Bernardo Motta, no blog Espectadores
Não há dúvidas de que tem sido uma excelente Páscoa para os inimigos da Igreja. Têm voado pedras e cuspidelas, e anda tudo maluco, com a cabeça a andar à roda, a disparar em todas as direcções. A blogosfera anticatólica anda feliz da vida. Parecem crianças à procura de ovos de Páscoa no jardim.
Mas o mais enraivecido anticatólico, desde que dotado de meio cérebro, começará a desconfiar desta situação.
Veja-se a nova enxurrada de notícias, desta feita provenientes da Noruega. Neste país de tão fortes tradições católicas (desculpem-me a ironia, mas não resisto), estalou mais um mega-escândalo de padres pedófilos. Um caso de abuso por parte de um bispo norueguês, Mueller, ocorrido nos anos 90 em que ele ainda era padre, e revelado pelo Bispo Eidsvig a pedido da Santa Sé, disparou mais este escândalo mediático. Mas a notícia não pode ser a desse caso já antigo. A notícia agora é que a Igreja Católica na Noruega dá conta de que está a receber desde os últimos dias uma avalanche de denúncias de supostos "novos casos".
Veja-se o desgraçado do Bispo Brent Eidsvig, no aeroporto de Oslo, rodeado de uma "trupe" de jornalistas sedentos por mais escândalos.
O Bispo Eidsvig terá dito aos jornalistas: "I received so many email tip-offs about possible aggressions and other sexual abuse that the computer server crashed". Ou seja, na sequência da revelação, por parte de Eidsvig, do crime do seu predecessor, começaram a chover "e-mails" de denúncia na caixa de correio de Eidsvig. Será que os acusadores que enviaram estes "e-mails" só se lembraram agora dos abusos?
Eidsvig diz que o seu computador ficou entupido com "e-mails".
Ai, se os jornalistas soubessem de quantos "e-mails" se trata... Se fossem mil "e-mails" recebidos, seria logo noticiado: "Mil casos de abuso por parte de padres pedófilos relevados na Noruega". Não. Melhor ainda: "Há mil padres pedófilos na Noruega".
O que se passa é que, no meio da euforia, ninguém se dá conta (ou não se quer dar conta) de que uma coisa são suspeitas, denúncias (algumas anónimas) ou insinuações. Outra coisa são condenações. Esta confusão está a baralhar muita gente.
Nos EUA, segundo o estudo do John Jay College of Criminal Justice, entre 1950 e 2002 foram suspeitos de abuso sexual de menores 4392 padres e diáconos católicos americanos (num total de 109 694) [1]. Falamos então de uma percentagem de 4% de sacerdotes e diáconos, do total de sacerdotes e diáconos norte-americanos, sob suspeição durante o período em causa. Mas apenas cerca de uma centena foram realmente condenados pelos tribunais civis. Ora, se presumimos que o suspeito é culpado à partida, temos 4.392 abusadores de menores. Mas se respeitamos o princípio de presunção da inocência, e se respeitamos os tribunais, teremos apenas cerca de 100 abusadores de menores (nem todos pedófilos). Outro dado curioso do estudo norte-americano é que dessa centena de condenações, só 54 diziam respeito a condenações por pedofilia (sexo com menores não adolescentes). Mesmo que admitamos que muitas das suspeitas não chegaram aos tribunais, ou que algumas das que chegaram não terminaram em condenação e deveriam ter terminado em condenação, podemos ser pessimistas, e ficar-nos pelo "tecto" de 4% de sacerdotes e diáconos, do total norte-americano, que viram os seus nomes envolvidos em suspeitas de abusos.
Convenhamos: 4% de sacerdotes e diáconos, pegando no caso norte-americano porque este apresentou o maior impacto social, não é um fenómeno "massificado" ou "generalizado" como afirma tanta comunicação social e tantos comentadores de pacotilha.
