sexta-feira, 13 de março de 2015


Os lambe-botas do poder eclesiástico


Heduíno Gomes

Quem está no poder? Então são esses que eu apoio...

Isto é a lógica dos oportunistas e lambe-botas.

João César das Neves já nos tinha habituado a essa prática. Há mais de 20 anos que comecei a observar esta sua característica na política, no tempo do cavaquismo, a quem ele dedicava todas as cortesias.

Depois, observei que este fala-fala-fala-sobre-tudo-sem-saber era igualmente um lambe-botas do poder eclesiástico, apoiando sempre o dito poder, independentemente desse poder respeitar ou não a doutrina cristã, ou mesmo deste ou daquele poderoso dizer o maior disparate.

Digamos que é um perfeito cortesão.

Eis o que ele acaba de escrever no DN (4 de Março de 2015) sobre o herético Kasper, que, coincidência, é um dos que, para nosso mal e para mal da Igreja, manda actualmente no Vaticano:

(...)«Esta frase é de um dos mais geniais livros recentes, agora traduzido em português: A Misericórdia, do cardeal Walter Kasper (Principia, 2015)» (...)

Sobre o caso, ler o retrato que o padre Nuno Serras Pereira faz do dito Kasper e do livro em questão, e que aqui publicamos em (link):
http://www.moldaraterra.blogspot.pt/2015/03/retrato-do-cardeal-kasper.html








quinta-feira, 12 de março de 2015


Retrato do Cardeal Kasper


Nuno Serras Pereira
(Extracto do artigo César das Neves e o Cardeal W. Kasper)


Um destes dias ao ir a uma livraria deparei surpreendido com a edição portuguesa do livro de W. Kasper intitulado A Misericórdia – condição fundamental do Evangelho e chave da vida cristã.

Um dos teólogos que estudei aquando cursava teologia, e mais tarde nos primeiros anos de Sacerdócio, foi W. Kasper – em especial o seu livro sobre Jesus Cristo e um outro sobre a Santíssima Trindade. Este teólogo é dotado de uma enorme erudição que faz valer (um pouco à maneira de Hans Kung) avalanchando sobre nós toneladas e toneladas de notas, citações, referencias, etc. Também é tido por muitos, particularmente entre os jesuítas (muitos elementos desta Ordem usaram frequentemente Kasper para atacar o então Perfeito para a Congregação da Fé, Cardeal Ratzinger)[1], como uma inteligência vastíssima e penetrante.

Eu, confesso, que devo dar muitas Graças a Deus por ser dotado de uma inteligência mediana, senão mesmo bronco de todo, de não ser um erudito, de ser totalmente incapaz de escrever tratados ou ensaios. Por que devo dar Graças a Deus? Por um lado, porque cada um se deve contentar com os talentos que Deus lhe deu, por outro, porque com imensa probabilidade me incharia de vaidade e de soberba – vejam bem como Deus foi bondoso para comigo. Não quero com isto dizer que esses dons que não possuiu sejam maus em si, pelo contrario são excelentes, e muitos Santos os fizeram render com imenso proveito para as almas, para a Igreja e para a Fé; porém, também é verdade que grandes hereges foram vítimas do péssimo uso que lhes deram. E mais do que isso, o Diabo ultrapassá-los a todos, como criatura angélica, embora caída, que é. (Já agora um pequeno à parte, com esta mania que agora deu a muitos prelados de verem o positivo em tudo, mesmo nos comportamentos mais abjectos, qualquer dia teremos um sínodo pastoral para valorizar positivamente as obras de Lúcifer e os condenados ao inferno, o que, porventura, segundo eles contribuirá muito para uma atitude inclusiva da Igreja e um incremento Nova Evangelização.)

Uma das manhas e astúcias dos hereges (materiais ou formais) é a de apresentar a Palavra de Deus, de si luminosa e atraente, com um sentido diferente daquele que Cristo Revelou e explicitou; escrever verdades, misturando-as com falsidades mais ou menos subtis; citar autoridades para concluir o contrário daquilo que elas queriam, etc. Estas são algumas das razões porque tantas pessoas se deixam transviar e iludir. Pois se há ali tanta coisa boa e fascinante, como é que não será verdade, perguntar-se-ão. Acresce que muitos têm ademais aquilo a que chamo «o tique do ‘engenheiro’ Sócrates» o qual consiste em culpabilizar e inferiorizar aqueles que se lhes opõem exprobrando-os e recriminando-os – não poucas vezes indirectamente, como quem não quer a coisa; outras com uma doçura melada, cheia de mesuras delico-doces e simpatias sedutoras.

Ó meus bons amigos tendes de me perdoar que me perdi em divagações. Vamos então ao ponto: o livro do Cardeal W. Kasper. Ainda somente o folheei e pude verificar que tem partes muito boas e interessantes onde se escrevem coisas que embora não sendo novidades sintetizam e sistematizam de algum modo muito daquilo que já conhecia. Não me restam, pois dúvidas, que há ali uma porção de coisas que se podem aproveitar como material para reflexão e meditação. Não obstante, como é possível que um teólogo e Cardeal revele uma ignorância crassa (a alternativa, seria má-fé), por exemplo, na parte em que trata da Misericórdia e Direito Canónico, no que se refere à epiqueia? De facto, ela é aí tratada (como antecedente para preparar a reflexão sobre a prudência) de modo a vir mais tarde a poder servir de base para uma argumentação, exposta no Consistório, favorável à Comunhão dos impropriamente chamados «divorciados recasados». Ora, qualquer aluno do 3.º ano de teologia sabe que a epiqueia nunca se pode aplicar aos absolutos morais, como por exemplo, o são a indissolubilidade do matrimónio rato e consumado e a proibição do adultério. Acresce que invocar a norma suprema do Direito Canónico, a saber, a Salvação das almas para maquinar formas de as perder parece-me absurdo, para não dizer mais.

Sua eminência o cardeal Walter Kasper é uma personagem publicamente peculiar, como se pode verificar por dois ou três exemplos:

— No seu livro sobre Jesus Cristo, que continua a ter sucessivas edições, nega que Este tenha feito algum milagre;

— No Consistório numa longa prelecção advoga a Sagrada Comunhão somente para uma ou outra situação limite, depois de cumpridos determinados trâmites a que ele chama penitenciais; enquanto que em entrevistas e palestras, segundo as agências de informação, a promove praticamente para todos, ou pelo menos a maioria, mais ou menos à balda; o mesmo para as impropriamente apelidadas «uniões homossexuais»;

— A duplicidade e a fraude não se fica porém por aqui. Inchado de soberba desqualifica os Bispos Africanos como incapazes de discernirem e tomarem uma posição correcta nestas questões; noticiada esta sua declaração, feita a um jornalista numa entrevista gravada, nega-a categoricamente.

Mais se poderia acrescentar mas basta ficar por aqui. Que ninguém se escandalize. Estes pecados de membros da Igreja sempre os houve, basta lembrar Judas um dos Apóstolos, ou Pedro, Príncipe entre eles. Com tanta miséria humana bem se vê que a Igreja para subsistir não é dos homens mas sim de Deus.

O que se joga no próximo Sínodo sobre a família não é como alguns pretendem fazer crer somente questões pastorais e disciplinares. Trata-se de questões não somente doutrinais mas mesmo dogmáticas e a estrutura todo do Credo está sob um ataque insidioso e feroz. O Papa Paulo VI percebeu isso muito bem aquando da questão da Contracepção, como o revela Jean Guitton no seu livro sobre esse Papa Bem-aventurado. Mas aqui a «parada» é mais alta ainda.

(…)

(…) Quanto ao livro de Kasper direi o seguinte: não o recomendo para quem não tenha uma preparação teológica razoável. Por agora vou pô-lo de parte. Tenho tantos livros bons para ler que não sei se me sobrará tempo para esse. Adianto que estranho que tendo sido editados, no estrangeiro, livros absolutamente extraordinários, profundos, sábios, fiéis, deslumbrantes, sobre os temas que têm a ver com o Matrimónio e a Família não tenha conhecimento de nenhum deles editado em português – é certo que provavelmente não se venderão tantos porque não têm a publicidade papal em meio de uma oração dirigida por um Papa (uma novidade absoluta, e quanto a mim infeliz, na história do papado), mas se as editoras católicas se deixam guiar principalmente pelo dinheiro, de católico pouco terão.

(…)




[1] Para o caso deste panfleto chegar às mãos de alguém que não me conheça, advirto que tenho bastantes amigos jesuítas, que devo muito à excelente educação que me deram durante 10 anos no Colégio de S. João de Brito (sendo que este Santo é também patrono da minha Paroquia de origem); e admiro muito também bastantes jesuítas que não conheço pessoalmente como, por exemplo, o P. Fessio, o P. Schall, o P. Hardon, o Cardeal Dulles, etc. Infelizmente, porém, não posso deixar de reconhecer que nesta Ordem Religiosa se deu, como aliás em muitas outras, um «Cisma» (mais ou menos disfarçado, mas muito real) entre os fiéis à Tradição viva e ao Magistério de sempre nos quais se incluem o de S. João XXIII, o de Beato Paulo VI, S. João Paulo II e Bento XVI... e outros que se têm mostrados opositores ferrenhos.






Faleceu Carlos Avelino


Heduíno Gomes

Faleceu Carlos Manuel Martins Avelino, membro da Milícia de São Miguel e do seu Secretariado Nacional.

