sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Rússia e Ucrânia: A transformação do «pulmão Oriental»


Ucrânia oficializa criação de Igreja ortodoxa sem a tutela de Moscovo

Actualidade Religiosa, 6 de Fevereiro de 2019

Myroslav Marynovych

Embora quase ninguém no mundo Ocidental tenha reparado, houve recentemente um desenvolvimento importante para o cristianismo global. Durante o Sínodo da Igreja Ortodoxa de Kiev, no dia 15 de Novembro de 2018, foi criada uma nova Igreja autocéfala da Ucrânia. A medida foi saudada pela Igreja greco-católica da Ucrânia.

Estaremos perante mais um caso de «nacionalismo ucraniano» numa altura em que a Rússia se tem tornado cada vez mais activa? Ou será este o resultado da rivalidade entre Constantinopla e Moscovo por a influência sobre a Ucrânia? E o que é que isto representa para os ortodoxos e para a Igreja católica?

Na realidade, estamos perante uma mudança gigantesca na Igreja. O Papa João Paulo II convidou a Europa a respirar com dois «pulmões» – o Ocidental e o Oriental. Normalmente sabemos bem o que é o «pulmão Ocidental», mas o que é o Oriental?

Entre os séculos XI e XIV a resposta era inequívoca: O Oriente cristão estava organizado em torno de dois centros: a Igreja de Constantinopla (incluindo a Grécia e Atenas) e a sua Igreja «filha», a Igreja de Kyiv (Kiev), de onde o cristianismo se espalhou para outras terras orientais.

Entre os séculos XV e XVIII aconteceu uma «deriva continental» tremenda e Moscovo acabou por substituir Kyiv (Kiev). A partir de então o Oriente cristão passou a estar centrado em Constantinopla e Moscovo. Muscovy absorveu em si mesmo tanto o território da antiga Rus’ de Kyiv (Kiev) como a Metropoly eclesiástica de Kyiv (Kiev), tornando-se o Império russo.

As características distintivas da antiga espiritualidade de Kyiv (Kiev) foram rigorosamente limitadas para se conformarem com os interesses do modelo russo de Cesaropapismo. Livros eclesiais «suspeitos» foram queimados. Figuras dissidentes da Igreja foram reprimidas.

Kyiv (Kiev) passou a estar submetida à «Terceira Roma» (Moscovo) tanto debaixo do Czar como das ditaduras comunistas. Foi só com o colapso da União Soviética que o glaciar estalinista descongelou. O que a propaganda do Kremlin classificava de nacionalismos locais, que alegadamente destruíam a unidade cristã, era a libertação dos povos e das suas comunidades eclesiásticas da influência monopolista do mais poderoso dos nacionalismos, o chauvinismo russo.

Na Ucrânia voltou a nascer a ideia de uma Igreja ortodoxa autocéfala. O Kremlin, e a Igreja ortodoxa russa que lhe era subserviente, responderam de duas formas.

A primeira foi uma descriminação metódica contra os desenvolvimentos eclesiais e políticos na Ucrânia. Nas palavras de um observador ucraniano, a propaganda russa usava terminologia aparentemente retirada do «dicionário Ocidental de ‘valores humanitários’, mas na verdade operava com ideias-lobisomem, ideias-parasita e ideias-fantasma» (Andriy Baumeister). O mundo Ocidental não deu por esta manipulação e, pelo menos até recentemente, aceitou-a de forma acrítica.

O segundo método consistia em propagar o conceito do «mundo russo» avançado por Cirilo, o patriarca de Moscovo, que na verdade é uma doutrina imperial quase-religiosa que proclama a «unidade espiritual» de todos os russófonos e povos ortodoxos.

Isto tornou-se uma forma de legitimar a guerra da Federação Russa contra a Ucrânia, alegadamente em nome da defesa da população russófona. Agora a propaganda do Kremlin está a preparar o mundo para um possível novo ataque contra a Ucrânia, para «proteger» a população ortodoxa. 

Assim, hoje estamos a assistir a uma profunda transformação do «pulmão Oriental». O Patriarcado Ecuménico de Constantinopla pressentiu para onde as coisas estavam encaminhadas e tomou a medida pouco comum de intensificar as suas actividades no mundo ortodoxo. Apesar de o patriarcado Ecuménico ser apenas um «primeiro entre iguais» – e não o líder solitário da Igreja (como acontece com o Papa no Ocidente) – ele assumiu a responsabilidade pelo destino da Igreja ucraniana, que tinha sido separada de Constantinopla.

Há vários sinais de que o Oriente eslavo do «pulmão Oriental» é ainda largamente disfuncional. O comunismo foi um profundo trauma do qual os povos das antigas repúblicas soviéticas ainda não recuperaram inteiramente. Em muitos lugares as pessoas perderam a cultura cristã e a compreensão do verdadeiro significado da fé cristã. Por isso, ainda poderemos vir a ter notícias preocupantes – tanto políticas como religiosas – de Kiev. Mas, apesar de tudo, está em curso uma importante reorganização e as mudanças futuras afectarão o mundo cristão por inteiro.

Metropolita Epifânio, da nova Igreja ortodoxa da Ucrânia
A influência de Constantinopla poderá acabar por ser extremamente importante. Isto já foi manifestado através da promulgação do estatuto da recém-constituída Igreja Ucraniana, que alterou substancialmente os procedimentos administrativos, democratizando-os.

Até aqui os cristãos ocidentais têm-se preocupado sobretudo com a preservação do status quo com Moscovo, como se o Oriente cristão se resumisse à Igreja ortodoxa russa. Aos olhos ocidentais isto parecia ser essencial para a paz cristã e o diálogo ecuménico. A diplomacia do Vaticano tem sido cuidadosa em não intervir nos assuntos internos dos ortodoxos.

Mas a situação actual apresenta um desafio claro para a Igreja católica. Nas palavras do cardeal Christoph Schönborn, de Viena: «Como é que o Vaticano deve relacionar-se com a nova Igreja Ortodoxa da Ucrânia? Se a reconhecer, isso levará a um conflito com o patriarcado de Moscovo. Se não a reconhecer, isso conduzirá a um conflito com o patriarcado Ecuménico.»

As Igrejas ocidentais têm de compreender que o antigo status quo já não é sustentável. A situação exige uma mudança radical das posições actuais, incluindo a reconsideração dos actuais modelos de ecumenismo.

Os cristãos conscientes não podem continuar a considerar aceitável a linguagem de ultimatos e de exclusões usada pela Rússia. Os crentes ortodoxos da Ucrânia são uma parte legítima da oikumene (ecumênico) cristã e estão, actualmente, sob cerco.

Eles podem tornar-se um catalisador para uma transformação civilizada de todo o espaço pós-soviético, a começar pela Rússia. Os ocidentais devem compreender as novas realidades na Europa oriental e perceber que a inclusão das Igrejas ucranianas no diálogo com o mundo pode trazer mais benefícios do que o isolamento continuado.

