sábado, 31 de outubro de 2015


O texto e o contexto


Robert Royal

O sínodo sobre a família de 2015 já acabou, depois de ter produzido vários pontos positivos, e não poucos negativos. O relatório final contém algumas reflexões espirituais fortes, inspiradas pelas Sagradas Escrituras e as tradições da Igreja. Trata também de forma realística muitas das situações políticas, sociais e culturais de famílias em todo o mundo – situações que variam muito: Desde a cultura hedonista e saturada de sexo do Ocidente às condições de guerra e perseguição do Médio Oriente e África. Alguns parágrafos eram escusados. Se o virmos apenas como uma visão geral da família, tem o seu valor. Mas o contexto em que o texto foi elaborado é outra coisa e será uma ferida aberta durante muitos anos.

Um tema repetido muitas vezes pelos padres sinodais durante as últimas três semanas é que uma Igreja preocupada com o futuro da família estaria a adoptar uma visão muito estreita se se limitasse a reflectir preocupações ocidentais sobre divorciados e homossexuais. Um dos sinais do quão longe o sínodo de 2015 já foi, apesar de ainda haver problemas, é que já não há nada daquela linguagem de «aceitar e valorizar… orientação sexual gay, sem pôr em causa a doutrina católica da família e do matrimónio», trata-se de um recuo grande em relação ao relatório intermédio de 2014. Durante o fim-de-semana, a BBC disse que o Papa Francisco tinha sido «derrotado» na questão dos homossexuais – o que não é particularmente correcto, tendo em conta que ele não defende o casamento gay. E ainda por cima, o instrumentum laboris, com o qual ele teve pouco que ver, não dizia grande coisa sobre homossexualidade. Mas a cadeia britânica não foi a única a inventar coisas de acordo com as suas próprias obsessões. Cuidado com estes relatos e com os media em geral.

Uma boa parte do relatório final é útil e reflecte uma Igreja global interessada em proclamar a Boa Nova e em corresponder às responsabilidades de todas as famílias do mundo. Quando for traduzido, valerá a pena passar algumas horas a estudar, por parte de todos os que se interessam pelos actuais problemas e pelo futuro das famílias.

Mas a questão do acesso à comunhão por parte de divorciados recasados continuou a absorver a maior parte das atenções no mundo desenvolvido – sobretudo nos media. Teria sido bom poder dizer que agora sabemos em que situação estamos. O Wall Street Journal não tem dúvidas: «Bispos entregam ao Papa uma derrota na aproximação aos católicos divorciados». (Que é como quem diz, como muitos repararam, que não existe uma referência clara ao acesso à Comunhão para estas pessoas no documento e, por isso, não existe apoio textual para uma das correntes que consta do processo sinodal desde que o cardeal Walter Kasper se dirigiu aos bispos, a convite do Papa, no dia 15 de Fevereiro de 2014). Mas o jornal romano Il Messagero leu a coisa de maneira diferente: «Sim, para os divorciados recasados». Outros, que queiram que essa seja a mensagem, também o afirmarão. Na verdade, o resultado foi, como tem sido frequente com este Papa, confuso.

Os bispos optaram por não votar sobre o documento como um todo, mas apenas nos parágrafos individuais, o que faz do texto, no fundo, uma série de reflexões apresentadas ao Papa para sua consideração e não uma afirmação global aprovada formalmente pelos padres sinodais. Teremos de esperar por Francisco para ele nos dizer o que considera que deve ser o próximo passo. Poderá ter tornado a sua vida mais complicada tanto pela forma como o sínodo foi gerido como (ver abaixo) pela forma zangada como reagiu às críticas e para com os mais conservadores.

