sábado, 28 de junho de 2014


Amor mais fraco que o comércio


Francis J. Beckwith

Até há pouco tempo o casamento era concebido universalmente como sendo constituído de três características essenciais: conjugalidade, permanência e exclusividade. As leis em vigor reflectiam, no geral, este conceito.

A conjugalidade refere-se à forma como o casamento é consumado: coito entre esposos masculino e feminino. A permanência refere-se ao facto de o casamento não poder ser dissolvido (ou anulado) sem que certas condições específicas sejam cumpridas ou um dos parceiros morra. A exclusividade refere-se ao facto de os esposos não poderem ter relações de intimidade sexual fora do casamento.

A conjugalidade só é uma condição devido à natureza da relação sexual, que se destina à criação de prole através da união dos dois corpos. É por isso que apertos de mão, abraços, beijinhos e outras formas de toque, penetração ou intimidade não preenchem este requisito.

É também por isto que é errado dizer-se que todas estas outras formas de relacionamento são indistinguíveis daqueles actos conjugais que, devido a doença ou idade, não podem gerar filhos. Estes actos, embora estéreis, não deixam de ser actos conjugais, da mesma maneira que um homem não deixa de ser um animal racional só porque se encontra em coma e deixou de poder exercer as suas faculdades racionais.

Tal como o doente ainda possui dignidade humana apesar de não conseguir exercer as suas capacidades humanas, o acto conjugal estéril entre um marido e a mulher possui a mesma dignidade, precisamente porque actualiza a mesma união misteriosa e profunda que é, pela sua natureza, ordenada para a criação de uma pessoa única e insubstituível que, literalmente, encarna a união.

Dada a natureza sagrada da conjugalidade, um conceito que em tempos era aceite sem qualquer controvérsia por praticamente toda a gente, a exclusividade e a permanência fazem todo o sentido, especialmente para quem acredita que as crianças não só se criam melhor com, como têm direito a, um pai e uma mãe, ligados um ao outro sob a autoridade de uma aliança cujos contornos não têm competência para dissolver ou mudarem meramente pelo consentimento.

Claro que tudo isto – conjugalidade, permanência e exclusividade – já não é um dado adquirido e, para muitos dos cidadãos cuja moral se formou na cultura pós anos 60, pode parecer literalmente incompreensível.

Com a entrada em vigor das leis de divórcio sem culpabilidade, no início dos anos 70, a permanência começou a dissipar. A exclusividade seguiu rapidamente o mesmo caminho. A revolução sexual trouxe consigo não só o desvendar da moral que condenava a fornicação, mas também os conceitos de «swinging», casamentos «abertos» e mesmo o poliamor. As violações da exclusividade começaram a ser vistas não como intrinsecamente erradas, mas erradas apenas na medida em que os esposos não davam o seu consentimento.

Sem grandes surpresas, estas mudanças levaram à proliferação de nascimentos fora do casamento, mães solteiras (com filhos de uma variedade de pais diferentes), famílias destroçadas e famílias mistas.

Casamento moderno: Um esqueleto do que já foi

Consequentemente, não permaneceu nada de especial no casamento. Todas as relações podem, em princípio, ser quebradas, religadas ou removidas desde que exista consentimento dos adultos envolvidos. Contudo, aqueles que não podem consentir, como as crianças, podem ser eliminadas (através do aborto) ou, como qualquer propriedade comum, distribuídos de forma equitativa pelas partes interessadas através de procedimentos judiciais.

Dada esta trajectória, porque é que a conjugalidade há-de se manter? É precisamente isso que insinua a retórica de quem apoia o reconhecimento legal das uniões entre pessoas do mesmo sexo. Isto faz todo o sentido para muitos dos nossos concidadãos, à luz da sua experiência pessoal de terem crescido numa cultura em que lhes foi ensinado que o «casamento» é um artefacto moldado pela nossa vontade e não uma instituição sagrada que não inventámos e à qual as nossas vontades e os nossos corpos ficam sujeitos quando a ela aderimos.

