sábado, 19 de julho de 2014


Mãe de CR7 conta que tentou fazer aborto


Raquel CostaDiário de Notícias, 12 de Julho de 2014

Na biografia «Mãe Coragem», lançada esta semana, Dolores dos Santos faz revelações inéditas: fala da extrema pobreza vivida na Madeira e conta como quis fazer um aborto quando soube que estava grávida de Cristiano Ronaldo.

Em Mãe Coragem, a mãe do melhor jogador do mundo recorda que quando ficou grávida de Cristiano Ronaldo já era mãe de três filhos com um pai muito ausente e trabalhava de sol a sol. «Quis abortar, mas o médico não me apoiou nessa decisão», conta Dolores dos Santos no livro escrito por Paulo Sousa Costa.


A mãe de Ronaldo, Elma, Kátia e Hugo tentou recorreu então a uma receita caseira: beber cerveja preta quente e correr até o corpo não aguentar mais. O que não resultou. Dessa gravidez nasceria Cristiano Ronaldo.

Em entrevista à Notícias Magazine, que estará nas bancas este domingo, Dolores dos Santos revela ainda que o filho mais novo não esteve muito de acordo com a publicação da biografia. «Quando eu lhe disse a minha decisão ele perguntou-me qual era a necessidade que eu tinha de expor a minha vida», conta a mãe de Cristiano Ronaldo.





sexta-feira, 18 de julho de 2014


Obama



Uma opinião

Os historiadores do futuro, se houver futuro, talvez nos dêem a solução do maior enigma político de todos os tempos. Por enquanto, tudo são névoas e perguntas sem respostas.

Um homem que veio não se sabe de onde, que nunca teve um emprego fixo, que pagou os seus estudos nas universidades mais caras com dinheiro de fonte misteriosa, que trocou de nome pelo menos quatro vezes, que nunca exibiu um só documento de identidade válido mas apresentou pelo menos três falsificados, que tem uma história de vida toda repleta de episódios suspeitos e passou anos em companhia íntima de gangsters e terroristas, um dia elegeu-se senador pelo Estado de Illinois e, depois de somente alguns meses de experiência política – se é que se pode chamar de experiência a ausência na maioria das sessões –, foi elevado à presidência da nação mais poderosa do globo, sob aplausos gerais.

Despertou em centenas de milhões de eleitores a maior onda de esperanças messiânicas de que se tem notícia desde Lenin, Mussolini, Stalin, Hitler e Mao Zedong. Decorridos seis anos de uma administração indescritivelmente desastrosa, continua no posto, impávido colosso, sem que ninguém possa investigar as zonas obscuras da sua biografia sem ser injuriado de tudo quanto é nome pelos maiores jornais do país, bem como pela elite dos dois partidos, Democrata e Republicano.

Aparentemente a obrigação mais incontornável do eleitor norte-americano, hoje em dia, é deixar-se governar sem perguntar por quem, fazendo de conta que tudo está perfeitamente normal.

Uma vez persuadido a acomodar-se a essa situação, sob pena de tornar-se um inimigo público, o cidadão está pronto para aceitar silencioso e cabisbaixo qualquer decisão que venha do governo, por absurda, imoral e inconstitucional que seja.

A última foi essa incrível troca de cinco dos mais temíveis líderes dos talibans por um soldadinho desertor – sem consulta ao Senado, é claro, o que soma à injúria o insulto.

Mas antes disso o número e a gravidade dos crimes do presidente já haviam ultrapassado as mais tétricas especulações futuristas: duplicou a dívida nacional que prometera reduzir, desmantelou o sistema de saúde para colocar no seu lugar a fraude monumental do Obamacare, pressionou hospitais religiosos para que realizassem abortos, entregou armas a traficantes mexicanos e terroristas sírios, encheu de dinheiro estatal firmas falidas dos seus amigos e contribuintes de campanha, desprestigiou o dólar, estragou as relações diplomáticas com Israel, fez mil e um discursos culpando os EUA de tudo quanto acontece de mau no mundo, teve dezenas de encontros secretos com membros e parceiros da Fraternidade Muçulmana, usou o imposto de renda para perseguir inimigos políticos, instalou um monstruoso sistema de espionagem interna para chantagear jornalistas, incentivou enquanto pôde o ódio racial, armou a polícia civil com equipamentos de guerra para aterrorizar cidadãos desarmados, acabou com a liderança americana no mundo, recusou socorro a um embaixador cercado por terroristas e, mais tarde ele foi assassinado, tentou enganar o país inteiro com a historinha ridícula de que foi tudo culpa de um vídeo do youtube.

Entretanto, tirou mais férias, deu mais festas e jogou mais partidas de golfe do que qualquer dos seus antecessores, além de faltar sistematicamente ao «briefing» diário com os seus assessores. Nas horas vagas, a sua esposa dedicava-se a uma campanha altamente humanitária para que as crianças comessem mais nabos e menos batatinhas fritas, provocando a ira da população infantil.

A sucessão de acções maldosas e antipatrióticas, entremeada aqui e ali de futilidades obscenas, é tão assíduo, tão coerente, que toda a tentativa de explicá-la pela mera incompetência vai contra o mínimo senso de verosimilhança. Como escreveu Eileen F. Toplansky no último número do American Thinker, o homem não é um fracasso: é um sucesso. Sucesso num empreendimento frio e calculado de destruição do país.

Se, a despeito disso, ele continua blindado e inatingível, é porque a Constituição e as leis foram desactivadas, sendo substituídas por um novo princípio de ordem: a autoridade dos média, aliada à força de intimidação de uma vasta rede de colaboradores dispostos a tudo e amparada em corporações bilionárias interessadas em remover os EUA do caminho do governo mundial.

O sistema americano, em suma, já não é o mesmo, e a restauração do antigo, se for possível, levará décadas. A obra de devastação foi muito além dos seus efeitos políticos imediatos: mudou o quadro inteiro da autoconsciência americana, fez da grande potência um país doente e aleijado, incapaz de reagir às mais brutais agressões psicológicas. Incapaz até mesmo de escandalizar-se.