Depois da queda do comunismo muitos ocidentais esperavam que o mundo eslavo, silenciado durante tanto tempo, ficaria finalmente livre para contribuir correctamente para a cultura cristã e para todo o mundo. Hoje, com a criação de uma Igreja Ortodoxa Ucraniana, pode ser que uma voz importante esteja finalmente a fazer-se escutar.






quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

A ruptura da França

Gérard Collomb, (centro) que até ao mês passado esteve à frente
da pasta do ministério do Interior de França e hoje ocupa o cargo
de prefeito de Lyon, vê com pessimismo a situação na qual o seu país se encontra.
«É difícil calcular, mas diria que em cinco anos a situação poder-se-á
tornar irreversível. Sim, temos cinco, seis anos para evitar o pior»,
realçou não falta muito tempo.
(Foto: Aurelien Meunier/Getty Images)
Giulio Meotti, Gatestoneinstitute, 20 de Janeiro de 2019

Original em inglês: The Fracturing of France

Tradução: Joseph Skilnik

  • Num novo programa, o governo do presidente Macron está a oferecer aulas do idioma árabe nas escolas públicas da França a crianças a partir dos 6 anos de idade, ao que consta, para facilitar a integração.
  • As autoridades francesas parecem não dar a devida atenção para o facto de que a esmagadora maioria dos terroristas da França eram cidadãos franceses, que falavam perfeitamente o francês e que diferentemente dos seus pais, nasceram em França. Estavam perfeitamente «integrados». Eles rejeitaram a integração.

O presidente dos EUA, Donald Trump e o presidente da França, Emmanuel Macron, envolveram-se num bate-boca diplomático em público, dias antes de Trump visitar a França no corrente mês. A troca de farpas começou quando, numa entrevista pelo rádio, Macron sugeriu que a Europa precisava de um exército para se proteger dos Estados Unidos. «Temos que nos proteger da China, Rússia e até dos Estados Unidos da América», salientou Macron.

Proteger a França dos Estados Unidos? Num discurso em 11 de Novembro, em comemoração do fim da Primeira Guerra Mundial, Macron saudou diplomaticamente o seu convidado, atacando o «nacionalismo». Trump orgulhosamente referiu-se a si mesmo como «nacionalista» menos de três semanas antes do evento.

Parece que Macron aproveitou a comemoração do armistício assinado em 1918 para esquecer o que está a acontecer em França em 2018.

Gérard Collomb, que até ao mês passado esteve à frente da pasta do Ministério do Interior de França e hoje ocupa o cargo de prefeito de Lyon, vê com pessimismo a situação na qual o seu país se encontra, segundo a revista semanal Valeurs Actuelles. «As pessoas não querem viver juntas», lamentou Collomb, salientando que a responsabilidade pela segurança durante a recente imigração foi «gigantesca». Collomb também alertou que há «pouquíssimo tempo» para melhorar a situação. «É difícil calcular, mas diria que em cinco anos a situação poder-se-á tornar irreversível. Sim, temos cinco, seis anos para evitar o pior», realçou.

E o pior será a «secessão» ou como Gilles Kepel, especialista francês em Islão, classificou: «A Ruptura»

Macron, no entanto, não está lá muito aberto ao alerta de Collomb. Ao que consta um homem aos gritos de «Allahu Akbar» esfaqueou um policia em Bruxelas nesta semana durante uma visita oficial de Macron à capital belga, a primeira de um presidente francês desde a  visita de Mitterrand nos anos de 1980. Macron também foi ao distrito de Molenbeek, em Bruxelas, que chamou «de território marcado pela imagem do drama terrorista e também de um lugar de iniciativas, compartilhamento e integração». Compartilhamento e integração?

Oito pessoas foram presas numa rusga contraterrorista em Março de 2018 em Molenbeek. No ano passado, um relatório confidencial revelou que no mesmo distrito de Bruxelas a polícia constatou a existência de 51 organizações suspeitas de manterem ligações com o terrorismo jihadista. Muitos dos suspeitos que participaram dos ataques terroristas em Paris e Bruxelas moravam ou operavam a partir de Molenbeek. Conforme Julia Lynch salienta no jornal Washington Post em relação a Molenbeek:

«Uma das 19 ‘comunas’ na região metropolitana de Bruxelas, bairro do domicílio de um dos perpetradores dos atentados contra o comboio em Madrid em 2004 e também do francês que baleou quatro pessoas no Museu Judaico em Bruxelas em Agosto de 2014. Thalys, marroquino que disparou contra o trem Bruxelas-Paris em Agosto de 2015 morava com a sua irmã em Molenbeek

Se existe um lugar onde a explicação de Collomb sobre «secessão» não é somente um alerta, mas uma realidade, é Molenbeek. Num artigo no jornal The New York Times, Roger Cohen chama à região de «Estado Islâmico de Molenbeek.» E a existência desses distritos não é um fenómeno belga. «Hoje sabemos que há 100 bairros similares em potencial em França com as características do ocorrido em Molenbeek», salientou o então ministro da Juventude e Desporto Patrick Kanner, em 2016. Um desses distritos é Trappes, famoso não só por conta do craque do futebol internacional Nicolas Anelka, mas também pelo número de jihadistas que foram lutar na Síria ou no Iraque.

O secretário de estado do ministro do Interior, Laurent Nunez divulgou que seis ataques terroristas foram evitados antes de serem executados neste ano na França. «Desde Novembro de 2013, 55 ataques islamistas também foram frustrados graças à acção dos serviços de inteligência, incluindo seis somente este ano», salientou Nunez.

Nos últimos meses, o cenário francês não está a ser dominado por novos e marcantes ataques terroristas mas sim por uma profusão diária de intimidação. Na semana passada, um francês de cerca de 60 anos estava a andar por uma rua de Paris carregando presentes de Natal, quando um desconhecido arrancou os seus óculos e o esbofeteou. «É isso que fazemos aos infiéis», disse o agressor à sua vítima. Dias antes um judeu, cidadão francês, também foi atacado na rua por três homens.

Na frente ideológica, «Macron está a seguir os passos dos presidentes que tentaram e falharam em estabelecer o Islão em França», conforme relata o site Politico. De acordo com o Wall Street Journal:

«Agora o governo do presidente Emmanuel Macron está a pensar em apresentar aos pais uma alternativa secular ao entrelaçamento do árabe com o Islão, estimulando mais escolas públicas em França a oferecerem a crianças desde os 6 anos de idade aulas do idioma árabe...»

Robert Ménard, prefeito da cidade na região sul de Béziers, declarou que «ensinar árabe criará mais guetos». As autoridades francesas parecem não dar a devida atenção para o facto de que a esmagadora maioria dos terroristas da França eram cidadãos franceses, que falavam perfeitamente o francês e que diferentemente dos seus pais, nasceram em França. Estavam perfeitamente «integrados». Eles rejeitaram a integração.

A confirmação da existência da onda islamista veio em Setembro último num relatório aterrador do Institut Montaigne intitulado «A Fábrica Islamista.» O documento esmiúça o carácter extremo da radicalização da sociedade muçulmana francesa. Segundo o director do instituto, Hakim El Kharoui, os muçulmanos extremistas em França estão «a criar uma sociedade alternativa, paralela e separada. Composto pelo elemento chave: halal.» Macron não fez quase nada para conter a expansão.

