sábado, 3 de maio de 2014

Vamos todos eleger
os nossos queridos deputados europeus!



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Aspectos da oposição do «bando de Argel»
ao Estado Novo III


João J. Brandão Ferreira

Pessoas amigas alertaram-me, entretanto, para o perigo de que o desconhecimento e ingenuidade de muitos concidadãos, ignorância da História Pátria, aliados à muita desinformação veiculada pelos órgãos de comunicação social e agentes políticos, na actualidade, podem levar a que os menos avisados possam acreditar na veracidade da totalidade dos textos transcritos. Nada, porém, pode estar mais longe da realidade. Aqui fica o aviso que deve sobretudo ser tido em conta, relativamente ao que era dito quanto à guerra que travámos em África durante 14 anos.


*****

Eis o 3.º texto lido em 12/12/1965, com o título «De Vento em Popa».(2)

«O Almirante Henrique Tenreiro, tipo bem acabado, pertence ao grupo daqueles tantos que fazendo-se passar por fervorosos nacionalistas e insignes patriotas, outra coisa não têm feito que não seja governar-se e bem, à custa da miséria do povo português.

Membro da direcção do partido único e do comando da Legião Portuguesa, deputado dessa caricatura que entre nós se chama Assembleia Nacional, negoceia na Soponata com seu dilecto cunhado Ortins de Bettencourt.

O Almirante comanda navios pacíficos que transportam petróleo. Mas o Tenreiro não se fica por aqui. Ocupando um elevado posto na nossa Marinha de Guerra, navega de Grémio para Grémio e assina o … organismo que superintende no bacalhau … da sardinha, onde não chega o Tenreiro de olho vivo à espera da … o Almirante decidiu ocupar a ponte de comando de tudo quanto diz respeito a peixe e por isso mesmo lá está no cimo da Comissão Central das Pescarias.

E a «Gelmar» que vende peixe congelado é uma sociedade onde se ocupa o Almirante peixeiro.

Isto é uma pequena amostra, porque o Tenreiro tudo espreita e em tudo consegue ganhar bom dinheiro aproveitando-se de todas as ocasiões porque na realidade para ele, tudo quanto vem à rede é peixe.

Só não lhe interessa a pesca desportiva à linha porque essa habitualmente é pouco rendosa. E são tantas ou tão poucas as negociatas em que este tubarão anda metido que Sua Excelência, o Almirante sem esquadra, tem para o seu trabalho particular, nada mais nada menos que quatro secretários: Sr. Rocha, o Sr. Edgar, o Sr. Dr. Silveira e o Sr. Barrete.

Vive à larga este cavalheiro, numa bela residência em Lisboa e dispõe de cinco motoristas: o …. , o José Augusto, o Carlos que o transporta no carro do Grémio e o outro Carlos que o costumava levar no automóvel, quando em serviço da Legião Portuguesa.

Este Almirante, pescador de águas turvas e além doutras possui fabulosas fortunas, à custa daqueles que na faina da pesca arriscam a vida no mar, dependendo de todos quantos rouba e explora e por isso mesmo, além de possuir guardas de polícias de segurança pública à porta, anda permanentemente escoltado por agentes da PIDE, destacados expressamente para esse serviço. Comanda esse grupo de …. O chefe de brigada Jaime e os agentes são os seguintes esbirros, José Ribeiro, António de Oliveira e José Lopes.

Tal como os «gangsters» americanos, o Sr. Tenreiro Almirante sem marinheiros e que para vergonha sua apenas comanda legionários coxos e … faz-se guardar por homens da mesma quadrilha, neste caso a PIDE.

Claro que um cavalheiro de negócios deste quilate tem que ter uma intensa vida de sociedade e, de quando em vez, tem de apaparicar aqueles que com ele se governam também ou ocupam postos influentes onde aquele se serve para levar a bom termo os seus desonestos interesses, enfim o chamado tráfico de influências.

Para isso jantaradas em sua casa. As mais concorridas, servidas por criados de ..ção e libré e quase todas abrilhantadas com gogorjeios e afamados fadistas acompanhados à guitarra para que o ambiente seja postiçamente portugûes, nos salões da residência deste português desnaturado.

A esses banquetes, como convidados de sempre, estão Ulisses Cortês, Ministro das Finanças, o Antunes Varela, Ministro da Justiça, o Quintanilha e Mendonça Dias, Ministro da Marinha, os Comodoros Henrique Jorge, Valente Raso, Duarte Silva, o General Abreu de Loureiro, Marcelo Caetano, Adriano Moreira, enfim tudo quanto há de melhor.