Apesar do que se possa vir a dizer ao longo das próximas semanas, vale a pena repetir: O relatório final do sínodo não refere o acesso à comunhão para os divorciados recasados. Se é isso que o Papa quer, terá de ser ele a colocá-lo lá. Como temos dito desde o início, houve oposição clara a essa proposta em si. Por causa da controvérsia, a linguagem final sobre a relação entre a consciência e a lei moral é muito mais clara no texto final do que no instrumentum laboris. Mas alguns parágrafos do texto final – que obtiveram o maior número de votos negativos – exploram muito a ideia do «discernimento» das circunstâncias individuais e invocam o «foro interno», ou seja, a direcção privada por um padre ou bispo, chegando mesmo até à fronteira do acesso à Eucaristia, sem o pôr em palavras.

Alguns jornalistas dizem que isto se trata de uma forte defesa do ensinamento actual da Igreja, mas essa é uma caracterização demasiado optimista. Mas também não é um livre-trânsito para liberais. Houve esforços nas discussões do último dia para deixar claro que isto não era um convite para mudar a doutrina ou a disciplina. O padre Federico Lombardi sublinhou propositadamente a continuidade com os ensinamentos de São João Paulo II e Bento XVI . O cardeal de Viena, Christoph Schönborn, realçou, de forma menos convincente, que haveria critérios claros para guiar esse discernimento.

Os critérios existem, mas se são claros é outra questão. Quando se olha para o texto, o que vemos é isto (tradução da nossa autoria, uma vez que o texto em português ainda não foi publicado):

85. São João Paulo II ofereceu critérios compreensivos, que permanecem a base de avaliação para estas situações. «Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as situações. Há, na realidade, diferença entre aqueles que sinceramente se esforçaram por salvar o primeiro matrimónio e foram injustamente abandonados e aqueles que por sua grave culpa destruíram um matrimónio canonicamente válido. Há ainda aqueles que contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e, às vezes, estão subjectivamente certos em consciência de que o precedente matrimónio irreparavelmente destruído nunca tinha sido válido.»

Aqui vemos João Paulo II a ser usado para dar força à ideia de um discernimento mais vigoroso, o que em si pode ser esticar a corda, tendo em conta a forma como o discernimento é entendido hoje em dia. O que falta é o que João Paulo II diz passados dois parágrafos, no Familiaris Consortio: «A Igreja, contudo, reafirma a sua práxis, fundada na Sagrada Escritura, de não admitir à comunhão eucarística os divorciados que contraíram nova união. Não podem ser admitidos, do momento em que o seu estado e condições de vida contradizem objectivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e actuada na Eucaristia. Há, além disso, um outro peculiar motivo pastoral: se se admitissem estas pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimónio».

A indissolubilidade é afirmada noutros pontos do relatório final e há passagens polvilhadas pelo texto que sugerem mais claramente aquilo que o Papa João Paulo II disse. Há também referências ao Catecismo da Igreja Católica sobre «inimputabilidade», quando as circunstâncias diminuem ou anulam mesmo a responsabilidade pessoal. Devidamente seguidas, todas estas citações poderiam significar que nada mudou na prática da Igreja. Mas oitenta padres sinodais votaram contra este parágrafo, o maior número de votos contra de qualquer parágrafo isolado porque, sem permitir explicitamente uma mudança na prática, ele tem o potencial de permitir muitas escapatórias.

A questão que está a gerar mais controvérsia é esta: O discernimento será devidamente conduzido na linha dos princípios morais firmes enunciados por João Paulo II? É aqui que alguns optam pela abordagem do Wall Street Journal e outros pela do Il Messagero. As palavras do texto são estas:

86: O percurso de acompanhamento e discernimento orienta estes fiéis em direcção a um exame de consciência sobre a sua situação diante de Deus. A discussão com o sacerdote, no foro interno, caminha juntamente com a formação de um juízo correcto sobre aquilo que bloqueia a possibilidade de uma melhor participação na vida da Igreja e sobre os passos requeridos para que ela cresça. Tendo em conta que na mesma lei não existe gradualidade (cf. Familiaris Consortio 34), este discernimento nunca pode prescindir das exigências evangélicas de verdade e caridade, como propostas pela Igreja. Para que isto possa acontecer, devem ser garantidas as condições necessárias de humildade, reserva, amor pela Igreja e pelos seus ensinamentos, na busca sincera pela vontade de Deus e no desejo de responder a ela de forma mais perfeita.