A passagem de Barack Hussein Obama pela presidência do país é o acontecimento mais desastroso que já se abateu sobre os Estados Unidos desde o bombardeamento de Pearl Harbor.





quarta-feira, 16 de julho de 2014


OCDE...

Estrangeiros e estrangeirados
que opinam sobre Portugal


Heduíno Gomes

Dando bons ou maus conselhos – e alguns já deram bons e outros maus –, as instituições internacionais não são as pessoas (colectivas, na circunstância) mais indicadas para velar pelos interesses de Portugal e dos Portugueses. Bem podem opinar...

Umas vezes essas instituições internacionais são simplesmente compostas por indivíduos incompetentes, tecnocratas ou burocratas, fora da realidade económica, social e política, indivíduos que na sua vida real não deram uma para a caixa e que, por currículo académico livresco ou por artes e magias, são guindados a esses altos postos internacionais. Portanto não nos servem para conselheiros.

Outras vezes são indivíduos descaradamente corruptos, ao serviço das agendas dos grandes interesses financeiros especulativos mundiais. Portanto também não nos servem para conselheiros.

E outras vezes são apenas criados de governos estrangeiros, quer directa e secretamente investidos nessa missão por esses governos, quer através de órgãos internacionais dominados pelos referidos interesses, como o FMI, a OCDE, o BCE, a actual União Europeia e outros. Portanto também não nos servem para conselheiros.

A questão importante na discussão que se trava sobre os conselhos da OCDE não é saber se o sujeito que deu a cara tem razão nisto ou naquilo, se nos dá um ou outro bom conselho. Pode falar à vontade. Pode dizer as asnidades que lhe vierem à cabeça. Pode defender os interesses que quizer, coincidindo ou não com os interesses de Portugal. Devemos ouvi-los, aprendendo ou sorrindo.

A questão importante é simples.

(1) A primeira questão importante é a independência de Portugal para se governar a si próprio. A rejeição de toda e qualquer política de subserviência perante o estrangeiro. Este espírito deve estar presente mesmo na situação de crise e especialmente em negociações para ultrapassá-la.

(2) A segunda questão importante é a competência e seriedade de um governo verdadeiramente nacional para governar no interesse de Portugal e dos Portugueses. O que significa varrer do espectro partidário os protagonistas da desgraça a que se chegou.


É assim que devemos olhar para as altas autoridades que opinam sobre Portugal, sejam elas estrangeiras e estrangeiradas.





terça-feira, 15 de julho de 2014


Conúbio entre poder e direito.

A disputa entre Lotário II e Nicolau I
sobre o matrimónio.

Uma casuística tirada da história. (5)



Cardeal Walter Brandmüller


5. CONCLUSÃO

Na conclusão a partir da argumentação apenas exposta, consenti que responda a uma possível objecção que algum ou outro possa levantar e que corresponde ao esquema interpretativo de uma «história dos vencedores», mais próxima do pensamento histórico marxista. Com isto quer-se dizer que o desenvolvimento efectivo da doutrina, do sacramento e da constituição da Igreja não deveria desenvolver-se de forma necessária, ou seja, por força das coisas, como de facto se desenvolveu. Que outras perspectivas, talvez opostas, não tenham conseguido impor-se, isso seria apenas o resultado das conjunturas históricas, ou seja, de relações de poder, casuais. Este modo de considerar os acontecimentos da história da Igreja, e os resultados dos mesmos, consentiria tomar estes últimos como produtos meramente casuais da relatividade que lhes seria própria. Por outras palavras, poderiam ser mudados em qualquer momento e enveredar por outras vias.

Isto no entanto não é possível se na base se colocar a compreensão autenticamente católica da Igreja, como vem expressa na constituição Lumen Gentium do Concílio Vaticano II.

Para tal fim é necessário – como já foi observado – que a Igreja possa estar certa da ajuda constante do Espírito Santo, que é o seu princípio vital mais íntimo, a garantir e a operar a sua identidade não obstante todas as mudanças históricas.

Assim portanto, o desenvolvimento efectivo do dogma, do sacramento e da hierarquia do direito divino não são produtos casuais da história, mas são guiados e possibilitados pelo Espírito de Deus. Por isto tal desenvolvimento é irreversível e aberto só na direcção de uma compreensão mais completa. A tradição, em tal sentido tem, portanto, carácter normativo.

No caso examinado, isto significa que a respeito dos dogmas da unidade, da sacramentalidade e da indissolubilidade, radicados no matrimónio entre dois baptizados, não há volta atrás a não ser que se os considere – coisa que é de rejeitar – como um erro do qual seria preciso emendar-se.

O modo de agir de Nicolau I na disputa sobre o novo matrimónio de Lotário II, tão consciente dos princípios quanto inflexível e impávido, constitui uma etapa importante no caminho para a afirmação do ensinamento sobre o matrimónio no âmbito cultural germânico.

O facto que o Papa, como também os seus vários sucessores, em ocasiões análogas, se tenha demonstrado advogado da dignidade das pessoas e da liberdade dos mais desprotegidos – na maior parte dos casos eram mulheres – fez merecer a Nicolau I o respeito da historiografia, a coroa da santidade e o título de «Magno».






Conúbio entre poder e direito.

A disputa entre Lotário II e Nicolau I
sobre o matrimónio.

Uma casuística tirada da história. (4)


Cardeal Walter Brandmüller


4. APRENDER COM A HISTÓRIA

Se a história, e também a história da Igreja, não se contenta com o facto de aparecer como uma pequena recolha de episódios mais ou menos edificantes – e de tanto em vez também divertidos ou escandalosos – mas pelos seus resultados pretende ter relevância teológica, então é necessário perguntar-se acerca das conclusões teológicas emergentes do debate sobre o matrimónio de Lotário II acabada de narrar. No entanto não será possível desenvolver aqui um aspecto dos acontecimentos citados, ou seja a pergunta sobre o tipo e sobre a extensão do exercício da jurisdição papal por parte de Nicolau I. Limitar-nos-emos portanto às afirmações que possam ser feitas a respeito da compreensão acerca da indissolubilidade do matrimónio.