«Duas ou três mesquitas salafistas foram fechadas em 18 meses, mas o financiamento estrangeiro de mesquitas não foi proibido», salientou a presidente do partido Frente Nacional, Marine Le Pen, recentemente. O objectivo do financiamento vindo do exterior foi explicado pelo ex-presidente do Partido Democrata Cristão, Jean-Frédéric Poisson, no seu novo livro «Islão, Conquistando o Ocidente». «A expansão do Islão no Ocidente faz parte de um plano estratégico elaborado pelos 57 países que compõem a Organização de Cooperação Islâmica, uma espécie de Organização das Nações Unidas Muçulmana, que teorizou a disseminação da lei da Sharia na Europa», salientou Poisson numa entrevista este mês. «Os participantes declararam abertamente a ambição de estabelecer uma 'civilização de substituição' no Ocidente.»

Há, no entanto, mais em jogo do que apenas a esfera cultural. Philippe De Villiers, político e ensaísta próximo a Macron, evocou de uns tempos para cá uma frase cunhada pelo seu irmão, general Pierre de Villiers, antigo chefe dos militares franceses. O general de Villiers havia alertado Macron sobre uma possível implosão interna nos voláteis subúrbios parisienses: «os lados mais sombrios da Cidade Luz». Segundo Philippe De Villiers, o seu irmão teria dito a Macron: «se os subúrbios se revoltarem, não teremos condições de dar conta da situação, não podemos dar-nos ao luxo de enfrentá-los, não temos os recursos humanos para tanto».

Dois jornalistas do influente jornal Le Monde, Gérard Davet e Fabrice Lhomme acabam de publicar um livro intitulado Inch'allah: L'islamisation à visage découvert («Com a Graça de Alá: A Face Exposta da Islamização»), uma investigação sobre a «islamização» no extenso subúrbio parisiense de Seine-Saint-Denis. Naquele subúrbio bem como em muitos outros, o antissemitismo está a aumentar. Segundo o primeiro-ministro francês Eduard Philippe, «actos» registados contra judeus subiram 69% nos primeiros nove meses de 2018. Francis Kalifat, presidente do órgão oficial que representa as comunidades judaicas em França chamou o antissemitismo de «cancro».

Numa reportagem realizada em Paris neste Verão, o jornal The New York Times esclareceu o êxodo judaico dos subúrbios multiculturais: «mais de 50 mil mudaram-se para Israel desde 2000 em comparação com cerca de 25 mil judeus franceses que partiram entre 1982 e 2000». Há também um êxodo interno:

«Em Aulnay-sous-Bois, o número de famílias judias encolheu de 600 em 2000 para 100 em 2015, em Le Blanc-Mesnil de 300 famílias para 100, em Clichy-sous-Bois de 400 para 80 famílias judias e em La Courneuve das 300 famílias restaram 80.»

«É possível que estejamos vivenciando o fim de uma civilização, a nossa», ressalta Philippe de Villiers, político e romancista francês.

«Há dois pontos em comum entre a decadência do Império Romano e a nossa própria decadência. A nobreza senatorial romana, que só pensava em acrescentar uma camada de pórfiro nas suas banheiras, não queria saber de muros como fronteira do Império, como premência a ser zelada».

Ao que tudo indica, Macron está ocupado apenas em adicionar uma camada de pórfiro à «grandeza francesa».

No ano passado, Macron apresentou-se como candidato que iria «romper com o sistema.» Em cinco anos, o seu mandato presidencial chegará ao fim. Segundo o seu ex-ministro do interior, Gérard Collomb, esses provavelmente serão os últimos anos antes da verdadeira «ruptura» se tornar irreversível. Não só para a França, mas também para a Europa.





segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Melhor do que ser capitalista OU comunista é ser capitalista E comunista...


REDE VERMELHA.
CÂMARAS COMUNISTAS ADJUDICAM
DOIS MILHÕES DE EUROS
A EMPRESAS DE MILITANTES.


Rui Pedro Antunes, Observador, 31 de Janeiro de 2019

Cinco empresas de militantes ganharam mais de dois milhões em adjudicações de autarquias do PCP. Loures admite que houve 2 contratos de genro de Jerónimo atribuídos sem serem ouvidas outras empresas.

1. Um milhão para seguradora que tem militantes como sócios e administradores

2. Contratos de zero euros (os milhares em comissões que não são publicitados)

3. A rede comercial que tem no topo um ex-ministro de Vasco Gonçalves

4. Meio milhão em comunicação: 9 dos 10 contratos públicos
com autarquias comunistas

5. Boletins municipais, agendas e livros renderam 300 mil euros

6. Letras&Sinais: ajustes de 208.920 euros para antigo vereador

7. Genro de Jerónimo: dois contratos atribuídos sem serem ouvidas outras empresas

Há uma rede vermelha de adjudicações entre empresas ligadas ao Partido Comunista Português e municípios controlados pelo partido. Vinte e três autarquias e seis outras entidades públicas lideradas pela CDU adjudicaram, desde 2009, contratos de mais de 2 milhões de euros a cinco empresas geridas por militantes do PCP. A maioria destes contratos são por ajuste directo e referem-se a serviços diversos que vão desde a mediação de seguros a assessoria de comunicação. A geografia dos ajustes tem sido alterada: a facturação destas empresas era, até 2013, mais centrada em autarquias alentejanas (onde o PCP mantém grande influência); mas, depois da vitória autárquica do partido no concelho de Loures — a maior autarquia liderada pelos comunistas e também a que tem mais capacidade financeira — passou a ser a mais rentável para estas empresas de militantes.

Os ganhos não se esgotam, no entanto, nos dois milhões de euros que foram publicitados no site Base.gov. Uma mediadora de seguros (a Ponto Seguro) ligada ao PCP fez contratos de zero euros com várias autarquias que lhe permitem receber comissões de seguradoras privadas que não são publicitadas (apesar de poderem chegar aos 10% em contratos de milhões). Há depois uma empresa-mãe, a Dispõe — liderada por um antigo ministro do PCP nos governos de Vasco Gonçalves — que controla outras duas empresas ligadas à comunicação e artes gráficas que têm 90% de toda a contratação pública centrada em autarquias comunistas. A título de curiosidade, a sede dessa empresa-mãe é mesmo no edifício ao lado do PCP, na rua Soeiro Pereira Gomes, em Lisboa.

Há ainda o caso da empresa unipessoal do antigo vereador da CDU na câmara de Loures que, além do contrato que mantém com a Câmara Municipal de Loures, continua a fazer contratos anuais com duas juntas de freguesia lideradas pelo PCP no concelho de Loures. Por fim, há o caso, já noticiado pela TVI, em que a câmara de Loures, liderada por Bernardino Soares, tinha adjudicado contratos de 150 mil euros ao genro de Jerónimo de Sousa. Os dirigentes comunistas insurgiram-se contra a peça e um comunicado da câmara de Loures lembrava que, no contrato, foi feita «consulta prévia a três empresas» e que o mesmo «foi adjudicado à empresa com a proposta de preço mais baixa».