Para chegar a este texto foi preciso muito ajuste e os peritos em teologia irão sem dúvida analisá-lo cuidadosamente. Mas lendo-o como está, e retirado do contexto polémico, até se poderia dizer que tinha sido escrito por João Paulo II. A frase que eu destaquei em itálicos parece dar bastante força à necessidade de uma mudança de vida para remover obstáculos, mais do que outra coisa qualquer. E quando se diz que não existe gradualidade na lei, está-se a dizer que as pessoas se aproximam gradualmente daquilo que devem seguir, mas que a lei é constante e não pode ser abrogada simplesmente porque há pessoas que levam mais tempo a harmonizar-se com ela. Ainda assim, há uma razão pela qual 64 padres sinodais votaram contra este parágrafo, talvez não tanto pelo que diz, mas por aquilo a que poderá conduzir no actual clima que se vive na Igreja.

Mas também vale a pena notar os votos para o Conselho do Sínodo, o grupo que governa os próximos sínodos. Tal como disse na sexta-feira (apesar de os resultados oficiais ainda não serem públicos nessa altura), estes mostram basicamente que existe uma maioria de dois terços a favor do ensinamento católico tradicional. O jornalista Sandro Magister disse durante o fim-de-semana que o arcebispo Charles Chaput, de Filadélfia, foi quem recebeu o maior número de votos de todo o mundo, embora os cardeais George Pell e Robert Sarah também tenham tido números significativos. Isto são excelentes notícias. Das américas temos também o canadiano Cardeal Marc Ouellet (um tipo formidável), e o cardeal Oscar Maradiaga (muito próximo do Papa). Da Ásia os cardeais Pell, Oswald Gracias (Bombaím) e Luis Antonio Tagle (Manila). De África os cardeais Sarah, Wilfred Napier, e o bispo Mathieu Madega Lebouakehan, do Gabão.

Só na Europa é que as escolhas foram mais fraquinhas: Schönborn, o arcebispo inglês Vincent Nichols e o arcebispo Bruno Forte (cardeais italianos fortes como o Scola, o Caffara e o Bagnasco tiverem também muitos votos individuais, e se os italianos se tivessem unido atrás de um candidato, este teria arrasado). Em todo o caso, na medida em que o Conselho do Sínodo conduzirá os eventos futuros, há uma preponderância de figuras sérias e a sua selecção demonstra o sentir geral dos padres sinodais.

O próprio Papa não estava particularmente contente no final dos procedimentos, embora como é hábito em eventos do Vaticano a linha oficial tenha sido que tudo terminou numa grande demonstração de fraternidade e sinodalidade, incluindo uma ovação de pé no final do seu discurso. Entre muitas afirmações positivas, contudo, Francisco expressou irritação com partes da conversa. «Ao longo deste sínodo foram livremente expressas opiniões diferentes – por vezes, infelizmente, de forma pouco caridosa…»

E nas suas declarações sobre a razão de ser do sínodo, disse: «Tratou-se de abrir os corações fechados, que frequentemente se escondem mesmo atrás dos ensinamentos da Igreja ou das boas intenções, para se sentarem na cátedra de Moisés e julgar, por vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas».

Este é um tema recorrente com ele. Ninguém negaria que existem pessoas autoritárias entre aqueles que enfatizam os ensinamentos tradicionais – tal como há pessoas autoritárias com opiniões teológicas contrárias. Mas estas são as franjas, os poucos. Muitos clérigos e leigos ficaram ofendidos – e enfurecidos – com esta afirmação. É justo sublinhar que pode bem ter estado a dizer que alguns tradicionalistas são duros de coração, mas não foi essa a leitura que a maioria das pessoas fez e é natural que isso venha a exacerbar as divisões que já existem.