O que nos leva a uma das grandes ironias do nosso tempo. Recentemente um pasteleiro no Colorado foi avisado pelo Estado de que não se podia recusar a fazer e decorar um bolo para um casal do mesmo sexo que se tinha «casado» no Massachusetts, mas ia fazer a festa no Colorado onde, actualmente, essas uniões não são reconhecidas. O pasteleiro tinha-se recusado, por não poder, em consciência, apoiar materialmente um evento litúrgico que as suas crenças teológicas consideram gravemente imoral.

Estranhamente, com o fim das condições de exclusividade e permanência, e agora de conjugalidade, esta decisão significa que cada parceiro de um casamento legalmente reconhecido (ou união de facto) tem literalmente menos obrigações legais um para o outro do que o pasteleiro tem para com o casal. Aparentemente, o Estado acredita que a preservação da relação entre o pasteleiro e o «casal» homossexual é de maior importância para a causa da justiça pública do que fazer o mesmo para as relações que afirma estar a defender.

Dito de outra maneira: É mais difícil para um pasteleiro no Colorado deixar os seus clientes, do que os parceiros num «casamento» homossexual no Massachusetts deixaram-se um ao outro.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing. Tradução de Filipe d’Avillez)





sexta-feira, 27 de junho de 2014


A moral de Luís Grave Rodrigues,

militante ateísta


Jairo Filipe, neoateismoportugues.blogs.sapo.pt, 6 de Fevereiro de 2011

Encontra-se no blogue Random Precision um excelente texto para analisarmos a credibilidade moral e ética do advogado Luís Grave Rodrigues, destacado e feroz membro da Associação Ateísta Portuguesa.

Não tem a ver com ateísmo. Mas como já escrevi neste blogue, quem age apontando o dedo aos outros ao mesmo tempo que enche a boca com auto-elogios de que defende a ética, princípios e valores; está nesse momento a legitimar que os visados por si, ou qualquer outra pessoa, critiquem a sua conduta na procura desses exemplos. Para quem não conhece a militância moralista deste sujeito, Luís Grave Rodrigues é um sujeito perturbado sabe-se lá pelo quê, que classifica todos os católicos como assassinos, pelo simples facto de serem católicos.


Feita a introdução, agora a análise do seu texto «O outro Bibi», em que ele analisa publicamente a estratégia de defesa de um outro advogado, num processo que ainda está em curso.

Resumidamente, houve um sujeito que confessou em tribunal os crimes de abuso de menores de que era acusado, tendo sido condenado a 18 anos de cadeia. Passado uns tempos, deu uma entrevista a um jornal dizendo-se inocente, contrariando portanto a sua posição ao longo do julgamento. Eis o comentário de Grave Rodrigues:

«a táctica de defesa adoptada por Carlos Silvino sempre constituiu para mim o exemplo acabado do que o bom senso e os mais básicos manuais de direito penal e processual penal aconselham a não fazer.»

A táctica foi confessar os crimes e colaborar com a Justiça. Qual manual de direito penal ou processual penal aconselham a não fazer isto? Nenhum.

O que Graves Rodrigues faz é colocar nesses códigos o seu cálculo amoral. Um advogado ter uma ideia da pena a que se pode sujeitar um cidadão acusado de determinado número de crimes, e aconselhá-lo a não colaborar nem confessar para tentar que ele seja considerado culpado do menor número possível; é bastante diferente de constar nos manuais de direito o conselho «sempre que acusados de muitos crimes, os réus devem ser aconselhados pelos seus advogados a não os confessarem».

O advogado criticado por Grave Rodrigues deparou-se com um sujeito acusado de agredir muitas crianças, de maneira muito cruel. Esse sujeito disponibilizou-se a confessar. À partida, não é de admitir que um inocente aceite confessar um crime tão horroroso e socialmente odiado, se não tiver a noção de que cometeu esse crime.

Já aqui temos uma distinção:

– Perante um sujeito acusado e disposto a confessar ter agredido crianças, o seu então advogado aceitou o caso com essa linha de defesa. A confissão.