No entanto, em resposta ao Observador, a Câmara Municipal de Loures admite que, dos seis contratos que assinou com o genro de Jerónimo de Sousa, houve dois em que não foi ouvida qualquer outra entidade — não sendo, por isso, possível saber se o preço apresentado era, de facto, o mais baixo.

Um milhão para seguradora que tem militantes
como sócios e administradores

A Ponto Seguro — que, como o nome sugere, é uma seguradora — tem ganho de duas formas com as autarquias PCP ao longo dos últimos anos: pagamentos directos das autarquias por consultoria; e contratos no valor de zero euros, nos quais ganha a exclusividade de mediar a contratação de seguros em várias câmaras. Em 60 contratos públicos da Ponto Seguro, dois terços foram estabelecidos com autarquias comunistas em contratos feitos maioritariamente por ajuste directo. Só de forma directa, as autarquias, empresas municipais e intermunicipais ligadas ao PCP gastaram mais de um milhão de euros (correspondentes a 40 contratos que renderam pelo menos 826.630 euros à empresa, mas aos quais acresceu IVA).

A contratação pública com entidades ligadas ao PCP começou em 2009, mas concentra-se sobretudo nestes últimos dois mandatos autárquicos: 36 dos 40 contratos com autarquias comunistas no site Base.gov foram entre 2013 e Dezembro de 2018. Também houve contratos por consulta prévia e concurso público, mas foram minoritários. O modelo preferido foram as adjudicações directas, que foram desde os zero euros até contratos que ficam a um euro do limite permitido por lei para um ajuste directo para aquisição de serviços.

A Ponto Seguro não é, no entanto, uma empresa qualquer: tem várias ligações ao Partido Comunista Português. Desde logo, o gerente da empresa é Vasco Hernandez Pinheiro, que já foi candidato a vereador da câmara de Portimão nas listas da CDU. Há ainda dois sócios da empresa com ligações ao PCP: António José Casmarrinha é actualmente deputado municipal comunista na Assembleia Municipal de Grândola, e José Castanheiro já foi também deputado municipal em Olhão, eleito pelas listas da CDU. Há ainda vários militantes do PCP que são funcionários, como é o caso de Vítor Cercas Mota, que chegou a assinar um contrato entre a empresa e uma das câmaras lideradas pelo PCP. Já integrou igualmente as listas da CDU à Câmara Municipal de Almada.

As ligações ao partido não se ficam por aqui. A Ponto Seguro é detida a 99,80% por uma cooperativa, a Mútua dos Pescadores, que tem fortes ligações ao PCP. Desde logo, há três militantes que são membros do Conselho de Administração: João Paulo Quinzico Delgado, membro da direcção regional do PCP de Leiria e número três da lista às legislativas em 2015; José Luís Cabrita, deputado municipal do PCP em Santarém; e Filipe Dias Marques, que integrou as listas da CDU à Assembleia Municipal do Barreiro nas últimas autárquicas. Além disso, António José Casmarrinha e José Castanheiro (que são administradores da Ponto Seguro) também têm cargos na Mútua: o primeiro como secretário da Assembleia Geral, o segundo como vogal da Comissão de Vencimentos. Além dos três membros com ligações ao PCP, fazem ainda parte do Conselho de Administração mais quatro membros efectivos: Álvaro Bota Guia, Arsénio Caetano, Jerónimo Viana e José Manuel Jerónimo Teixeira.

A Ponto Seguro fez contratos com 16 entidades públicas geridas por eleitos do PCP que incluem ou incluíram directamente nove autarquias comunistas (Castro Verde, Serpa, Sesimbra, Loures, Barreiro, Alcochete, Évora, Moita e Loures), mas também empresas municipais geridas por comunistas (por exemplo, a empresa municipal de águas e saneamento de Beja) e juntas de freguesia conquistadas pela CDU (como Carnide, Loures, ou outras de menor dimensão).

Um dos últimos contratos por ajuste directo da Ponto Seguro foi feito pela Câmara Municipal de Évora, liderada por Carlos Pinto Sá, da CDU. O contrato foi realizado para «consultoria e mediação na área dos seguros» e o montante em causa corresponde ao «valor máximo do benefício económico que será obtido pelo adjudicatário [a Ponto Seguro]». O contrato diz ainda que «inexiste qualquer pagamento», uma vez que vão ser as seguradoras a pagar uma comissão à Ponto Seguro e não a autarquia. Ao contrário da prática dos últimos anos — em que a empresa e as autarquias comunistas colocam no site Base.gov o valor de zero euros neste tipo de contrato — aqui foi colocado um valor máximo das comissões que a Ponto Seguro vai receber de empresas privadas (as seguradoras).

Mas há um pormenor que ganha relevância: o montante é apenas um euro abaixo do limite permitido para um ajuste directo de prestação de serviços (75.000 euros). Ou seja: por mais um euro, a autarquia teria de abrir concurso público a outras entidades e assim o contrato foi atribuído directamente à Ponto Seguro. Questionada sobre estes factos, até à data de publicação deste artigo a Câmara Municipal de Évora não respondeu às questões do Observador.
Excerto do contrato entre a Ponto Seguro e a câmara de Évora
No caso das juntas de freguesia, há dois que se destacam: a Junta de Freguesia de Carnide (a única que o PCP liderou nos últimos mandatos no concelho de Lisboa) e aquela que é a freguesia mais populosa controlada pelo PCP, Loures, que tem 27.362 habitantes.

Começando pela Junta de Freguesia de Loures, nos últimos dois anos aquela autarquia fez três contratos no valor total de 117.836,83 euros. Em causa estava a prestação de serviços de seguro para acidentes de trabalho, frota automóvel, responsabilidade civil e multi-riscos. Os dois primeiros desses contratos (no valor de 39.264 euros e 39.102 euros) foram por ajuste directo e o último (de Dezembro de 2018, no valor de 39.469 euros) foi por consulta prévia (obrigatória, já que a partir de 2018 a lei passou a exigir que, por este valor, fossem consultadas mais duas entidades). No site Base.gov não foi colocado o nome das entidades que terão sido preteridas.

A presidente da Junta de Freguesia de Loures, Orlanda Rodrigues, começou por dizer ao Observador que «pessoalmente desconhecia» até ser contactada pelo jornal «o nome dos sócios da Empresa Ponto Seguro e, por ordem de razão, as suas ligações partidárias». Ainda assim, acrescenta que, mesmo «que o soubesse, não existiria nenhuma justificativa para a não inclusão desta empresa nos convites que foram feitos às empresas que trabalham no ramo dos seguros». Orlanda Rodrigues diz que não pergunta aos fornecedores se «são filiados em algum partido», já que «tal prática seria de todo ilegal e irrelevante para quando o que está em causa é uma aquisição de serviços que sirvam as necessidades da junta de freguesia».