E há outro dado "incómodo". O relatório do John Jay College of Criminal Justice faz uma análise temporal aos dados estatísticos. O "pico" dos casos de abuso coincide com o "pico" do número de acusações, e calha no ano de 1980. A curva que se pode ver na página 28 do dito estudo é ilustrativa: é uma curva em forma de montanha, com uma curva acentuada de crescimento que se nota a partir de 1960. Depois do "pico" de 1980, a curva desce acentuadamente, até 1995, ano em que atinge os valores de 1950. Interessante, o comportamento desta curva, que sustenta todos aqueles que têm relacionado este fenómeno com a revolução sexual dos anos 60 e 70, bem como todos os que têm dito, em defesa da Igreja, que desde o final do século passado, a Santa Sé tomou as rédeas deste problema. Olhando para esta curva, característica dos EUA, se os números não mentem, algo aconteceu para esta queda acentuada no número de casos entre 1980 e 1995 (ver ainda o gráfico da página 35).
Ainda outro dado "incómodo". Segundo o mesmo relatório, 80,9% dos casos reportados nos EUA são abusos a rapazes[2]. Para aqueles que juram a pés juntos que este escândalo não tem nada a ver com homosexualidade, estes números frios merecem segunda reflexão...
Os números da Alemanha, outro país alvo da especulação em torno dos padres pedófilos, reportam 210.000 casos de abusos de menores desde 1995. Os casos relacionados com padres ou religiosos da Igreja foram apenas 94 desse total. Falamos de 0,04%!
Os números da Irlanda são graves pelo fenómeno social em si, que envolve muita gente, não apenas padres, e não apenas membros da hierarquia da Igreja Católica. Primeiro, há que ver que o Relatório Ryan contém dados desde 1914. É importante saber o intervalo temporal dos dados recolhidos, para fazermos comparações justas em termos de números absolutos de sacerdotes e de casos de abusos!
No Relatório Ryan temos 1090 casos de violência contra menores (sexual, física e psicológica). O total de elementos do clero envolvidos nestes casos é de 23 (0,02%). Muitos dos casos de abuso dizem respeito a pessoal auxiliar educativo (professores, contínuos, etc.).
Eu devo confessar que, no início de Março, quando começou esta palhaçada mediática, eu senti-me sinceramente chocado, porque os "media" faziam passar a imagem de um escândalo em larga escala, quer nos crimes sexuais, quer na ocultação. Passado um mês, penso que os "media" e os agentes anti-católicos forçaram demasiado a barra, e caem no descrédito. Foram várias as notícias desmentidas, e toda a campanha mediática tem pés de barro.
Os crimes, apesar de serem todos graves e horríveis, têm uma dimensão bem diferente da que nos querem vender. A montanha pariu um rato. Notícias como esta da Noruega, ainda por cima um país pouco religioso, e da parte que é religiosa, pouco católico, não ajudam a causa anti-católica. Antes pelo contrário: ajudam ao descrédito.
Esta campanha mediática começa a ser vista por aquilo que é: uma palhaçada imoral. Uma difamação em grande escala. Mas o mais grave não está na campanha em si, pois grande parte dela, como todas as campanhas, é movida pelo dinheiro. O que me parece particularmente grave, em tudo isto, é a sanha com que as notícias são lidas e difundidas. Há muita gente que reage indignada (mesmo que secretamente feliz) a estes escândalos, porque é uma oportunidade imperdível para manifestar um ódio profundo à Igreja Católica.
Os críticos da praxe dirão que estou a exagerar, e a fazer dos católicos as vítimas. Sejamos claros: há aqui dois tipos de vítimas: as dos abusos sexuais e as de difamação. Certamente que é um crime muitíssimo mais grave o de abuso sexual, quando comparado com o de difamação. Mas esta justa comparação não nos deve impedir a nós, católicos, de dizermos "basta!" a esta campanha infame.
É que o ódio anticatólico existe e é bem real. Basta ler, por exemplo, os recentes "posts" de um conhecido blogue nacional, onde pululam corifeus da tribo anticatólica, tribo essa que não tem dado descanso ao teclado nos últimos dias, certamente com um sorriso na cara (sorriso esse que a Internet, felizmente para eles, esconde com eficácia).
Toda esta gente sempre odiou a Igreja Católica. Não a odeiam por causa dos seus rituais, por causa da (treta) da suposta incompatibilidade da religião com a Ciência, não a odeiam por causa de certos erros históricos do passado da Igreja, não a odeiam por causa da sua dimensão à escala global, e não a odeiam por causa do seu imenso trabalho planetário de assistência social.