Após o 25 de Abril, no campo sindical e político, Carlos Avelino desempenhou um papel de relevo na resistência à tentativa de sovietização dos sindicatos pelo PCP.

Durante vários anos, foi Presidente do SINAPE (Sindicato Nacional dos Professores), tendo sido também fundador da UGT.

Em 1987, Carlos Avelino fundou a revista Educação & Liberdade, que se destacou na denúncia da degradação do sistema de ensino, quanto à sua qualidade, consequência da implementação das chamadas «novas pedagogias», do igualitarismo, da anarquia na escola, da desautorização dos professores, e ainda da degradação da educação em geral, através da destruição da família e dos valores morais na sociedade e na escola.

Carlos Avelino fundou a Associação Mútua dos Professores, de que era seu Presidente, ocupando desde 2008 este cargo pela segunda vez.

Carlos Avelino era Presidente da Assembleia Geral da União das Famílias Portuguesas e membro da Confederação Nacional das Associações de Família.

No campo político, Carlos Avelino foi Presidente da Comissão Política da Secção do Lumiar (Lisboa) e membro do Conselho Nacional do PSD.

A Milícia de São Miguel acaba de perder um dos seus importantes quadros.

Carlos Manuel Martins Avelino





quarta-feira, 11 de março de 2015


A filial resistência de São Bruno de Segni

ao Papa Pascoal II


Roberto Mattei

(O historiador Roberto Mattei, mostra com um exemplo da história da Igreja que por vezes pode existir não só o direito mas o dever de resistir a um papa.)

(di Roberto de Mattei) Tra i più illustri protagonisti della riforma della Chiesa dell’XI e del XII secolo, spicca la figura di san Bruno, vescovo di Segni e abate di Montecassino. Bruno nacque attorno al 1045 a Solero, presso Asti, in Piemonte. Dopo aver studiato a Bologna, fu ordinato prete nel clero romano e aderì entusiasticamente alla riforma gregoriana. Papa Gregorio VII (1073-1085) lo nominò vescovo di Segni e lo ebbe tra i suoi più fedeli collaboratori. Anche i suoi successori, Vittore III (1086-1087) e Urbano II (1088-1089), si valsero dell’aiuto del vescovo di Segni, che univa l’opera di studioso ad un intrepido apostolato in difesa del Primato romano.

Bruno partecipò ai concili di Piacenza e di Clermont, nei quali Urbano II bandì la prima crociata e negli anni successivi fu legato della Santa Sede in Francia e in Sicilia. Nel 1107, sotto il nuovo Pontefice Pasquale II (1099-1118), divenne abate di Montecassino, una carica che lo rendeva una delle personalità ecclesiastiche più autorevoli del suo tempo. Grande teologo, ed esegeta, risplendente per dottrina, come scrive nei suoi Annali il card. Baronio (tomo XI, anno 1079), è considerato come uno dei migliori commentatori della Sacra Scrittura del Medioevo (Réginald Grégoire, Bruno de Segni, exégète médiéval et théologien monastique, Centro italiano di Studi sull’Alto Medioevo, Spoleto 1965).



Siamo in un’epoca di scontri politici e di profonda crisi spirituale e morale. Nella sua opera De Simoniacis, Bruno ci offre un’immagine drammatica della Chiesa deturpata del suo tempo. Già dall’epoca di Papa san Leone IX (1049-1054) «Mundus totus in maligno positus eratnon v’era più santità; la giustizia era venuta meno e la verità sepolta. Regnava l’iniquità, dominava l’avarizia; Simon Mago possedeva la Chiesa, i Vescovi e i sacerdoti erano dediti alla voluttà e alla fornicazione. I sacerdoti non si vergognavano di prender moglie, di celebrare apertamente le nozze e di contrare matrimoni nefandi. (…) Tale era la Chiesa, tali erano i vescovi e i sacerdoti, tali furono alcuni tra i Romani Pontefici» (S. Leonis papae Vita in Patrologia Latina (= PL), vol. 165, col. 110).


Al centro della crisi, oltre al problema della simonia e del concubinato dei preti, c’era la questione delle investiture dei vescovi. Il Dictatus Papae con cui, nel 1075, san Gregorio VII aveva riaffermato i diritti della Chiesa contro le pretese imperiali, costituì la magna charta a cui si richiamarono Vittore III e Urbano II, ma Pasquale II abbandonò la posizione intransigente dei suoi predecessori e cercò in tutti i modi un accordo con il futuro imperatore Enrico V. Agli inizi di febbraio del 1111, a Sutri, chiese al sovrano tedesco di rinunciare al diritto all’investitura, offrendogli in cambio la rinuncia della Chiesa ad ogni diritto e bene temporale.

Le trattative andarono in fumo e, cedendo alle intimidazioni del re, Pasquale II accettò un umiliante compromesso, firmato a Ponte Mammolo il 12 aprile del 1111. Il Papa concedeva ad Enrico V il privilegio dell’investitura dei vescovi, prima della consacrazione pontificia, con l’anello e con il pastorale che simboleggiavano sia il potere sia temporale che spirituale, promettendo al sovrano di non scomunicarlo mai. Pasquale incoronò quindi Enrico V imperatore in San Pietro.

Questa concessione suscitò una moltitudine di proteste nella cristianità perché ribaltava la posizione di Gregorio VII. L’abate di Montecassino, secondo il Chronicon Cassinense (PL, vol. 173, col. 868 C-D), protestò con forza contro quello che definì non un privilegium, ma unpravilegium, e promosse un movimento di resistenza al cedimento papale. In una lettera indirizzata a Pietro, vescovo di Porto, definisce il trattato di Ponte Mammolo un’ «eresia», richiamando le determinazioni di molti concili: «Chi difende l’eresia ‒ scrive ‒ è eretico. Nessuno può dire che questa non sia un’eresia» (Lettera Audivimus quod , in PL, vol. 165, col.1139 B).

Rivolgendosi poi direttamente al Papa, Bruno afferma: «I miei nemici ti dicono che io non ti amo e che sparlo di te, ma mentono. Io infatti ti amo, come devo amare un Padre e un signore. Te vivente, non voglio avere altro pontefice, come assieme a molti altri ti ho promesso. Ascolto però il Salvatore nostro che mi dice: “Chi ama il padre o la madre più di me non è degno di me”. “(…) Devo dunque amare te, ma più ancora devo amare Colui che ha fatto te e me» (Mt. 10-37). Con lo stesso tono di filiale franchezza, Bruno invitava il Papa a condannare l’eresia, perché «chiunque difende l’eresia è eretico» (Lettera Inimici mei, in PL, vol. 163, col. 463 A-D).

Pasquale II non tollerò questa voce di dissenso e lo destituì da abate di Montecassino. L’esempio di san Bruno spinse però molti altri prelati a chiedere con insistenza al Papa di revocare il pravilegium. Qualche anno dopo, in un Concilio che si riunì in Laterano nel marzo del 1116, Pasquale II ritrattò l’accordo di Ponte Mammolo. Lo stesso Sinodo lateranense condannò la concezione pauperistica della Chiesa dell’accordo di Sutri. Il concordato di Worms del 1122, stipulato tra Enrico V e papa Callisto II (1119-1124), concluse – almeno momentaneamente – la lotta per le investiture. Bruno morì il 18 luglio 1123. Il suo corpo fu sepolto nella cattedrale di Segni e, per sua intercessione, si ebbero subito molti miracoli. Nel 1181, o, più probabilmente, nel 1183, papa Lucio III lo accolse fra i santi.

Qualcuno obietterà che Pasquale II (come più tardi, Giovanni XXII sul tema della visione beatifica) non cadde mai in eresia formale. Non è questo però il cuore del problema. Nel Medioevo il termine eresia era usato in senso ampio, mentre soprattutto dopo il Concilio di Trento, il linguaggio teologico si è affinato, e si sono introdotte precise distinzioni teologiche tra proposizioni eretiche, prossime all’eresia, erronee, scandalose, etc. Non ci interessa definire la natura delle censure teologiche da applicare agli errori di Pasquale II e Giovanni XXIII, ma di stabilire se a questi errori fosse lecito resistere.

Tali errori certamente non furono pronunciati ex cathedra, ma la teologia e la storia ci insegnano che se una dichiarazione del Sommo Pontefice contiene elementi censurabili sul piano dottrinale, è lecito e può essere doveroso criticarla, anche se non si tratta di un’eresia formale, solennemente espressa. È quanto fecero san Bruno di Segni contro Pasquale II e i domenicani del XIV secolo contro Giovanni XXII. Non furono essi a sbagliare, ma i Papi di quel tempo, che infatti ritrattarono le loro posizioni prima di morire.

Va inoltre sottolineato il fatto che coloro che con più fermezza resistettero al Papa che deviava dalla fede furono proprio i più ardenti difensori della supremazia del Papato. I prelati opportunisti e servili dell’epoca, si adeguarono al fluttuare degli uomini e degli eventi, anteponendo la persona del Papa al Magistero della Chiesa. Bruno di Segni, invece, come altri campioni dell’ortodossia cattolica, antepose la fede di Pietro alla persona di Pietro e redarguì Pasquale II con la stessa rispettosa fermezza con cui Paolo si era rivolto a Pietro (Galati 2, 11-14). Nel suo commento esegetico a Matteo 16, 18, Bruno spiega che il fondamento della Chiesa non è Pietro, ma la fede cristiana confessata da Pietro.