Quanto aos três contratos entre a junta de freguesia e a Ponto Seguro, Orlanda Rodrigues diz que nos três casos foram ouvidas outras entidades, mas em dois casos apenas a Ponto Seguro respondeu (ficando com o contrato) e no terceiro caso respondeu também uma outra empresa — mas, como «ambas apresentaram exactamente o mesmo valor», o «critério de decisão» foi a Ponto Seguro ter sido «a primeira a apresentar valores».

Quanto à Junta de Freguesia de Carnide, há registo de três contratos por ajuste directo (em 2015, 2016 e 2017) para a prestação de seguros de acidentes de trabalho que totalizam 57.064 euros. O presidente da Junta de Freguesia de Carnide, Fábio Sousa, diz que «não fazia a mínima ideia de quem era a Ponto Seguro do ponto de vista dos seus gerentes» e que acredita que a mediadora também «deve ter clientes ligados ao PS, PSD e CDS».

Fábio Sousa garante que «o PCP nunca deu qualquer indicação para contratações públicas» e garante que, mesmo sem ser obrigatório por lei, a junta que dirige «fez consultas preliminares a outras entidades» antes de fazer os ajustes directos à Ponto Seguro. O autarca diz ainda que «este tipo de contratações não são escolhidas pelo presidente da junta e muito menos pelo partido que o representa». E acrescenta: «Para os outros não sei, mas para mim uma contratação pública é um assunto meramente técnico, não é político».

Há também casos de concursos públicos ganhos pela Ponto Seguro. Um deles foi adjudicado pela Câmara Municipal da Moita, no valor de 244.059 euros. Algumas das concorrentes são seguradoras que pagam comissões à mediadora no âmbito de contratos noutras autarquias. Questionado pelo facto de ter sido a empresa com ligações ao PCP a ganhar o concurso, a autarquia explicou ao Observador que «não tem por prática exigir a declaração da filiação partidária dos administradores ou sócios das empresas que concorrem aos seus procedimentos concursais».

A câmara da Moita diz ainda desconhecer que «no Código da Contratação Pública existam normas que interditem a comunistas o fornecimento de bens ou serviços à administração publica, central ou local». E acrescenta: «Estamos em crer que uma norma deste teor existiu apenas até Abril de 1974». Numa resposta única a seis perguntas do Observador (que questionavam, por exemplo, se a escolha tinha sido feita pelo preço mais baixo), a autarquia limitou-se a acrescentar que «as aquisições de bens e serviços e as empreitadas na Câmara Municipal da Moita são adjudicadas no estrito cumprimento do Código da Contratação Pública, com total transparência e respeito pelas regras da concorrência, como sempre tem sido confirmado pela tutela que visa e fiscaliza os procedimentos do município».

Contratos de zero euros
(os milhares em comissões que não são publicitados)

 centenas de milhares de euros — que a Ponto Seguro recebeu na sequência de contratos com autarquias comunistas — que escapam ao controlo público do site Base.gov. Isto porque, nos últimos anos, a empresa fez vários contratos de zero euros com autarquias (a maioria são comunistas, mas também o fez com as câmaras socialistas de Sines, Aljezur e Olhão) em que, a troco de zero euros e consultoria na área de seguros, a autarquia atribui a «mediação em regime de exclusividade dos contratos de seguro» que titula à Ponto Seguro. Entre 2012 e 2018 têm sido vários os contratos deste género em autarquias comunistas.

O director executivo da Associação Nacional de Agentes e Correctores de Seguros (APROSE), Paulo Corvaceira Gomes, não estranha o facto de os contratos serem de zero euros. O dirigente da APROSE explicou ao Observador que o sistema «pode parecer estranho para um leigo em seguros, mas neste sector, na esmagadora maioria dos casos, o mediador não é pago pelo tomador do seguro, mas pela seguradora.» Paulo Corvaceira Gomes explica que «o facto de haver contratos a custo zero significa precisamente que não vai haver pagamento por parte do tomador, mas vão ser as seguradoras a pagar comissões à mediadora». Ou seja: neste caso, é a empresa a pagar à Ponto Seguro e não a autarquia, embora seja a câmara que permite, com um ajuste directo prévio, que a Ponto Seguro possa ser a única a ganhar essas comissões.

O especialista diz que a comissão, pelos preços de mercado, varia entre os 8 a 10% do valor do prémio pago pelo tomador (neste caso, as autarquias) às seguradoras. Por hipótese, mesmo que um contrato tenha sido de zero euros — e por isso não exigiu concurso público — se a empresa conseguiu a exclusividade de contratos com prémios de dois milhões, pode ganhar 200 mil euros sem que esse valor seja do conhecimento público. Ora, a Ponto Seguro foi sempre contratada por ajuste directo. «Num mundo perfeito, como esses contratos de zero euros levam a ganhos de milhares de euros, deviam ser submetidos a concurso público», diz Paulo Corvaceira Gomes ao Observador.

Nestes casos, a única informação disponibilizada publicamente é que o contrato foi de zero euros, desconhecendo-se depois quanto é que a Ponto Seguro recebeu directamente das mãos das seguradoras. Em Loures, por exemplo, Bernardino Soares já assinou dois contratos de zero euros com a duração de um ano cada um: o primeiro a 30 de Agosto de 2016, o segundo a 25 de Maio de 2017.

A forma como o contrato de 25 de maio de 2017 foi publicitado no site Base.gov.pt
Já depois deste contrato, a autarquia fez dois concursos públicos, ganhos pela Fidelidade, que totalizaram 1,62 milhões de euros. Um desses contratos, no valor de 787.940 euros, deu-se durante a vigência da exclusividade da Ponto Seguro. Caso tenha ganho pela tabela de mercado (os tais 8 a 10%), a mediadora terá ganho mais do que qualquer ajuste directo publicitado no Base.

O objecto do contrato foi, em ambos os casos, «a aquisição de prestação de serviços e garantias conexas na área da mediação de seguros e consultoria em matéria de seguros, tendo por contraprestação a atribuição da mediação, em regime de exclusividade, dos contratos de seguro titulados pelo contraente público».

Questionado pelo Observador, o executivo liderado por Bernardino Soares respondeu que «a câmara desconhece a filiação partidária dos sócios da Ponto Seguro, como dos accionistas da Fidelidade, ou de outros» e garante que «o critério do município de Loures é o do interesse público».

Segundo o executivo comunista, «a opção foi escolher uma mediadora com longa experiência e reconhecida qualidade do trabalho prestado no sector público, onde a Ponto Seguro conta actualmente com cerca de 150 entidades no seu portefólio». A autarquia, na mesma resposta ao Observador, insiste que «a contratação, sem quaisquer encargos para o Município de Loures, da empresa mediadora Ponto Seguro, tem a ver com a grande complexidade da gestão da carteira de seguros da autarquia e dos serviços municipais não terem capacidade técnica instalada para elaborar o caderno de encargos e gerir o relacionamento com a empresa seguradora a quem foram adjudicados, por concurso público, todos os seguros da autarquia». A autarquia destaca que esta é «a prática que é há muito seguida em Loures bem como em muitos municípios». No entanto, a Ponto Seguro só começou a ser contratada durante a presidência de Bernardino Soares.