– Perante um sujeito acusado e disposto a confessar ter agredido crianças, o advogado Grave Rodrigues optaria por aconselhá-lo a não confessar.

Um advogado cheio de princípios, este último. Em frente:

«Como era seu direito, Carlos Silvino poderia ter-se defendido negando toda a acusação e afirmando desconhecer todos os outros arguidos e a sua implicação no caso. Poderia ter-se apresentado, também ele, como uma vítima da Casa Pia e dos alunos mais velhos que ele, e principalmente, de um sistema que durante décadas ignorou placidamente o destino daqueles miúdos.»

Tal arguido poderia ter-se defendido, negando tudo e vitimizando-se. Mas será que eticamente deveria fazê-lo, caso fosse realmente culpado?

Isso não importa para o ético Grave Rodrigues. Se ele é inocente ou não, não interessa. Se as crianças foram ou não agredidas, é indiferente. Os advogados de supostos pedófilos não devem ter por referência a culpa ou inocência dos seus clientes, mas apenas o objectivo amoral de os livrarem o mais que puderem. A gazela e o leão têm interesses opostos, mas nenhum está certo ou errado. Viva a aplicação do darwinismo na Justiça.

«Ao invés, Carlos Silvino confessou-se culpado de nada menos que 669 crimes de abuso sexual de menores, e disparou à esquerda e à direita a implicar todos os restantes arguidos sentados ao seu lado, confirmando e contando histórias muitas vezes mirabolantes e inverosímeis, decerto à procura de atenuantes ou de uma clemência que era óbvio que nunca lhe dariam.»

Espera aí, se o sujeito foi capaz de confessar 669 crimes tão hediondos, não pode ser acusado de ter disparado para todo lado a ver se tinha atenuantes. Ele está é a disparar para si próprio. Quem encontrou e fez a sugestão de atenuantes foi Grave Rodrigues, a de vitimização perante a acusação.

Se o arguido acusou também todos os outros, isso por si só não retira nenhuma credibilidade à sua confissão. A hipótese dele tentar incriminar outros para se livrar mais facilmente seria plausível, apenas se anteriormente ele não se tivesse auto-incriminado livremente daquela maneira.

«Optou ainda por agigantar o caso e dar-lhe incomensuráveis proporções nacionais, ao descrever um sistema e uma recorrência que pareciam resultar de uma autêntica quadrilha organizada de facínoras violadores de crianças.»

Sim, é um facto. A sua confissão de fazer parte de uma máfia pedófila contribuiu para isso. E depois? É claro que isso não o beneficiou na sentença, mas nada nos diz que não existisse mesmo tal máfia. O que seria mais importante para um advogado confrontado com um cliente disposto a confessar ter feito parte de uma organização criminosa tão nojenta? Dizer que não queria saber nada disso, talvez...

«Não faço a mínima ideia de quem ali é culpado ou inocente, nem estou a ignorar o quanto centenas de miúdos devem ter sofrido durante anos e anos. Mas não é isso que agora está em causa, nem o imbróglio jurídico que daqui vai resultar; refiro-me simplesmente à mera e simples táctica de defesa de um arguido que, em vez de minimizar e de reduzir as proporções do processo em que está envolvido, decide antes em dar-lhe proporções gigantescas.»

É claro que é isso, sofrimento de centena de miúdos, que está aqui em causa. Temos um advogado a criticar publicamente outro, sobre um caso que envolve sofrimento de centenas de miúdos. E que está mais preocupado em mostrar como o otário do colega não foi capaz de olhar apenas para o interesse do arguido acusado e disposto a confessar ter abusado de menores.

«O resultado era previsível: lixou-se! Lixou-se porque, como seria por demais óbvio para qualquer estudante de Direito, a condenação só poderia ser proporcional à desmedida dimensão do caso, dada paradoxal e estupidamente à partida pelo próprio... Carlos Silvino.»

Sim, lixou-se. Mas, caso seja mesmo culpado, agiu correctamente ou não? Se ele fez mesmo tanto mal a crianças, o seu advogado foi um homem sério em optar pela confissão e colaboração com a Justiça? Grave Rodrigues acha que não. Esse advogado foi estúpido porque não percebe que o direito é um mero jogo.

