terça-feira, 15 de junho de 2010

25 anos de adesão de Portugal à União Europeia

D. Amândio José Tomás, Bispo Coadjutor de Vila Real

Há já 25 anos que Portugal aderiu à União Europeia, que nasceu há mais de meio século como projecto de paz, liberdade e respeito da dignidade das pessoas e nações, em prol do bem estar dos Estados aderentes e abertos à partilha solidária. A União de livre circulação de pessoas e bens não se entende, sem o reconhecimento das raízes e valores cristãos, que, segundo os Pais Fundadores, Schuman, De Gasperi, Adenauer e outros, constituem o seu alicerce e a sua alma. A Europa não pode nem deve esquecer a sua origem. Ela não é pura unificação político-económica, mas síntese de valores herdados e partilhados, em paz, na liberdade e na solidariedade.

A celebração dos vinte e cinco anos da adesão de Portugal deve servir para tomar mais consciência da grandeza do projecto em que estamos embarcados, do que há a corrigir e melhorar, cientes de que a Europa não é só a comunidade, da qual se auferem as vantagens económicas, esquecendo deveres e contra-partidas, mas é, antes de mais, comunhão de vontades e esforços, salvaguarda de valores, respeito e humanidade, na promoção do bem comum, sem revanchismos, vinganças, egoísmos desenfreados e ideias hegemónicas, que sempre levaram à catástrofe.

A Europa nasceu após a tragédia de 2 conflitos mundiais. A Declaração de Schuman, de 1950, propôs a via do progresso e da paz, acabou com o círculo vicioso da retaliação e ódio entre as nações europeias. Desconhecer isso é um erro histórico e um perigo, que leva o projecto europeu a ruir como um castelo de cartas. A Europa prega e alimenta o ideal de liberdade, igualdade e democracia e ainda bem. São uma conquista cristã, com o substrato grego da vida pública e elite dos homens livres, mas não dos escravos, amalgamado com direito romano e contributo do liberalismo iluminista. A democracia, sem verdade que a ilumine e sustente, como mera democracia relativista e irracional e hoje sem fundamentação, conduz à ruína, é auto-fágica, devora-se a si mesma, como dizia Platão, pois até Hitler foi eleito democraticamente! O projecto europeu desligado da verdade cristã e do amor, do respeito, igualdade e solidariedade que o explicam e sustentam, ameaça também uma derrocada iminente, se não o alicerçarmos.

As ideologias pagãs nazi e comunista não conduziram ao paraíso terrestre mas aos fornos crematórios, campos de concentração e desrespeito da dignidade humana. O mal espreita sempre a condição humana se não estamos atentos a debelar os perigos. Que o paganismo das ideologias do século XX não devore agora o sonho europeu!

“Relativismo, laicismo, cientismo e o que hoje é colocado, em lugar da fé, são venenos e não antídotos. Eles agridem o corpo já doente, não são anti-corpos que o defendam”, reconhece Marcelo Pera, não crente confesso, que explica porque devemos agir como culturalmente cristãos e, como dizia Pascal aos amigos incrédulos, viver como se Deus existisse, numa Europa, que nasceu e foi plasmada por valores cristãos, que são a base do pensamento moderno e do seu ideal ético e sem os quais ela não se aguenta.

Os teóricos do liberalismo e do iluminismo, como John Locke, Thomas Jefferson e Kant exaltaram a liberdade e a razão humana, mas solidamente baseados, na lei natural, no desejo de adesão ao bem e à verdade, dentro dos limites duma ética natural e cristã.

Os Europeus, crentes ou não, deveriam reconhecer o contributo benéfico da herança cristã, sem se envergonharem dos valores que presidiram ao nascimento da Europa e da cultura ocidental. São, aliás, não cristãos, como Weiler e Benedetto Croce, os que enaltecem o valor do cristianismo, do ponto de vista civil, humano e social. Chegou, pois, a hora de acordar e afirmar, sem vergonha e com coragem, o contributo cristão, o direito à vida e dignidade da pessoa humana, direito prévio, inalienável e imperecível e o direito à liberdade, à solidariedade, à educação e ao uso dos bens, com um destino universal. Reafirmemos estes direitos, no ano em que a União Europeia propôs 2010, como “Ano de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social”.

O cristianismo fundiu, em síntese admirável, razão e eunomia gregas, direito romano e a Revelação judaico-cristã, à luz do mistério da cruz de Cristo, que originou a maior revolução mundial não violenta, tornando os homens e mulheres iguais e irmãos. A civilização ocidental assenta assim em três colinas, na Acrópole de Atenas, no Capitólio de Roma e no Monte Calvário de Jerusalém, como disse Theodor Heuss, presidente da República Federal da Alemanha, após a catástrofe da segunda guerra mundial.

(D. Amândio José Tomás, Bispo Coadjutor de Vila Real, é Delegado da CEP para a Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia)





 

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei.É um texto sintético,suficientemente desenvolvido,bem fundamentado,cultual e ideológicamente válido e coerente e formalmente escorreito e de fácil leitura.