Ernst Daßmann escreve a propósito da atitude da Igreja cristã dos primórdios sobre este ponto: «Uma consequência que dificilmente pode ser desvalorizada na configuração do matrimónio e na vida familiar cristã deu-se através da proibição absoluta do adultério que valia em igual medida para homem e mulher, como também o direito à vida da criança, também esse reconhecido sem limitações. Por princípio era rejeitado também o divórcio; todavia a este respeito o juízo variava sobre o modo em que devia comportar-se a parte cristã no caso de adultério do homem ou da mulher e se ao cônjuge traído ou abandonado deveria ser permitido um novo matrimónio». Como já se disse, no entanto, o problema colocava-se só no caso de matrimónio entre baptizados e não baptizados. Esta norma autenticamente cristã não chocava apenas com a realidade da vida na sociedade antiga mediterrânica greco-romana. Uma situação análoga resultava igualmente quando a compreensão sacramental, e portanto a exigência de unidade e de indissolubilidade do matrimónio cristão, incindível daquela, era colocada em confronto com as estruturas sociais pré-cristãs do âmbito cultural germânico-céltico.

Teve assim início também um processo no curso do qual o conceito cristão de matrimónio procurou impor-se sobre as formas e sobre as normas matrimoniais pré-cristãs transmitidas pelas populações entretanto convertidas à fé em Cristo. Considerando a posição social das pessoas envolvidas no caso tomado em exame e as dimensões do conflito, que abraçava quer a política quer a Igreja, não é exagerado considerar o debate acerca do matrimónio do rei franco uma pedra milenar no longo processo de afirmação das normas matrimoniais cristãs.

Ao ensinar as diversas etapas do processo, notamos que sob o aspecto fundamental, o teológico, não havia dúvidas. Mas eram grandes as incertezas acerca da aplicação do ensinamento cristão acerca do matrimónio a casos concretos, que continuavam a apresentar-se numa situação social caracterizada pela tradição pagã.

De facto, a este propósito, encontramos, bispos e sínodos que acreditavam ter o poder de dissolver matrimónios e de consentir outros novos, exactamente como aconteceu no facto apenas descrito. Esta observação poderia levar-nos a recordar uma fórmula forjada pela canonística iluminista: «Olim non era sic», antigamente não era assim.

Aplicado ao presente: «Antigamente existia uma autorização para voltar a casar depois do divórcio». Haverá, portanto, um motivo que impede, na situação actual e perante as dificuldades pastorais do presente, determinar uma posição já tomada no passado é admitir uma práxis «mais humana» – como hoje se diria – do divórcio e de novo matrimónio?

Coloca-se deste modo uma pergunta de grande peso teológico. A sua importância emerge quando lembramos que já no âmbito da teologia ecuménica se argumentou de forma análoga. Não se poderia – esta é a questão naquele âmbito – convencer mais facilmente a Igreja ortodoxa à reunificação se se voltasse ao estado de relação entre Oriente e Ocidente antes das excomunhões de 1054?

Já em meados do século XVII, além disso, foi chamado em causa – mais precisamente pelos teólogos da assim chamada ortodoxia luterana e da escola de Helmstädt, mais próxima de Melancton – o modelo de reunificação do «consensus quinquesaecularis», ou seja, do retorno à situação da doutrina da fé é da igreja vigente nos primeiros cinco séculos a respeito da qual hoje não existiriam controvérsias.

Ideias verdadeiramente fascinantes! Mas será que oferecem uma chave para resolver o problema? Só em aparência. Não foi por acaso que a história as ignorou e a sua legitimação teológica se apoia sobre pés de barro. A tradição, no sentido técnico e teológico do termo não é uma feira de antiguidades onde se possa escolher e adquirir determinados objectos ambicionados!

«traditio –paradosis» é, em vez disso, um processo dinâmico de desenvolvimento orgânico conforme – seja-me permitida a comparação – ao código genético ínsito na Igreja. Trata-se no entanto de um processo que não encontra correspondência adequada na história profana das formas sociais humanas, nos estados, nas dinastias e assim por diante. Exactamente como a Igreja é uma sociedade «sui generis» não objecto de analogias, também as suas escolhas de vida não são comparáveis, «sic et simpliciter», com as das comunidades puramente humanas e mundanas.

Aqui são decisivos os dados da Revelação divina. Desta resulta a indefectibilidade da Igreja, ou seja o facto de que a Igreja de Cristo, no que respeita ao seu património de fé, os seus sacramentos e a sua estrutura hierárquica fundada sobre a instituição divina, não pode ter um, desenvolvimento que coloque em perigo a sua própria identidade.

Sempre que se tome a sério na fé a acção do Espírito Santo, que habita na Igreja e que, segundo a promessa do Divino Mestre, a guiará até à verdade toda inteira, aparece como óbvio que o princípio «olim non erat sic» não pertence à estrutura da Igreja e, portanto, não pode ser determinante em relação a ela.

Mas se os sínodos acima mencionados, então, efectivamente autorizaram Lotário II a voltar a casar, não seria também aquela decisão guiada pelo Espírito Santo? Não seria talvez uma expressão da «traditio»?

A isso responde a pergunta sobre a forma concreta e a competência daqueles sínodos. É verdade que eles não tomaram decisões doutrinais, nem emanaram leis, e todavia, pretenderam julgar, e isto não em matéria puramente jurídica, mas sim sacramental. No caso examinado aqueles sínodos de facto não eram livres, e dada a pressão exercida pelo rei, deviam indubiamente ser considerados de parte ou até mesmo corruptos. A sua dependência de Lotário II levou a uma condescendência tal acerca dos desejos do rei, que levou os bispos até a violar o direito e a corromper os legados pontifícios.

Tendo em conta as circunstâncias e outras irregularidades, era evidente que aqueles sínodos tinham feito tudo menos administrar a justiça. Exactamente deste género de experiências é que derivou a norma de direito canónico que retira aos tribunais eclesiásticos territoriais a competência para as causas respeitantes aos detentores de poder máximo do Estado e indica como único foro competente o tribunal do Papa (Código de Direito Canónico, cânone 1405). No caso ilustrado, acrescenta-se como ulterior critério decisivo a valoração negativa, sem cumplicidades, do Papa sobre tais sínodos, sobre o seu modo de proceder e sobre o seu juízo final. Não se pode portanto pensar sequer remotamente que semelhantes assembleias possam ser um lugar onde colher a tradição autêntica e vinculativa da Igreja.