E agora, a melhor parte:

«Não acredito numa palavra do que Carlos Silvino diz agora, do copo com água drogada às sevícias dos agentes da Polícia Judiciária.»

Ah, então a convicção de Grave Rodrigues é a de que Carlos Silvino estava a dizer a verdade quando confessou tudo durante o julgamento, e não agora que se queixa dos efeitos secundários de suposto copo com água que o obrigou a confessar crimes ao longo desses anos.

Concordo. Não é muito plausível que um sujeito se disponibilize a confessar 669 crimes tão horríveis, se acreditar que está inocente. E não é credível a teoria de que um copo com água marada possa provocar um efeito desta magnitude.

Mas então, qual é o problema de Luís Grave Rodrigues? Aparentemente, um pedófilo confesso vai passar 18 anos na cadeia porque o advogado que o representou optou pela estratégia da confissão. Esse advogado fez um bem às vítimas, à comunidade e ao próprio condenado, que se sujeita a um castigo merecido. Perante um pedófilo confesso, qualquer pessoa normal é capaz de compreender que a solução é ele ser bem castigado, pagar pelo seu crime, ser levado a reconhecer que tem um sério problema, a ganhar consciência daquilo que fez aos inocentes e a dar-lhe uma pequena hipótese, ainda que praticamente impossível, de reabilitação moral. Coisa que se convencionou fazer com uns valentes anos na prisão.

Mas eis a conclusão de Grave Rodrigues, sobre o facto do condenado ter negado a sua confissão, agora que trocou de advogado:

«a explicação para Carlos Silvino apresentar agora esta nova posição se torna muito simples: não sei quem ele é, mas ao que parece Carlos Silvino arranjou finalmente um advogado que pelos vistos sabe o que está a fazer...»

E com esta declaração final se percebe quão desenvolvida é a consciência moral do valoroso defensor da ética, Luís Grave Rodrigues. Um advogado que sabe o que está a fazer é aquele que tenta alterar uma condenação por abuso de menores, desde que represente alguém condenado por abuso de menores. Não interessa a Grave Rodrigues se a condenação foi justa ou não. Ele até acha que a conversa do copo de água é treta, mas esta nova estratégia é que é de alguém que sabe interpretar o direito. Há que elogiar publicamente aquilo que Grave Rodrigues confessa acreditar ser treta.

É esta uma das referências do humanismo secular militante português. Não é ironia. O humanismo secular é mesmo isto. E Grave Rodrigues realmente representa-o com mestria. São depois tipos como este que ficam histéricos e com pose de autoridade moral, sempre que surge um boato mediático de que o Vaticano planeou esquemas para contornar a entrega de padres pedófilos à condenação dos tribunais.

O acima referido arguido do processo Casa Pia goza do direito constitucional à presunção de inocência até eventual trânsito em julgado de sentença condenatória.





quinta-feira, 26 de junho de 2014


O general Jaruzelski, ex-presidente comunista
da Polónia, morreu no seio da Igreja


Wojciech Jaruzelski

Wojciech Jaruzelski o comandante militar comunista e presidente da Polónia durante a Guerra Fria, conhecido pelo seu ateísmo militante, morreu no final do mês de Maio depois de receber os sacramentos no seio da Igreja.

«Que coisa mais estranha, mas bela que é o líder do governo que esteve em guerra com a Igreja finalmente se reconcilie com ela», afirmou o padre Raymond Gawronski, sacerdote jesuíta norte-americano de origem polonesa.

Jaruzelski, que durante muitos anos se declarou ateu, morreu em 25 de Maio depois de sofrer um acidente vascular cerebral (AVC). O bispo do Ordinariato Militar Polonês, Dom Jozef Guzdek, celebrou a missa de exéquias no dia 30 de Maio em Varsóvia. Um sacerdote da catedral do Ordinariato informou que duas semanas antes da sua morte Jaruzelski tinha pedido a extrema-unção.