Cristo infatti afferma che edificherà la sua Chiesa non sulla persona di Pietro, ma sulla fede che Pietro ha manifestato dicendo: «Tu sei il Cristo, il Figlio del Dio vivente». A questa professione di fede Gesù risponde: «è sopra questa pietra e sopra questa fede che edificherò la mia Chiesa» (Comment. in Matth., Pars III, cap. XVI, in PL, vol. 165, col. 213). La Chiesa elevando Bruno di Segni agli onori degli altari suggellò la sua dottrina e il suo comportamento. (Roberto de Mattei)





terça-feira, 10 de março de 2015


Pode um Papa ser um herético?


Jacob W. Wood, Crisis Magazine (de católicos laicos)

(J. Wood, referindo os grandes teólogos jesuítas Suarez e S. Roberto Belarmino, explica a questão disputada sobre a possibilidade ou não de um papa herege e distingue entre heresia material e formal.)

Recently, Cardinal Burke stated that, if Pope Francis were to endorse a position on marriage and sexuality that were contrary to the tradition of the Church, that he would be obliged to «resist» the pontiff. Although the cardinal clarified that he was speaking of a purely hypothetical situation, he hit upon a nerve that gets struck from time to time among Catholics — in instant messages, in passing, on Facebook, though almost never in print — «What if?» What if Cardinal Kasper’s ideology takes over the upcoming Ordinary Synod on Marriage and the Family? What if the behind-the-scenes machinations of his supporters ultimately win the day? What if the Pope lets civilly divorced and remarried Catholics receive communion?

Fr. James Schall identified the dilemma last year, when he pointed out that the elephant in the room is the question of heresy. If Church discipline of excluding Catholics who have obtained a civil divorce and remarriage from Communion is based on infallible Church doctrine about sin and repentance, and if the pope tries to change that discipline, wouldn’t that make the Pope a heretic concerning that doctrine?

In the finest tradition of Jesuit discourse, Fr. Schall insisted that we talk about the elephant rather than staring at it. I agree because I know that God is not going to let us down, and neither is Pope Francis.

What is a heretic?

In order to even talk about the elephant, we have to identify it. A «heretic» is someone guilty of a heresy. According to the Catechism, «heresy is the obstinate post-baptismal denial of some truth which must be believed with divine and catholic faith, or it is likewise an obstinate doubt concerning the same.» A heretic differs from an «apostate», who is guilty of «apostasy» (the total repudiation of the Christian faith, not just some part of it), or a «schismatic», who is guilty of «schism» (separation from the unity of the Church, without necessarily denying some or all of the Christian faith) (CCC 2089).

In a more technical sense, the denial of some truth of the Faith can actually be two things: a sin and a crime. It is a mortal sin, because it is directly contrary to the theological virtue of faith, «by which we believe in God and believe all that he has said and revealed to us, and that Holy Church proposes for our belief, because he is truth itself» (CCC 1814). It is a canonical crime, because the Church criminalizes certain, very dangerous sins like heresy, so that the Church can compel those who commit them with penalties to carry out the promises of their baptism (Code of Canon Law, Canon 1311). The penalties for the crime of heresy include automatic excommunication (Canon 1364 §1); for clerics, automatic removal from any ecclesiastical office that the heretic might have possessed (Canon 194 §1, no. 2); for religious, automatic expulsion from their religious order (Canon 694, §1, no. 1).


It is important to remember, though, that not everyone who happens to deny some truth of the Faith is culpable for the mortal sin of heresy; nor is everyone who is culpable for the mortal sin of heresy penalized for the canonical crime of heresy in the same way. To be fully culpable for the sin, a person has to have full knowledge of what the Church teaches in a particular matter and make a conscious decision to reject the Church’s teaching in that matter (CCC 1859), or a person has to willfully fail in his or her duty to seek the truth (CCC 1791). To receive the maximum penalty for the crime, a person also has to be at least 16 years old, be aware that heresy is a canonical crime, and not be subject to a long list of other exclusions and exceptions (Canons 1322-24).

Since believing something wrong doesn’t automatically make you culpable for the sin or guilty of the crime, theologians usually make a distinction between people who aren’t consciously and deliberately rejecting the Church’s teaching and those who are:
  • material heretic is someone who does not realize that they believe something heretical. Provided that their ignorance is not their own fault, material heretics are neither culpable of the sin nor guilty of the crime.
  • formal hereticis someone who does realize that they believe something heretical and makes a conscious and free decision to believe it. Formal heretics are culpable for the sin, and can also be penalized of the crime provided that they meet the appropriate conditions (age, awareness, etc.).

Can the Pope be a heretic?

Most theologians would agree that a Pope could be a material heretic, just like any other well-meaning but misinformed Catholic. He wouldn’t be culpable for any sin or guilty of any crime. He could, in fact, remain in a state of grace, and, endowed with the virtue of faith, lead the Christian faithful in the faith delivered once for all to the apostles. His material heresy might even appear in his non-infallible teaching, although God gives him special help to avoid that (CCC 892). But Catholics firmly believe that it could never appear in his infallible teaching. (CCC 891)

Theologians are divided as to whether the Pope could ever be a formal heretic, because they don’t agree on two things:

1. Does the grace promised by Christ to Peter preclude the possibility of a Pope falling into formal heresy?

2. If it doesn’t, would a heretical Pope lose his office as a consequence of the sin of heresy, or as a penalty for the crime of heresy?

There were always some people who believed that God would simply not allow the Pope to become a formal heretic, because it would be against Christ’s promises to Peter. But from the twelfth century onwards, a lot of Catholic theologians didn’t. That’s when Gratian, the most important medieval canon lawyer, included in his Decretum a warning to errant popes that he attributed to St. Boniface:

If the Pope, remiss in his duties and neglectful of his and his neighbor’s salvation, gets caught up in idle business, and if moreover, by his silence (which actually does more harm to himself and everyone else), he nonetheless leads innumerable hoards of people away from the good with him, he will be beaten for eternity with many blows alongside that very first slave of hell [the Devil]. However, no person can presume to convict him of any transgressions in this matter, because, although the Pope can judge everyone else, no one may judge him, unless he, for whose perpetual stability all the faithful pray as earnestly as they call to mind the fact that, after God, their own salvation depends on his soundness, is found to have strayed from the faith. (Decretum, Part 1, Distinction 40, Chapter 6)

So, no one can convict a Pope of being remiss in his duties, because no one stands above the pope in judgment—unless the Pope is a heretic, and then… Then what? Unfortunately, Gratian didn’t fill in the blank. But since Gratian’s Decretum became required reading for theologians and canon lawyers, the question became unavoidable for subsequent generations of Catholic theology.

The two most important answers came from sixteenth-seventeenth century Jesuits: Francisco Suarez and St. Robert Bellarmine.

Suarez took it as a given that a Pope could be a formal heretic. He then considered two possibilities for what happens next:

First possibility: The Pope loses his office as a consequence of the sin of heresy, because people who commit that sin cease to be members of the Church, and God deposes a Pope who is no longer a member of the Church. (Suarez, De fide, 10.6.2)

Suarez rejects this possibility for two reasons. First, falling out of a state of grace might mean that you aren’t a member of the Church in the way that you’re supposed to be, but it doesn’t mean that you’re not a member of the Church —otherwise you’d be kicked out of the Church every time you committed a mortal sin. Second, if Catholics are supposed to believe that God deposes popes, then Scripture, the Tradition of the Church, and the pronouncements of the Magisterium ought to have said something about it — but they haven’t. Besides, if God deposes popes, you could never be sure if the Pope was really the Pope — what if he was a secret heretic and God had secretly deposed him? How would you ever know? (Suarez, De fide, 10.6.2-4)

Second possibility: The Pope keeps his office if he commits the sin of heresy, but loses his office if he is convicted of the crime of heresy. (De fide 10.6.6)

Suarez thinks that, just like Christ bestows the papacy on the man whom the Church elects, so also Christ takes away the papacy from the man whom the Church convicts (De fide 10.6.10). So, if a Pope commits the sin of heresy, all the other bishops of the world have the right to try him for the crime of heresy, even against his will (De fide 10.6.7). If they were to convict him, he could be considered deposed from the papacy by Christ, and the Church could elect another Pope.

Bellarmine was more hesitant about the whole question. Unlike Suarez, he did not take it as a given that the Pope could be a formal heretic. Actually, Bellarmine considered it «probable» that God would prevent the Pope from ever being a formal heretic  (he says it twice: De Romano Pontifice 2.30 and 4.2). Nevertheless, Bellarmine was willing to consider what would be the case if the Pope could fall into formal heresy.

If we assume that the Pope could be a formal heretic, Bellarmine thinks Suarez’s opinion is wrong. Suarez allows the bishops to judge the Pope. But one of Gratian’s basic rules is that no one can judge the Pope. Sure, Suarez has Christ carrying out the judgment, but it is only because the other bishops of the Church have pronounced the judgment first.

Instead, Bellarmine adopts the position that Suarez rejected: the Pope loses his office immediately by committing the sin of formal heresy, because people who commit that sin cease to be members of the Church, and God deposes a Pope who is no longer a member of the Church. It’s true that the bishops could still get together and make a declaration that God had deposed the Pope, but their declaration would not be a judgment in any real sense, only an acknowledgement of what God had already done. (De Romano Pontifice 2.30)

Suarez and Bellarmine both have good points, but I think they each show how the other misses the mark. Suarez is right that, if Catholics are supposed to believe that God deposes popes, then Scripture, the Tradition of the Church, and the pronouncements of the Magisterium ought to have said something about it. But Bellarmine has something important to contribute, too: if God doesn’t depose popes, then no one can, because no one can judge the pope. And besides, it’s not even agreed that the Pope could ever be a formal heretic, anyway.