É certo que não só os concílios gerais mas também os sínodos particulares podem formular a «traditio» de forma vinculante. No entanto podem fazê-lo apenas na medida em que correspondam eles mesmos às exigências quer formais quer de conteúdo da tradição autêntica. Isto, no entanto, – é importante sublinhar – não era o caso no que respeita às assembleias de bispos aqui examinadas.







Conúbio entre poder e direito.

A disputa entre Lotário II e Nicolau I
sobre o matrimónio.

Uma casuística tirada da história. (3)


Cardeal Walter Brandmüller


3. O CENÁRIO JURÍDICO

Após esta descrição sintética dos acontecimentos será examinado o cenário no qual se desenvolveram.

Para fazê-lo é necessário primeiro observar que o matrimónio entre Lotário II e Teutberga tinha sido contraído por motivos políticos. O rei ligava-se de tal modo com a casa nobiliar que, na região dos vales alpinos, controlava importantes pontos estratégicos. Podia assim esperar melhorar a própria posição de partida com uma intervenção no território dos burgúndios. O irmão de Teutberga era, além disso, abade leigo no convento de S. Maurice d'Agaune, situado numa posição estratégica. A outra esperança nutrida por Lotário, ou seja, a de expulsar o irmão menor Carlos de Borgonha para subir ao trono, foi no entanto frustrada quando o Papa Bento III conseguiu resolver de modo pacífico a luta entre os dois irmãos no ano a seguir ao matrimónio de Lotário com Teutberga.

Assim, a razão política do matrimónio tinha-se tornado inconsciente. A isto juntavam-se a antipatia pessoal e talvez ainda um conflito profundamente radicado, com a família de Teutberga. Lotário voltou de novo para junto de Gualdrada, com a qual tinha vivido anteriormente em relação de Friedelehe, da qual tinham nascido um filho de nome Hugo e diversas filhas.

Coloca-se por isso a questão sobre a qualidade jurídica, e portanto, também sacramental, desta primeira união. Se se tratasse de um matrimónio juridicamente válido e portanto sacramental, o matrimónio com Teutberga teria sido impossível logo à partida. Isso, no entanto, pode ser excluído, uma vez que Lotário tem um contrato válido de matrimónio com Teutberga.

O que era então a Friedelehe de Lotario com Gualdrada?

A literatura da história do direito não oferece um quadro claro e inequívoco. Pode no entanto estabelecer-se o quanto segue: a Friedelehe – de friedila, ou seja amante, consorte – realizava-se através do consenso entre homem e mulher, o Brautlauf (termo com o qual se definiam os usos esponsais), e o concúbito. Com esta forma de comunhão o homem não obtinha a Munt, ou seja a potestade conjugal sobre a mulher. Não era pago um Muntschatz; era portanto um matrimónio sem dote. Todavia, a mulher recebia a Morgengabe, um presente precioso oferecido na manhã seguinte. Em particular a Friedelehe era escolhida – falamos aqui no âmbito jurídico germânico – quando havia disparidade de classes, quando o homem passava a fazer parte da família da mulher através do matrimónio ou em caso de rapto. Este tipo de matrimónio existia também como matrimónio secundário. É portanto neste tipo de relação que conviviam Lotário e Gualdrada.

Deste se distinguia substancialmente a assim chamada Muntehe, fundada sobre um contrato entre duas famílias implicadas, ou seja entre o esposo e o pai ou o tutor da esposa. Em tal caso, o esposo recebia a Munt da mulher, ou seja a tutela, e como contrapartida pagava o Muntschatz, isto é, o dote, também chamado Wittum, (contra-dote). A conclusão desse contrato era seguida por uma série de actos jurídicos: a entrega solene da mulher, o acompanhamento dela até à casa do esposo (o chamado Brautlauf) e o concúbito. Através deste tipo de matrimónio, a mulher assumia a posição de patroa da casa e na manhã a seguir à primeira noite de núpcias recebia a Morgengabe.

Era isto que estava em vigor no âmbito jurídico franco-germânico. E era precisamente esta a situação perante a qual se encontrou a Igreja no seu esforço por fazer valer a exigência de Cristo da unidade e indissolubilidade do matrimónio. A luta da Igreja por uma civilização e por uma cristianização do matrimónio não deveria recomeçar somente junto dos Germanos. Foi uma luta que – por motivos que aqui nãe estudamos – começou relativamente tarde. Só Bonifácio conseguiu, com o apoio dos príncipes francos Carlos Magno e Pepino, fazer com que a lei de Deus adquirisse valor universal. Os numerosos sínodos para a reforma, convocados por Bonifácio, proporcionaram um foro adequado a tal fim. A partir daquele momento se impôs o princípio formulado por Bento o Levita: «Nullum sine dote fiat coniugium nec sine publicis nuptiis quisquam nubere praesumat» (nenhum matrimónio deverá ser contraído sem dote, e ninguém deve ousar casar sem núpcias públicas».

Embora se possa afirmar que a Muntehe, o matrimónio contratual, finalmente prevaleceu, ficam muitas dúvidas sobre se com isto a Friedelehe foi abandonada. Paul Mikat vê nisto uma desiderato urgente da investigação e Werner Ogris, no manual de História do Direito Alemão (Handwörterbuch zur deutschen Rechtsgeschichte), não obstante toda a incerteza sobre os pormenores, sustenta que «a existência, no âmbito germânico, de um matrimónio morganático sem dote e sem potestade, dificilmente pode ser fundamentadamente posta em dúvida».

Entretanto, exactamente por influência da Igreja, o desenvolvimento foi na direcção do facto de que «a Friedelehe se distinguisse cada vez mais da Muntehe, e acabou necessariamente por aproximar-se da união sexual não conjugal». Indicativo disto mesmo é a utilização indistinta da palavra concubina quer para a mulher na Friedelehe quer para a verdadeira concubina.

