sábado, 25 de fevereiro de 2017

Perversão infantil: chocante banalidade!




Paulo Américo, IPCO, 23 de Fevereiro de 2017

Chegámos a tal ponto da decadência moral, que afirmações das mais graves parecem banais. Convido o leitor a comprovar esta minha impressão fazendo um teste com a seguinte frase: a inocência das crianças está a ser destruída.

Por um lado, tal afirmação apresenta-se chocante. Basta lembrar as palavras do Divino Salvador: «Melhor lhe seria que se lhe atasse em volta do pescoço uma pedra de moinho e que fosse lançado ao mar, do que escandalizar a um só destes pequeninos» (S. Lucas 17,2).

Por outro lado, mencionar a destruição da inocência infantil já nos soa normal, e banal! Isto porque se tornou cada vez mais recorrente. Algo como uma canção macabra cantada em todas as esquinas. Já nos acostumámos com a sua trágica melodia e repetimo-la quase sem atenção, sem levar em conta a sua gravidade.

De facto, vivemos num triste século. Mesmo os católicos, aqueles que deveriam reagir contra a indiferença, vão caindo inexoravelmente nas suas garras. Não se podem estranhar as lágrimas de Maria Santíssima, Mãe de Deus.


As nossas crianças são aliciadas e atacadas por todos os lados pelo vendaval da imoralidade. A televisão era a sua grande promotora até há pouco tempo. Mas também acabou por tomar o aspecto um tanto antiquado! A internet surgiu como a máquina mais eficiente da perversão infantil. Com alguns cliques no rato — ou alguns toques no smartphone — qualquer criança pode aceder às mais cruas cenas de pornografia online.

Mas o tufão da imoralidade possui outras frentes de ataque. E aqui vem mais um teste da banalização do que antes se afigurava chocante. Curiosamente, o tema «educação sexual para crianças» não causa mais sobressaltos como há algumas décadas. Hoje, algo mais malicioso entrou em todos os ambientes: a Ideologia de Género.

Agora, as crianças não são apenas submetidas à aprendizagem do sexo desde a mais tenra idade, como também são induzidas na escolha de outra orientação e identidade sexual.


Um exemplo para ilustrar esta alarmante realidade. O «Life Site News» publicou,[1] no início de Janeiro último, reportagem sobre a nova série da «TV Fox», nos Estados Unidos, intitulada The Mick. Além da promoção do aborto, da linguagem vulgar e do conteúdo sexual explícito, a série impulsiona a Ideologia de Género, visando sobretudo as crianças. Um dos personagens — menino de apenas sete anos — é apresentado trajando um vestido de menina. Na cena, o menino faz comentários sobre o vestido e sobre as partes femininas do seu corpo.

Chocante, dizemos! E o leitor concordará. Mas quanto tempo transcorrerá até que tais insinuações e atitudes ressoem também como banais ou normais aos nossos ouvidos?

Imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso venerada
no Convento das Freiras Concepcionistas de Quito (Equador).

A Rainha dos Céus tem sempre diante de si a gravidade da destruição da inocência infantil. Ela já havia previsto a actual onda de degradação das crianças quando das suas aparições à Madre Mariana de Jesus Torres, em Quito (Equador), no século XVII. As palavras de Nossa Senhora do Bom Sucesso — profecias a respeito dos nossos tempos — são impressionantes pela sua actualidade. Eis alguns trechos aplicáveis ao tema do qual tratamos:

Madre Mariana de Jesus Torres

«Quase não se encontrará inocência nas crianças, nem pudor nas mulheres, e, nessa suprema necessidade da Igreja, calar-se-á aquele a quem competia a tempo falar.

«Extravasarão as paixões e haverá total corrupção dos costumes por quase reinar satanás…, o qual visará principalmente à infância a fim de manter com isto a corrupção geral. Ai dos meninos desse tempo! Dificilmente receberão o Sacramento do Baptismo e o da Confirmação.

«Possuirá [o mal] sutileza para introduzir-se nos ambientes domésticos, que perderão as crianças. Nesse tempo infausto, quase não se encontrará a inocência infantil. Desta forma perder-se-ão as vocações para o sacerdócio e será uma verdadeira calamidade.»