Esta é a realidade com que teremos de lidar nos próximos tempos na Igreja. O Relatório Final é um texto tolerável, sobretudo tendo em conta que é produto de uma comissão de 270 pessoas. Se tivesse aparecido durante o pontificado de João Paulo II, teria causado pouco alarido. Mas num contexto de suspeição mútua e de revolta, o tolerável pode bem tornar-se intolerável.


Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C.






Frentes populares


Jaime Nogueira Pinto, Sol, 27 de Outubro de 2015

A ideia de «unidade das esquerdas» num país como Portugal, onde o leque político-partidário com representação parlamentar vai do centro-direita à extrema-esquerda, pode e deve causar perplexidade.

O regime saído do golpe de Estado militar de 1974 e do PREC que se lhe seguiu, exorcizou, denegriu e proibiu as direitas e a Direita, inventando até, para isso, um preceito contra «organizações fascistas». Assim, sem formações políticas nem quadros partidários e sob uma pressão constante de diabolização, a direita viu as suas ideias rotuladas como impróprias para consumo por pessoas honradas e de bom coração. E o «povo da direita» teve que se arranjar com o que havia.

Como o centro e as esquerdas também competiam entre si, os eleitores de direita foram votando «útil», oscilando, conforme o tempo e as circunstâncias, entre o PS, o PSD e o CDS. E até deram vitórias a coligações ou partidos do centro-direita: à primeira AD em 1979, à primeira maioria cavaquista nos anos 80 e ao PSD e CDS em 2011.

A ambiguidade dos partidos do «arco da governação» quanto a matérias ideológicas tem sido a regra. O PS, ora foi socialista, ora meteu o socialismo na gaveta, ora namora ao centro, ora à esquerda. Na ânsia de não serem acusados de «salazarismo» ou de «fascismo» pela DGCI (Direcção-Geral da Correcção Ideológica), os dirigentes políticos da não-esquerda também foram banindo toda e qualquer referência aos valores de orientação permanente que identificam a direita política. Deus, a nação, a família, o trabalho, a justiça, parecem ter sido abandonados e trocados pelo liberalismo e pelo europeísmo radicais.

Com a «direita» neste vazio defensivo e as esquerdas a multiplicarem-se em proclamações e variantes ideológicas – até «patrióticas» –, todos vão procurando cautelosamente disfarçar as suas ligações históricas.

Ninguém associará as animadas e simpáticas coordenadoras do BE às figuras sinistras de Trotsky e da Quarta Internacional; muito menos o rosto bem português e de bom português do secretário-geral do PCP lembrará a tradição ortodoxa do Partido Comunista, a União Soviética, José Estaline e o gulag. Só o MRPP, ao sanear o mal-sucedido timoneiro (que não cedendo à nova vaga continuou a pedir morte aos traidores), lembrou os métodos de alguma esquerda radical que agora quer passar por libertária.

De resto, as frentes populares foram curtas e correram mal ou muito mal, com os parceiros pensando sempre na melhor forma de se livrarem da muleta da esquerda ou da direita. Os socialistas alemães de Weimar foram os que foram mais longe, quando se aliaram aos corpos francos para liquidarem os spartakistas; na Rússia, os bolcheviques  foram acabando com todas as outras esquerdas e as frentes populares de 1936, a espanhola e a francesa, também acabaram por se desfazer.

É que há, de facto, ideias e princípios diferentes e consequentes, além das conjunturais raivas ao «inimigo principal». E as ideias e os princípios têm consequências. Na esquerda e na direita. E até no centro.






Kasper contra Ratzinger,

a controvérsia sem fim


Sandro Magister

Bergoglio relançou a controvérsia e o sínodo não encontrou a solução. Mas Bergoglio pode utilizar a autoridade papal.

