sábado, 27 de dezembro de 2014


A última entrevista de Francisco


Padre Nuno Serras Pereira

Eu estou errado com certeza, mas com alguma frequência, confesso (esperando que a Misericórdia mais que infinita do Papa Francisco me perdoe), fico com a impressão que o Papa Francisco, principalmente nas entrevistas, tanto diz uma coisa como o seu contrário (embora às vezes não o afirme e negue explicitamente, mas o insinue.) Por exemplo, na recente entrevista que deu a «La Nación», um jornal argentino, a determinada altura diz o seguinte: «Você (a entrevistadora) pode perguntar-me ‘mas há alguns que são completamente obstinados (burros, néscios – «tercos») nas suas posições’. E, sim, haverá alguns assim. É questão de rezar para que o Espírito os converta, se é que houve alguns (obstinados).»

Mais adiante: «Que fazemos com eles (os «divorciados recasados», aspas minhas), que porta é que lhes podemos abrir? Tratou-se de uma inquietação pastoral: então damos-lhes a comunhão? Não é uma solução dar-lhes a comunhão. Isso somente, não é a solução. A solução é a integração.»

Eu continuo errado, sem dúvida, mas quando Francisco continua «explicando» o que é a integração: «No están excomulgados, es verdad. Pero no pueden ser padrinos de bautismo, no pueden leer la lectura en la misa, no pueden dar la comunión, no pueden enseñar catequesis, no pueden como siete cosas, tengo la lista ahí. ¡Pará! ¡Si yo cuento esto parecerían excomulgados de facto! Entonces, abrir las puertas un poco más.»; confesso que fico inteiramente boquiaberto e perplexo. De facto, há inumeráveis coisas que podem fazer e já fazem na Igreja (que não são permitidas aos excomungados), mas Francisco ignora essa imensidade fixando-se tão somente em sete (7) coisas! Tanto mais que esses impedimentos (como ao fixar-se inteiramente nos «casados recasados» o parece) não são somente aplicados aos impropriamente chamados divorciados recasados mas a todos aqueles que publicamente vivem em estado de pecado grave.

Depois contínua com esta afirmação assombrosa que me deixa estarrecido, fraqueza minha, já se sabe: «¿Por qué no pueden ser padrinos? ‘No, fijate, qué testimonio le van a dar al ahijado’. Testimonio de un hombre y una mujer que le digan ‘mirá querido, yo me equivoqué, yo patiné en este punto, pero creo que el Señor me quiere, quiero seguir a Dios, el pecado no me venció a mí, sino que yo sigo adelante’. ¿Más testimonio cristiano que ése?» Por outras palavras, talvez cruas mas verdadeiras, continuo a fornicar adulteramente com aquele que não é meu marido, mas o pecado não me venceu. Aliás, transformou-se num modelo de testemunho cristão. Adeus arrependimento, adeus conversão, coisas inúteis e perniciosas, pelos vistos. Um Papa, afirmando isto de pessoas que vivem em estado de adultério, foi coisa que nunca pensei ouvir (e isto aterra-me ao ponto de pedir ao Senhor que se tem um lugar no Purgatório para mim, me leve antes de que venha a topar com uma decisão nesse sentido). Vive objectivamente em pecado, nele permanece e nada faz para mudar e diz que não foi vencida pelo pecado! E a Santa Igreja confirma-a no seu perverso erro! Se eu fora um demónio, exultaria de alegria (isto que escrevo será provavelmente por  estar possesso, pelo que devem dar o devido desconto... )! É obra!, se não lesse não acreditaria! A não ser, claro, que Francisco subscreva, o que me parece impossível, a heresia de Kasper, em contradição flagrante com as afirmações de Deus feito homem de que é uma injúria dizer que os «divorciados recasados civilmente» vivem em estado de adultério. De facto, só será possível advogar tal tese se se considera que não existem pecados sexuais quando entre adultos e consentidos ( o que significaria a rendição da Igreja à revolução sexual); ou então que o casamento civil (e, talvez, a geração de filhos nesse pseudocasamento) têm o mesmo efeito que a Confissão Sacramental e que o Sacramento do Matrimónio. Uma vez que a Doutrina de Cristo na Sua Igreja sempre ensinou que os pecados graves, para os baptizados, exceptuado o perigo de morte iminente, só se perdoam pela Confissão Sacramental, teríamos aqui um novo Sacramento, não instituido por Cristo, mas sim por W. Kasper.