Diante da avalanche contra a inocência infantil não devemos permanecer de braços cruzados. É por isso que a TFP (The American Society for the Defense of Tradition, Family and Property) proveu abaixo-assinado[2] [imagem abaixo] no mês passado com o objectivo de impedir a exibição da citada série da «TV Fox».


Não fiquemos indiferentes na consideração da gravidade da decadência actual. Oração, sacrifício e emenda de vida foi o que Nossa Senhora nos pediu em Fátima. Assim, seremos daqueles que de algum modo enxugam as suas tão dolorosas lágrimas.

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Notas:


[2] http://www.tfp.org/act/petition/tell-fox-stop-promoting-transgenderism-cancel-mick-now/





quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O que defendemos no debate sobre a eutanásia


Isabel Galriça Neto, Observador, 22 de Fevereiro de 2017

Na Holanda em 2015 praticou-se uma eutanásia a cada hora e meia. De pessoas com doença mental, pessoas que não pediram para morrer, pessoas sem situações de terminalidade, pessoas cansadas de viver.

Neste debate sobre a legalização da eutanásia defendemos a inviolabilidade da Vida humana, o respeito pela Dignidade e pela Liberdade.

Este não é de todo um debate confessional – como querem fazer crer —, talvez para acentuar um preconceito subtil de que sendo um debate religioso seria uma coisa retrógrada, um preconceito que confunde a sociedade laica em que vivemos com uma sociedade anti-religiosa. O debate, ainda que politizado, é claramente sobre que valores queremos ter na sociedade moderna para dar resposta ao sofrimento dos mais vulneráveis.

Defendemos a protecção da vida e a Dignidade. Entendemos que não é preciso escolher ser morto por outro para ter Dignidade na morte, aliás ser morto por outra pessoa é provavelmente a forma menos digna de se morrer. Defendemos a Dignidade enquanto valor intrínseco e patrimonial inegociável do ser Humano, pelo que para nós, e independentemente das circunstâncias, não há vidas que valem a pena ser vividas e outras não. É a vida que deve ter Dignidade, até ao fim, existindo hoje indicações rigorosas e meios de intervenção claros que não permitem que se prolongue a vida das pessoas com doenças avançadas e em sofrimento à custa de mais sofrimento com tratamentos inúteis.

Numa matéria literalmente de vida ou de morte como esta, com a relevância que a rodeia, não são admissíveis imprecisões e eufemismos que enviesam o debate, acrescem demagogia e pouco esclarecem: por exemplo, não se trata de um direito a morrer nem de uma morte assistida – trata-se sim de criar um pretenso direito a ser morto por outra pessoa; não se trata de morte digna – mal estaríamos se apenas os homicídios a pedido definissem a dignidade na morte; e não se trata de abranger apenas situações de fim de vida, pois no articulado do ante-projecto não são claramente excluídas outras situações de sofrimento, como situações de sofrimento existencial e com muito tempo de vida pela frente. Faz-se crer que serão situações de excepcionalidade, que depois o próprio articulado não permite de todo garantir.

Defende-se uma certa visão distorcida da Autonomia, em nosso entender irrealista e incorrecta: a ideia de que a autonomia é igual a uma autodeterminação absoluta em que o individualismo se estabelece e se ignoram as consequências do exercício das liberdades no Bem Comum. Se a autonomia fosse um valor absoluto, não seriam recusados pedidos nem se reservaria esta opção apenas para situações de fim de vida, e não seriam médicos a aprovar a decisão, esses sim os verdadeiros decisores que vêem o seu poder reforçado. A eventual legitimação e aplicação das propostas defendidas levaria a uma aparente «normalização» do matar a pedido e a uma banalização daquilo que consideramos um retrocesso na nossa sociedade. O que se iria impor seria uma visão apoucada do ser humano, que teria consequências perigosas no Bem comum, pois é isso que acontece quando se fazem leis deste tipo nos poucos países europeus que as têm, e se permite que sejam mortas milhares de pessoas por ano – uma eutanásia a cada hora e meia na Holanda em 2015 –, pessoas com doença mental, pessoas que não pediram para morrer, pessoas sem situações de terminalidade, pessoas cansadas de viver.