Frequentemente estes festivos saraus de jantar são abrilhantados com a presença garbosa e alegre do Almirante Américo Tomás, membro já muito antigo da quadrilha do Tenreiro.

Até os fadistas se calam. O Tomás com a sua facilidade de frase, com a sua inteligência fulgurante e com a sua conversa variada actua como se fosse um hipnota (sic) põe todos os assistentes a dormir e o Tenreiro, espertalhão e desonesto, tudo isto suporta, mesmo a mediocridade inferior de um pobre de espírito e tipo de atrasado mental que só o fascismo poderia fazer Presidente da República.

Mas isso para o Tenreiro são pequenos nadas e o que pretende é que continuem os seus rendosos negócios sem atritos, sem tempestades, porque marinheiro de água doce não suporta as tempestades. Assim quer ter na mão aqueles que lhe interessam para não fazerem ondas.

«FPLN – Frente Patriótica de Libertação Nacional – a frente de combate do nosso povo.»

*****

Eis o 4.º texto lido a 11/09/1965, intitulado «A criminalidade em Portugal».(3)

«Portugal tem sido varrido nestes últimos tempos por uma onda de crimes de toda a espécie – assaltos à mão armada, roubos, ataques a mulheres isoladas, crimes de morte.

Os jornais diários têm assinalado o número e a frequência invulgar desta variedade de crimes, mas no que não tem falado é nas possíveis razões desse aumento de criminalidade.

É sabido que as guerras provocam geralmente o recrudescimento sensível da delinquência, e não é certamente por acaso que em Portugal o aumento da criminalidade se tem vindo a verificar desde o começo das guerras coloniais que têm propagado através de indivíduos que se prestaram a sádicos crimes de guerra contra populações africanas com desprezo pela vida e pelos direitos de cada um.

Quais não serão os efeitos dessa escola de criminosos que são as guerras e a opressão colonial, se pensarmos que vivemos há 39 anos sob a ditadura fascista?

Porque a ditadura fascista é sinónimo de violências, de perseguições, de assassínios contra o próprio povo português. A ditadura fascista é a corrupção da máquina administrativa, dos abusos de poder, o tráfico de influências, as arbitrariedades, as traficâncias de toda a espécie.

A ditadura fascista é … de venalidade, de desvergonha que semeia a insegurança e a … por toda a parte.

No nosso país, todo o egoísmo e crueldade da lei da terra começa pela instigação desmoralizante do fascismo, e só acabará, disso tenham eles a certeza, pela força revolucionária e justiceira do povo honesto e trabalhador.

Os assassinos andam em liberdade em Portugal. E alguns, como sucedeu com os assassinos do médico Ferreira Soares, foram considerados não culpados por um tribunal.

O Governo admite a tortura e o crime político. O Governo admite que a polícia faça fogo sobre os estudantes nas ruas de Lisboa.

Os fascistas ensinam a violência, semeiam a violência. Se há criminosos no governo não admira que a criminalidade aumente.»


(2) Arquivo do MDN, Fundo 5/23/8/13.

(3) Fundo 5/23/79/12, do Arquivo do MDN.





sexta-feira, 2 de maio de 2014

A inconseguida por ser castrada


Não ser de esquerda


Inês Teotónio Pereira, ionline

40 anos depois do 25 de Abril, ter muitos filhos, ser de direita e ser católica só pode querer dizer uma coisa: sou um caso perdido dos ideais de Abril

Eu tenho um enorme problema: não sou de esquerda. Estes 40 anos não me converteram e continuo a ser uma herege de direita. Continuo a sofrer de uma espécie de masoquismo idealista que me mantém na barricada da direita e que faz com que eu não passe no crivo moralista da crítica nacional. Sempre me senti à margem do crivo moralista da crítica nacional e isso magoa, ofende mesmo. É que apesar de ser de direita sou sensível. Juro que sou. Tenho imensa inveja dos capitães de Abril, de Freitas do Amaral, de Mário Soares, de Ricardo Araújo Pereira e de todos os representantes genuínos dos ideais de Abril, que são certamente melhores pessoas do que eu. São de esquerda e ser de esquerda é estar do lado certo da força.

Se eu fosse de esquerda a minha vida seria muito mais simples. Ser de esquerda é ser boa pessoa e eu gostava que toda a gente me considerasse boa pessoa – ninguém duvidaria das minhas boas intenções mesmo que eu tivesse como sol o regime da Coreia do Norte. Mas quis o destino que eu gostasse mais dos mercados do que de Hugo Chávez e isso trama-me a vida. Não tenho credibilidade em matéria de bondades. É injusto.