Jaruzelski aderiu ao partido comunista da Polónia em 1948, e vinte anos depois foi secretário da Defesa da Polónia. Em 1981, Jaruzelski tomou o poder na Polónia e imediatamente declarou a lei marcial para extinguir o «Solidariedade», federação sindical polonesa inspirada na doutrina social da Igreja católica. Milhares de pessoas foram presas e centenas foram assassinadas durante a repressão; a imposição da lei marcial de Jaruzelski durou até 1983.

Em 1989 realizaram-se eleições «semi-livres», Jaruzelski ganhou a presidência, mas renunciou passados uns meses o que resultou na eleição de Lech Walesa, co-fundador do Solidariedade, à presidência.

Jaruzelski nunca apresentou desculpas públicas pela imposição da lei marcial e outros abusos realizados durante a Guerra Fria. O pedido da extrema-unção dos enfermos veio em pouco menos de duas semanas antes da sua morte.

Lech Walesa assistiu ao funeral e atravessou o corredor para dar a saudação da paz à família do seu adversário. A sua presença «foi algo extremamente significativo, porque estes homens eram inimigos», comentou o padre Gawronski.

O Padre Gawronski fez um paralelo da história de Jaruzelski com a de Santa Faustina Kowalska, santa a quem foi revelada a devoção da Divina Misericórdia no começo do século XX. O sacerdote afirmou que Santa Faustina é a «grande heroína» de outro santo polonês, o Papa João Paulo II, pela sua «mensagem de misericórdia e reconciliação».

O sacerdote explicou que quando Jaruzelski pediu para reconciliar-se com a Igreja, foi algo «surpreendente», pois «ele não tinha dado nenhum sinal de que ia fazer isso», portanto, «isto é maravilhoso, há mais alegria por um pecador arrependido que pelo resto».





quarta-feira, 25 de junho de 2014


O confronto final


Pe. C. John McCloskey

«Estamos agora diante da maior confrontação histórica que a humanidade alguma vez enfrentou. Penso que grande parte da sociedade americana e da comunidade cristã ainda não compreenderam bem isto. Estamos diante da confrontação final entre a Igreja e a anti-Igreja, entre o Evangelho e o anti-Evangelho.»

«Temos de estar preparados para nos submetermos a grandes provas no futuro próximo; provas que nos obrigarão a estarmos dispostos a dar até as nossas vidas e uma dádiva total de nós mesmos a Cristo e por Cristo. Pelas vossas orações, e pelas minhas, será possível aliviar estas tribulações, mas já não será possível evitá-las... Quantas vezes a renovação da Igreja não foi alcançada através do sangue! Desta vez não será diferente.»

– Conferência proferida nos EUA, pelo futuro São João Paulo II, então Cardeal Karol Wojtyla de Cracóvia, Polónia, a propósito dos 200 anos da independência dos Estados Unidos.

Da primeira vez que li isto os meus olhos quase que saíram das órbitas. Não queria acreditar que fosse autêntico, mas já confirmei várias vezes e é. E disse-o a nós, americanos, quando estávamos no apogeu da nossa grandeza, pouco antes da queda do «Império do Mal».

É para levar a sério? Sim, muito a sério. Afinal de contas, o orador estava prestes a tornar-se um dos maiores papas da história da Igreja. Mais, era um místico e, sim, um profeta e proclamador da verdade, que sofreu debaixo dos nazis e do comunismo, e de certa forma do Islão. (Recordemos que quase foi morto por um assassino muçulmano, sendo salvo apenas pela intercessão de Nossa Senhora de Fátima, como o próprio admitiu).


Deixem-me ser claro: A minha meditação sobre as palavras de João Paulo II não pretende levar-vos a vender tudo o que têm, fechar as contas no banco, construir um abrigo nuclear e esperar pelo Juízo Final. Essa não é a atitude católica. Mas é difícil não «meditar estas coisas no nosso coração». O que é que o Papa viu? Ou o que é que lhe foi revelado? Talvez o melhor seja procurar respostas nos seus escritos, embora não haja aqui espaço para os analisarmos exaustivamente.

