quinta-feira, 29 de setembro de 2016


Liberalismo

Mercado de livre concorrência:

fonte envenenada de individualismo


Pio XI, Encíclica Quadrasegimo Anno (1931)

Como não pode a unidade social basear-se na luta de classes, assim a recta ordem da economia não pode nascer da livre concorrência de forças. Deste princípio como de fonte envenenada derivaram para a economia universal todos os erros da ciência económica «individualista»; olvidando esta ou ignorando, que a economia é juntamente social e moral, julgou que a autoridade pública a devia deixar em plena liberdade, visto que no mercado ou livre concorrência possuía um princípio directivo capaz de a reger muito mais perfeitamente, que qualquer inteligência criada. Ora a livre concorrência, ainda que dentro de certos limites é justa e vantajosa, não pode de modo nenhum servir de norma reguladora à vida económica. Aí estão a comprová-lo os factos desde que se puseram em prática as teorias de espírito individualista. Urge portanto sujeitar e subordinar de novo a economia a um princípio directivo, que seja seguro e eficaz. A prepotência económica, que sucedeu à livre concorrência não o pode ser; tanto mais que, indómita e violenta por natureza, precisa, para ser útil à humanidade, de ser energicamente enfreada e governada com prudência; ora não pode enfrear-se nem governar-se a si mesma. Força é portanto recorrer a princípios mais nobres e elevados: à justiça e caridade sociais. É preciso que esta justiça penetre completamente as instituições dos povos e toda a vida da sociedade; é sobretudo preciso que esse espírito de justiça manifeste a sua eficácia constituindo uma ordem jurídica e social que informe toda a economia, e cuja alma seja a caridade. Em defender e reivindicar eficazmente esta ordem jurídica e social deve insistir a autoridade pública; e fá-lo-á com menos dificuldade se se desembaraçar daqueles encargos, que já antes declarámos não serem próprios dela.

Mais: é muito para desejar que as várias nações, pois que tanto dependem umas das outras e se completam economicamente, se dêem com todo o empenho, em união de vistas e de esforços, a promover com prudentes tratados e instituições uma vantajosa e feliz cooperação económica internacional.

Se deste modo se restaurarem os membros do corpo social e se restabelecer o princípio regulador da economia, poder-se-lhe-á aplicar de alguma forma o que o Apóstolo dizia do corpo místico de Cristo: «todo o corpo organizado e unido pelas articulações de um mútuo obséquio, segundo a medida de actividade de cada membro, cresce e se desenvolve na caridade».

(...)

As últimas consequências deste espírito individualista no campo económico são essas que vós, veneráveis Irmãos e amados Filhos, vedes e lamentais: a livre concorrência matou-se a si própria; à liberdade do mercado sucedeu o predomínio económico; à avidez do lucro seguiu-se a desenfreada ambição de predomínio; toda a economia se tornou horrendamente dura, cruel, e atroz. Acrescem os danos gravíssimos originados da malfadada confusão dos empregos e atribuições da pública autoridade e da economia, quais são: primeiro e um dos mais funestos, o aviltamento da majestade do Estado, a qual do trono onde livre de partidarismos e atenta só ao bem comum e à justiça, se sentava como rainha e árbitra suprema dos negócios públicos, se vê feita escrava, entregue e acorrentada ao capricho de paixões desenfreadas; depois, no campo das relações internacionais, dois rios brotados da mesma fonte: de um lado o Nacionalismo ou Imperialismo económico, do outro o Internacionalismo ou Imperialismo internacional bancário, não menos funesto e execrável, cuja pátria é o interesse.