Mas o pior nem é isso, o pior é que além de ser de direita também sou católica. Ora um católico praticante de direita 40 anos depois do 25 de Abril não é mais do que um beato fascista. Um retrógrado. Como se não bastasse ser de direita, ainda tinha de inventar ser católica. É mau de mais. Se eu fosse de esquerda e católica, a minha circunstância seria muito mais agradável e já ninguém me chamava beata fascista. Seria com muita pinta apelidada de católica progressista, o que é muito mais chique e moderno. E eu gostava de ser chique e moderna, apesar de católica e de gostar dos mercados.

Sendo de direita, não tenho perdão: até podia ser a favor do casamento dos padres, da ordenação das mulheres, da distribuição de preservativos nas igrejas, mas como sou de direita, lá está, ninguém iria acreditar nas minhas boas intenções. Sou beata e pronto.

A coisa agrava-se ainda mais pelo facto de eu ter muitos filhos. Ter seis filhos, ser de direita e ainda por cima ser católica, é uma desgraça completa. É quase estupidez. É pedir chuva. É como gostar de ser gozado no recreio por causa da franja e teimar em manter a franja. Ainda por cima tenho o supremo azar de os meus filhos serem loiros (só tenho um moreno). Ora loiros, neste contexto, quer dizer betos. Tudo mau. Se eu fosse de esquerda ninguém olhava para os meus filhos como meia dúzia de betinhos mimados. Agora, esta coisa de ter uma família do tipo «Música no Coração» dá cabo da minha reputação. 40 anos depois do 25 de Abril e sem nenhum capitão de Abril na família (apenas um católico progressista), a minha reputação é, fatalmente, miserável.

Ora, 40 anos depois do 25 de Abril, ter muitos filhos, ser de direita e ser católica só pode querer dizer uma coisa: sou um caso perdido dos ideais de Abril. Ninguém que sofra desta tríade nociva pode ser tolerante, democrata ou defensor da liberdade. Mas eu sou. Juro que sou.

Se eu fosse de esquerda, de qualquer esquerda de Freitas a Louçã, não vivia neste sufoco moral (com jeitinho até podia ser monárquica). Também não passava a minha pobre existência de direita a explicar que tenho muitos filhos apesar de não ser rica, que sou católica apesar de não ser beata (até gosto muito dos Jesuítas...), que sou de direita mas não sou fascista. Fosse eu de esquerda e o povo de Abril seria tolerante com a minha condição, já podia ter dez filhos loirinhos, podia ser capitalista e até católica (tipo Guterres).

Passaram 40 anos do 25 de Abril e eu não sou de esquerda. No entanto, ainda tenho esperança de vir a ser de esquerda – Freitas e muitos outros demonstraram que a conversão é possível em qualquer idade – porque sei que seria mais livre. É que se eu me afirmasse de esquerda já podia ser livremente a pessoa de direita que de facto sou. Pois, apesar de já terem passado 40 anos do 25 de Abril, a nossa esquerda só tolera a esquerda.





quinta-feira, 1 de maio de 2014

Não à ideologia de género!


Prof. Hermes R. Nery

Entrevista com o Prof. Hermes Rodrigues Nery, especialista em bioética e membro da comissão em defesa da vida do Regional Sul 1 da CNBB

O que é o PNE e quais os riscos que a sua aprovação traria para a educação no Brasil perante o ponto de visto ético?

O Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece as directrizes e metas da educação brasileira para os próximos dez anos, norteando o conteúdo e as metodologias de ensino em todo o País, com instrumentos legais para exigir dos professores, directores e também donos de escolas particulares a cumprirem o que está determinado no referido PNE.

Ao  incluir a ideologia de género no Plano Nacional de Educação, o governo do PT (a exemplo do que já expôs no PNDH3), visa utilizar todos os meios e recursos para disseminar a agenda do feminismo radical, assumida pela ONU, para intensificar o processo de desmonte civilizacional, de modo especial os princípios e valores da cultura Ocidental, de tradição judaico-cristã. É, portanto, uma agenda anticristã inclusa no PNE, com a ideologia de género, que, sendo aprovado, será executada por toda a rede de ensino do País, procurando dar legalidade ao que já vem sendo posto em prática, e implementando de modo subtil e sofisticado o que ideólogos de países desenvolvidos criaram enquanto experimentação de reengenharia social, a partir de muitas formas de manipulação, de modo especial o da linguagem.