Na minha mesquinha e insignificante inteligência, se é que ainda me sobra alguma, também não entendo a preocupação com um número reduzidíssimo de pessoas homossexuais que justifique uma atenção tão grande em dois Sínodos. A não ser que seja para esclarecer os Bispos das tirânicas e ditatoriais investidas globais da seita profundamente corrupta, sim Santo Padre, corrupta, lgbtqi que tem cúmplices activos na Igreja. Mas receio que, pelo contrário, possa vir a servir também para confirmá-los no seu estilo de vida. É isso que de algum modo já acontece nalgumas paróquias, e «pastorais» de algumas Ordens religiosas, com destaque para a Companhia de Jesus. Também poderão, estamos a falar de «gays» publicamente activos, receber a Sagrada Comunhão, ser padrinhos, catequistas, leitores, etc. Afinal deles também se poderá dizer que temos de distinguir «entre a situação objectiva de pecado e as circunstâncias atenuantes», o que aliás já consta na exortação «A alegria do evangelho». Claro que, devido ao meu estado de demência profunda, me preocupa que se faça disso um princípio geral, sem mais, a ponto de se relegar, como parece, para um plano insignificante a liberdade e responsabilidade pessoais e, ainda, de esvaziar a potência eficaz da Graça de Deus.

Com a invasão de «gays» activos nas comunidades e organismos eclesiais a enfeminização da Igreja aprofundar-se-á afastando ainda mais os homens que já não se revêem nas medriquices actuais. Depois, instalar-se-á uma polícia da linguagem, que previna e persiga toda e qualquer expressão condenatória quer do adultério quer da «homossexualidade» porque serão tidas como desmisericordiosas. Procurar-se-á, em seguida, depurar a leitura da Sagrada Escritura das passagens que condenam esses pecados, uma vez que serão consideradas ofensivas e descaridosas. Evidentemente, no processo de racionalização, passará a ensinar-se que as condenações da sodomia e do adultério não fazem parte da Revelação, sendo tão somente expressões históricas de uma dada cultura primitiva e retrógada. Bem pode quem me lê achar que exagero mas a verdade é que estas coisas já se ensinam em realidades eclesiais, inclusive, em Universidades jesuítas. Aproveito para dizer que conheço pessoalmente quem tenha sido ameaçado, da parte de Sacerdotes, com denúncias judiciais só por ensinar aquilo que o Catecismo da Igreja Católica diz sobre estas questões (não foi em Portugal, por enquanto).

Acresce que aqueles que na Igreja desobedeceram e desobedecem ao que o Magistério da Igreja sempre ensinou sobre estas questões (o Papa S. João Paulo II, no final da sua vida, lamentava-se de ter sido enganado por alguns que nomeou para o episcopado. A quem se referiria?) serão os primeiros a exigir uma obediência absoluta não admitindo, caso isto vá adiante, que nenhum Sacerdote denegue a Sagrada Comunhão a quem quer que seja. Serão vilipendiados, perseguidos, canonicamente penalizados, tidos como fariseus hipócritas, empedernidos, agarrados à letra dos evangelhos, cerrados às surpresas de Deus. Essa gente tão misericordiosamente implacável que à semelhança dos que adiantam «causas fracturantes» insiste, persiste, teima, durante décadas, até conseguir a «abertura», transforma-la-á, imediatamente, numa fechadura inviolável que não mais se pode pôr em causa, feita um superdogma contra o qual nada pode a Escritura Sagrada nem a Tradição nem o Magistério passado. Seria a «canonização» da carta de divórcio de Moisés, deixando este de ser entendido como um percursor apontando para Jesus Cristo e transformando-o no Modelo que Cristo, afinal, tinha deturpado. Moisés, o verdadeiro Deus feito homem; o castigo de Sodoma e Gomorra sinais claros, como ensinava Marcião, de um Deus Maligno e cruel.

Obviamente que as coisas não serão enunciadas do modo que aqui descrevo; tudo será mascarado como uma linguagem delicodoce e para lá das intenções subjectivas de alguns, que poderão ser as melhores, a verdade é que a lógica insita em tais mudanças conduziria inexoravelmente a tais desfechos.