Defendemos uma sociedade moderna, que tem na protecção da vida o alicerce dos Direitos Humanos, uma sociedade que não descarta os mais vulneráveis e lhes amplia horizontes. Para nós, o problema do sofrimento em fim de vida trata-se cuidando e não eliminando aquele que sofre.





Maçonaria francesa proíbe sites «enganosos» pró-vida



«Liberdade — Igualdade — Fraternidade»

ou as «amplas liberdades» maçónicas...


Chiara Bertoglio, Mercatornet, 21 de Fevereiro de 2017

Uma das citações mais mal atribuídas credibiliza a Voltaire com uma frase bem formada – que ele nunca escreveu. De qualquer forma, o pai do Iluminismo francês e dos seus valores, alegadamente proclamou: «Eu desaprovo o que diz, mas vou defender até à morte o seu direito de dizê-lo.» (Na verdade, a frase vem da pena de Evelyn Beatrice Hall).

Parece, no entanto, que os netos de Voltaire estão a desviar-se cada vez mais dos valores fundadores da sua República e da sua democracia, que são parcialmente resumidos na citação falsa. Na sua versão actualizada deve ler: «Eu desaprovo o que diz, mas vou defender até à morte o seu direito de concordar comigo.» Ou então, cala a boca.

De qualquer forma, é a mensagem que o Parlamento francês enviou para aqueles que discordam do aborto e que estão a usar a internet para informar às mulheres que não é o único, e muito menos a melhor resposta para uma gravidez indesejada. Na última quinta-feira, a Assembléia Nacional aprovou uma lei contra a «difusão de informações enganosas» sobre o aborto, um crime punível com pena máxima de dois anos de prisão e multa de US $ 30.000.

A medida expande o crime existente de «obstáculo ao aborto» – com o objectivo de impedir que activistas pró-vida falem às mulheres que entram em clínicas de aborto, ou organizem manifestações perto de clínicas e hospitais públicos – para incluir sites e «obstáculos digitais».

Num artigo precedente escrevi sobre o bagarre que (o combate que) cerca alguns Web site franceses da pró-vida. Ocasionalmente semelhantes em aparência aos sites oficiais do governo que fornecem informações sobre serviços de aborto, estes sites (muito bem sucedidos) têm o objectivo de ajudar as mulheres que estão a enfrentar uma gravidez difícil ou inesperada, encorajando-as a escolher a vida para seu bebé.

No último caso, nenhum mal está a ser feito a ninguém, especialmente porque as pessoas são perfeitamente livres para silenciar informações indesejáveis ​​com um clique numa janela do navegador. Nenhum pro-lifer francês aparece sob o seu laptop enquanto está a navegar na internet para «dificultar» a sua ida para uma clínica de aborto.

Sim, às vezes é muito difícil encontrar apoio legal para suprimir a liberdade de expressão em França, uma vez que a famosa liberté ainda está no lema da República. Neste caso, é preciso encontrar uma maneira oblíqua de obter o mesmo resultado.

Assim, os sites pró-vida devem ser encerrados não porque os seus conteúdos diferem da linha oficial sobre o aborto, mas porque parecem muito semelhantes aos sites oficiais pró-escolha e, portanto – é mantida – enganam as mulheres e fortalecem-nas a continuar a gravidez.

A ministra dos Direitos da Mulher, Laurence Rossignol, declarou:

«Os adversários do controle da natalidade estão a avançar disfarçados, ocultos atrás de plataformas [web-] que imitam sites institucionais ou linhas directas aparentemente oficiais. Os militantes pró-vida, entretanto, permanecerão livres para expressar a sua hostilidade contra o aborto. Desde que afirmem sinceramente quem são, o que fazem e o que querem.»

Mas o que isto significa na prática? De acordo com este relatório, a redacção da lei não é restritiva:

«Tal como está, pode ser usado para processar aqueles com qualquer «informação» que apresenta o aborto numa luz desfavorável e empurra as mulheres a não escolher o aborto. A lei não define quem tem autoridade para julgar se a informação é oficialmente «enganosa». Isso dependerá dos juízes em princípio e especificamente para a saúde e funcionários do governo.»