Where does that leave us?

First, God has not abandoned his flock to the whims of heretics. Our Lord prayed for St. Peter’s faith (Luke 22:32), he promised Peter that the gates of hell would not prevail against the Church that was founding upon him (Matthew 16:18), and, on the day of Pentecost, he sent his Holy Spirit upon that Church, with Peter at its head, to proclaim the Gospel to all nations (Acts 2). Catholics shouldn’t expect, and shouldn’t go looking for falsehood in the successor of St. Peter. God is always faithful to his promises.

Second, because God is faithful to his promises, there is no evidence that Pope Francis has committed the mortal sin of formal heresy, the canonical crime of formal heresy, or that he is even a material heretic with regard to any of the Church’s teachings, including the Church’s teaching on marriage and sexuality. Much to the contrary, he has said that he considers himself a «Son of the Church» in this regard, he has endorsed a traditional understanding of the relationship between the sexes, and has condemned the «ideological colonization» that breaks down God’s plan for the family. Sure, he has expressed support support for the way in which Cardinal Kasper wrote on marriage and the family, but he has never publicly and definitively endorsed what Cardinal Kasper said.

So what is all the fuss about? About something Pope Francis might do or say but has not actually done or said? Then why don’t we follow Gratian’s advice? Let’s pray for Pope Francis as earnestly as we can, because like Gratian said, our own salvation depends in many ways on the guidance he gives us as members of the flock of Christ. Even better, let’s pay attention to how we pray. Certainly Pope Francis needs our prayers. But prayers motivated by love for him are more meritorious than prayers motivated by fear of what he might do in spite of the graces that God offers him to fulfill his divinely appointed duty. Perfect love casts out fear (1 John 4:8), and each one of us — clergy and laity alike — always stands in need of an increase of that love. Not that there will be less to work for — the latest revelations of impropriety at the Extraordinary Synod warn us against such naïveté — just less to fear as we grow in the confidence of Christ, and as we trust in the victory that God has already won in Christ, into which he leads his Church daily through the Successors of St. Peter: «I have said this to you, that in me you may have peace. In the world you have tribulation; but be of good cheer, I have overcome the world.» (John 16:33)





segunda-feira, 9 de março de 2015


Deus, Filosofia e Vida

– Uma primeira aproximação


Sávio Laet


«Amicus Plato, sed magis amiga veritas.»
«Platão é meu amigo; a verdade, porém, é a minha maior amiga.»


«As palavras soam apenas para que a coisa seja entendida.»[1]

O que mais nos incita no ateísmo é que ele nasceu como um fenómeno cultural, quase imperceptível. Quando Nietzsche «declara» a «morte de Deus», o que menos importa a ele é saber se Deus existe ou se Deus não existe. O que ele quer acentuar é que, após séculos de teísmo, a cultura do seu tempo mostrava um homem «capaz» de viver privado de Deus. Com efeito, ?-?e?? (á-theos), com o a privativo, significa «privado de Deus». Não significa – a falar com a máxima exacção – negação de Deus, nem de alguém ou de uma época que seja «anti-Deus» (??t?-?e??), contra Deus. Significa apenas que uma pessoa ou uma época vive privada de Deus. O ateísmo não significa sequer que a pessoa não precise de Deus ou que não «goste» d’Ele, mas apenas que ela vive, de facto, como se Deus não existisse. Neste sentido, a nossa época, e nós mesmos – crentes e não crentes – estamos inseridos numa sociedade que «funciona» sem Deus.


Exactamente, no alvorecer do século XIX, houve uma reacção contra o dado cultural do ateísmo. De facto, o homem é um ser que pensa e não pode ficar indiferente ao que o rodeia. Desta maneira os religiosos detectaram que a cultura – arte, ciência, literatura, etc. – já não era cristã. O Concílio Vaticano I foi apenas uma dessas reacções. Ora, ante esta reacção, os que estavam não apenas vivendo, mas também construindo uma cultura ateia, reagiram. O que temos daí por diante? De um lado, o aprofundamento da apologética como um fenómeno religioso, isto é, diante da consciência de que estavam dentro de uma cultura ateia e de que era preciso reagir, os religiosos empenharam-se em provar a existência de Deus, ou seja, a afirmar – demonstrativamente – que Deus existe[2]; do outro lado, constatamos o nascimento de um ateísmo, desta espécie militante, activista, porque consciente de si. O ateísmo passa a ser assim pensado e defendido e, aos poucos, vai-se transformando numa negação de Deus, ou seja, numa afirmação articulada de que Deus não existe. No meio dessa «confusão», está justamente o protagonista da história: Deus. Eis O grande desconhecido, eis o único a quem poucas vezes foi dada a palavra. Ante Ele, poucas vezes, crentes e agnósticos são igualmente pouco críticos. No meio de toda esta balbúrdia, é como se pudéssemos ouvir a voz de Agostinho:

Como podem odiar, se desconhecem? Se não conhecem o que ele é, mas têm a seu respeito qualquer outro conceito, não o odeiam, mas odeiam o que lhes parece que ele é, ou o que suspeitam erradamente.[3]

Se pensam ou crêem a respeito de Deus, não o que ele é, mas qualquer outra coisa, e têm ódio ao que pensam, não odeiam propriamente Deus, mas o que concebem de Deus na sua mentirosa suspeita e vã credulidade.[4]

De facto, a princípio, sentimos repulsa pelos ídolos, repelimos várias ideias acerca de Deus; repudiamos inumeráveis representações da divindade, mas não nos apercebemos de que, a maior parte das vezes, destruímos ídolos para construirmos outros. E, quando se trata dos nossos ídolos, costumamos cometer um erro gravíssimo: tratamo-los como se fossem Deus. O mesmo Agostinho já avisava para este perigo no seu tempo. Ele costumava dizer que Deus não é o monossílabo tónico – ou as duas sílabas em latim – que pronunciamos de forma vã, mas sim uma realidade que ultrapassa muito o sinal gráfico que a indica:

<Deus> não é apenas as duas breves sílabas com que exprimimos o seu nome, nem nós veneramos essas duas breves sílabas, nem as adoramos, nem é a elas que pretendemos chegar.[5]

De Deus pode dizer-se tudo, e tendo-se dito tudo, tudo fica longe de ser dito como deve ser.[6]

Não se nota pobreza maior do que quando se trata de dizer o que Deus é. Se procurais um nome conveniente, não o encontrais [...].[7]

Na verdade, não O conhecemos pela vibração dessas duas sílabas: De-us.[8]

O que seria um agnosticismo teológico?

É certo que Agostinho não quer fundar uma teologia negativa maldosa, o que só o conduziria para outro abismo, a saber, o «agnosticismo teológico». O que quer dizer é outra coisa. Antes de tudo, que devemos tomar cuidado com as nossas ideias; elas dizem, sinalizam, significam, mas não esgotam a realidade da qual são signos. Por isso, não devemos parar nelas. Elas indicam outra coisa, a saber, a realidade da qual nascem. De mais a mais, devemos ter cuidado com a proveniência das nossas ideias. Em que testemunhos estão fundadas? Como chegamos a elas? Enfim, para o nosso tempo, Agostinho deixa um questionário muito eloquente: sabemos a quem estamos negando ou em quem estamos crendo? Porque, se negamos uma ideia que não corresponde a Deus – pensando que estamos negando a Deus – a nossa negação é vã. Outrossim, se cremos em algo que não é Deus, imaginando que é Deus, o nosso crer também é vã credulidade. Neste sentido, um crédulo pode ser um ateu sem o saber; igualmente, um ateu, que despedaça um ídolo a que chama Deus, pode estar acusando a pessoa errada. Por isso, é necessário despedaçarmos os ídolos, a fim de descobrirmos – primeiramente – se somos ateus ou crentes autênticos. Assevera Agostinho:

O que seria um agnosticismo teológico?
Não O imagineis como se fosse um artesão que compõe, ordena, inventa, que modela e remodela; nem, tampouco, como um imperador sentado no trono real, brilhante e cheio de adornos e criado por decreto real. Despedaçai os ídolos dos vossos corações.[9]

E a única maneira de nós nos colocarmos diante da questão de Deus e da real questão da demonstração da Sua existência, é assumirmos uma postura de transculturação. E o que é a transculturação? De forma bem jocosa, é sair da «confusão». Como fazer? Precisamos começar de algum lugar.

Ora, sempre nos intrigou o facto de, na contemporaneidade, o nome «Deus», indiscriminadamente, ser escrito com «d» minúsculo em filosofia. Ao pensarmos sobre isso, fomos espontaneamente conduzidos para trás e para trás e cada vez mais para trás. Então, começamos a temer que, ao abordarmos a questão, por termos que regressar a um tempo tão imemorável, pudéssemos chegar a nenhum lugar. Daí surgiu-nos uma nova questão: como falar do pretérito sem sermos preteridos? Como falar do «passado» sem sermos defasados? Ora, a única forma – pensamos – de escaparmos a este perigo, seria demonstrarmos haver uma «linha imaginária» que perpassa toda a história da filosofia e que enlaça o passado ao presente de forma irrenunciável. Qual é esta linha imaginária? Deus em pessoa!