Ler  em francês:

http://chiesa.espresso.repubblica.it/articolo/1351168?fr=y

Ler  em inglês:

http://chiesa.espresso.repubblica.it/articolo/1351168?eng=y

Ler  em italiano:

http://chiesa.espresso.repubblica.it/articolo/1351168

Ler  em castelhano:

http://chiesa.espresso.repubblica.it/articolo/1351168?sp=y







O que é o movimento neocatecumenal



Heresia?

Estamos perante um caso perigoso de lavagem ao cérebro, do tipo fanatizante ao nível doutrinal, prático e litúrgico, sobre grupos de fiéis, alguns animados, provavelmente, de boas intenções, mas enganados e desviados da justa via da ascética segura e da ortodoxia da tradição.


http://www.adelantelafe.com/el-camino-neocatecumenal-al-descubierto/?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook






Comunismo-Socialismo = Marxismo








quarta-feira, 28 de outubro de 2015


O Sínodo na visão de um progressista



O Sínodo na visão de um progressista: «Fui pessimista demais. Como o Concílio Vaticano II, o Sínodo alcançou um consenso através da ambiguidade».

Sínodo: um consenso na ambiguidade

IHU – Ok, vamos ser sinceros: fui pessimista demais na minha previsão sobre como acabaria este Sínodo dos bispos. Deveria ter confiado no Espírito.

Estava convencido de que a oposição à ideia de os católicos divorciados e recasados voltarem à Comunhão (aqueles que não possuem as devidas anulações) era tão forte que o Sínodo nada poderia fazer. O melhor que eu esperava era que os bispos recomendassem estudos posteriores à volta dessa possibilidade.O pior resultado teria sido o Sínodo dizer definitivamente que a prática da Igreja não poderia mudar.

O comentário é de Thomas Reese, jesuíta, jornalista, num artigo publicado pela National Catholic Reporter, 24-10-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

O meu engano foi escrever o artigo antes que o grupo de discussão alemão produzisse o seu relatório. Para a surpresa de todos, os alemães chegaram a um acordo unânime no seu relatório, que incluía um debate de foro interno.

«Deve haver talvez uma forma de trabalhar com as pessoas nestas situações, com o sacerdote a cuidar se e quando podem vir a uma plena reconciliação com a Igreja», explicou o cardeal Reinhard Marx, ao falar das pessoas divorciadas e recasadas. «Eis a proposta».

Esta unanimidade foi significativa porque, no grupo alemão, havia cardeais teologicamente sofisticados que representavam diferentes pontos de vista, incluindo os cardeais Walter Kasper, quem originalmente propusera a ideia de um «caminho penitencial», e Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé  –  CDF, conhecido pela sua oposição a esta proposta.

O facto de que estes cardeais puderam concordar significou que a recomendação que fizeram carregava um grande peso junto aos demais Padres Sinodais. Müller foi fundamental em trazer junto a si os bispos que estavam indecisos. «Se o presidente da CDF diz que está OK, então deve ser verdade» foi o pensamento.

O que, afinal, o Sínodo diz sobre os católicos divorciados e recasados no seu relatório final (recomendações) ao Papa?

Com os alemães, o Sínodo sugere o emprego do que se chama «foro interno», em que o documento diz que os sacerdotes podem ajudar os católicos recasados a «tornarem-se conscientes das suas situações perante Deus» e a decidir quando seguir em frente.

«O diálogo com o sacerdote, no foro interno, contribui para a formação de uma decisão correcta sobre o que está impedindo a possibilidade de uma plena participação na vida da Igreja e sobre os passos que poderia fomentar tal participação e fazê-la crescer», afirma o documento.

«Para que isso aconteça, as condições necessárias de humildade, discrição, amor à Igreja e os seus ensinamentos devem ser garantidas numa procura sincera da vontade de Deus», continua o texto aprovado.

O que é marcante nos três parágrafos que lidam com os fiéis divorciados e casados novamente no civil é que as palavras Comunhão e Eucaristia nunca aparecem. Sim, isso mesmo, eles nunca mencionam a Comunhão como uma conclusão deste processo de foro interno.