Como explica o Dr. Jorge Scala, que os ideólogos de género «têm a pretensão de modificar a estrutura íntima do ser humano por meio de uma transformação cultural levada a cabo pela manipulação da linguagem e pelo controle dos meios de comunicação». O governo do PT sabe que para fazer a revolução cultural que pretende, precisa instrumentalizar toda a rede de ensino para os seus fins de perversão, fazendo dos professores escravos de uma ideologia, obrigados a ensinar e doutrinar as crianças, desde a mais tenra idade, de que a identidade sexual não pode estar condicionada a um determinismo biológico, porque seria uma construção sócio-cultural, e não pode haver diferenças portanto nesta dimensão relacional, pois as diferenças acentuam lógicas de dominação e poder. O próprio relator do PNE na Câmara, deputado Ângelo Vanhoni, afirmou numa entrevista à TV Canção Nova, de que a escola é o espaço privilegiado para a transformação dos valores. Espaço este que o governo quer tomar de vez para promover a sua revolução cultural, anti-cristã e inteiramente desumana.

Quais são os argumentos apresentados pelos relatores e promotores do projecto para inserir a ideologia de género entre os princípios da educação?

Os argumentos do feminismo radical promovido pela ONU e que o governo do PT (atrelado a grupos e fundações internacionais) está comprometido a executar. O termo «género» apareceu na conferência da ONU sobre a mulher, em Pequim (1995), como ferramenta política do feminismo radical para a mais profunda e ousada subversão antropológica. Na verdade, trata-se de uma pseudoantropologia, com obsessão a uma reengenharia social global. «Infelizmente – como evidencia Dale O'Leary – a ONU tornou-se cativa de perigosos ideólogos, que estão usando o poder e a influência da organização para promover os seus perigosos esquemas». Perigo porque a ideologia de género nega a natureza humana e fere profundamente a humanidade do homem e da mulher, que deixam de ser complementares, pois, para os ideólogos de género, a identidade sexual não é um dado natural, mas uma construção sócio-cultural, que pode ser manipulada, atingindo assim o âmago do que é ser homem e mulher, e destruindo assim a dimensão humana da família monogâmica e heterossexual (realidade caracterizada pela dualidade, complementaridade e fecundidade). «Nós não seremos forçadas a retroceder para o conceito de que 'a biologia é o destino' que procura definir, confinar e reduzir as mulheres às suas características sexuais físicas», afirmou a feminista Bela Abzug.


Foi Shulamita Firestone, no seu livro «A Dialética do Sexo», que associou o marxismo com o feminismo radical, dizendo que «assim como o objectivo final da revolução socialista não era apenas a eliminação do privilégio de classe económica, mas a própria distinção da classe económica, assim também o objectivo final da revolução feminina deve ser, diversamente do objectivo do primeiro movimento feminista, não apenas a eliminação do privilégio masculino, mas da própria distinção sexual». Nesta lógica de perversão, os ideólogos de género acenam com a falácia do igualitarismo, como discurso sedutor, mas que, na prática, conduz tanto o homem quanto a mulher a situações de crescente vulnerabilidade e violência. É uma ideologia que se volta contra a condição biológica da pessoa humana, com efeitos sociais danosos já vistos noutros países que a adoptaram no seu sistema educacional, como a Suécia. Dale O'Leary também observa que «o fundamento do feminismo radical e o cerne da agenda de género é a eliminação da distinção sexual e o controle da reprodução». E acrescenta que «as feministas radicais concordam com os marxistas que o objectivo é uma sociedade sem classes, mas a revolução feminista  radical quer abolir também as classes sexuais». Cabe lembrar que o controle reprodutivo feminino incluiria também o aborto.

Como vemos, incluir a ideologia de género no PNE é permitir que o governo do PT avance no seu programa socialista, utilizando o próprio parlamento para os seus fins revolucionários. Agora, não pelas armas, mas de modo subtil e sofisticado, por dentro das estruturas, corroendo-as. O que se quer ensinar nas escolas brasileiras, sob o amparo da legislação, é o que desejava Firestone: o regresso «a uma pansexualidade desobstruída», como ainda a abolição da própria infância, pois, para ela, «devemos incluir a opressão das crianças em qualquer programa feminista revolucionário... A nossa etapa final deve ser a eliminação das próprias condições da feminilidade e da infância. O tabu do incesto hoje é necessário somente para preservar a família; então, se nós nos desfizermos da família, iremos de facto desfazermos das repressões que moldam a sexualidade em formas específicas», até que a sexualidade seja «libertada da sua camisa de força para erotizar toda a nossa cultura».