Quem está a enganar as pessoas neste debate é, pelo menos, aberto a questionar. O site oficial do aborto fala, por exemplo, sobre o aborto cirúrgico como uma «aspiração do ovo» e afirma que «o aborto não é a remoção de uma vida», como disse Rossignol na Assembléia Nacional. O site oficial diz que «todos os estudos sérios» mostram que não há efeitos psicológicos adversos a longo prazo do aborto, enquanto que o site IVG.NET pró-vida fornece evidências muito credíveis contra. Isto poderia, sob a lei, levar a queixas e acusações.

A Alliance Vita, uma rede pró-vida, denuncia a lei como um perigo para a «liberdade de expressão e de informação. [...] Não só a objectividade da informação é ameaçada, mas também qualquer prevenção das pressões que encorajam o aborto, que actualmente são negadas e ignoradas».

IVG.NET por sua vez não está pronto a recuar. O seu director M. Phillippe declara que não mudará «o conteúdo dos nossos sites ou a ajuda que fornecemos às mulheres por telefone, incluindo o convite para refletir».

Torna saliente que a tentativa de esmagar sites pró-vida estende-se aos meios de comunicação: nos oito anos que foram atacados, receberam apenas quatro minutos para colocar o seu ponto de vista – no canal da TV do Senado Público. Acrescenta:

«Nós, naturalmente, não exercemos» pressões morais e psicológicas ‘ou’ ameaças ou actos de intimidação». Mas o propósito desta lei (e a sua consequência) será permitir que o Planeamento Familiar nos assedie judicialmente sem que possamos retribuir condignamente por causa da sua impunidade de facto».

O Partido Republicano (centro-direita), que votou contra, concorda. Pretendem submeter o texto ao Conselho Constitucional, na esperança de o declararem contrário à Constituição francesa.

O golpe para a liberdade francesa é sério. De facto, o alvo maior do crime de «impedimento ao aborto» é susceptível de limitar dramaticamente os esforços das pessoas cujo único objectivo é ajudar as mulheres a escolher a vida.

Para citar Voltaire novamente, «Nós somos pró-escolha, desde que você escolha o que queremos.» (Podemos fazer mais uma citação falsa Voltaire, não podemos?).


Ver mais em:

https://www.mercatornet.com/features/view/i-disapprove-of-what-you-say-and-will-make-darned-sure-you-cant-say-it/19386




segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Demagogia e distinção na vida política do Ocidente


Plinio Corrêa de Oliveira, IPCO, 19 de Fevereiro de 2017

A causa da vulgarização de tantos ambientes, tantos costumes, e gradualmente da própria civilização, está em boa parte na adoração do número, expressa no sufrágio universal meramente quantitativo contra o qual tão bem falou o Santo Padre Pio XII.

O Senado romano marcou tão profundamente a imaginação de todos os povos que, até hoje, quando se quer dar a uma assembleia um título que faça sentir a sua gravidade, a sua alta sabedoria, a sua força, a sua nobreza, chamar-se-á de Senado. Os Papas às vezes dão ao Sacro Colégio o nome de Senado da Igreja. Em muitos países, a Câmara Alta denomina-se Senado. E os Constituintes norte-americanos, para manifestar a que nível esperavam situar a mais ilustre das duas Casas do Congresso, deram-lhe o nome de Senado.

O que diriam George Washington e os seus contemporâneos se vissem este senador, seu conterrâneo, colocado num lugar de evidência numa reunião do seu partido, para atrair a atenção? Veriam nele a realização da gravidade e nobreza das maneiras da Roma antiga?

É esta a atitude que condiz com a elevação de um cargo público que confere alta participação no poder civil, que como sabemos é de origem divina?

* * *

Mas, dir-se-á, os Estados Unidos são um país novo, e lá as coisas não se podem passar de outro modo.

Mero engano. Antes de tudo, porque este mal tem uma raiz universal, e não apenas americana. É a vulgarização dos homens, das ideias, das coisas, pela acção do sufrágio universal. Obrigado a cortejar a massa para liderá-la, o político é tentado a transformar-se em escravo dela. Daí vulgarizar-se para agradá-la. No nosso país, na Capital bandeirante, numa campanha eleitoral um candidato a deputado fez passear pelos bairros populares um camelo com dísticos contendo o seu nome: é o processo de propaganda de circos e palhaços. Mas se se trata de vencer chamando a atenção da massa sobre si a todo custo, não são estes os processos mais directos?