Odeiam-na por causa da sua mensagem moral. Sejamos claros: a moral da Igreja não é seguida por esta gente. É verdade que também muitos católicos não seguem a moral da Igreja (pelo menos em todos os pontos), mas ao menos estes sabem (ou deviam saber) que estão em erro quando não a seguem. Ora estes inimigos da Igreja defendem em voz alta uma vida plena de imoralidade (aborto, contracepção, homossexualidade, pornografia, eutanásia, entre outras aberrações). E a única voz, em todo o Mundo, que surge para os refutar é a da Igreja Católica. Ora isso deve ser muito irritante. O último baluarte contra a vitória final da imoralidade é a moral católica. É, então, o inimigo a abater.
O alvo é a moral da Igreja, a moral de Jesus Cristo.
A estratégia é simples e clara: atacar o coração moral da Igreja. Acusá-la das piores imoralidades. E, nos dias de hoje, há duas imoralidades especialmente chocantes (e ainda bem) para a opinião pública: o anti-semitismo e o abuso de crianças. Por isso é que os casos contra Pio XII e contra Bento XVI têm tantos paralelos. Do mesmo modo que se procurou "assassinar moralmente" Pio XII, acusando-o de anti-semita e pró-nazi, para que atancando-o, se desfira um golpe forte à moral da Igreja, procura-se agora "assassinar moralmente" Bento XVI, acusando-o de cúmplice na ocultação de crimes, para que atacando-o, se desfira novo golpe forte à moral da Igreja.
Isto não tem nada de novo.
Podemos encontrar coisas muito parecidas nas campanhas anti-católicas dos terroristas da Convenção durante a Revolução Francesa, nas do "risorgimento" italiano na segunda metade do século XIX, na humilhação do clero francês durante a Terceira República, na guerrilha do regime Costa durante a Primeira República, entre tantos outros casos.
Podemos encontrar coisas muito parecidas nas campanhas anti-católicas dos terroristas da Convenção durante a Revolução Francesa, nas do "risorgimento" italiano na segunda metade do século XIX, na humilhação do clero francês durante a Terceira República, na guerrilha do regime Costa durante a Primeira República, entre tantos outros casos.
A história não se repete, mas há coisas que nunca passam de moda. Cuspir no padre é uma delas. Só que o problema é que estas estratégias, sendo sempre as mesmas, também produzem sempre os mesmos efeitos. O que têm em comum estas estratégias de "assassinato moral" dos representantes da Igreja é sempre o mesmo: a sua relativa eficácia local, e a sua completa ineficácia "à la longue". Se a propaganda anti-católica sempre conseguiu enganar os desgraçados dos ignorantes que, no seu tempo, foram por ela levados, a verdade é que a Igreja deu sempre a volta por cima. Os da Convenção já morreram todos (mataram-se uns aos outros), os Garibaldis desta vida foram à vida, os que profetizavam o final da Igreja nas primeiras décadas do século XX estão hoje a fazer tijolo (apesar de terem, hoje em dia, uns "descendentes" muito espigadotes que ainda julgam que vivem nos tempos do Costa).
Desde os anos 60 que não falta gente (alguns que se dizem católicos) a aproveitar os escândalos mediáticos para tentar pressionar uma mega-reforma (melhor seria dizer, uma implosão) da Igreja. Nesta matéria, os "reformistas" aliam-se aos inimigos não católicos da Igreja, pois na prática, querem todos o mesmo: que a força moral da Igreja desapareça de vez. Quando a Igreja deixar de ser o contraditório da imoralidade, então ela deixa de ser Igreja.
Mas enquanto os cães ladram, a caravana passa...
Bento XVI sabe isso melhor do que ninguém. Ele não governa a Igreja com os olhos postos nos "media", nos abaixo-assinados, nas petições de supostos "povos de Deus", nas sondagens, ou na "vox populi". Ele governa com os olhos postos em Cristo. Deus o ajude, ampare e proteja.
--------------------------
[1] "The nature and the scope of the problem of sexual abuse of minors by catholic priests and deacons in the United States 1950-2002", John Jay College of Criminal Justice, págs. 26 e 28.
[2] Ibidem, p. 69.