Deus é o cerne da questão, o centro supremo da vida.

Entretanto, resta a indagação: por que ninguém percebe que Deus é o cerne da questão? De súbito, podemos dizer: porque Ele é o «problema». Mas reflitamos um pouco mais. Digamos desde já que a simples colocação da palavra Deus não nos insere apenas num tema religioso ou teológico – ou mesmo filosófico – mas também moral, cultural e sociológico. E onde estamos – melhor – de onde viemos quanto a estas valências? Viemos de dicotomias que não nos permitem mais sermos pessoas que pensem de forma integrada. E sem esta integração, Deus só pode ser negado ou olvidado, nunca encarado, sequer como uma possibilidade.

Deus é o cerne da questão, o centro supremo da vida.
Mas tentemos entender melhor como isso se reflete na nossa época. Tomemos alguns binómios que nos ajudarão a compreender: verdadeiro/falso, veracidade/mentira, nesciência/ignorância e capacidade/competência. A verdade é a adequação do intelecto à coisa. Assim sendo, quando afirmamos, o cavalo de Napoleão é branco, não estamos a dizer que ele parece ser branco, mas que ele é branco. Afirmamos o ser, o que a coisa é. Nem podemos dizer – em estado de sanidade mental – que o Cavalo branco de Napoleão é preto. Ora, esta certeza de que estamos diante de um juízo que não diz respeito somente às leis da mente, mas que está em conformidade com a realidade, é o que propriamente chamamos verdade. Já se o assentimento não é firme, temos a opinião, o que indica que o juízo em questão carece de evidência. Ora, quando emitimos um juízo assim, geralmente dizemos: «eu acho», «é provável», «não creio», etc.

A propósito, o que é a evidência? A evidência é aquilo que a inteligência não pode negar, nem deixar de admitir ser como é, e que exclui, por conseguinte, o contraditório como falso. Ela pode ser imediata ou mediata. Imediata é aquela evidência que dispensa demonstração. Assim, ao ver o Sol, dizemos – sem precisar de ulterior raciocínio – é dia. Ela é mediata, quando precisamos demonstrá-la. Por exemplo, quando alguém afirma, depois de demorada demonstração, Deus existe, estamos diante de uma evidência mediada por uma demonstração. A evidência pode ser ainda espontânea ou reflectida. Assim, o lavrador que diz, vai chover, mas não sabe dizer o «porquê», tem uma evidência espontânea; já o meteorologista que diz, «vai chover», e sabe dizer a razão, tem uma evidência reflectida. Mas o facto que precisamos reter aqui é o seguinte: Quando afirmamos com evidência: isto é branco e não pode ser não branco, este juízo existe em nós como certeza da verdade, excluindo, portanto, o contraditório. Acontece que, quando esta evidência não existe, e não há firmeza na aprovação, encontramo-nos ante um juízo opinativo que não exclui o contraditório como falso. Assim, dizemos: é provável ou possível que esta moléstia não seja cancro, mas sem excluir, de todo, que possa ser. O médico pode, inclusive, ser da opinião que não seja cancro, mas, para «desencargo de consciência», solicita o exame. Tomás já prevê este temor de que o contraditório possa ser verdadeiro: «A opinião é um acto do intelecto que se inclina para um dos termos da contradição, com o temor do outro»[10]. De facto, é necessária uma demonstração, sempre que precisarmos sair do âmbito da opinião e da dúvida.

A inadequação do intelecto à realidade.

Outra coisa é a falsidade. Ela é a inadequação do intelecto à realidade. Por exemplo, quando dizemos que o cavalo de Napoleão é preto, isto é falso, supondo que este seja branco. E quando chamamos de verdadeiro o que é falso, acontece ainda outro fenómeno, a saber, o erro. O erro é, pois, a afirmação do falso como verdadeiro. Quase sempre ocorre quando tomamos como verdade o que temos apenas como opinião, e esta é falsa. Por outras palavras, o erro ocorre quando tomamos por verdadeiro o que, na verdade, se nos apresenta apenas como «provável». Neste sentido, o erro é precedido por uma confusão do espírito, a qual consiste em não se saber distinguir a flutuação da opinião da firmeza da certeza. Desta maneira, a raiz do erro reside nisto: em vez da sensatez da dúvida, que, neste caso, é positiva, posto que implica a suspensão do juízo em ordem à demonstração, a fim de que – por meio da prova – se alcance a evidência de que se carece, o nosso espírito é levado, por uma economia intelectual temerária, a afirmar mais do que vê com clareza. Outra razão do erro é confundir esta dúvida positiva da qual falamos, e que é a suspensão do juízo, porquanto este encontra-se oscilante em face de duas teses opostas, com a dúvida negativa ou dificuldade, procedente, não da coisa, mas da nossa ignorância ou de um intelecto raptado por dogmatismos caprichosos. Quando estabelece a Teologia como ciência, Tomás refere-se a esta espécie de dúvida com estas palavras:

A inadequação do intelecto à realidade.
A dúvida que pode surgir em alguns a respeito dos artigos de fé não deve ser atribuída à incerteza das coisas, mas à fraqueza do intelecto humano.[11]

Algo, porém, é certo: não podemos viver só de juízos opinativos ou na dúvida. A nossa inteligência foi criada para a verdade e não repousa enquanto não a encontra. Como atestamos isso? É muito simples. Pensemos numa consulta médica. Há a suspeita de uma doença grave: em nós ou num dos nossos. O especialista diz-nos: é provável que não seja tão grave. Porém, não nos dá a certeza. Ficamos tranquilos? Pior, e se ele simplesmente duvida, isto é, suspende o juízo, e nos diz que só se pronunciará acerca da gravidade ou não da doença após o resultado dos exames que solicitará? Ficamos satisfeitos? Conseguimos descansar antes que saia o resultado de uma biópsia, por exemplo? É claro que não. E outros exemplos poderiam ser enumerados. É facto: o homem não consegue viver somente de juízos opinativos e na dúvida, principalmente em assuntos graves e por período prolongado.

É claro que nem sempre teremos a certeza metafísica das demonstrações, mas quem disse que há só um tipo de certeza? Há também a certeza moral, fundada na idoneidade habitual de quem se pronuncia sobre o que lhe compete, e há, ainda, a certeza física. Por exemplo, não temos razão para duvidar que o Sol vá nascer amanhã. É uma certeza física. Outrossim, não há um «porquê» para duvidarmos de um médico da nossa confiança, cuja seriedade é atestada pela experiência de longos anos cuidando de nós e pelos muitos pacientes que possui. É uma certeza moral. Mas ratificamos: é certo que não podemos viver sem a verdade, sem algum tipo de certeza. Por isso, quando Tomás retoma Aristóteles para dizer que todos tendemos ao saber, não se esquece de completar dizendo que tendemos naturalmente a saber a verdade:

Além disso, assim como o verdadeiro é o bem do intelecto, o falso é o seu mal, segundo o Filósofo (VI Ética 2, 1139 a, Cmt 2, 1130), pois, naturalmente desejamos conhecer o verdadeiro, e fugimos de ser enganados pelo falso.[12]

Como todos os homens, por natureza, desejam saber a verdade, também neles é natural o desejo de fugir dos erros e de os refutar quando têm essa faculdade.[13]

Outra coisa ainda é a veracidade. Ela é a adequação da nossa palavra ao que pensamos. É, por assim dizer, a verdade da palavra. Conclusão, pode-se ser veraz, sendo falso. Assim, quando alguém diz que o Cavalo de Napoleão, que é branco, é preto, faz uma afirmação falaciosa. Contudo, se realmente pensa isto, está sendo veraz. Tomás diz: «Quando alguém enuncia uma coisa falsa acreditando que se trata de algo verdadeiro [...]. Não se trata de uma mentira, no sentido exacto do termo»[14]. Agostinho também comenta:

[...] o verbo não é verdadeiro a não ser quando gerado da própria realidade conhecida. Nesse sentido, pode ser falso o nosso verbo, não porque mentimos, mas porque nos enganamos.[15]

Mentira é a inadequação da palavra ao que pensamos.