Não se contentando com aquilo que já adiantara, Bergoglio acrescenta: «O si viene uno de estos estafadores políticos que tenemos, corruptos, a hacer de padrino y está bien casado por la Iglesia, usted lo acepta? ¿Y qué testimonio le va a dar al ahijado? ¿Testimonio de corrupción?»”. Deus do Céu!, um Papa, ainda que esteja a falar não como Pastor universal mas como doutor privado, atirar assim com um argumento ad hominem!? Acresce que é impossível que não saiba que se são comprovadamente corruptos não poderão nem ser padrinhos nem receber a Sagrada Comunhão. Não entendo como é que alguém com as responsabilidades que tem possa lançar assim uma supeição generalizada. Nem percebo como é que para Bergoglio pareça existir verdadeiramente um só pecado, e imperdoável, o da corrupção.

Graças a Deus nunca pensei sequer por um instante deixar o Sacerdócio e confio que o Senhor me continuará a guardar. Mas uma coisa já decidi. Caso, o que não creio, estas coisas forem para diante, pedirei imediatamente dispensa de celebrar a Eucaristia em público e de atender em confissão quem não conheça para não me ver obrigado a profanar estes Divinos Mistérios. À honra de Cristo. Ámen.





Overton: como aceitar uma coisa intolerável



Cristina Mestre

Muitos de nós conhecem os métodos através dos quais os políticos e os seus assessores de imprensa influenciam a opinião pública. Digamos que isso já é um dado adquirido nas chamadas democracias ocidentais e, por isso, por vezes somos cépticos em aceitar propostas políticas, que tantas vezes são criadas artificialmente nos gabinetes das empresas de assessoria.

Ora essas «tecnologias» parecem brincadeiras de crianças comparadas com uma relativamente recente (desenvolvida nos anos 90) que tem por objectivo tornar aceitável na sociedade algo que, antes, era totalmente inaceitável e intolerável.

Trata-se da Janela de Overton, um modelo de engenharia social criado por Joseph P. Overton (1960–2003), ex-vice-presidente de um think tank norte-americano chamado Mackinac Center for Public Policy (Centro Mackinac para Políticas Públicas).

Overton criou um modelo para demonstrar como um pequeno grupo de pensadores, (think tank) pode mudar de forma intencional e gradual a opinião pública. A Janela de Overton é o conjunto de ideias «aceitáveis» num dado momento na sociedade.

A gradação das opiniões da sociedade em relação a determinado tema vão desde:

Intolerável (impensável);
Radical;
Aceitável;
Sensato;
Consensual;
Consagrado em políticas públicas.

Esta gradação corresponde a uma outra: proibido, proibido com ressalvas, neutro, permitido com ressalvas, permitido livremente.

Os think tanks constituem conjuntos de pessoas que produzem e divulgam opiniões fora da Janela de Overton com a intenção de tornar a sociedade mais receptiva a tais ideias e políticas públicas.

Quando esse grupo de fazedores de opinião quer promover uma ideia que está fora do que a opinião pública considera razoável, ou seja, que a sociedade não aceita, ele pode adoptar uma série de procedimentos graduais que farão as pessoas mudar completamente de ideias em pouco tempo.


Assim, através da sua acção nos media, vai-se introduzindo no discurso público ideias a princípio consideradas inaceitáveis, radicais, impossíveis de implementar, mas que, com a sua exposição ao público, passam de inaceitáveis a toleráveis e, posteriormente – na última fase – são consagradas na legislação.

Aplicando o modelo à vida política, constata-se que numa sociedade existe um conjunto de temas políticos que não causam polémica, ou seja, de entre todas as políticas públicas possíveis, há um conjunto delas que é aceite pela maioria da população sem que haja grandes debates. Esta é a Janela de Overton.

Como já dissemos, a posição da janela não é imutável, sendo que ela pode ser manipulada para introduzir novos temas ou mesmo excluir temas que já foram aceitáveis. Os políticos que desejem ter mais hipóteses de ser eleitos apenas devem assumir posições políticas que se encaixem dentro da Janela de Overton.

Para entender como a opinião pública pode ser mudada gradualmente costuma-se usar o exemplo do casamento gay (e também da eutanásia infantil). Durante anos, a Janela de Overton esteve na área do proibido, a sociedade não podia aceitar a ideia do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Com a constante exposição dos argumentos pró-gay nos media, a janela foi-se deslocando para proibido com ressalvas, depois para neutro, até chegar onde está hoje: permitido com ressalvas. Em breve será permitido livremente. Para que haja o deslocamento da Janela de Overton para posições que sejam de interesse de determinados grupos é aplicado um esforço altamente profissional, que faz parte do que se convencionou chamar de engenharia social. Este esforço é assegurado por um enorme número de especialistas em opinião pública: técnicos, cientistas, assessores de imprensa, relações públicas, institutos de pesquisa, celebridades, professores, jornalistas, etc..