Quando Bela Abzug conseguiu introduzir a ideologia de género nos documentos da ONU, os anarcofeministas que assumiram postos de decisão nos governos dos estados-membros da ONU, começaram a exigir que os governos incluíssem também a perspectiva de género nas suas legislações, directrizes e metas educacionais, configurando a nível local, regional e nacional, a agenda controlista, antivida, anticristã e antifamília por estes grupos internacionais. Por isso, mais uma vez, o Brasil vê a sua soberania aviltada por esses pérfidos interesses. Daí o trabalho que estamos a fazer, levando informações aos deputados senadores, e pressionar o legislativo brasileiro a não ceder diante desta ideologia totalitária que querem implantar no País.

De que maneira concreta (a nível de materiais, conteúdos, etc.) a ideologia de género seria apresentada aos estudantes brasileiros? A medida afectaria também as escolas particulares? Escolas católicas, por exemplo, teriam que, obrigatoriamente, incluir a ideologia de género nos seus materiais e planeamento de classes?

O MEC passaria a produzir materiais didácticos, livros, cartilhas, DVDs, etc. (inclusive já fazem actualmente), promover actividades, workshops, formações, para que todos aceitassem o anarquismo da ideologia de género, sob o amparo da lei. Com isso, os professores serão obrigados a concordar com uma ideologia eivada de equívocos, e de efeitos sociais danosos, e terão de repetir a cartilha igualitária do MEC se quiserem sobreviver. E as escolas particulares que questionarem o conteúdo ideológico imposto, sofrerão sanções. A forma de fechar o cerco e encurralar todos na redoma será criar e consolidar o Sistema Único de Educação, para garantir a uniformização do pensamento na rede de ensino. Não se admitirá quem destoe do discurso oficial. E o governo do PT (de modo especial as mulheres subjugadas por Dilma Roussef) continuará dizendo que tudo isso é democracia.





quarta-feira, 30 de abril de 2014

Virtudes e defeitos de Abril (2)


João Miguel Tavares, Público

Sim, Abril cumpriu-se. Agora, só falta dar um passo em frente.

A dificuldade que o país tem em heroicizar os seus heróis e trabalhar a memória dos grandes acontecimentos, como se fôssemos um buraco de meio milénio que inexiste desde o tempo dos Descobrimentos, tem como consequência a desvalorização de feitos tão prodigiosos quanto aquele que São José Almeida recuperou num excelente trabalho na revista do PÚBLICO: a integração dos retornados após o processo de descolonização, em números que ninguém parece conseguir realmente calcular (andarão entre o meio milhão e um milhão de pessoas), um movimento populacional sem paralelo na Europa do pós-guerra, tendo em conta a dimensão de Portugal.

São José Almeida chamou-lhe «Uma história de sucesso por contar», e receio bem que não seja a única: quando se escutam os discursos sobre os 40 anos do 25 de Abril e aquilo que Portugal é hoje, em 2014, parece que estamos a falar de um Estado falhado e condenado à mais vil miséria. Vivemos tão obcecados com aquilo que nos falta que nos tornamos incapazes de contemplar aquilo que conseguimos. E se nos falta muito, a verdade é que conseguimos muito mais, seja a impressionante integração dos retornados, seja o cumprir do famoso projecto político-musical de Sérgio Godinho: «A paz, o pão, habitação, saúde, educação/ Só há liberdade a sério quando houver/ Liberdade de mudar e decidir.»

Ora, apesar da febre apocalíptica que, tal como a febre dos fenos, parece tomar conta de tanta gente respeitável cada vez que Abril se aproxima, os desejos da canção de Sérgio Godinho cumpriram-se, um por um: 40 anos depois da revolução dos Cravos existe paz, existe pão, existe habitação, existe saúde, existe educação e, sobretudo, existe «liberdade de mudar e decidir». Nós podemos discutir se o pão, a habitação, a saúde e a educação chegam, se são os melhores, se estão bem distribuídos, se são sustentáveis, e sobre tudo isso todos teremos imensas queixas. Podíamos, e deveríamos, ser um país mais justo e menos desigual. Mas os extremos daqueles versos – a paz, a liberdade, a rotatividade –, nos quais qualquer regime democrático necessariamente assenta, estão assegurados, e bem assegurados.