Dadas as circunstâncias era urgentemente necessário verificar, no caso específico de Lotário, se antes de ter contraído matrimónio com Teutberga ele tinha contraído um matrimónio secundum legem et ritum (segundo a lei e o rito) com Gualdrada, como Nicolau pediu que fosse feito pelos seus legados. Ele insistiu de modo particular sobre a dotação e sobre a consagração do matrimónio: «Informa-nos o mais depressa possível se o rei desposou Gualdrada com a apresentação e entrega do dom nupcial perante testemunhas, segundo o direito e o costuma, e se Gualdrada lhe foi dada em matrimónio publicamente».

Por outro lado, não dispomos de nenhuma fonte a testemunhar que a Igreja tivesse alguma vez reconhecido uma Friedelehe como matrimónio. E isto encontra confirmação no facto de que não foi levantada nenhuma objecção por parte da Igreja quando Lotário, depois de se ter separado de Gualdrada, contraíu matrimónio com Teutberga.

Paul Mikat conclui desta forma a sua profunda análise Dotierte Ehe – rechte Ehe de 1984: «O desenvolvimento do direito matrimonial em época franco-merovíngia e também nos séculos seguintes mostra quanto fosse difícil para a Igreja fazer valer entre os germanos a sua concepção de matrimónio e o seu direito matrimonial. No processo de afirmação, uma função particular coube ao direito sobre a celebração do matrimónio que, no entanto a Igreja enfrentou só tardiamente com hesitação. Não dispunha de um modelo para a celebração do matrimónio eclesial e podia aceitar o direito vigente sempre que este representasse uma forma de matrimónio que a Igreja pudesse reconhecer plenamente do ponto de vista teológico, ou seja, quando a forma do matrimónio correspondia aos princípios da indissolubilidade e da comunidade de vida monogâmica. Os desenvolvimentos que se deram desde meados do século VIII confirmam claramente o carácter funcional que a Igreja atribuía ao direito sobre a celebração do matrimónio; eles demonstram que a influência da Igreja sobre o direito relativo à celebração do matrimónio era intimamente ligada ao seu esforço por fazer valer a sua compreensão do matrimónio».

Partindo destes pressupostos, não se pode considerar senão como coerente o facto de Nicolau I ter definido como grave impiedade a tentativa de contrair uma Muntehe com Gualdrada. Fez isto nada menos do que para satisfazer as exigências da justiça e por isto ordenou uma atenta investigação através do já mencionado sínodo de Metz e dos seus legados, Radoaldo e João. O seu encargo era, antes de mais, o de descobrir se a afirmação de Lotário de que tinha recebido Gualdrada como mulher da parte do seu pai era correcta. Tal seria o caso se Lotário tivesse tomado Gualdrada como mulher «depois de ter havido a entrega do dom nupcial perante duas testemunhas, segundo o direito e o costume». Se tivesse sido este o caso, surgia a pergunta de que porque é que depois a tinha repudiado e tinha casado com Teutberga. Se no entanto, Lotário afirmava ter casado com Teutberga por medo, então era preciso perguntar-se como é que um rei tão poderoso tinha chegado a transgredir o mandamento de Deus por medo de um homem, e cair tão em baixo.

Se, em vez disso fosse claro que Gualdrada não era de facto sua legítima consorte, porque não era casada com Lotário de acordo com os usos e com a bênção de um sacerdote, os legados teríam devido fazer compreender ao rei que devia retomar Teutberga, se esta estivesse sem culpa. Ele não deveria seguir a voz da carne, mas sim obedecer ao mandamento de Deus. Deveria isso sim temer apodrecer na lama da luxúria tendo seguido o próprio querer e lembrar que teria que prestar contas diante do trono do Juiz. O Papa, além disso, transmitiu aos legados que Teutberga já se tinha dirigido três vezes à Sé Apostólica, lamentando-se de ter sido afastada injustamente e declarando que tinha sido coagida a uma confissão falsa. Se Teutberga acolhesse o seu convite para apresentar-se ao sínodo, os legados deveriam examinar em consciência a sua causa. Se ela confirmasse a acusação de ter sido coagida à referida confissão, isto é, de ter sido condenada por juízes injustos, esses então deveriam decidir segundo a equidade e a justiça, para que ela não viesse a ser esmagada pelo peso da injustiça.

Em tudo isto Nicolau – e este é um aspecto interessante – não ignora de forma alguma o destino de Gualdrada. Acusa Lotário, de facto, de se ter comportado também para com ela de forma celerada. Em seguida, muitos bispos receberam cartas da parte do Papa, em que eram convidados a exercer a sua influência sobre Lotário para o fazer voltar ao caminho recto. A este último escreveu em finais de 863: «Cedeste tanto aos impulsos do teu corpo, que soltaste as rédeas da tua vontade. Assim tu próprio, que estás colocado como guia do teu povo te tornaste para muitos causa de ruína!». Uma vez que estes e outros avisos foram vãos, quer Lotário quer Gualdrada foram excomungados; esta última em 13 de Junho de 866. No ulterior curso das questões que não puderam ser resolvidas durante a vida de Lotário II, a posição do Papa não mudou sobre nenhum ponto.

Se examinarmos na sua globalidade a tomada de posição de Nicolau I e de Incmaro de Reims nesta causa, torna-se evidente que um e outro seguem a corrente da tradição jurídica canónica e da fé na unidade e na indissolubilidade do matrimónio sacramental.

Emerge ainda um outro dado: na medida em que a Igreja conseguiu que esta concepção do matrimónio se afirmasse, o matrimónio perdeu toda a função utilitarista.

Embora nunca tenha sido possível evitar que fossem celebrados matrimónios (simulados) ao serviço de interesses políticos, dinásticos ou até financeiros, naqueles lugares onde a dignidade da pessoa e os direitos pessoais das mulheres eram sacrificados, enquanto que os homens se sentiam impelidos a romper o matrimónio com uma mulher não amada, seja Incmaro de Reims, seja sobretudo Nicolau I propõem a dignidade e os direitos de uma mulher acima da arbitrariedade de um poderoso. Incmaro, fazendo referência ao direito canónico, sublinha expressamente que mesmo a esterilidade da esposa não pode ser um motivo para dissolver um matrimónio válido, e menos ainda para contrair um novo matrimónio.