Então, o que é uma mentira no sentido exacto do termo? A mentira é a inadequação da palavra ao que pensamos, conforme atesta o mesmo Aquinate: «[...] chama-se mentira áquilo que se diz contra a mente»[16]. Nesta ocasião, por incrível que pareça, podemos também ser verdadeiros na linguagem, sendo, não obstante, mentirosos. Por exemplo, alguém que diz que a verdade existe e podemos conhecê-la, afirma uma verdade. Todavia, se ele não pensa assim, e não adverte quem o ouve de que está apenas expondo e não propriamente afirmando, é um mentiroso; embora tenha dito a verdade, é falso e vive na falsidade. Remata Tomás:

Mentira é a inadequação da palavra ao que pensamos.
[...] neste caso, mesmo que seja verdade o que se diz, este acto, considerado do ponto de vista da vontade e da moralidade, contém em si mesmo a falsidade, e só por acidente a verdade.[17]

Se o leitor percebeu, o que queremos colocar é o seguinte: a verdade plena só existe quando, não apenas dizemos algo conforme a realidade, excepto também quando o dizemos com veracidade. O que gostaríamos de mostrar é que a verdade é uma virtude moral. Com efeito, conhecer a verdade é um acto do intelecto, mas dizer a verdade é um acto moral. Por outras palavras ainda, faltar com a verdade vai resultar sempre numa espécie de deformidade, pois o erro não termina no intelecto, mas contamina a vontade que adere ao que o intelecto concebe e, por consequência, vicia fatalmente os actos humanos. De facto, se Tomás diz que «[...] o intelecto move a vontade, pois o bem conhecido é o objecto da vontade, e a move enquanto fim»[18], ele não deixa de ponderar:

[...] para que a vontade se incline para algo, não é necessário que seja o bem da coisa, mas que seja apreendido na razão de bem. Do qual o Filósofo diz no livro II da Física: «O fim é o bem ou o que tenha aparência de bem.»[19]

Portanto, a inadequação do intelecto à coisa, isto é, a falsidade, irá inexoravelmente redundar em actos desordenados, desintegrados. Assim, pode haver alguém que pensa que está certo, porque veraz – coerente consigo mesmo – mas encontra-se enganado, porque o seu juízo não está adequado à realidade. Desta maneira, há pérfidos que não sabem que o são. Existem pessoas malévolas que acreditam ser boas. Há, por fim, os que até sabem o que é certo, conhecem a verdade, porém, não acreditam nela, não vivem segundo ela; ao contrário, preferem a opinião e a dúvida à certeza da verdade. Porquê? Porque conhecem a verdade apenas materialmente, não a reconhecendo como um bem maior. São pessoas perturbadas, desequilibradas, que pensam que o mundo é a imagem das suas representações. Teatralizam a vida. Já dizia Fílon de Alexandria, fazendo instigante alegoria:

Talvez seja justamente esse o sinal indicador de que Caim não deveria ter sido morto: o facto de que ele nunca foi eliminado. No Livro da Lei, de facto, Moisés não informa a morte de Caim, aludindo alegoricamente ao facto de que, como a Cila do mito, a estupidez é um mal imortal, que não experimenta aquele fim completo que consiste em ser morta, mas que sofre por toda a eternidade o fim no sentido de continuar a morrer. Oh, se acontecesse o contrário, e as coisas desprovidas de valor fossem descartadas e sofressem uma completa destruição! Ao contrário, sempre excitadas, provocam, nos que foram capturados por elas uma vez, a doença que nunca morre.[20]

A diferença entre o ignorante e o néscio.

No entanto, há um problema ainda mais grave. Não temos a obrigação de saber tudo e nem sempre temos sequer condições e oportunidade para saber muitas coisas. Ora, quando alguém não sabe algo que não tem a obrigação de saber ou que não teve como saber, trata-se de um néscio. Já alguém que não sabe o que tem a obrigação de saber e teve condições razoáveis para saber, é um ignorante. Assim, um geómetra não é ignorante se não souber explanar sobre teses teológicas. No caso, ele seria um néscio. Com outras palavras, um geómetra não é nem um bom nem um mau teólogo, ele simplesmente não é um teólogo, o que é completamente diferente de ser um mau teólogo. Já se ele não souber demonstrar o teorema de Pitágoras, é um ignorante, porque tinha a obrigação de saber, e supõe-se que, apresentando-se como um geómetra, teve como saber. Numa palavra, se não souber geometria, pode ser considerado um mau geómetra. Nas palavras de Tomás:

A diferença entre o ignorante e o néscio.
A ignorância difere da nesciência em que significa a simples negação da ciência. Por isso, pode-se dizer daquele a quem falta a ciência de alguma coisa, que não a conhece. [...] A ignorância implica uma privação de ciência a saber, quando a alguém falta a ciência daquelas coisas que naturalmente deveria saber.[21]

Poderia alguém interrogar-nos: então, quando há culpa? Há certas coisas, como os «[...] preceitos universais da lei [...]»[22], que todos são obrigados a saber; e, quanto a uma pessoa em particular, «[...] o que diz respeito ao seu estado e à sua função [...]»[23], também está obrigada a saber. Por isso, se se engana e engana os outros quanto a estas coisas, é malévola por culpa própria. E quanto às demais coisas – surge a questão – que não são de per si evidentes? Respondemos: para isto existe a educação, a saber, para nos instruir – intelectual e moralmente – acerca delas. É o próprio Aquinate quem diz que a razão de haver muitos que ignoram os princípios segundos da lei é a falta ou a má educação:

–– Quanto, porém, aos seus outros princípios segundos, pode a lei natural ser destruída dos corações dos homens, ou por causa das más persuasões, do mesmo modo como no especulativo acontecem os erros a respeito das conclusões necessárias; ou também em razão dos costumes depravados e hábitos corruptos [...].[24]


Na verdade, educação é coisa séria! Mas entendamos bem. Uma coisa é a capacidade e o poder; outra, a competência e a autoridade. Capacidade e domínio sobre um assunto adquirimos estudando-o; competência, hoje, é-nos conferida por meio de instituições. Mas o que temos diante dos nossos olhos? Pessoas incapazes, ou que, em nome de ideologias, renunciaram à grande capacidade que possuem, ao mesmo tempo em que adquiriram, por meio de um certificado dado por alguma instituição, a «competência» e a «autoridade» para falarem sobre determinados assuntos como se fossem portadoras da palavra final sobre eles. Somente que, ao se porem a falar, não dizem a verdade acerca daquele assunto sobre o qual teriam a obrigação de conhecer, mas dizem o que elas pensam, embora o que elas pensem não seja a verdade e nem tenha a ver com o assunto sobre o qual recai a sua responsabilidade. Trocando em miúdos, no nosso mundo, a competência está dissociada da capacidade de dizer a verdade; a veracidade está dissociada da verdade; temos, no nosso tempo, no pico das virtudes, não a verdade que alguém tem a obrigação de saber e dizer, sob pena de ser um ignorante e incompetente, mas a «coerência», a «sinceridade», a «franqueza» de dizer o que pensa, ainda que o que pense seja uma falsidade. Ora, estas pessoas não fazem mal somente a si mesmas, mas deformam a sociedade. No entanto, é simplesmente um facto que é a estes ignorantes que confiamos os nossos filhos e a nossa própria sede de sabedoria: competentes, mas incapazes.

Qual a solução? Está no imperativo: ????? sea?t??, transliterado: gnõthi seaytón, traduzido: «Conhece-te a ti mesmo»[25]. E o conhecimento de si mesmo começa pela constatação da própria ignorância, isto é, da precariedade dos conhecimentos que cada um possui. A bem da verdade, é um grande passo rumo à sabedoria, porém, muito difícil de ser dado, reconhecer que não se sabe ou ao menos que não se sabe como se deveria saber. Entretanto, ele é essencial. Daí a máxima socrática: «?? ??da ?t? ??d?? ??da», transliterado: hèn oida hóti oydèn oida, traduzido: Sei que nada sei[26].

Mas há outro momento não menos importante à integração pessoal, vale lembrar, saber o instante em que se pode dizer a si mesmo: «eu sei que sei». De facto, saber que sabe é também parte integrante da sabedoria, visto que só assim o conhecimento que adquirimos se torna totalmente nosso e passa a estar integralmente à nossa disposição. Neste sentido, já dizia Agostinho: «[...] tudo o que entendo, sei que entendo, e sei que quero o que quero, e recordo tudo o que sei»[27]. E ainda: «Segue-se também que, no que conheço que me conheço, não me engano. Como conheço que existo, assim conheço que conheço»[28]. Com efeito, quando percorridos estes dois momentos, estamos muito próximos da posse de nós mesmos.

Mas o que isso implica? Implica que podemos passar a dar o melhor de nós mesmos para os outros, ou seja, encontramo-nos então em condições de alcançar aquela excelência no exercício mais excelente que possuímos, a saber, a posse de nós mesmos pelo intelecto e pela vontade. Nisto consiste justamente a areté (aret?). Aret?, que vem de ???st?? (áriston), que quer dizer excelência, posto que superlativo de ??a??? (agathón), que é bem. De facto, ninguém pode ser feliz (e?da?µ??), se não consegue dar o melhor de si, se não consegue ser bom (e?, e?), mas ninguém pode dar o melhor de si e nem ser bom se não se conhece e se unifica. Daí que vício, em grego ?a??a, significar, antes de tudo, acção disforme (?a??? é mal, ruim, daí cacofonia). Donde do mesmo termo proceder ????st??, que é malvado, isto é, aquele que vive de modo disforme. Aplicado aos dias de hoje, um homem integrado é um homem que descobriu quem é e vive conforme é. É um homem cuja competência vem aliada à capacidade e cuja veracidade coincide com a verdade. É alguém que não exorbita da sua competência, pois conhece-a. Se ensina gramática, não é leviano para querer ensinar química. Para Aristóteles, só este homem integrado é capaz do ????? (érgon), isto é, de uma obra própria, porque provinda de dentro, porque ordenada, porque consoante o fim do homem.

E onde Deus entra nisso? Embora tenhamos aberto o texto com a questão de Deus, ela permanece uma incógnita em todo espírito que não a procure, antes, integrar-se. Não fugimos da questão, nem desviamos o assunto, senão que o conduzimos para o que pensamos ser o seu centro: por incrível que pareça – na questão de Deus – Deus não é o «x do problema», mas sim a moral, melhor, a existência de quem procura conhecê-lO.[29]

Amor ao saber.