Ou não estão? Eu diria que sim, mas a quantidade de pessoas que, afinal, acha que não, desde que Passos Coelho, Portas e a troika tomaram conta do país, não pára de me impressionar. E é curioso ver que quem mais defende «o verdadeiro espírito de Abril» mais parece desrespeitá-lo. Eu percebo o argumento: há quem ache que o actual governo está a «destruir as conquistas de Abril» e a «desmantelar o Estado social». Na verdade, o governo não está a desmantelar coisíssima nenhuma, e esse é até o seu pior defeito. Mas não entremos agora nessa discussão. O que importa é isto: mesmo que estivesse a desmantelar qualquer coisinha, tinha legitimidade democrática para isso.

O actual governo foi eleito com 47% dos votos em 2011 e nas mais recentes sondagens anda em redor dos 35%, o que significa que mantém três quartos do seu eleitorado após o maior programa de austeridade pós-1974. Ora, a tal «liberdade de mudar e decidir» significa precisamente ter de gramar com quem não gostamos. Porque essa é a liberdade fundamental, e é prévia a qualquer programa político. Sim, Abril cumpriu-se. Agora, só falta dar um passo em frente e ajudar alguns dos nossos democratas a sair da sua fase infantil, para que possam enfim reconhecer total legitimidade democrática àqueles com quem não concordam.





terça-feira, 29 de abril de 2014

Petição



«Não ao encerramento do serviço de Cirurgia Cardio-Torácica
e Cardiologia Pediátrica do Hospital de Santa Cruz»

No endereço http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT73249

Pessoalmente concordo com esta petição e cumpro com o dever de a fazer chegar ao maior número de pessoas, que certamente saberão avaliar da sua pertinência e actualidade.

Agradeço que subscrevam a petição e que ajudem na sua divulgação através de um email para os vossos contactos.

Obrigado.


Subscrever em

Petição http://peticaopublica.com/?pi=PT73249





Aspectos da oposição do «bando de Argel»
ao Estado Novo II


João J. Brandão Ferreira

Por razões judiciais tenho feito alguma pesquisa no arquivo do Ministério da Defesa, onde se encontra documentação muito interessante, infelizmente ainda longe de estar toda identificada e tratada.

Encontrámos uma miríade de transcrições de emissões de rádios estrangeiras algumas das quais possuíam programas preparados e emitidos por «exilados» portugueses que militavam em Partidos e organizações que lutavam contra o Regime Político instituído em Portugal, em 1933.

Ocorreu-me que seria interessante transcrever alguns trechos dessas emissões para os contemporâneos puderem avaliar o que então se dizia (e as queixas e «denúncias» que se faziam) – na substância e na forma – e poderem comparar com aquilo que se passou a seguir à «Revolução» do 25/4/1974 e com o que se passa hoje em dia.

Não farei comentários deixando a cada um retirar as suas conclusões.

Vou cingir-me à «Rádio Voz da Liberdade, órgão da «Frente Patriótica de Libertação Nacional» (FPLN), que emitia a partir de Argel, entre 1964 e 1974.[1]

Os dois principais (únicos?) locutores da Rádio Argel eram
Manuel Alegre e Estela Piteira Santos

Eis o 2.º texto lido em 23/10/1966, com o título «Uma Guerra Perdida».[2]

Na FPLN pontuavam
Piteira Santos, Tito de Morais e Manuel Alegre

«A SITUAÇÃO NA GUINÉ»

– o P.A.I.G.C. bombardeou quarteis com tiros de canhão.

Segundo uma notícia proveniente de Conakri, pela primeira vez as forças do P.A.I.G.C. bombardearam com tiros de canhão a vila de Bolama, e o campo entrincheirado de Empada, sendo destruídas numerosas instalações militares.

Já meses antes, tinham sido bombardeados a tiros de morteiro os campos fortificados de …. Guidage, Farim, Colopape (?), Ngore, Burumtuma, Canquelifá, Guiledje, Bedanda, Madina, Belifa e outros.

Trata-se de um grande passo em frente na luta de libertação nacional do povo da Guiné. Das acções de flagelação, das emboscadas, dos rápidos ataques de surpresa com armas ligeiras, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, passou a uma nova fase, passando a atacar as forças portuguesas no seu próprio reduto. Já não são apenas as minas, as armadilhas, já não se trata sequer de ataques efectuados com metralhadoras, e apoiados com tiros de bazuca. Trata-se de operações ofensivas de bombardeamento de quarteis com tiros de canhão ou de morteiro.

As tropas de ocupação deixaram de ter pela frente grupos de homens rudimentarmente armados, e passaram a ter que suportar os ataques conduzidos por um exército regular, disciplinado, treinado e armado, que conhece o terreno que pisa e que além disso, tem um moral e uma coragem diferentes, porque está a combater pela libertação da sua terra.