Por sua vez, Nicolau, que não ignorava de forma alguma as culpas de Gualdrada, considera-a, no entanto uma vítima da paixão de Lotário. Através das explicações muito eficazes contidas numa carta de 30 de Outubro de 867 a Ludovico, tio de Lotário, o Papa dá um ulterior testemunho da sua visão personalista do matrimónio, quase anacrónica para aquela época. Pede a este tio que exerça a sua própria influência sobre Lotário, para que não só acolha Teutberga novamente como mulher e lhe restitua os seus direitos, o que já tinha sido alcançado graças ao legado Arsénio, mas que a trate também verdadeiramente como sua mulher. De que serve, pergunta Nicolau, se Lotário com os pés do próprio corpo deixa de se deslocar para Gualdrada enquanto que com os passos do espírito corre ao seu encontro? E de que serve se, separado externamente de Gualdrada, continua intimamente a estar fundido com ela? Enfim, também Teutberga não pode estar satisfeita com a proximidade física do marido se não existe proximidade espiritual, uma vez que Gualdrada continua a exercer o seu poder como se fosse ela a rainha!

Perante afirmações tão claras e nítidas é necessário precaver-se de um clichè que define a compreensão do matrimónio de amor fundamentado sobre uma ligação espiritual só como uma conquista da idade moderna. É precisamente esta tomada de posição de Nicolau I sobre o matrimónio de Lotário que mostra o quanto o conceito cristão de matrimónio se distinguia da visão – e da prática – germânica pré-cristã. Mesmo sobre a questão «mulher e Igreja», agora tanto na moda, desce uma luz até agora percebida com dificuldade.







Conúbio entre poder e direito.

A disputa entre Lotário II e Nicolau I
sobre o matrimónio.

Uma casuística tirada da história. (2)


Cardeal Walter Brandmüller


2. OS ACONTECIMENTOS

É necessário portanto perguntar antes de mais o que tinha acontecido. Antes de assumir o poder, no ano de 855, Lotário II tinha vivido numa relação dita Friedelehe – o termo será explicado de seguida – com uma certa Gualdrada (ou Waldrada), proveniente de uma família aristocrática ignota. Todavia, uma vez tornado rei, contraíu matrimónio formal com a irmã do margravio Uberto de Valles, que detinha o controlo sobre uma região da actual Suiça e era também abade titular de S. Maurice d'Agaune. Esta rainha chamava-se Teutberga (ou Teoberga). Dois anos depois, Lotário separou-se dela e voltou para Gualdrada, da qual provavelmente teve um filho de nome Ugo. Isto suscitou a oposição dos ambiente aristocráticos. Para demonstrar a sua inocência, Teutberga não hesitou em colocar-se sob o juízo de Deus como era costume naquela época.

No seu caso, a ordalia consistiria em extrair um objecto de uma panela cheia de água a ferver (o chamado Kesselfang). Uma vez que as queimaduras da pessoa que em sua vez se submeteu à prova curaram sem qualquer problema – este foi o sinal da sua inocência – ela saíu inocente do juízo divino. Lotário, portanto, pressionado pela sua aristocracia, acolheu novamente Teutberga mas sem prosseguir a comunhão matrimonial, e manteve-a sob rigorosa custódia de prisão. O processo tinha corrido perante um tribunal composto por nobres lotaríngios.

Lotário não aceitou de forma alguma este resultado, contestou a ordalia e arrastou a questão até um sínodo, que se teve em Janeiro de 860 em Aquisgrana. Diante deste sínodo, Lotário afirmou com voz mesta que a mulher tinha a intenção de entrar para o convento, considerando-se indigna do matrimónio com ele. O motivo aduzido para esta decisão foi o de que o rei tinha vindo ao conhecimento do facto de que, antes do matrimónio, Teutberga tinha cometido incesto com o seu irmão Uberto. A própria mulher o tinha confessado aos bispos, os quais, portanto tinham proibido a Lotário de prosseguir em matrimónio.

Durante o sínodo que se realizou em Aquisgrana no seguinte mês de Fevereiro, com um número mais elevado de participantes, Teutberga repetiu a sua confissão, pelo qual foi condenada à penitência pública e mandada para um convento. Mas em tudo isto não foi expresso nenhum juízo acerca da própria validade do matrimónio. Que aquela confissão pudesse corresponder à realidade surge, de facto, como bastante dúbio. Mais depressa se deve presumir que foi feita sob forte pressão da parte de Lotário. Os contemporâneos, pelo menos, estavam convencidos disso mesmo.

Teutberga, entretanto, conseguiu fugir e alcançar o seu irmão Uberto, que se tinha dirigido a Carlos o Calvo no Reino dos Francos ocidentais, para pedir protecção e sustento.

A este ponto interveio Incmaro, figura dominante da Igreja Franca na segunda metade do século IX. Desde 845 arcebispo muito influente de Reims, graças à actividade legislativa e política e, sobretudo, à obra pastoral cheia de zelo, tinha alcançado um papel de guia no meio do episcopado franco. A ocasião para intervir nesta questão matrimonial de Lotário foi-lhe entregue pelos bispos lotaríngios e pelos nobres do Reino, apresentando-lhe uma série de perguntas a respeito, às quais Incmaro respondeu com o escrito De divortio Lotharii et Teutbergae. Esta preciosa obra, cuja edição crítica apareceu pela primeira vez em 1990, é endereçada ao rei da estirpe carolíngia, aos outros bispos e a todos os fiéis, e foi emanada em nome dos bispos sufragâneos da província eclesiástica de Reims. Nessa, o douto canonista explica, apoiando-se na Sagrada Escritura, nos seus exegetas – os Padres – o direito canónico e também civil. A substância das suas explicações é o conceito de que ninguém pode casar de novo, enquanto estiver em vida o seu legítimo consorte. Assim a disputa foi elevada a princípio. Incmaro pediu, portanto um processo contra Lotário por adultério e Teutberga apelou ao Papa.

Vendo-se desta forma em apertos, Lotário reuniu um novo sínodo em Aquisgrana, no final de Abril de 862, novamente constituído só por bispos do seu domínio. Estes consentiram permitir ao rei um novo vínculo matrimonial, uma vez que aquele que existia com Teutberga deveria ser considerado nulo por causa da já referida relação incestuosa. Para este efeito fizeram referência à proibição dos matrimónios incestuosos, sancionada no cânone 30 de Epaone em Borgonha (ca. 517). Obviamente de má fé porque Teutberga mesmo que tivesse tido uma relação incestuosa, certamente não a tinha tido com Lotário.