Quanto às comissões que terão sido pagas à Ponto Seguro — por exemplo, nos concursos públicos de centenas de milhares de euros ganhos pela Fidelidade — fonte oficial da autarquia limitou-se a dizer que «a Ponto Seguro preparou com os serviços municipais todo o processo para o concurso público internacional, aberto a todas as seguradoras, e de que resultou a adjudicação à companhia de seguros Fidelidade, seguradora que apresentou a proposta economicamente mais vantajosa». E acrescenta: «Face ao montante do concurso, o processo foi apreciado e teve visto do Tribunal de Contas».

O executivo de Bernardino Soares diz ainda que «não menos relevante» é o facto de esse contrato (de zero euros) obrigar a «Ponto Seguro como mediadora» a «garantir à Câmara Municipal de Loures o apoio à gestão diária da carteira de seguros (…) e disponibilizar atendimento permanente e personalizado, assegurando o aconselhamento em diversas matérias, nomeadamente em situações de sinistro».

Barreiro, Serpa, Sesimbra e Palmela
com mesmo sistema

O mesmo sistema (de contrato de zero euros) aconteceu na Câmara Municipal do Barreiro. Ainda durante a gestão comunista, a 30 de Agosto de 2016, a autarquia assinou um contrato de três anos a zero euros dentro do mesmo sistema. Meses depois, em Fevereiro de 2017, a Fidelidade conseguiu vencer o concurso público no valor de 1.013.561,16 euros. Mais uma vez, a Ponto Seguro terá tido comissões da seguradora que, pelos valores de mercado, podem chegar aos 100 mil euros num contrato de um milhão. Já em 2014, a Fidelidade tinha ganho um concurso público na câmara do Barreiro, que lhe rendeu 1,35 milhões. A diferença é que nesse caso a Ponto Seguro ainda não tinha exclusividade, logo não terá sido paga comissão.

Na Câmara Municipal de Serpa, o cenário repetiu-se. Em Abril de 2016, a Ponto Seguro assinou contrato com a autarquia liderada pela CDU e dois meses depois a seguradora Açoreana venceu um concurso público no valor de 262.569,74 euros. Também em Abril de 2016, a empresa assinou contrato de zero euros com a câmara de Sesimbra, aos quais se seguiram dois contratos com a Fidelidade que totalizam 552.579 euros. O mesmo tipo de contrato já tinha sido feito entre a empresa e estas duas autarquias em 2013 (no caso de Sesimbra) e em 2012 (no caso de Serpa). Com a câmara de Palmela foi igualmente assinado, em 2013, um contrato de zero euros com a Ponto Seguro com a duração de três anos. Seguiram-se três contratos, também por concurso público, com a Fidelidade que totalizam 809.319 euros.

No total — durante a vigência da exclusividade da Ponto Seguro com estas cinco autarquias do PCP — houve contratos com as seguradoras no valor de 4.258.028 euros. É deste valor que terão saído as comissões para a Ponto Seguro.

Sem ligações directas à CDU, destacam-se dois concursos públicos ganhos pela Ponto Seguro numa autarquia liderada pelo PS (Sines): um no valor de 299.679 euros, em 2016; e outro no valor de 209.406 euros em 2018. Há apenas uma autarquia PSD na qual a mediadora conseguiu um contrato: 7.994,61 euros na junta de freguesia da Estrela, num contrato assinado no final de 2016.

A empresa Ponto Seguro, em resposta ao Observador, rejeita haver alguma incompatibilidade ética pelo facto de ter gestores militantes e fazer contratos com autarquias comunistas, pois destaca que «uma das suas áreas de especialização é a contratação pública» e que «trabalha com clientes particulares e institucionais com as mais diversas características e sensibilidades ideológicas, políticas, económicas, sociais, religiosas e culturais».

Para a Ponto Seguro, garante a empresa, «a filiação partidária é irrelevante, de acordo com a lei». E acrescenta: «desconhecemos e não temos o direito de querer conhecer qualquer opção política de órgãos dirigentes ou trabalhadores». Acontece que, neste caso, a empresa não foi questionada por ter trabalhadores comunistas, mas sim por os sócios e administradores serem militantes e terem a maior parte da contratação pública centrada em autarquias comunistas.

A empresa insiste que a actividade comercial da Ponto Seguro «não está alicerçada em qualquer relação de carácter político ou partidário, mas apenas pelo serviço especializado e competente» que quer colocar ao serviço dos clientes. Além disso, sobre os contratos de zero euros, a empresa justifica que «a generalidade das entidades públicas opta por se socorrer de mediadores ou correctores para gerirem as suas complexas carteiras de seguros, de modo a beneficiarem do conhecimento, especialização e disponibilidade destes profissionais».

Sobre as comissões que recebem de seguradores por via dos contratos de exclusividade que conseguem por zero euros, a empresa recusa-se a revelar os valores, dizendo apenas que «os benefícios económicos dos mediadores são as comissões que recebem dos seguradores (de acordo com Art. 23.º da Lei 7/2019)».

A seguradora da CGTP

Além das ligações as autarquias do PCP, a Ponto Seguro é ainda uma espécie de seguradora oficial da CGTP-IN, sindicato fortemente influenciado pelo PCP. Desde 7 de Julho de 2016 que a central sindical tem no seu site um apelo (que continua disponibilizado) aos seus mais de 500 mil filiados para que façam os seguros através da Ponto Seguro. «Sindicalizado é + seguro», lê-se numa nota que é, no fundo, uma publicidade.

O texto explica que a CGTP-IN «estabeleceu um protocolo com a Ponto Seguro» que tem por «objectivo assegurar, aos sócios dos sindicatos seus filiados, contratos de seguro com preços mais acessíveis e com qualidade de serviço.» E destaca que a central sindical está «capacitada para efectuar diversos tipos de seguros, desde o Automóvel, ao Multi-riscos, Vida, Acidentes de trabalho, Saúde, Acidentes Pessoais, Marítimo, entre outros».

A Ponto Seguro e o protocolo assinado com a CGTP

A rede comercial que tem no topo
um ex-ministro de Vasco Gonçalves

Na relação entre as autarquias do Partido Comunista Português e empresas de militantes, há um caso que materializa uma autêntica rede comercial. Tudo começa numa empresa-mãe, a Dispõe, S.A., que tem como objecto a compra e venda de bens imobiliários, mas que tem participações em duas empresas que nada têm a ver com essa actividade. A sede da Dispõe é num prédio que está paredes meias com a sede do PCP, na rua Soeiro Pereira Gomes em Lisboa.

À esquerda, o edifício onde está a sede da Dispõe, S.A. à direita, a sede do PCP
na rua Soeiro Pereira Gomes, em Lisboa.
Ilustração: Raquel Martins
A Dispõe não tem quaisquer contratos com o Estado, mas é dona de 80% da Mimir, S.A., uma empresa de consultoria comunitária de gestão de empresas e artes gráficas sediada em Palmela, e de 48% da Regiset, S.A., uma empresa de comunicação e artes gráficas sediada em Setúbal. Ambas lucram milhares com dezenas de ajustes directos feitos por autarquias do PCP.