Também podemos olhar à nossa volta, para o que resta daquilo que em tempos se chamava o Ocidente cristão e notarmos uma quantidade de comportamentos e crenças que parecem feitos à medida para acelerar o declínio. Por exemplo, no Ocidente damos conta da crise demográfica, aborto legal, homossexualidade aberta e «casamento» homossexual, níveis epidémicos de pornografia, queda nos índices de casamento e aumento dos níveis de coabitação.

Politicamente, até os Estados democráticos e tolerantes como o nosso estão a começar a negar os direitos de liberdade religiosa a famílias, empresas e igrejas. Mais, notamos uma crescente centralização do poder nas mãos daqueles que se opõem a qualquer crença religiosa excepto a idolatria da saúde, riqueza e tecnologia. Colocam a sua esperança de longo prazo na possibilidade de a ciência encontrar formas de impedir a morte. Viram demasiados filmes do Star Trek e da Guerra das Estrelas quando eram crianças. Infelizmente, acabarão por ir para onde muitos homens já foram – e não para o espaço.

Esta é, certamente, a anti-Igreja que São João Paulo previa – seja como for está aqui, está a crescer e, até certo ponto, já destruiu a Europa.

O que podemos fazer? Em primeiro lugar, claro, não desesperar. Enquanto católicos, vivemos esta vida com os olhos postos na próxima. Não podemos perder pois, como disse São Paulo, para nós a morte é lucro e não temos que temer.

Então como devemos enfrentar a anti-Igreja? Imitando as vidas dos primeiros cristãos! Considerem esta famosa descrição dos cristãos na «Carta a Diogneto», escrita por um autor desconhecido, no ano 79 depois de Cristo.:

Os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela terra, nem pela língua, nem pelos costumes. Nem, em parte alguma, habitam cidades peculiares, nem usam alguma língua distinta, nem vivem uma vida de natureza singular. (...) Habitam pátrias próprias, mas como peregrinos: participam de tudo, como cidadãos, e tudo sofrem como estrangeiros. Toda a terra estrangeira é para eles uma pátria e toda a pátria uma terra estrangeira. Casam como todos e geram filhos, mas não abandonam à violência os neonatos. Servem-se da mesma mesa, mas não do mesmo leito. Encontram-se na carne, mas não vivem segundo a carne. Moram na terra e são regidos pelo céu. Obedecem às leis estabelecidas e superam as leis com as próprias vidas. Amam todos e por todos são perseguidos. São pobres, mas enriquecem muita gente; de tudo carecem, mas em tudo abundam. São desonrados, e nas desonras são glorificados; injuriados, são também justificados. Insultados, bendizem; ultrajados, prestam as devidas honras. Fazendo o bem, são punidos como maus.

Se vivermos como viveram os primeiros cristãos, também nós podemos confrontar e triunfar sobre a Igreja dos Impérios Globais do Mal.

(Publicado pela primeira vez a 1 de Junho de 2014 em The Catholic Thing. Tradução de Filipe d’Avillez)





terça-feira, 24 de junho de 2014


Acordo ortográfico:

«Abrir mão» ao descalabro ou do descalabro?


(Carta ao Jornal  Público)

Em entrevista publicada na sexta-feira, dia 13 de Junho, neste jornal, o director do Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, António Sartini, declarou:

«Acho portanto muito justo que esta língua [portuguesa] se torne oficial nos organismos internacionais. É lógico que esse processo sempre gera descontentamentos [devido ao acordo ortográfico]. Mas para que ela seja oficial é preciso que seja coesa, pelo menos na sua forma culta, normativa
. Ela não se tornou oficial até hoje porque há uma forma de escrever no Brasil, outra em Portugal... Para chegarmos a uma forma única, alguém tem de abrir mão de alguma coisa – e isso deixa as pessoas desconfortáveis».