Parece que no interior do sínodo tivesse existido uma vã oposição contra este mais do que discutível procedimento. De facto, juntamente com este foi transmitida também uma perícia que levava a um juízo oposto. De todos os modos, no final de 862 Lotário casou oficialmente com Gualdrada e fez com que ela fosse coroada rainha.

Chegados a este ponto, intervém o Papa após os múltiplos pedidos de ajuda que Teutberga lhe tinha dirigido. Convocou um sínodo para se realizar em Metz em Junho de 863, sob a presidência de legados pontifícios, para o qual convidou expressamente sobretudo os bispos das francofonias ocidental e oriental. A sua intenção, no entanto, foi tornada vã, uma vez que participaram novamente os bispo lotaríngios. Todavia, as fontes que nos chegaram não permitem traçar um quadro claro dos acontecimentos. De qualquer modo, mais uma vez a decisão foi favorável a Lotário.

Com este resultado, os bispos lotaríngios Tilgaldo de Treveri e Guntero de Colónia deslocaram-se a Roma, certos de conseguir fazer valer, apresentando-se pessoalmente ao Papa, o seu ponto de vista, ou seja, o de Lotário. O facto de Nicolau os ter feito esperar três semanas sem os receber provavelmente desmoronou neles, em parte, a certeza da vitória. No entanto, o Papa convocou um sínodo ao qual Tilgaldo e Guntero foram chamados somente para receber a sua sentença de deposição com excomunhão. As decisões do sínodo de Metz, que Nicolau comparou ao do famigerado confronto de Éfeso, foram cassadas e os seus participantes igualmente destituídos, oferecendo-lhes a possibilidade de pedir a graça, uma vez que foram meros coniventes. Algumas das suas cartas de pedido de desculpa dirigidas a Nicolau I chegaram até nós.

Profundamente indignados, os arcebispos refugiaram-se junto do Imperador Ludovico II, que estava a residir em Benevento, conseguindo convencê-lo a passar para o lado de Lotário. Em Fevereiro de 864 entrou em Roma com o seu exército.

Privo de qualquer protecção militar, Nicolau I mandou fazer jejum e ordenou rogações para implorar a ajuda do Céu. Uma das procissões foi assaltada pelo exército de Ludovico enquanto se dirigia para São Pedro, os participantes foram maltratados, as cruzes foram despedaçadas e as insígnias religiosas rasgadas, mas sobretudo, uma relíquia da Cruz foi lançada na lama. Perante esta aberta violência, o Papa refugiou-se, em segredo, junto do túmulo de São Pedro onde passou dois dias e duas noites em oração, sem água nem alimento.

Entre os romanos cresceu visivelmente a indignação por tudo isto e quando a pessoa que tinha ultrajado a relíquia da Cruz morreu de improviso e o próprio Ludovico foi colhido pela febre, o Imperador foi lesto a mostrar-se conciliador. Graças à mediação da imperatriz Engelberga, realizou-se um colóquio olhos nos olhos entre o Papa e o Imperador, que a partir daquela altura abandonou os dois arcebispos que o tinham enredado na questão e aceitou o juízo do Papa sobre Lotário e o seu matrimónio. Tilgaldo e Guntero aos quais ordenou voltar à Alemanha sem lhes ter levantado a excomunhão, antes de partir para o norte redigiram uma carta de protesto contra Nicolau I, de cuja linguagem altiva emergia que o objectivo deles era criar uma Igreja Nacional independente de Roma. Guntero de Colónia encarregou o seu irmão clérigo Ilduíno de entregar a carta ao Papa ou no caso de este recusar, de a depor sobre a confessio de São Pedro.

E porque foi isto mesmo que aconteceu, Ilduíno, em conjunto com um grupo de homens armados, deslocou-se a São Pedro onde os clérigos da basílica procuraram impedir o seu intento. Desembainharam as espadas, feriram um que caiu por terra, lançaram o libelo sobre a confessio e fugiram da basílica, abrindo caminho à força de armas.

A permanência do Imperador em Roma foi acompanhada de assassinatos, incêndios, assaltos e outras semelhantes atrocidades. Escreve Gregorovius: «No entanto, tal tempestade não quebrou a força de Nicolau. Com a firmeza de um antigo romano, aquele espírito brioso e forte manteve-se de pé. Ameaçou com as flechas da excomunhão e estas foram temidas como verdadeiros raios fulminantes: os bispos da Lotaríngia enviaram as suas declarações penitentes ... o seu legado, com uma das mãos conduziu ao rei que se retraía diante da seta da excomunhão, à consorte repudiada e, com a outra, lhe afastou a amante». Assim a questão foi resolvida, não, de facto, de modo definitivo mas ao menos a princípio.







Conúbio entre poder e direito.

A disputa entre Lotário II e Nicolau I
sobre o matrimónio.

Uma casuística tirada da história. (1)



Cardeal Walter Brandmüller

(Tradução para português por P. António Figueira)


SUMÁRIO

1. Premissa.
2. Os acontecimentos.
3. O cenário jurídico.
4. Aprender com a História.
5. Conclusão.


1. PREMISSA

A queda do Império de Carlos Magno no Ocidente e o cisma em relação a Roma do Patriarca Fócio de Constantinopla caracterizam o contexto político-eclesial em que se insere a disputa que, entre 855 e 869, sacudiu o reino e a Igreja e levou até o Imperador Ludovico a invadir Roma com o seu exército.

Esta disputa sobre o matrimónio deixou um rasto tão profundo na consciência dos contemporâneos que, ainda hoje, sejam as fontes, sejam as investigações acerca daquele rei franco são inteiramente dominadas pelo seu confronto com o influente arcebispo Incmaro de Reims e, sobretudo, com Nicolau I.

