Humberto Nuno de Oliveira
Ao iniciarmos este pequeno artigo lembraremos duas citações que orientam o rumo do mesmo. Dizia-nos Kant que «sem o fundamento geográfico, a história pouco se distancia dos contos de fadas», complementando Napoleão que «a política dos Estados está na sua geografia». Na realidade, é de um ponto de vista geográfico que analisaremos a importância de uma Catalunha independente para Portugal.
É para nós indissociável a importância dos geofactores na formação do Estado português, lembrando a autoridade de Jaime Cortesão ao afirmar «Ninguém (...) poderá estudar (…) o fenómeno da formação política de Portugal, sem o encarar nas suas relações com o território». Sendo verdade que, para o serem, todos os Estados devem possuir um território, nuns ele inflúi decisivamente e noutros não tanto. No nosso caso, a geografia desempenhou um papel enorme, posto que desde cedo o nosso território se constituiu como determinante área estratégica.
Num momento histórico em que no nosso país não se discute qual ou quais devem ser os nossos grandes objectivos nacionais, importa relembrar que a viabilização geopolítica[1] do mesmo foi o primeiro desses objectivos dado que, a exígua dimensão inicial do território seria uma vulnerabilidade que urgia superar. Este objectivo foi precisamente comungado por uma realidade política do outro lado da Península: o condado de Barcelona.
Assim, importa realçar que, logo desde os primórdios destas nacionalidades, foi preocupação constante, demonstrada pela conquista de territórios para sul, a aquisição da litoralidade e a obtenção dos estuários dos grandes rios, então navegáveis (ainda hoje, como bem sabemos, as zonas do interior apresentam maiores índices de pobreza e, consequentemente, maior vulnerabilidade). Facto que em autores como Jaime Cortesão ou Virgílio de Carvalho assumiu papel de vital importância para a sobrevivência dos estados que, por aquela via, garantiam a dimensão mínima para existir, fugindo ao poder centrípeto ou aglutinador vindo da Meseta Central[2], pela criação, em oposição, de um poder centrífugo ou evasivo marítimo. Este quadro é partilhado, no mesmo período histórico, pelo condado de Barcelona-Catalunha e depois pela monarquia aragonesa a quem emprestam a sua varonia.
E foi a aliança com esta (para além de outras externas ao contexto peninsular), decorrente de uma maritimidade partilhada, que permitiu assegurar os únicos dois casos de sucesso numa Península que, progressivamente cairia sob o jugo de Castela.
A quantos subsistem dúvidas sobre o carácter imperial do Estado espanhol para a Península, importa recordar que, para a escola de pensamento geopolítico e estratégico castelhano-espanhol, as independências de Portugal e da Catalunha hão-de ser sempre vistas como uma fatalidade histórica, que contraria a grande noção de Ibéria como espaço unitário.
Não é por acaso que, analisando a individualização de Portugal (porque lamentavelmente a Catalunha haveria de cair no âmbito das conquistas espanholas), o general espanhol Munilla Gomez (autor com grandes responsabilidades no actual pensamento estratégico do Estado castelhano-espanhol), afirmava com incontida pena:
«E quanto aos nossos vizinhos portugueses, há que reconhecer que, apesar do seu potencial militar ter sido muito inferior ao império que lograram construir, acertaram na hora de olhar para o oceano e de voltar costas à estratégia continental. Como também acertaram nas suas alianças e, sobretudo, pelo que praticaram a regra de ouro da sua política internacional: estar sempre unidos à principal potência naval de cada momento.»
Concluindo, mostra a história que a aliança de Portugal e da Catalunha foi permanente elemento de estabilidade recíproca e factor de menorização dos apetites imperiais (latentes mas jamais esquecidos) do Estado espanhol. Assim, a existência de uma Catalunha (e de outras nações oprimidas pelo Estado castelhano-espanhol) independente será sempre mais favorável ao papel de Portugal num contexto peninsular plural, diverso e não controlado pelos apetites centrípetos da Meseta.
Os
castelhanos procederam a uma «regionalização» da Espanha retalhando a Catalunha de modo a diminuir-lhe o peso político. |
NOTAS:
[1] Tomemos, por exemplo, as definições do catalão Jaume Vicens i Vives (1950) de que esta disciplina é a da doutrina dos espaços vitais, apresentando-se como um resumo dos resultados da geografia histórica e da geografia política, ou a do clássico Karl Haushofer de que é a ciência que, através do processo histórico, estuda as formas de vida política nos espaços vitais naturais, considerando-os na sua ligação com o meio ambiente.
[2] Federico Udina Martorell, como aliás muitos outros autores castelhanos, confirma a grata tese de que a Meseta (Castela ou hoje o Estado Central espanhol) está, de facto, predestinada a exercer ao longo da História um papel preponderante e de comandamento sobre o restante espaço peninsular.