Muito curioso é o facto de tais temas (casamento gay, eutanásia) já não nos causarem estranheza. Como se viu, eles já passaram por todo o processo de conversão de «inaceitável» em «consagrado na legislação».

Mas um conhecido cineasta russo, Nikita Mikhalkov, no seu vídeo-blog Besogon. TV, propõe-nos, para compreender melhor este processo, um tema que ainda é intolerável na sociedade: o canibalismo.

Creio que o facto de ter escolhido uma prática que hoje é totalmente proibida e inaceitável facilita a nossa compreensão de como as coisas se processam ou poderão processar. Há ainda outros temas que hoje a sociedade não tolera mas que pode vir a tolerar, como a eutanásia infantil ou o incesto.

Segundo ele, o deslocamento da Janela de Overton no que toca ao canibalismo poderá passar pelas seguintes etapas:

Etapa 0 – É o estado actual, o tema é inaceitável, não se discute na imprensa ou em geral entre as pessoas.

Etapa 1 – O tema passa de «completamente inaceitável» para apenas «radical». Alegando que deve haver liberdade de expressão e que não deve haver tabus, o tema começa timidamente a ser discutido em pequenas conferências, onde se obtém uma declaração de um cientista respeitável, promove-se o debate «científico». É criada, digamos, uma Associação de Canibais Radicais, que passa a ser citada nos media. Aqui o tema deixa de ser tabu, é introduzido no chamado espaço informativo.

Etapa 2 – O tema do canibalismo passa de «radical» para a área do «possível». Os cientistas continuam a ser citados, é criado um nome elegante: já não há canibalismo mas sim, por exemplo, «antropofagia». Posteriormente este termo passa também a ser considerado ofensivo e a prática começa a ser designada, suponhamos, por «antropofilia». O objectivo é desligar a forma da designação do seu conteúdo. Paralelamente é criado um precedente histórico de apoio. Pode ser um facto mitológico, um facto actual ou apenas inventado mas, o mais importante, é que contribua para legitimar a prática. O principal objectivo desta etapa é retirar parcialmente a «antropofagia» da ilegalidade, nem que seja num único momento histórico.

Etapa 3 – Passa-se da fase do «possível» para a fase do «racional» ou «neutro». São apresentados argumentos como «necessidade biológica». Afirma-se que o desejo de comer carne humana pode ser genético, «próprio da natureza humana». Em caso de fome grave, de «circunstâncias insuperáveis», uma pessoa livre deve ter o direito de fazer escolhas. Não se deve esconder a informação para que todos possam assumir que são «antropófilos» ou «antropofóbicos».

Etapa 4 – Na opinião pública é criada uma polémica artificial sobre o tema. A sua popularização apoia-se não só em personagens históricas ou mitológicas mas também em figuras mediáticas actuais. A antropofilia começa a entrar massivamente nas notícias, nos talk-shows, no cinema, na música pop, nos videoclips. Um dos métodos da popularização é o chamado «olhe à sua volta». Por acaso você não sabe que um conhecido compositor é antropófilo?

Etapa 5 – Nesta etapa o tema é lançado no top da actualidade: começa a reproduzir-se automaticamente na imprensa, no show business e… na política. Nesta etapa, para justificar os adeptos da legalização, é utilizada a «humanização» dos adeptos, («são pessoas criativas», «os antropófilos são vítimas da educação que tiveram», «quem somos nós para os julgar?»

Etapa 6 – Nesta fase, a prática passa de «tema popular» para o plano da «política actual». Começa a ser preparada a base legislativa, aparecem grupos de lobby, publicam-se pesquisas sociológicas que apoiam os adeptos da legalização. Introduz-se um novo dogma – não se deve proibir a «antropofagia». Aprovada a lei, o tema chega às escolas e jardins de infância e, consequentemente, a nova geração já não conhece como poderá pensar de forma diferente.

Como disse acima, este exemplo sugerido pelo cineasta Nikita Mikhalkov não deixa de ser hipotético.

No entanto, não teria sido assim que todas as «novas práticas», impensáveis há poucas décadas, entraram na nossa sociedade e se tornaram aceitáveis aos olhos de toda a gente?