A situação na Guiné pode caracterizar-se da seguinte maneira: metade do território libertado, transformação da guerra de guerrilhas, que continua a ser preponderante, com operações de ataque frontal. As tropas de ocupação estão aquarteladas nos quarteis, e as operações ofensivas reduzem-se a acções em áreas reduzidas, e aos bombardeamentos efectuados pela Aviação sobre a população civil das zonas libertadas.

Os comandos salazaristas sabem que a guerra está perdida. Entretanto, para fazerem o jogo criminoso do ditado para ganhar tempo, vão exigindo sacrifícios inúteis aos soldados, que vão procurar a morte inútil de um número cada vez maior de soldados portugueses, e vão continuar a assassinar os guineenses que o fascismo diz defender.

Não é apenas um erro de cálculo político e militar. É um crime, um crime semelhante ao que Salazar quis cometer em Goa, exigindo o sacrifício do total das tropas portuguesas.

Mas, tal como em Goa, não há nada a fazer na Guiné. Tal como em Goa, qualquer sacrifício mais é inútil e, mais do que inútil, é um crime».

*****

A SITUAÇÃO EM ANGOLA

«Nos últimos três meses, o panorama da guerra colonial em Angola, sofreu duas alterações importantes: em primeiro lugar, o Movimento Popular de Libertação de Angola apresenta-se melhor organizado e com equipamento militar moderno, em três frentes de luta separadas por milhares de quilómetros: em Cabinda, nos Dembos e na região de Vila Luso.

As Forças Armadas Portuguesas foram obrigadas a dispersar-se e a baterem-se em terrenos e regiões que não conhecem bem (caso da região de Vila Luso), ou que conhecem demasiado bem, o que sucede nos Dembos, pelas amargas experiências que tem tido.

Em segundo lugar, o MPLA, e a Frente Nacional de Libertação de Angola (ex-UPA) estabeleceram há menos de uma semana, numa reunião efectuada no Cairo, acordos de cooperação que, a serem concretizados, podem vir a ter uma grande repercussão no progresso da luta de libertação do povo de Angola.

Angola, seis anos de guerra quase passados, regressa assim ao primeiro plano das preocupações salazaristas, impotentes para vencerem o povo angolano. Há cerca de um mês, um oficial que se encontrava na região de Vila Luso, escreveu-nos relatando o desespero dos soldados perante a crescente insegurança das FA portuguesas, cercadas por uma população hostil e mais esclarecida, e assediadas por guerrilheiros móveis e bem armados, dirigidos pelo M.P.L.A.

Os soldados portugueses, nem sequer no plano alimentar tinham uma situação defendida: há meses que os comandos lhe davam arroz e peixe estragado a todas as refeições. Entre diversas companhias, desenvolvia-se um largo movimento de protesto no sentido de levantamento de ranchos.

No plano militar, o isolamento, a vida em campos fortificados, impotentes perante ataques de morteiros, tornava-se cada vez mais difícil».

*****

A SITUAÇÃO EM MOÇAMBIQUE

«Um comunicado divulgado ontem pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), anuncia que, em operações militares realizadas no fim de Setembro, morreram mais 34 soldados portugueses.

A crise que atravessa o colonialismo, e a guerra colonial salazarista em Moçambique, são já do domínio público. E mesmo em Moçambique que os comunicados de guerra se veem forçados a admitir mais baixas.

A imprensa suíça conservadora, a «Gazette de Lausanne», porta-voz salazarista, confessava há semanas que o governo e a guerra coloniais atravessavam uma profunda dificuldade em Moçambique, e que estava em estudo um plano que desde já previa o abandono de toda a região do norte do Zambeze, já que as províncias de Cabo Delgado e Niassa, pela reduzidíssima penetração civil e militar portuguesa, não eram defensáveis.

Dias depois, a imprensa mundial anunciava o que a imprensa salazarista calava: a pressão pela PIDE, do governador da província de Manica e Sofala. Assim, um ano de guerra passado, a situação adensa-se para o colonialismo português, e para os soldados e militares portugueses que lá são forçados a combater. As medidas repressivas, as bombas de napalm, os campos de concentração, com milhares de moçambicanos presos, os julgamentos – farsa dos intelectuais moçambicanos, os assassínios por agentes da PIDE, de dirigentes da FRELIMO, como Jaime … (falha), morto há meses na Zâmbia, não conseguiram deter o movimento de libertação do povo moçambicano.