Platão é o pai da filosofia. Este termo, F???s?f?a, ao que tudo indica, de origem pitagórica, é em Platão que ganhou o sentido que hoje lhe damos: amor à sapiência. Foi Platão também um dos maiores escritores de todos os tempos. Mas o mais impressionante está no facto de que, foi num período de pestes, mortes, carestias e guerras de toda a espécie; foi no meio a prisões e segregações, bem como sem nenhum conforto e com pouquíssimos recursos, que o filósofo ateniense escreveu, quantitativa e qualitativamente, melhor do que todos os homens da história que tiveram as benesses de que ele carecia. Entretanto, ele não «idolatrava» a escrita e isto por uma razão muito simples: na sua concepção, a escrita não tem alma. Para Platão, as coisas mais importantes devem ser ditas oralmente, não escrevendo. Porquê? Primeiro, porque a fala precede naturalmente à escrita. Desta maneira, a palavra escrita é apenas cópia e imitação da oral e, como tal, é imperfeita.

Amor ao saber.
Ademais, a sapiência (s?f?a) não é só algo abstrato; antes, é um estilo de vida, um jeito de viver. E a vida não se transcreve, não se escreve, ao menos propriamente (perdoem-nos os biógrafos). O filósofo não é, pois, essencialmente, um bom escritor, um erudito ou um culto (o que não significa, está claro, que ele tenha que ser um mau escritor, rude e inculto!), mas um homem que pensa e sabe defender o que pensa. O dialético é aquele que sabe defender o que pensa porque sabe o que conhece e sabe o que não conhece; é senhor de si, consegue nominar as coisas, sabe o que sente e vive o que pensa e pensa o que vive e está disposto a morrer pela verdade. O filósofo é, antes de tudo, um homem da palavra (?????), que vive da palavra que concebe. No Fedro, Platão delineia isto com clareza:

Sócrates –– Já nos divertimos bastante com o que se refere aos discursos. Mas tu deves procurar Lísias e dizer-lhe que nós dois, tendo descido à fonte e ao santuário das Ninfas, ouvimos discursos que nos ordenavam dizer a Lísias e a quem quer que componha discursos, a Homero e a qualquer outro que tenha composto poesia com música ou sem música, a Sólon e a quem quer que haja composto discursos políticos denominando-os leis: «Se compôs essas obras conhecendo a verdade e está em condições de socorrê-las (ß???e??) quando defende as coisas que escreveu e, ao falar, possa demonstrar (Fa??a) a debilidade do texto escrito, então, um homem assim deve ser chamado não com o nome que têm aqueles que citamos, mas com um nome derivado do objecto ao qual se aplicou seriamente».

Fedro –– E que nome é esse que lhe dás?

Sócrates –– Chamá-lo sábio, Fedro, parece-me exagero, pois tal nome convém somente a um deus; mas chamá-lo filósofo, ou seja, amante da sabedoria, ou algum outro nome desse tipo, seria mais próprio e mais conveniente para ele.

Fedro –– E de nenhuma maneira seria fora de propósito.

Sócrates –– Ao contrário, aquele que não possui nada de mais valor (??µ??tepa) do que aquelas coisas que compôs ou escreveu, passando muito tempo em girá-las de um lado e de outro, colocando ou separando uma parte da outra, não o chamarás com razão poeta, fazedor de discursos ou redactor de leis?

Fedro –– Sem dúvida.[30]

Como conhecer o filósofo e as suas filosofias.

Desta maneira, podemos dizer que não é o facto de alguém ter lido todas as obras de Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, que faz dele um platónico, um aristotélico, um agostiniano, um tomasiano. Isso é erudição. De mais a mais, escrever bem sobre os filósofos, no máximo, tornará alguém um bom escritor ou historiador. Com efeito, o que nos torna platónicos, aristotélicos, agostinianos ou tomasianos é habituarmo-nos a pensar e viver conforme eles. Já dizia Agostinho: «[...] a filosofia é o nosso verdadeiro e inabalável lugar de habitação»[31]. Desta casualidade, ninguém que simplesmente leia a biblioteca inteira de um filósofo tornar-se-á filósofo por isso, ou mesmo conhecerá o que o filósofo conheceu, ao menos não conhecerá como ele conheceu. De facto, há um coeficiente de singularidade em todo o processo de conhecimento; o como conhecemos é só nosso e não se repete. Assim, ainda que digamos as mesmas verdades que um filósofo disse, jamais as diremos com o mesmo empenho vital que ele disse, porque também não as conquistamos com o mesmo esforço pessoal que ele as conquistou.

Como conhecer o filósofo e as suas filosofias.
O que queremos dizer é o seguinte: embora a verdade seja objectiva e inegociável, o modo como a alcançamos tem um «quê» de individual. E essa particularidade manifesta-se na oralidade, já que quando falamos estamos todo ali, somos todo expressão. Não somente a nossa boca, mas todo o nosso corpo se exprime. Na oralidade, há um empenho nervoso, uma sinergia «psíquico-somática» que nos torna imediata e inteiramente expressivos. Quando falamos, não é só a nossa palavra que fala, mas somos nós que falamos. Só na fala a verdade se torna «ossos dos nossos ossos, carne da nossa carne» (Carlo Sini). Somente na oralidade a verdade se concretiza, se torna não somente audível, mas também palpável, visível. Na fala, a verdade começa a ser vivida; na oralidade, a verdade «faz-se carne». Tomás de Aquino já aludia a este facto, quando dizia com toda a clareza que a verdade não se diz apenas com a palavra audível, mas com toda a sorte de gesticulações, ou seja, com um engajamento vital e moral de todo o indivíduo. Para o Aquinate, só quem está comprometido por inteiro com aquilo que faz é capaz de, com a sua fala, não profanar o silêncio, e com os seus gestos, não o prevaricar. Nós devemos ser, por assim dizer, «cartas vivas» a falar, inclusive com o nosso corpo, a verdade. Só diz plenamente a verdade quem é verdadeiro, quem vive na e da verdade:

Deve-se dizer que aquele que diz a verdade emprega certos sinais que são conformes à realidade das coisas, sinais que podem ser palavras, gestos ou outras coisas exteriores. Ora, são somente as virtudes morais que regulam estas coisas, e que regulam também o uso dos nossos membros externos, na medida em que dependem do império da vontade. De onde se conclui que a verdade não é nem virtude teologal, nem virtude intelectual, mas uma virtude moral.[32]

Ora, constitui um tipo de ordem especial o facto de as nossas palavras e actos externos estarem em conformidade com a realidade como o sinal em relação à coisa significada. E a virtude da verdade tem esta função de aperfeiçoar o homem no que diz respeito a isto.[33]

Obviamente que não se trata apenas de falar com a boca. O homem, como se deduz das palavras acima, fala com o seu corpo, com os seus actos, enfim, com toda a sorte de empenhos nervosos e musculares. Ora, o filósofo não é senão aquele que diz – com a sua própria vida – a verdade; ele é o lugar, por assim dizer, onde a verdade se materializa «em carne e osso» (Husserl). Qualquer coisa diferente disso – para Tomás – não leva a nada. Diz ele:

Logo, quando observamos que as palavras de uma pessoa não se coadunam com as suas acções, ela perde credibilidade no que diz, e as suas afirmações anulam-se. [...] Portanto, as verdadeiras palavras não devem somente ser úteis ao conhecimento, mas têm de fundar a vida [boa e honesta], porque só podemos acreditar nas palavras que se harmonizam com os actos. As palavras verdadeiras, portanto, provocam as pessoas que as compreendem, fazendo-as adquirir a verdade delas e incitando-as a viver [segundo os seus exemplos].[34]

O próprio Tomás, num dos raros autotestemunhos – fazendo suas as palavras de Santo Hilário – confessa que não quer senão confessar-se com todo o seu ser – corpo e alma – a Deus. Ele desejava ser uma vida que fala:

Por isso, sirvo-me aqui das palavras de Hilário: «Estou consciente de que o principal ofício da minha vida (praecipuum vitae meae officium) é referente a Deus, de modo que toda a minha palavra e todos os meus sentidos dele falem (omnis sermo meus et sensos loquatur)» (I Sobre a Trindade 37. PL 10, 48 D).[35]

Platão também acreditava nisso. Por isso, para ele, o filósofo é aquele que, antes de tudo, fala a verdade e a defende com a sua própria vida. Noutras palavras, o filósofo não é somente o mestre do bem pensar, mas um mestre de vida. Só nos tornamos filósofos quando, integrados pelo conhecimento de nós mesmos, «incorporamos» a verdade que pensamos, falando e fazendo da nossa vida um sinal adequado à realidade. Neste sentido, o escrito é só para nos ajudar a recordar, mas mesmo este recordar (???µ??s??, anámnesis) não é um recordar simplesmente com a mente; antes, é um reviver em nós o processo «psíquico-somático» que nos conduziu àquele saber:

Sócrates –– Por conseguinte, quem julgasse poder transmitir uma arte com a escritura e quem a recebesse convencido de que poderá extrair daqueles sinais escritos alguma coisa de claro e sólido, deveria ser grandemente ingénuo e ignorar, na verdade, o vaticínio de Amon, se considera que os discursos consignados por escrito são alguma coisa mais do que um meio para trazer à memória (?p?µ??sa?) de quem já sabe as coisas das quais trata o escrito.

