Estamos cansados de saber e repetir que somos presididos e governados por gente sem ética e sem vergonha. Por uma «canalhocracia», como sabiamente diria D. Pedro V. Pobre Portugal.
São muitas as manifestações de indignação com tudo o que se passa. Mas esta do «católico» Cavaco promulgar a lei dos «casamentos» entre invertidos provocou uma especial onda de indignação entre os católicos. É bom que manifestem indignação.
Indignação, sim. Surpresa, não. Para quem tenha estado atento às políticas de Cavaco durante os seus governos e quisesse ver o que se passava, não constitui qualquer novidade: foi apenas mais uma peça no seu extenso rol de oportunismos a caminho da Presidência da República e agora da sua permanência lá por mais cinco anos. Por caminhos nada limpos.*
Mas, desta vez, a sua falta de pudor torna-se particularmente chocante: no dia 14 de Maio despede-se do Papa com aquele discurso épico e três dias depois logo lhe crava um punhal nas costas com a tal promulgação obscena.
Falta de coerência com a sua expressão de católico, como muito bem foi dito? Mas quando é que a terá tido na sua vida política?
Contradições nas justificações que apresenta para o acto obsceno, como muito bem foi dito? Mas quando é que não terá sido contraditório?
As iniciativas de protesto, vindas principalmente dos meios católicos, são várias e louváveis, embora saibamos que os protestos não vão mudar nem a ética nem a estratégia pessoalista de Cavaco, nem, de imediato, o rumo dos acontecimentos. Mas, além de alertarem as pessoas, permitem a quem protesta exercitar-se civicamente. É bom. A pessoa luta pela verdade, envolve-se e toma ela própria mais responsabilidade social.
Por mim, repito, todas essas iniciativas de protesto são louváveis e positivas. Mas estão longe de constituir a acção essencial e necessária.
Afinal, o que pretende
a suposta elite política católica?
A acção essencial e necessária é a acção política concertada dos católicos tendo como meta governar a cidade – todos os dias, todas as horas, todos os instantes.
Contudo, curiosamente, em muitos meios católicos, predomina a ideia contrária, sabe-se lá alimentada por quem, do Além e do Aquém...
Quando se diz que é preciso que exista uma elite política católica no terreno, como já aconteceu em tempos do século XX, invoca-se a virgindade da santidade, não miscível com essa porcaria da política e dos partidos. Nada de misturas com os pecadores!
Quando se diz que é preciso pensar na estratégia e na táctica católicas, contrapõe-se a navegação à vista, o espontaneísmo, e, para justificá-lo, a pluralidade dos membros da Igreja. Nada de clareza de objectivos nem de compromissos de cada um!
Quando se diz que é preciso organização, elogia-se o protagonismo do sujeito, o individualismo. Nada de stalinismos!
Quando se diz que é preciso concertação da acção, opta-se pela pulverização de forças. Nada de unidade segundo um plano comum!
Quando se diz que é preciso dedicação, prefere-se o comodismo. Nada de obrigações!
Quando se diz que é preciso afirmar a verdade, discursa-se o cinzentismo. Nada de politicamente incorrecto!
Quando se diz que é preciso frontalidade, opõe-se-lhe o maneirismo e a linguagem cifrada. Nada de clareza nem de indelicadeza com o inimigo!
Quando se diz que é preciso abrir os olhos para compreender a política do inimigo, lança-se a poeira da suposta esperteza. Nada de ciência e experiência políticas!
Quando se diz que é preciso coragem, deserta-se. Nada de dever de combate!
Quando se diz que é preciso agir, invoca-se que o Espírito Santo tudo resolverá. Nada de dever terreno!
E, aqui e agora, quando se diz que é preciso apresentar uma candidatura à Presidência da República para, em tempo de antena e movimentações populares, propor aos Portugueses uma alternativa cristã, e assim, pelo menos, contribuir para lhes abrir as perspectivas e prepará-los para os combates que se seguem, respondem os mesmos senhores que não vão porque é difícil ganhar... Nada de ir à luta sem ser para tirar proveitos pessoais imediatos e honrarias!