É certo que o povo americano é novo, e o nosso também. Mas nisto não consiste o problema. Os homens públicos que tínhamos quando éramos mais novos, não eram assim.

E ainda temos homens públicos que não são assim. Tomemos um exemplo entre os norte-americanos. É o Sr. Dean Acheson, secretário de Estado no governo do Sr. Truman. Não pretendemos analisar aqui a sua acção política. Consideramo-lo apenas como gentleman. Que contraste dignificante com esse pobre senador.

Temo-lo aqui em quatro atitudes diversas: pensativo, analisando um problema – risonho, num momento de distensão – ouvindo atento um discurso – estruturando algum plano de acção. A não considerar senão o gentleman, que inteligência, que força, que calma, que distinção. É um homem de salão de que um americano de elite pode orgulhar-se.

Mas, postos os dois homens – o senador e sr. Acheson – diante do público de uma convenção política, nos Estados Unidos como em qualquer outro país, quem tem mais possibilidades de adquirir a popularidade demagógica e vulgar que hoje parece ser o melhor meio de conduzir à vitória?


* * *

Insistimos: A causa desta vulgarização de tantos ambientes, tantos costumes, e gradualmente da própria civilização, está em boa parte na adoração do número, expressa no sufrágio universal meramente quantitativo contra o qual tão bem falou o Santo Padre Pio XII.


Publicado originalmente na revista na secção «Catolicismo» N.º 50 – Janeiro de 1955, na secção Ambientes, Costumes e Civilizações.  




Parlamento europeu: «direitos» para robôs, mordaça para defensores da família



Alejandro Ezcurra, IPCO, 28 de Janeiro de 2017

Entre a loucura
e a perseguição

Os povos da Europa estão a mostrar uma recusa cada vez maior a este mastodonte burocrático, totalitário e asfixiante chamado União Europeia (UE). O voto popular a favor do «Brexit» foi apenas uma amostra do crescente fosso que separa a UE das reais aspirações dos cidadãos dos seus países-membros.

Um dos organismos da UE mais contestados é o Parlamento Europeu, incumbido de legislar sobre normas comuns dos países da União Europeia. A principal causa de tal recusa são as imposições ideológicas deste organismo contra a família e contra a própria natureza humana.

Da alucinação à realidade

Não creia o leitor que exageramos: a Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu acaba de aprovar um rascunho do relatório que propõe conceder personalidade jurídica aos robôs autónomos «mais sofisticados», atribuindo-lhes «o status de pessoas electrónicas (sic!) com direitos e obrigações específicos, inclusive de reparar qualquer dano que possam causar».

Segundo a autora do relatório, a deputada luxemburguesa Mady Delvaux, a humanidade está a entrar no umbral de uma «nova revolução industrial», na qual os robôs também poderiam ficar sujeitos a certas «obrigações», inspiradas aparentemente nas chamadas «Três Leis da Robótica», enunciadas pelo publicitado autor de ciência-ficção Isaac Asimov no seu conto Runaround (Círculo vicioso), de 1941.

Ora, esta ficção visionária parece estar a caminho de se tornar uma absurda realidade legal.

Mas, o que sucederia se um robô «saísse do manual» e gerasse situações de perigo? A relatora já tem a resposta: inserir previamente em todos os robôs um «interruptor mortal» através do qual possam ser desactivados caso funcionem «fora das leis estabelecidas».


Dependendo do seu nível de sofisticação, estabelecer-se-iam diversos «níveis de imputabilidade» para os robôs infractores: a «responsabilidade pessoal» (sic) de cada um aumentaria proporcionalmente à sua maior autonomia.

Ou seja, teríamos uma espécie de «código penal» alternado para robôs, com diferentes sanções que vão da «pena de morte» a castigos menores.