Fedro –– Certamente.[36]


Agostinho também não era alheio a esta forma de proceder. Numa das suas obras – De catechizandis rudibus – escrita por volta do ano 400, a pedido de um catequista de Cartago chamado Deogratias, que se encontrava enfastiado por achar que não conseguia narrar os mistérios da fé de forma compreensível, Agostinho responde que, a única maneira de transmitirmos a verdade de modo que todos possam entendê-la, é dizendo-a «na carne». Para aproveitarmos um exemplo muito simples do próprio Agostinho, trata-se do seguinte: se dissermos, «estou com raiva», em português, um americano que não conhece a nossa língua, certamente não entenderá. Mas se dissermos, «estou com raiva», não só com palavras, mas com gestos, isto é, com um empenho nervoso facial e corporal, não somente o nosso amigo americano, mas provavelmente todos os que nos virem – de uma maneira ou de outra – entenderão que estamos com raiva. Ora, isso vale para qualquer verdade. Assim, para Agostinho, a verdade só se torna universal – e maximamente acessível – quando se concretiza naquele que a diz, isto é, quando aquele que a diz a vive:

Assim, «raiva», diz-se de um modo na língua latina, de outro na grega, de diversas maneiras nas diversas línguas: mas a fisionomia raivosa não é nem latina nem grega. É por isso que, quando alguém diz «iratus sum» («estou com raiva»), nem todos o entendem, mas somente os latinos; mas se o sentimento de efervescência da raiva se manifestar no rosto e moldar a fisionomia da pessoa todos os que a vêem percebem que ela está com raiva. A palavra não consegue fazer chegar e como que suscitar na mente dos ouvintes aquelas marcas de pensamento que a inteligência imprimiu na memória, como o consegue o rosto aberto e a fisionomia: aquelas são marcas interiores, estão na mente; o rosto, ao invés, está fora, no corpo.[37]

Podemos dar vida aos nossos textos. Existem recursos para isso. Podemos estar no nosso texto, entrar nele, habitar nele. Desta maneira, podemos levar a quem nos leia a não somente nos ler, mas, sobretudo, a nos ouvir; escutar o que estamos dizendo. Como alcançamos isso? Através de certa habilidade erótica (???t??? [erotikh?]). De facto, um (éros, ????) deve perpassar o nosso texto e, ao serviço da verdade, torná-lo aberto, atraente e vivo para quem o lê (Umberto Galimberti). Já Tomás reconhece que provocar o amor dos ouvintes pelo tema é o melhor modo de excitá-los à pesquisa e tocá-los. Em suma, ensino e aprendizagem devem ser prazerosos, porque o prazer coloca o que foi assimilado no mundo da vida:

Cada pessoa age especialmente e investe os seus esforços naquilo que mais ama: o músico vigorosamente atenta-se para a audição das melodias; o amante da sabedoria esforça-se ao máximo para compreender os teoremas por as suas próprias considerações. Então, como o prazer aperfeiçoa a operação, como acima foi dito, por consequência, aperfeiçoa o próprio acto de viver e, por isso, todos o desejam e o escolhem.[38]

Também Agostinho já reconhecia que amar o que se faz e fazer o que se ama e, portanto, fazer tudo com alegria, torna o nosso trabalho mais prazeroso, atractivo, interessante e, por conseguinte, entendível para quem o frequenta:

Uma coisa é verdade: os outros ouvem-nos com muito mais prazer quando nós mesmos estamos contentes com o que fazemos. Pois a nossa alegria afecta a própria qualidade da nossa fala, que sai mais fácil e aceitável. [...]. Quando é melhor uma narrativa mais breve e quando uma mais longa? O mais importante é que a pessoa catequize com alegria, seja qual for a maneira que usar (de facto, quanto mais alegre ela for, mais será agradável). O máximo empenho deve ser colocado nisso.[39]

E o contrário também é verdadeiro. Quando fazemos algo de forma tensa, angustiante; quando vamos realizar um trabalho inseguros e nos encontramos desgostosos por acharmos que não nos fazemos entender, fatalmente não agradaremos aos ouvintes e seremos menos comunicativos:

Da nossa parte, desejando ardentemente o bem do ouvinte, queremos dizer-lhe tudo como o compreendemos. (...) e porque não conseguimos, nos angustiamos, nos sentimos frustrados no trabalho, nos acabrunhamos de aborrecimento e, por causa desse tédio, a nossa palavra torna-se ainda mais frouxa e desanimada do que antes.[40]

Urge que saibamos dizer uma palavra encarnada. Quem aspira à filosofia deve encarnar a verdade na sua vida.



[1] AGOSTINHO. A instrução dos catecúmenos. 2.ª ed. Trad. Maria da Glória Novak. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. XI, 16. p. 64.

[2]  Queremos dizer, com meridiana clareza, que as provas tradicionais da existência de Deus de Tomás de Aquino – para nós – são válidas e verdadeiras.

[3] AGOSTINHO. Comentário ao Evangelho de São João: A Ceia do Senhor. Trad. José Augusto Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1952. v. IV. LXXXIX, 5.

[4] Idem. Ibidem. XC, 1.

[5] AGOSTINHO. Comentário ao Evangelho de São João: Médico e Alimento. 2.ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1954. v. II. XXIX, 4.

[6] AGOSTINHO. Comentário ao Evangelho de João: O Verbo de Deus. 2.ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1954. v. I. XIII, 5.

[7] Idem. Ibidem.

[8] AGOSTINHO. A Doutrina Cristã. Trad. Nair de Assis Oliveira. Rev. Paulo Bazaglia e Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2002. I, 6, 6

[9] AGOSTINHO. Sermo 223 A. 5. Disponível em <http://www.augustinus.it/latino/discorsi/discorso_284_testo.htm>. Acesso em: 14/12/2013. [A tradução é nossa].

[10] TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Trad. Aimom - Marie Roguet et al. São Paulo: Loyola, 2001. I, 79, 9, ad 4.

[11] Idem. Ibidem. I, 1, 5, ad 1.

[12] TOMÁS DE AQUINO. Suma Contra os Gentios. Trad. D. Odilão Moura e Ludgero Jaspers. Rev Luis A. De Boni. Porto Alegre: EDPUCRS, 1996. 2 v. I, LXI, 7 [513].

[13] TOMÁS DE AQUINO. A Unidade do Intelecto Contra os Averroístas. Trad. Mário Santiago de Carvalho. Lisboa: Edições 70, 1999. I, 1.

[14] Idem. Suma Teológica. II-II, 110, 1, C.

[15] AGOSTINHO. A Trindade. 2.ª ed. Trad. Agustino Belmonte. Rev. Nair de Assis Oliveira e Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2005.  XV, 15, 24.

[16] TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, 110, 1, C.

[17] Idem. Ibidem.

[18] Idem. Ibidem. I, 82, 4, C.

[19] Idem. Ibidem. I-II, 8, 1, C.

[20] FÍLON DE ALEXANDRIA. Il malvagio tende a sopraffare il buono. Cap. XLVIII. Trad. C. Mazzarelli. Milão: Rusconi, 1994. p. 321. In: REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: terapia para os tempos actuais. 3.ª ed. Trad. Silvana Cobucci Leite. Rev. Joseli Nunes Brito et al. São Paulo: Edições Loyola, 2011. p. 116.

[21] Idem. Ibidem. I-II, 76, 2, C.

[22] Idem. Ibidem.

[23] Idem. Ibidem.

[24] Idem. Ibidem. I-II, 94, 6, C.

[25] PLATÃO. Alcebíades maior, 130 e.

[26] PLATÃO. Apologia a Sócrates. 23 d.

[27] AGOSTINHO. A Trindade. X, 11, 18.

[28] AGOSTINHO. A Cidade de Deus. 4.ª ed. Trad. Oscar Paes Lemes. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2001. Parte II. XI, XXVI.

[29] Não que quem não acredite em Deus não seja ético. Isso seria baratear a questão, apoucá-la. O que afirmamos é que lidar com a possibilidade de Deus não implica somente problemas gnosiológicos, mas implica um estilo de vida.

[30] PLATÃO. Fedro. 278 b-c In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: II Platão e Aristóteles. Trad. Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1994. pp. 16 e 1. Vide, ainda, os autotestemunhos da celebérrima Carta VII, 340 b- 345 c.

[31] AGOSTINHO. A Ordem. Trad. Agustinho Belmonte. Rev. Joaquim Pereira Figueiredo.  São Paulo: Paulus, 2008.  I, III, 9.

[32] TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, 109, 1, ad 3). (O itálico é nosso).

[33] Idem. Ibidem. II-II, 109, 2, C. (O itálico é nosso).

[34] TOMÁS DE AQUINO. Sobre os Prazeres: Comentário ao Décimo Livro da Ética de Aristóteles. Trad. Tiago Tondinelli. São Paulo: Ecclesiae, 2013. X, I. pp. 18-19.

[35] Idem. Suma Contra os Gentios. v. I. I, II, 2 [9].

[36] PLATÃO. Fedro. 275 c-d. In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: II Platão e Aristóteles. Trad. Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1994. p. 16.

[37] AGOSTINHO. Primeira catequese aos não cristãos. Trad. Paulo Antonio Mascarenhas Roxo. Rev. Tiago José Risi Leme e Iranildo Bezerra Lopes. São Paulo: Paulus, 2013. II, 3. p. 71.

[38] TOMÁS DE AQUINO. Sobre os Prazeres: Comentário ao Décimo Livro da Ética de Aristóteles. X, VI. p. 55.

[39] AGOSTINHO. Primeira Catequese Aos Não Cristãos. II, 4. p. 73.

[40] Idem. Ibidem. II, 3. p. 72.