Nuno Serras Pereira
(Extracto do artigo César das Neves e o Cardeal W. Kasper)
Um destes dias ao ir a uma livraria deparei surpreendido com a edição portuguesa do livro de W. Kasper intitulado A Misericórdia – condição fundamental do Evangelho e chave da vida cristã.
Um dos teólogos que estudei aquando cursava teologia, e mais tarde nos primeiros anos de Sacerdócio, foi W. Kasper – em especial o seu livro sobre Jesus Cristo e um outro sobre a Santíssima Trindade. Este teólogo é dotado de uma enorme erudição que faz valer (um pouco à maneira de Hans Kung) avalanchando sobre nós toneladas e toneladas de notas, citações, referencias, etc. Também é tido por muitos, particularmente entre os jesuítas (muitos elementos desta Ordem usaram frequentemente Kasper para atacar o então Perfeito para a Congregação da Fé, Cardeal Ratzinger)[1], como uma inteligência vastíssima e penetrante.
Eu, confesso, que devo dar muitas Graças a Deus por ser dotado de uma inteligência mediana, senão mesmo bronco de todo, de não ser um erudito, de ser totalmente incapaz de escrever tratados ou ensaios. Por que devo dar Graças a Deus? Por um lado, porque cada um se deve contentar com os talentos que Deus lhe deu, por outro, porque com imensa probabilidade me incharia de vaidade e de soberba – vejam bem como Deus foi bondoso para comigo. Não quero com isto dizer que esses dons que não possuiu sejam maus em si, pelo contrario são excelentes, e muitos Santos os fizeram render com imenso proveito para as almas, para a Igreja e para a Fé; porém, também é verdade que grandes hereges foram vítimas do péssimo uso que lhes deram. E mais do que isso, o Diabo ultrapassá-los a todos, como criatura angélica, embora caída, que é. (Já agora um pequeno à parte, com esta mania que agora deu a muitos prelados de verem o positivo em tudo, mesmo nos comportamentos mais abjectos, qualquer dia teremos um sínodo pastoral para valorizar positivamente as obras de Lúcifer e os condenados ao inferno, o que, porventura, segundo eles contribuirá muito para uma atitude inclusiva da Igreja e um incremento Nova Evangelização.)
Uma das manhas e astúcias dos hereges (materiais ou formais) é a de apresentar a Palavra de Deus, de si luminosa e atraente, com um sentido diferente daquele que Cristo Revelou e explicitou; escrever verdades, misturando-as com falsidades mais ou menos subtis; citar autoridades para concluir o contrário daquilo que elas queriam, etc. Estas são algumas das razões porque tantas pessoas se deixam transviar e iludir. Pois se há ali tanta coisa boa e fascinante, como é que não será verdade, perguntar-se-ão. Acresce que muitos têm ademais aquilo a que chamo «o tique do ‘engenheiro’ Sócrates» o qual consiste em culpabilizar e inferiorizar aqueles que se lhes opõem exprobrando-os e recriminando-os – não poucas vezes indirectamente, como quem não quer a coisa; outras com uma doçura melada, cheia de mesuras delico-doces e simpatias sedutoras.
Ó meus bons amigos tendes de me perdoar que me perdi em divagações. Vamos então ao ponto: o livro do Cardeal W. Kasper. Ainda somente o folheei e pude verificar que tem partes muito boas e interessantes onde se escrevem coisas que embora não sendo novidades sintetizam e sistematizam de algum modo muito daquilo que já conhecia. Não me restam, pois dúvidas, que há ali uma porção de coisas que se podem aproveitar como material para reflexão e meditação. Não obstante, como é possível que um teólogo e Cardeal revele uma ignorância crassa (a alternativa, seria má-fé), por exemplo, na parte em que trata da Misericórdia e Direito Canónico, no que se refere à epiqueia? De facto, ela é aí tratada (como antecedente para preparar a reflexão sobre a prudência) de modo a vir mais tarde a poder servir de base para uma argumentação, exposta no Consistório, favorável à Comunhão dos impropriamente chamados «divorciados recasados». Ora, qualquer aluno do 3.º ano de teologia sabe que a epiqueia nunca se pode aplicar aos absolutos morais, como por exemplo, o são a indissolubilidade do matrimónio rato e consumado e a proibição do adultério. Acresce que invocar a norma suprema do Direito Canónico, a saber, a Salvação das almas para maquinar formas de as perder parece-me absurdo, para não dizer mais.
