José Augusto Santos
Caríssimo leitor: hoje vamos abordar alguns pontos do Código de Direito Canónico e da Instrução Inaestimabile Donum.
Sabendo que há leitores escandalizados com o que digo nestes escritos por entenderem que neles estou a criar cisões que ferem a desejada união, é importante que retenhamos o que nos diz a Santa Igreja, quando nos aconselha a evitarmos tudo quanto não esteja de acordo com a doutrina enunciada pelo Sumo Pontífice e pelo Colégio dos Bispos, doutrina à qual devemos prestar «obséquio religioso da inteligência e da vontade» (Cf. CDC, Cân. 752).
Se com isto estou a criar divisões, como interpretar então o que nos diz a Sagrada Escritura, onde o Senhor afirma que não veio estabelecer a paz na Terra, mas antes a divisão? (Cf. Lc 12, 51). Não nos diz Ele logo a seguir, no versíclo 53, que veio dividir os próprios membros de uma mesma família, ficando pai contra filho, filha contra mãe, e por aí adiante? Se é o próprio Senhor que nos alerta sobre o que iria acontecer por causa da Sua Lei mesmo num pequeno grupo como é uma família, só um tolo é que não veria o inevitável, que é o saber que este trabalho não seria inconsequente, tanto de uma como de outra forma.
Consciente da enorme dificuldade que é combater algo que já está muito enraizado, mantenho a esperança de, pelo menos, levar os de recta intenção a uma séria reflexão, esperando que esse seja o ponto de partida para a busca da verdade sobre quanto aqui tenho escrito. Sei que a dificuldade é maior para aqueles que passaram a militar na Igreja depois do início da década de setenta. E sinto, como era de esperar, que a resistência à necessária mudança aumenta gradualmente com o tempo. Ou seja, a pessoa que ainda há pouco tomou contacto com a Igreja, porque o que tem recebido lhe foi servido na bandeja do modernismo e do relativismo, bandejas onde estão sempre a ver gravadas em sua orla palavras como: “a Igreja tem que ser mais aberta”, é claro que lhe custa mais reconhecer que não vai no caminho certo…
Relativamente à questão da necessária mudança, o irónico de tudo isto é serem os modernos a acharem que os outros, os que defendem o Depósito da Fé, é que têm que mudar…
No que diz respeito ao dever de obediência dos fiéis para com os seus pastores, sou o primeiro a defender a lei, que diz textualmente no Cânone 753: «os fiéis têm obrigação de aderir com religioso obséquio de espírito ao magistério autêntico dos seus Bispos». Mas antes destas palavras, este mesmo Cânone diz-nos que «os Bispos que estão em comunhão com a cabeça e com os membros do Colégio, quer individualmente considerados, quer reunidos em Conferências episcopais ou em concílios particulares, ainda que não gozem da infalibilidade no ensino, são contudo doutores e mestres autênticos da fé dos fiéis confiados aos seus cuidados».
Pois é, caríssimo leitor, e agora o que se poderá dizer, nos casos em que não existe essa «comunhão com a cabeça»? Serão esses Bispos «doutores e mestres autênticos da fé dos fiéis confiados aos seus cuidados»? Responda o leitor.
Depois de já ter explicado em número anterior o que é o relativismo e o que é o modernismo, dirigindo-me agora àqueles leitores que, empenhados na vida da Igreja, nela vivem de acordo com seus próprios critérios, chamo à atenção para o que diz a lei no Cânone 754: «Todos os fiéis têm obrigação de observar as constituições e decretos que a legítima autoridade da Igreja promulgar para propor uma doutrina ou para proscrever opiniões erróneas, e com especial motivo as que publicar o Romano Pontífice ou o Colégio dos Bispos».
Será que é por falta de clareza que não conseguimos entender o que é determinado, e por isso a maioria dos que têm algum serviço na comunidade paroquial agem sem darem a mínima importância à lei canónica? Se não somos analfabetos, porque é que de entre nós há tantos que fazem questão de demonstrar que acompanham a literatura que vai estando em voga, mesmo sendo anti-católica, e não dedicam um décimo desse tempo a tomarem conhecimento dos documentos da Igreja? Para a maioria destes fiéis, como já disse anteriormente, bem pode «a legítima autoridade» esforçar-se em nos querer orientar no caminho recto...
Permitam-me ainda, principalmente os leitores que continuam a não aceitar o que venho escrevendo, a colocar a pergunta: estamos todos de acordo que é inquestionável tudo quanto Jesus nos diz na Sagrada Escritura? Porque seremos, com certeza, unânimes na resposta, então também não podemos duvidar do poder que Ele deu à Sua Igreja na pessoa de Pedro, quando lhe disse: «Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a Minha Igreja, e as portas do inferno nada poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus, e tudo quanto ligares na terra ficará ligado nos Céus, e tudo quanto desligares na terra será desligado nos Céus»… (Mt 16, 18-19).
Sendo assim, e apelando agora à sua honestidade intelectual, caríssimo leitor, não lhe parece que andam por aí muitos padres e muitos bispos a guardarem na gaveta esta passagem da Sagrada Escritura, numa tentativa de ocultação do poder recebido por Pedro (agora Bento XVI) sobre toda a Igreja? Já viu esses senhores alertarem-nos para a importância do que fora prescrito no Cânone 754? Pois não, porque dessa forma ficariam eles incapazes de exercerem o poder ao seu modo… Claro que os bons Padres, os bons Bispos, não necessitam propriamente de nos falarem dos documentos da Igreja, porque a sua santidade nos basta para trilharmos o caminho que nos leva ao Coração do Pai.
Ainda sobre a obediência, será que Deus nos diz para obedecermos aos padres e aos bispos que contradizem o poder que o Senhor deu a Pedro, quando se constituem opositores aos anseios, às orientações e às determinações do Santo Padre? Se tem dúvidas quanto a este dever de obediência, penso que bastará uma séria reflexão (em oração) para encontrar a resposta.
Vendo que não há espaço para falar sobre o documento que refiro no início, partilho com o leitor um facto curioso ocorrido há dias:
No final de um momento de Adoração Eucarística, na qual participaram aqueles que iam receber o Crisma, sendo a maioria deles adultos, fazendo-me desconhecedor do assunto em causa, na presença de vários desses crismandos adultos, perguntei ao Diácono que expôs o Santíssimo porque é que pegam na sagrada custódia com o Véu de Ombros, sem lhe tocarem com as mãos. Respondeu-me que era por se tratar de algo tão sagrado, tão sagrado, que nem as mãos lhe devem tocar. Perguntei-lhe então de novo, se o objecto, que é o ostensório, é mais sagrado do que o próprio Senhor Jesus, uma vez que a Ele qualquer um O toca com suas mãos, ao recebe-l’O na Comunhão… Vendo o jovem Diácono embasbacado, afectuosamente confessei-lhe a rasteira que continha a pergunta.
À semelhança daqueles crismandos, espero que também o leitor fique esclarecido.