… Na verdade o que está
em causa, tanto quanto consigo perceber, é o entendimento que privados e
Ministério fazem de um contrato assinado há um ano sobre o financiamento de
turmas. É uma disputa jurídica e que provavelmente será decidida em tribunal.
Pelo meio há várias coisas que me parecem
evidentes:
1) Que os mais directamente afectados pelo corte do
financiamento nos colégios serão os alunos com menos recursos.
2) Que provavelmente existem mesmo casos de abusos,
tendo sido assinados contratos de associação com colégios que não deveriam ter
direito a isso.
3) Que isto não pode ser uma simples guerra
esquerda-direita, porque se fosse os autarcas do PS não estariam do lado dos
colégios dos seus concelhos.
4) Que em muitos casos os colégios que estão a ser
ameaçados, longe de serem ninhos para as classes privilegiadas são espaços onde
se aceitam os alunos mais difíceis, ou com necessidades especiais, e com jovens
de todos os extractos sociais, onde o ensino é excelente.
5) Que me cheira muito a esturro o facto de o Governo
(os sucessivos governos) se recusarem a dizer exactamente quanto dinheiro custa
ao Estado um aluno no público, já que sabemos já quanto custa nos colégios
privados.
Mas claro que esta questão jurídica dos contratos
de associação entronca numa disputa muito maior e é essa que me parece grave.
Que visão é que temos do ensino em Portugal?
Nem isto... |
A extrema-direita e a esquerda
mais radical (que tem vários ganchos no PS) encara a educação como um
instrumento para promover a igualdade. Para eles haveria apenas um programa, um
sistema escolar, um pensamento. E o responsável por tudo isto deve ser, claro
está, o Estado, todo-poderoso e omnisciente. Espanta-me como as mesmas pessoas
que se queixam do Estado por tudo e por nada aceitam sem pestanejar que os
burocratas que pelos vistos não pensam em mais nada se não roubá-los
diariamente são os que se encontram mais bem colocados para educar os seus
filhos.
Quer isto dizer que sou contra o ensino público?
Claro que não! O ensino público e tendencialmente gratuito tem sido uma enorme
benesse social. O que contesto é a monopolização do ensino por parte do Estado
e a ideia de que devemos confiar cegamente não só neste Governo mas em todos os
Governos, para toda a eternidade, como se fosse impossível voltar a ver um
Estado totalitário e mau, no sentido mais puro da palavra.
Contra esta posição está a minha (que não me parece
especialmente de esquerda ou de direita) que considera que o primeiro e último
responsável pela educação dos meus filhos sou eu e a minha mulher. E que o
Estado faz muito bem em querer educar as crianças do país, mas deve fazê-lo
sempre em conjunto com os pais, e nunca contra eles.
É por isso que a Igreja, para espanto de muitos,
está nesta luta. Porque esta é a visão da doutrina social da Igreja sobre a
educação, como o Papa deixou muito claro na sua última exortação apostólica.
Não se trata apenas de defender privilégios (até porque a maioria das escolas
com contrato de associação não são católicas e a maioria das escolas católicas
não tem contrato de associação), trata-se de combater aquilo que na sua
perspectiva – e na minha – está na verdade por detrás desta tomada de posição
do Governo, um ataque à subsidiariedade na educação.
Dito isto, o que acho em particular desta batalha
dos contratos de associação? Acho, acima de tudo, que esta é a batalha errada…
Compreendo a luta dos colégios, estão em muitos
casos a lutar pela sua sobrevivência, mas para mim isto resolvia-se de forma
mais justa com a implementação simples do cheque escolar.
...nem aquilo. |
Para quem não sabe, já vários países usam este método
e este, sim, dá verdadeira liberdade de escolha às famílias, e não apenas às
que vivem perto de uma escola com contracto de associação.
A ideia é simples. Eu pago (números inventados,
obviamente) 400 euros por ano de impostos para a educação. Cada aluno custa ao
Estado, no ensino público, 300 euros por ano. O Estado dá a cada família um
cheque ensino por filho, no valor de 200 euros por ano. Se eu quiser inscrever
os meus filhos num colégio, o cheque ensino serve para abater no custo das
propinas. Se quiser mantê-los no ensino público, o cheque fica na gaveta, uma
vez que unicamente pode ser usado para ensino. Mesmo que use o cheque, continuo
a contribuir para o sistema público, e bem.
Se eu quiser colocar os meus filhos num colégio
católico, posso. Se os quiser mandar para o colégio islâmico de Palmela, posso.
Se os quiser meter na Escola Karl Marx Lenin, força! Desde que aprendam um conjunto
de matéria básica essencial e moralmente neutra, o resto é comigo e com os pais
de cada criança.