A Dispõe — que teve receitas no valor de 1,68 milhões de euros em 2017 (muito superior aos 179 mil euros de 2016 e aos 65.647 euros de 2015 — e tem como presidente do Conselho de Administração José Emílio da Silva, histórico militante do PCP, que foi ministro da Educação em dois dos governos provisórios liderados por Vasco Gonçalves. O mesmo José Emílio Silva é vogal do Conselho de Administração das duas empresas satélite: a Mimir e a Regiset. A Dispõe tem ainda como administrador Pedro Miguel Estrela, que é vereador do PCP na câmara municipal do Barreiro, e como administradora Alda Cortes Mata, membro da junta de freguesia do Laranjeiro e do Feijó eleita nas listas da CDU. Ou seja: os três membros do Conselho de Administração são do PCP.

Meio milhão em comunicação:
9 dos 10 contratos públicos
com autarquias comunistas

A Mimir, S.A. é detida pela Dispõe (que detém os tais 80% de participação), mas também pela Regiset (empresa participada pela Dispõe), que detém 8% desta empresa. Por sua vez, a Mimir detém 18% da Regiset. Se as participações se confundem, os órgãos sociais também. Além de presidente da Dispõe, o ex-ministro comunista José Emílio da Silva é também vogal do Conselho de Administração da Mimir e da Regiset (ver infografia em cima). Já o presidente do Conselho de Administração é Carlos José Menezes, que foi membro de uma  comissão de empresários que apoiou o PCP nas legislativas de 2011.

Ambas as empresas têm ainda outros administradores com ligações ao PCP. Pedro Magro Ramos, vogal do Conselho de Administração da Mimir e da Regiset, foi eleito pela CDU nas autárquicas de 2013 como membro da Assembleia de Freguesia de Carnaxide e Queijas.

A Mimir tem três membros no Conselho de Administração e os três têm ligações ao Partido Comunista Português. Entre os serviços prestados pela Mimir às autarquias comunistas estão serviços de contabilidade, serviços na área da comunicação e relações públicas e assessoria técnica na área da contratação pública.

Dos dez contratos públicos da Mimir com entidades públicas, nove foram atribuídos por autarquias comunistas e renderam à empresa mais de meio milhão de euros. Mais precisamente: 566.483 euros. Apenas um único contrato (no valor de 27.000 euros) não foi com uma entidade liderada por comunistas, a Área Metropolitana de Lisboa.

Os contratos envolvem dois ajustes directos com a Associação de Municípios da Região de Setúbal em 2008 e 2009, numa altura em que os comunistas tinham o controlo dessa entidade: 17.500 euros para consultoria em questões comunitárias e 7.900 euros em serviços técnicos para uma empreitada de «estabilização estrutural do convento de S. Paulo de Alferrara.» Há também três contratos por ajuste directo para serviços em comunicação e relações públicas com a Câmara Municipal de Moura, liderada pelo CDU: 24.181,63 euros em 2009; 25.800 euros em 2011; e 11.250 euros em 2013.

A quantia mais elevada foi com a câmara de Loures, com três contratos que totalizam 456.032 euros.  O primeiro desses contratos (74.880 euros, em 2010) foi feito ainda durante a gestão socialista, mas os vereadores da CDU tinham a liberdade de escolher quem queriam contratar para assessorar os gabinetes. Com a chegada da CDU à liderança da autarquia e ao ter mais mandatos, as avenças para consultoria técnica com a Mimir aumentaram.

A 16 de Julho de 2014, oito meses depois de Bernardino Soares tomar posse como presidente da autarquia, os vereadores da CDU contrataram a empresa de militantes por ajuste directo por 191.999,52 euros, num contrato válido por quatro anos, feito por esse valor ao abrigo de legislação específica. Quando esse contrato acabou, em Julho de 2018, os vereadores da CDU voltaram a fazer outro ajuste directo à Mimir por 189.152,70 euros, num contrato que vai até ao fim do mandato autárquico.

A câmara de Loures respondeu que «o conjunto de apoios aos gabinetes dos diferentes partidos foi aprovado pela Câmara Municipal por unanimidade» e que admite que, «tratando-se de um apoio a um grupo político, a competência técnica não pode ser dissociada da confiança política».

Houve ainda um contrato com a Câmara Municipal do Seixal, presidida por Joaquim Santos (o actual presidente, da CDU), que fez um ajuste directo para «aquisição de serviços técnicos para desenvolvimento de projectos no âmbito do associativismo cultural» no valor de 23.820 euros e que tinha a duração de um ano.

A Mimir tem ainda participações em empresas que estão neste momento inactivas como a Agimov (74,9%), uma imobiliária de Setúbal, a Agrohumus Bocage (19,9%), empresa também sediada em Setúbal, e a Fiarpil (14,9%), uma empresa de importação de artigos para a indústria.

Boletins municipais, agendas e livros
renderam 300 mil euros

Na Regiset, o panorama não muda muito. Os administradores são os mesmos três da Mimir, mas há uma quarta pessoa, também comunista: Vítor Baratadeputado municipal da CDU em Almada em vários mandatos. No caso desta empresa, em 39 contratos públicos, 34 (87%) foram assinados com autarquias comunistas, em valores que renderam mais de 300 mil euros entre 2009 e 2018.

O primeiro contrato da Regiset foi com a câmara de Vendas Novas, presidida por José Figueira, do PCP, para colocação e fornecimento de outdoors (no valor de 6.570 euros). Nesse ano, a câmara de Moura, presidida por José Pós-de-Mina, do PCP, também contratou a Regiset, mas para imprimir 500 exemplares do livro «Seara Resgatada», com textos de Miguel Serrano publicados nos anos 50 no jornal A Planície. Miguel Serrano, ligado ao PCP, foi jornalista do Diário de Notícias durante o gonçalvismo, mas acabou suspenso após o 25 de Novembro de 1975.

A Regiset foi também contratada para fazer boletins municipais de várias autarquias comunistas por ajuste directo. Foi assim em Santiago do Cacém em 2013 (6.500 exemplares por 3.120 euros), em 2014 (quatro edições de 6.000 exemplares por 10.688 euros), em 2015 (duas edições por 5.344 euros), 2016 (5 edições por 11.815 euros) e 2018 (desta vez por consulta prévia — como a lei exigia — com cinco edições de 6.000 exemplares por 10.255 euros). No total, aquela autarquia gastou 41.222 euros (50.703 euros, incluindo o IVA) com a impressão de boletins municipais.

Quanto a Grândola, igualmente liderada pelo PCP, gastou nos últimos cinco anos 84.810 euros (aos quais acresce IVA) com cinco ajustes directos à Regiset que correspondem não só à impressão do Boletim Informativo, como também da Agenda Maré AltaNo caso de Alcácer do Sal, a Regiset foi contratada para a impressão do Jornal Municipal: o de 2017 custou 5.320 euros, o de 2018 5.432 euros.