Então, o que isso significa? Um conservador poderá interpretar esta ausência como uma proibição à Comunhão porque, no texto, esta não foi mencionada. Um progressista poderá interpretar que a Comunhão está incluída, visto que não está explicitamente excluída no texto.

Para mim, a verdade é que não se mencionou a Comunhão porque este era o único jeito de os parágrafos receberem dois terços dos votos. Como o Concílio Vaticano II, o Sínodo alcançou um consenso através da ambiguidade. Isso significa que estão a deixar o Papa Francisco livre para fazer o que achar melhor.

Parabéns à equipa da elaboração do documento, que encontrou a linguagem exacta para alcançar o consenso mesmo quando não dá uma resposta definitiva às nossas dúvidas.

[O jornalista do National Catholic Reporter] J. McElwee informa também que o documento fala sobre o emprego de métodos anticoncepcionais artificiais, citando a encíclica Humanae Vitae, do Papa Paulo VI e publicada em 1968, que proíbe tal prática. Porém o documento sinodal igualmente pede por um «diálogo consensual» entre os cônjuges quando reflectirem sobre a questão de terem, ou não, filhos.

O documento também fala de tomar decisões sobre se ter filhos depois de reflectir sobre o que se está ouvindo em consciência, citando o documento conciliar Gaudium et Spes, para dizer: «A escolha responsável da procriação supõe a formação da consciência, que é o ‘centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser’».

Aparentemente, o texto original escrito pela equipa de elaboração foi brevemente alterado no intuito de se conseguir chegar a um consenso.

Por fim, no outro assunto polémico – o relativo aos homossexuais –, o Sínodo disse que eles fazem parte das nossas famílias e citou documentos eclesiásticos que dizem que estas pessoas devem ser «respeitadas na sua dignidade e recebidas com respeito, com o cuidado de evitar ‘todo o tipo de discriminação injusta’». O Sínodo não foi além do ponto em que os bispos americanos se encontravam na sua mensagem pastoral de 1997, intitulada «Always Our Children».

O documento também critica as organizações internacionais que condicionam a ajuda financeira para países em desenvolvimento com base no reconhecimento legal dos casamentos homoafectivos.

Então, quem venceu?

• Claramente a comissão de redacção, que teria feito um trabalho inadequado caso o seu texto fosse rejeitado.

• Os alemães que se mostraram ser verdadeiros religiosos dispostos a manterem o diálogo até que se alcance um acordo, em vez de lançar condenações uns contra os outros.

• O Papa Francisco, que conduziu um Sínodo onde se trocaram ideias e em que se debateu com completa abertura.

• As famílias católicas de todos os tipos, que receberam a atenção indivisa dos Padres Sinodais durante estas três semanas.

Quem perdeu? Aqueles que quiseram enfatizar o direito em detrimento da misericórdia; aqueles que se opuseram a quaisquer mudanças na prática eclesial.

Porque sei que perderam? Porque foram os que ferozmente atacaram os parágrafos que diziam respeito ao divórcio e ao segundo casamento, mas acabaram por ser derrotados quando se contaram os votos [ndr: há controvérsias].

Nos próximos dias, os conservadores poderão tentar contornar as recomendações finais do Sínodo de uma forma que apoie a posição deles, mas não poderão sair-se bem a não ser que respondam à pergunta: «Então porque se opuseram tão ferozmente a estes parágrafos?»

Com frequência tenho dito que, como cientista social, sou um pessimista, mas como cristão, preciso ter esperança. O Sínodo não conseguiu aprovar tudo o que eu queria, e um consenso precisou ser alcançado por meio da ambiguidade. Então o meu pessimismo não está completamente equivocado.

Por outro lado, o Sínodo apontou a Igreja para a direcção certa, e, conforme nos lembra o Papa Francisco, a sinodalidade não é apenas uma experiência de três semanas; está no coração de como deseja ver a Igreja trabalhar no futuro. Isso dá-me esperança.





domingo, 25 de outubro de 2015