Em virtude destas declarações, graves pelas responsabilidades linguísticas e pedagógicas de quem as proferiu, vimos chamar a atenção para os seguintes factos objectivos:

1. A língua inglesa possui mais do que uma forma de escrever, com diferenças sensíveis entre cada uma (por exemplo, entre a norma adoptada nos EUA e a adoptada no Reino Unido), e isso não a impede de ser a língua mais divulgada no mundo, língua oficial de quase todos os organismos internacionais.

2. O «acordo ortográfico» que António Sartini refere na entrevista, como está cientificamente comprovado, leva ao AUMENTO das divergências entre as ortografias de Brasil e Portugal. Antes do «acordo», escrevia-se recepção e detectar nos dois países. Depois do «acordo», nasceram novas palavras em Portugal, receção e detetar, criando uma divergência ortográfica onde existia convergência. Isto sucede em centenas de casos. Logo, o dito «acordo» não somente não contribui em nada para «chegarmos a uma forma única», como possui exactamente o efeito oposto.

3. Os organismos internacionais, ao contrário do que sugere António Sartini, não ficam a ganhar rigorosamente nada com o «acordo». Este não supera, nem sequer reduz, as divergências ortográficas antigas entre as variantes brasileira e portuguesa. Basta pensar na ONU e na OMS, por exemplo. Com ou sem este «acordo», continuará a ter de decidir-se entre República Checa(pt) / República Tcheca (br), Islão (pt) / Islã (br), Madrid (pt) / Madri (br), Moscovo (pt) / Moscou (br), SIDA (pt) / AIDS (br), etc. Qual a versão a escolher? Não há «forma única» possível na ortografia da língua portuguesa. O «acordo», precisamente onde o director do Museu da Língua Portuguesa Sartini afirma ser mais necessário, continua a ser um des-acordo.

4. As pessoas que se sentem «desconfortáveis» com o mesmo «acordo ortográfico» não se sentem assim por terem de «abrir mão de alguma coisa». É a verificação das falhas descomunais na sustentação linguística deste «acordo ortográfico», bem como a verificação dos efeitos desastrosos que o «acordo» está a provocar no ensino-aprendizagem, que tem levado à recusa deste por grande parte dos sectores mais ilustrados de Portugal e Brasil. O «acordo» tem criado as maiores confusões em crianças e adultos, tem levado a situações de perda absoluta de referenciais históricos, prosódicos e etimológicos da Língua, e nem sequer conseguiu criar correctores ortográficos para computador que sejam coerentes com ele e entre si. Maior desacordo do que aquele obtido com este «acordo» é difícil, senão impossível, de imaginar.

Noutro ponto da entrevista, António Sartini afirma que «essa reforma [ortográfica] vai oficializar alguma coisa que na prática já vinha existindo. Interessa-nos muito mais essa evolução natural, essa prática do que a cristalização trazida por uma reforma ou um acordo». Na verdade, o actual «acordo ortográfico» não reflecte qualquer evolução natural da língua. Ele foi antes orquestrado por um número muito reduzido de pessoas, em circunstâncias verdadeiramente penosas, para não dizer fraudulentas. Para informações sobre o processo levado a cabo no Brasil, recomendamos a audição da entrevista ao Prof. Sérgio de Carvalho Pachá, ex-lexicógrafo-chefe da Academia Brasileira de Letras e testemunha do processo, cuja ligação segue aqui: 
http://www.youtube.com/watch?v=-_wIluG3yRs

O «acordo» não serve para unificar, nem para simplificar; nem sequer serve para os fins políticos internacionais que António Sartini e outros como ele pretendem. Pelo contrário: acaba por ser prejudicial em todos esses aspectos. A conclusão só pode ser que o dito «acordo ortográfico» é um péssimo serviço criado aos países e às pessoas que falam e escrevem a língua portuguesa.


António de Macedo, Cristina Pimentel, Helena Buescu, Hélio J. S. Alves, João Barrento, José Luís Porfírio, José Pedro Serra, Maria do Carmo Vieira, Maria Filomena Molder, Paula Ferreira, Pedro da Silva Coelho, Rui Miguel Duarte, Teolinda Gersão