Houve ainda várias outras autarquias comunistas a gastar milhares de euros com impressões de publicações adjudicadas à Regiset. São exemplo disso Alcochete (em 2014, 2015, 2016 e duas vezes em 2017), Cuba (em 2014), Palmela (em 2015 e por duas vezes em 2016), Montemor-o-Novo (em 2015 e 2018), Barreiro (em 2016), Moita (em 2017), Avis (por três vezes em 2017), Arraiolos (em 2018 e, neste caso, por consulta prévia) e no SMAS de Almada (em 2014).

A Regiset conseguiu apenas cinco contratos com entidades públicas não lideradas pela CDU: com a Inovinter, um centro de formação e inovação tecnológica, em 2013; com a Confederação Nacional de Agricultura, em 2017; com o Instituto Politécnico de Setúbal, em Dezembro de 2018; com a Junta de Freguesia de Arroios, liderada pelo PS, em 2017; e com a Junta de Freguesia de Torrão, no concelho de Alcácer, que é também liderada pelo PS, em 2018.

Letras&Sinais: ajustes de 208.920 euros
para antigo vereador

A Câmara Municipal de Loures, liderada por Bernardino Soares (CDU), e mais duas juntas de freguesia do concelho (todas lideradas pela CDU) fizeram contratos por ajuste directo à empresa de comunicação de um antigo vereador da CDU na autarquia no valor de mais de 200 mil euros desde 2013. De acordo com os contratos publicados no Portal Base — desde as autárquicas de 2013 –, mais de 59,37% dos contratos (208.920 euros num total de 351.889 euros) com entidades públicas feitas pela empresa do militante comunista José Manuel Abrantes (Letras&Sinais, que é unipessoal) foram realizados com a câmara e duas das juntas lideradas pela CDU em Loures.

Desde as autárquicas de 2013 que a empresa do antigo vereador da CDU fez 21 contratos públicos, dos quais mais de metade (12) foram com a câmara e duas juntas de freguesia do concelho de Loures (a junta de freguesia de Loures e a junta de União de Freguesias de Santo Antão e S. Julião do Tojal). Os contratos são todos de prestação de serviços na área da comunicação.

O caso da Letras&Sinais já tinha sido noticiado pelo Observador em Setembro de 2017, mas desde então já foram feitos mais dois contratos: um de 9 mil euros, a 29 de Dezembro de 2017, com a freguesia de Loures, e outro de 12,6 mil euros com a União de Freguesias de Santo Antão e S. Julião do Tojal, a 17 de Janeiro de 2018. Foram ambos por ajuste directo.

Na altura, José Manuel Abrantes disse ao Observador que não podia ser prejudicado «por ser militante» e que tem direito a fazer contratos com o Estado. Alega ainda que já antes tinha sido «pontualmente» convidado pela autarquia socialista. «Não vejo razões para recusar trabalhos da câmara e dessas freguesias de Loures, tal como tenho com várias outras entidades». No entanto, não foram sondadas outras empresas, apenas a do antigo vereador comunista. «Admito que Bernardino possa estar mais descansado comigo. Como admito que haja outras empresas competentes que não sejam de militantes comunistas. Mas ele está descansado porque fazemos um trabalho competente, não porque sou militante», explicou na altura José Manuel Abrantes.

O executivo de Bernardino Soares, tal como fez em 2017, justificou a contratação dizendo que «a empresa tem créditos firmados no trabalho da área da comunicação» e recorda que «da sua carteira de clientes constam diversas entidades públicas e privadas». A autarquia destaca que, «no caso das entidades da administração pública, a sua actividade [da Letras&Sinais] integra trabalhos para entidades independentes, da administração central e da administração local, neste caso governadas por maiorias de diversas orientações políticas».

A autarquia destaca que «o sócio gerente da empresa em causa não exerce funções executivas na Câmara Municipal de Loures desde 2005». É verdade — uma vez que a autarquia foi perdida para o PS — mas no mandato seguinte (que foi até 2009), José Manuel Abrantes exerceu funções como vereador da CDU, na oposição. Além, claro, de ser militante do PCP.

O município de Loures destaca, no entanto, na resposta ao Observador, que «o trabalho desenvolvido pela empresa em causa tem sido determinante para alcançar e manter a coerência e a qualidade da comunicação municipal, bem visível na produção e actualização da linha gráfica, na construção e manutenção de um novo sítio na internet, na edição de um jornal municipal e de outros conteúdos e publicações». Segundo o executivo de Bernardino Soares «este contributo fez-se trabalhando lado a lado com o respectivo serviço municipal, que de resto beneficiou claramente desta parceria, incrementando visivelmente as suas competências».

Genro de Jerónimo: dois contratos atribuídos sem serem ouvidas outras empresas

A autarquia de Loures viu-se recentemente envolvida numa polémica, uma vez que a câmara estabeleceu seis contratos, no valor de 152.725,20 euros, com o genro do secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa. A notícia foi avançada pela TVI a 17 de Janeiro deste ano e o PCP reagiu de imediato através de um comunicado onde falava de «uma abjeta peça de anticomunismo sustentada na mentira, na calúnia e na difamação», acusando aquele canal de televisão de sucumbir à «mercenarização do papel jornalístico».

A câmara de Loures, liderada pela CDU, contratou — cinco vezes por ajuste directo e uma outra por consulta prévia — Jorge Bernardino, que é casado com Marília de Sousa, filha do secretário-geral do PCP. Destes seis contratos, há três em que se sabe quem são os outros concorrentes. Já nos outros três casos não foi publicitado no site Base.gov se houve outros concorrentes.

Questionada pelo Observador sobre a ausência desta informação, a câmara de Loures explica que só «foram consultadas outras empresas em quatro contratos». Ou seja: houve dois destes seis contratos atribuídos a Jorge Bernardino para os quais não foram ouvidas outras empresas.

No último contrato, referente à substituição de publicidade em 438 unidades de MUPIS e à manutenção de instalação eléctrica nesses espaços, o genro de Jerónimo de Sousa conseguiu uma melhor proposta que a Cabena, uma empresa de Benavente que tem vários contratos com a câmara de Loures e outras autarquias. Há também dois contratos em que Jorge Bernardino levou a melhor sobre duas empresas: a Space Pool Comércio e Serviços e a CEPA Produção Audiovisuais. Há um outro contrato que teve concorrentes (mas desconhece-se quais são).

A Space Pool, uma das concorrentes do genro de Jerónimo de Sousa, é detida a 50% por Rui Saragoça Bicho, que nas últimas eleições autárquicas integrou, como suplente, a lista de vereadores da CDU à Câmara Municipal de Almada. Em 2009, tinha sido candidato efectivo à Junta de Freguesia de Cacilhas, também no concelho de Almada.

O próprio secretário-geral do PCP foi forçado a vir comentar o caso. Dias depois, voltou a insistir na tese da «infâmia e difamação» e atirou: «Deve-se sacudir esta pressão inaceitável, provocatória. Eu poderia resumir numa frase: a minha vida fala por si».