Sua eminência o cardeal Walter Kasper é uma personagem publicamente peculiar, como se pode verificar por dois ou três exemplos:
— No seu livro sobre Jesus Cristo, que continua a ter sucessivas edições, nega que Este tenha feito algum milagre;
— No Consistório numa longa prelecção advoga a Sagrada Comunhão somente para uma ou outra situação limite, depois de cumpridos determinados trâmites a que ele chama penitenciais; enquanto que em entrevistas e palestras, segundo as agências de informação, a promove praticamente para todos, ou pelo menos a maioria, mais ou menos à balda; o mesmo para as impropriamente apelidadas «uniões homossexuais»;
— A duplicidade e a fraude não se fica porém por aqui. Inchado de soberba desqualifica os Bispos Africanos como incapazes de discernirem e tomarem uma posição correcta nestas questões; noticiada esta sua declaração, feita a um jornalista numa entrevista gravada, nega-a categoricamente.
Mais se poderia acrescentar mas basta ficar por aqui. Que ninguém se escandalize. Estes pecados de membros da Igreja sempre os houve, basta lembrar Judas um dos Apóstolos, ou Pedro, Príncipe entre eles. Com tanta miséria humana bem se vê que a Igreja para subsistir não é dos homens mas sim de Deus.
O que se joga no próximo Sínodo sobre a família não é como alguns pretendem fazer crer somente questões pastorais e disciplinares. Trata-se de questões não somente doutrinais mas mesmo dogmáticas e a estrutura todo do Credo está sob um ataque insidioso e feroz. O Papa Paulo VI percebeu isso muito bem aquando da questão da Contracepção, como o revela Jean Guitton no seu livro sobre esse Papa Bem-aventurado. Mas aqui a «parada» é mais alta ainda.
(…)
(…) Quanto ao livro de Kasper direi o seguinte: não o recomendo para quem não tenha uma preparação teológica razoável. Por agora vou pô-lo de parte. Tenho tantos livros bons para ler que não sei se me sobrará tempo para esse. Adianto que estranho que tendo sido editados, no estrangeiro, livros absolutamente extraordinários, profundos, sábios, fiéis, deslumbrantes, sobre os temas que têm a ver com o Matrimónio e a Família não tenha conhecimento de nenhum deles editado em português – é certo que provavelmente não se venderão tantos porque não têm a publicidade papal em meio de uma oração dirigida por um Papa (uma novidade absoluta, e quanto a mim infeliz, na história do papado), mas se as editoras católicas se deixam guiar principalmente pelo dinheiro, de católico pouco terão.
(…)
[1] Para o caso deste panfleto chegar às mãos de alguém que não me conheça, advirto que tenho bastantes amigos jesuítas, que devo muito à excelente educação que me deram durante 10 anos no Colégio de S. João de Brito (sendo que este Santo é também patrono da minha Paroquia de origem); e admiro muito também bastantes jesuítas que não conheço pessoalmente como, por exemplo, o P. Fessio, o P. Schall, o P. Hardon, o Cardeal Dulles, etc. Infelizmente, porém, não posso deixar de reconhecer que nesta Ordem Religiosa se deu, como aliás em muitas outras, um «Cisma» (mais ou menos disfarçado, mas muito real) entre os fiéis à Tradição viva e ao Magistério de sempre nos quais se incluem o de S. João XXIII, o de Beato Paulo VI, S. João Paulo II e Bento XVI... e outros que se têm mostrados opositores ferrenhos.
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