Felizmente, para alívio da nossa atormentada espécie humana, no meio de tanta loucura Delvaux faz uma ressalva: «Um robô não é um ser humano e nunca será humano. […] Pode mostrar empatia, mas não pode sentir empatia» (pelo menos não se deu conta…). Prescreve, ademais, que nenhum robô deverá parecer «emocionalmente dependente», nem manifestamente humano, nem aparentar «que ama ou que está triste»[1].

Para a deputada Delvaux, a interacção diária de homens com o que ela chama de «entes inteligentes não humanos» ou Inteligência Artificial, suscita problemas derivados da complexidade destes últimos, inclusive a «clara possibilidade» de que, apesar de serem produtos da nossa própria criação, nos superem «tanto mentalmente (sic) quanto fisicamente»; por outras palavras, que o feitiço robótico se volte contra o feiticeiro humano…[2].

Perseguição à vista?

Este não é o único disparate que se cozinha no Parlamento Europeu. A eurodeputada ecologista Heidi Hautala encomendou no ano passado à lobista pró-aborto polonesa Elena Zacharenkel um relatório contra as instituições e personalidades que se opõem aos supostos «direitos sexuais e reprodutivos» e à «igualdade de género», bandeiras da actual revolução cultural. O texto foi apresentado no dia 12 do corrente mês de Janeiro.

Manifestação da Federação Pró-Europa Cristã
diante do Parlamento do Luxemburgo, no dia em que se votou
a legalização do aborto neste país.
Segundo o portal espanhol Actual, «na lista negra desta peculiar caça às bruxas está em primeiro lugar o Vaticano (?), e depois 500 movimentos pró-vida e pró-família de 30 países da Europa» — entre os quais as agrupações Mum, Dad and KidsOne of usCitizenGo, etc. –, ou personalidades como Sophia Kuby, Gregor Puppinck, os espanhóis Jaime Mayor Oreja e Ignacio Arsuaga, entre outros.


E, evidentemente, neste libelo acusatório não poderia faltar a TFP: a relação destaca a Federação Pró-Europa Cristã (FPEC) [foto acima], com sede em Bruxelas, que aglutina TFPs e associações afins de 17 países europeus para acções conjuntas em defesa dos valores familiares. Menciona também que a FPEC é dirigida pelo Duque Paul von Oldenburg [Foto abaixo] e surgiu do «movimento ultraconservador […] Tradição, Família, Propriedade». E acusa os membros das TFPs de promoverem «uma cruzada no século XXI para levar a cabo uma revolução cristã»[3], quando deveria dizer uma Contra-Revolução.

Estas menções à FPEC e às TFPs, vindo de onde vieram — dos antros da Ideologia de Género — são sumamente honrosas para nós e para as demais entidades da lista, pois o seu reconhecimento da eficácia da nossa luta em defesa da civilização cristã equivale a uma condecoração implícita.

Duque Paul von Oldenburg, director da Federação pró-Europa Cristã
e da TFP alemã, é um dos «inimigos» da revolução cultural denunciados
numa acusação do Parlamento Europeu.

O libelo reconhece, por exemplo, que em certas ocasiões as entidades visadas pelo seu alarme «são capazes de activar dezenas de milhares de aderentes» em mobilizações que «conseguiram influenciar o desenvolvimento de políticas da UE».

Por isso, convoca a «opor-se à proliferação dos movimentos anti-choice», assinalando que para isso «é crucial que os progressistas [leia-se: as esquerdas alinhadas com a revolução sexual] apresentem soluções concretas para estes desafios […] a fim de rebaterem eficazmente a visão promovida pelas forças conservadoras».[4]

Quais seriam estas soluções concretas? Anteriormente, a este tipo de denúncias seguia-se um estrondo publicitário e uma encarniçada perseguição contra os denunciados. Mas, hoje, o Parlamento Europeu, a própria UE e as esquerdas em geral estão de tal modo desacreditadas perante o público, que provavelmente o libelo ficará apenas como mais um estalido de ódio contra a Igreja católica e a civilização cristã, sonoro, mas impotente.

E, enquanto isto, dentro e fora da Europa, um número cada vez maior de pessoas perguntam: «Para que serve o Parlamento Europeu?».

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Notas:






(*) Matéria traduzida do original em castelhano por Hélio Dias Viana.