Afinal, com quem podem os Portugueses contar?
Que pastores são estes que conduzem desta maneira o rebanho?
Não, não é desta pseudo-elite política, eventualmente cumpridora formal de todos os preceitos e sacramentos da Igreja e ainda mais alguns, que os católicos e os Portugueses em geral precisam.
Não, obrigado!
Por comportamentos destes ao longo de anos e anos, aí temos um Presidente «católico» que, sem escrúpulos, faz o que pensa ser bom para a sua própria carreira política – o que afinal sempre fez – e completa com desculpas esfarrapadas aquilo que fazem os inimigos da moral e da família. Um Presidente «católico» que debita o tal discurso a Bento XVI e logo faz o contrário. E uma suposta elite política católica que não via ou fingia não ver o que sempre foi o verdadeiro católico Cavaco.
Efectivamente, será novidade tal obscenidade vir de Cavaco?
Que fez ele durante os seus dez anos de Governo senão minar os valores da família e a moral através da promoção do feminismo, no seu partido e com o Estado, da desautorização dos pais, da destruição do pudor via televisões (quer a RTP, completamente governamentalizada, e portanto perfeitamente controlável**, quer as privadas, a quem concedeu licenciosas licenças de exploração)?
Que se poderia esperar de um tecnocrata, isto é, de um pragmatista, utilitarista e amoralista? (Claro que estas coisas demasiado eruditas não vêm nos livros de contabilidade e ele, que apenas esses conhece, não sabe o que são; mas, na prática, ele encarna estes conceitos.)
E, para complementar, não esquecer que temos uma Primeira-Dama que se diz do centro-esquerda. Não duvidemos, pois onde a falta de referências se cruza com a hipocrisia e a ignorância, tudo é possível.
Com espírito de reconciliação e unidade, façamos umas perguntas àqueles que, a tempo, foram alertados para a fraude Cavaco, tendo rotulado de «exageros» os alertas e preferido apostar no dito cavalo. Já pensaram bem nas causas profundas que realmente vos levaram a não ouvir os alertas? Não perceberam os alertas ou era-lhes mais conveniente contemporizar com a mentira?
Quem quiser que faça um exame de consciência. Está sempre a tempo de corrigir a atitude e agir na sociedade como católico activo para construir a alternativa verdadeiramente cristã para Portugal. Está sempre a tempo de deixar de agir como um desnorteado ou simples cumpridor formal dos preceitos da Igreja. É o que lhes pede o vosso Papa Bento: «Moldar a terra à imagem do céu».
Estarão dispostos, a partir de agora, a reconhecer e a não repetir os mesmos erros?
Quererão integrar, a partir de agora, a verdadeira elite política católica?
Poderão, a partir de agora, os Portugueses contar convosco?
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* Ver Dez Anos de Cavaquismo – Breve Balanço da Catástrofe Tecnocrática. 1995. Reedição em 2005 por Lusitânia Expresso.
** O único aspecto de controlo da RTP que interessava a Cavaco era a propaganda directa de si próprio e do seu Governo. Quanto ao resto, era irresponsavelmente entregue aos Carlos Cruz, Marias Elisas, Júlios Isidros e quejandos, que se encarregavam de injectar o veneno político, cultural e moral. O bloco de Esquerda e os Sócrates podem agradecer aos governos de Cavaco a mentalização de muitos portugueses para aceitarem o que hoje aceitam no campo moral. Quando, num Conselho Nacional do PPD-PSD, levantei o problema da pouca-vergonha da programação da RTP, apercebi-me do sorriso (de quê?) da «elite» cavaquista sentada na primeira fila, entre a qual Eurico de Melo. Pudera.
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