Na pessoa daquele Papa, o rei dos Francos encontrou um homem de extraordinária grandeza espiritual e de carácter. Até o próprio expoente da historiografia pontifícia nacional-liberal protestante Ferdinand Gregorovius escreveu a tal respeito: «Esta tragédia – a desgraça de uma rainha e a triunfante insolência de uma concubina real – agitou países e povos, Estado e Igreja, e deu ao Papa a ocasião de ser elevado a uma altura, em que foi envolvido por um esplendor maior do que aquele que lhe poderiam ter fornecido os dogmas teológicos. A atitude de Nicolau I perante este escândalo real foi magna e firme, a autoridade sacerdotal aparecia nele como um poder moral que salvava a virtude e punia os pecados... em um tempo bárbaro ...».





segunda-feira, 14 de julho de 2014


Ex-autarca e vice-presidente do PSD-Lisboa

acusado por corrupção


José António Cerejo, Público, 10 de Julho de 2014

O ex-presidente da Junta de São Domingos de Benfica, até agora adjunto do secretário de Estado do Emprego, e o seu pai, presidente da Junta das Avenidas Novas, foram acusados pelo Ministério Público por corrupção passiva.

Parte da acusação refere-se a obras feitas no Jardim de Infância no Bairro Grandella

Rodrigo Gonçalves, vice-presidente da concelhia do PSD de Lisboa e até agora adjunto do secretário de Estado do Emprego, e o seu pai, Daniel Gonçalves, presidente da Junta de Freguesia das Avenidas Novas, em Lisboa, foram acusados no passado dia um por corrupção passiva para acto ilícito, em dois casos relacionados com a Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica de que o primeiro foi presidente até ao Verão passado.

O despacho da 9.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa acusa também um antigo fiscal da Junta de São Domingos de Benfica, um empresário de construção civil e um dirigente de uma associação de moradores de crimes de corrupção e peculato.
O filho. Rodrigo Gonçalves.
Protegido-aliado de Carlos Carreiras.
Ex-Presid. da JF de S. Domingos de Benfica.
Até há 2 dias adjunto do Sec. Estado do Emprego.
Vice-Pres. da Comissão Política Distrital de Lisboa do PSD.
Uma parte dos factos que sustentam a acusação, revelada pelo PÚBLICO em 2008, prende-se com a adjudicação à firma Better Building de um conjunto de obras efectuadas em 2006 na sede da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica e com o destino dado a dois subsídios, no valor de 75.000 euros, atribuídos pela Câmara de Lisboa e pela junta à Associação de Moradores de São Domingos de Benfica, em 2005 e 2006.

Uma outra parte da acusação tem a ver com uma alegada exigência de dinheiro feita por Rodrigo Gonçalves na mesma época, através do fiscal Carlos Vicente (militante da secção do PSD então dirigida pelo ex-autarca), à empresa de manutenção de espaços verdes Cupressus que tinha um contrato com a junta. Essa exigência, que consistia no pagamento de 2 000 euros mensais, não terá sido aceite pelo sócio-gerente da empresa.

Já no caso das obras na sede da autarquia, o Ministério Público diz que Rodrigo Gonçalves combinou com o dono da Better Building, Armando Pinto de Abreu, que aquele lhe pagaria, por intermédio de Carlos Vicente e do seu pai, Daniel Gonçalves, uma determinada quantia em troca da adjudicação da empreitada. Esse pagamento, no valor de cerca de 6 000 euros, veio a ser feito em numerário e entregue num envelope a Carlos Vicente que, segundo a acusação, o entregou a Daniel Gonçalves, conforme combinado, para que este o entregasse ao filho.

Quanto aos subsídios atribuídos à associação de moradores para a reabilitação de um jardim de infância que aquela associação possuía no Bairro Grandella, na Estrada de Benfica, a procuradora-adjunta Andrea Marques concluiu que só uma parte deles acabou por servir para pagar as obras, igualmente executadas pela Better Building sem qualquer contrato. O remanescente, no montante de cerca de 27 000 euros, terá sido desviado para proveito próprio por Carlos Valente (actualmente residente na Suiça), que terá ficado com 21 500 euros, e por Albino da Silva, o presidente da associação de moradores que se terá aproveitado de perto de 5 500 euros.
O pai. Daniel Gonçalves.
Actualmente Pres. da JF das Avenidas Novas.
Por ter pago os 6 000 a Rodrigo Gonçalves, Armando Pinto de Abreu foi acusado por um crime de corrupção activa para acto ilícito, enquanto que Carlos Vicente foi acusado de dois crimes de corrupção passiva para acto ilícito e Albino da SIlva de um crime de peculato.

No caso de Rodrigo Gonçalves, o Ministério Público requereu ao tribunal que lhe fosse aplicada a pena acessória de proibição do exercício de funções públicas que envolvam a competência para autorizar a realização de despesa com a aquisição de bens e serviços.

O PÚBLICO tentou ouvir Rodrigo Gonçalves, deixando recados no gabinete do secretário de Estado do Emprego, mas não obteve resposta até agora. O gabinete do ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, por seu lado, respondeu apenas que  Rodrigo Gonçalves «não integra o Gabinete do Secretário de Estado do Emprego desde o dia 8 de Julho.»

A acusação, recorde-se, é do dia 1 deste mês.

O presidente da concelhia de Lisboa do PSD, Mauro Xavier, escusou-se a pronunciar-se sobre a manutenção ou não de Rodrigo Gonçalves no lugar de vice-presidente uma vez que ainda não conhece a acusação do Ministério Público.

Já Daniel Gonçalves respondeu, por email, o seguinte: «Relativamente a qualquer acusação que me envolva, considero que a mesma só pode ser um erro grosseiro do Ministério Público.»

Rodrigo Gonçalves, que é também membro da Assembleia Municipal de Lisboa, está a ser julgado desde há alguns meses pelo crime de «ofensa à integridade física» do seu colega de partido e ex-presidente da Junta de Freguesia de Benfica, Domingos Pires. A agressão pela qual está a ser julgado ocorreu, segundo o despacho de pronúncia, em 2009, altura em que Domingos Pires tinha 71 anos e o arguido 35.
Domingos Pires,
ex-Presidente da JF de Benfica,
com as marcas da agressão.
Julgamento a decorrer.
As alegações finais deste julgamento, que terá ainda uma audiência na próxima terça-feira e outra no dia 12 de Agosto, estão marcadas para 5 de Setembro.