Pelo contrário, hoje é difícil continuar afirmando que se trata de acções terroristas fabricadas no exterior, quando as forças portuguesas têm de combater, a centenas, a mais de mil quilómetros dentro de Moçambique, quando há extensas regiões libertadas, e administrativamente dirigidas pela FRELIMO, com escolas e serviços de saúde.

A acção do povo moçambicano pela sua independência, a organização e o armamento das forças da FRELIMO, são bem diferentes daquela caricatura que o governo nos quis servir, de tribos primitivas. Hoje as pretensas tribos primitivas abatem aviões, e estão em condições de dizimar companhias inteiras».

*****

COMO RESISTIR À GUERRA

«Militares portugueses, o sacrifício que Salazar vos exige, é cada vez maior, e cada vez mais inútil. Nos quarteis de Portugal, antes de partir para as colónias, ou mesmo no meio da guerra, na Guiné, em Angola e em Moçambique, é possível resistir, é possível lutar contra a guerra, é possível não fazer a guerra.

Se vos encontrais ainda em Portugal, recusai-vos a partir, resisti ao embarque, organizai deserções colectivas, que cada companhia, cada grupo, cada esquadrão, se recuse a embarcar.

Resisti dentro e fora dos quarteis, se for preciso, ocupai os quarteis. Unidos, sólidos, invencíveis, ninguém vos poderá embarcar à força, se vos mantiverdes firmes, unidos e dispostos a resistir.

Parti em grupos para as vossas terras. Chamai o povo das vossas terras a defender-vos. Contai ao povo que não quereis servir de carne para canhão numa guerra perdida, ao serviço dos interesses da dominação estrangeira.

O vosso lugar é em Portugal. Não vos deixeis embarcar. Vale mais lutar em Portugal pelo direito à vida e à liberdade, do que ir morrer em África por meia dúzia de monopólios.

Mas, se vos encontrardes nas colónias, mesmo lá é possível resistir, é possível desertar e, em certas circunstâncias, é mesmo possível a revolta. Procurai contacto com os movimentos nacionalistas. Por acordos estabelecidos com a Frente Patriótica de Libertação Nacional, os movimentos nacionalistas acolher-vos-ão, e pôr-vos-ão em contacto connosco. Desertai em grupos ou individualmente. Se vos exigirem a partida para uma morte certa, recusai-vos a combater, revoltai-vos. Se vos não for possível fazer mais nada, fazei a resistência passiva. Deixai-vos ficar perto dos quarteis e acampamentos, sem vos arriscardes no meio do mato, sem expor inutilmente as vossas vidas. Não ataqueis quem não vos ataca. Os altos comandos que vão fazer a guerra. Eles que se arrisquem.

Militares portugueses, a Voz da Liberdade não vos mente. A guerra está perdida. O governo exige o vosso sacrifício para nada, apenas para ganhar tempo, apenas para que alguns monopólios arrecadem os lucros dos capitais investidos. Nós não queremos uma juventude estropiada, não queremos mais mortos inúteis, não queremos que os jovens da nossa terra continuem a sacrificar-se por uma guerra injusta e perdida. A Voz da Liberdade, militares de Portugal, é a vossa voz. E a Voz da Liberdade diz-vos: poupai as vossas vidas. Não vos deixeis embarcar. Resisti. E desertai. Revoltai-vos. A nossa Pátria é Portugal. E Portugal está a saque. É em Portugal que temos de lutar pelo direito à vida, á liberdade, pela independência da nossa Pátria».



[1] Recorda-se que a Argélia tinha ascendido à independência, em 1962, depois de uma longa e cruenta guerra com a França. A Argélia tinha um regime político de partido único de inspiração marxista, cujo 1.º presidente foi Ben Bella. Assumia-se como um país do «Terceiro Mundo» vindo, mais tarde, a situar-se na órbitra da extinta URSS. A FPLN tinha lá o seu «quartel- general», desde 1962 e o principal apoio. Na FPLN pontuavam Piteira Santos, Tito de Morais e Manuel Alegre. A «Rádio Voz da Liberdade» era um dos seus principais instrumentos e os dois principais (únicos?) locutores eram Manuel Alegre e Estela Piteira Santos.

[2] Arquivo do MDN, Fundo 5/23/81/16.





segunda-feira, 28 de abril de 2014

Virtudes e defeitos de Abril (1)


João Miguel Tavares, Público

Se há coisa em que os norte-americanos são realmente bons é a criar heróis e memoriais. Toda a sua mitologia está assente na figura do homem normal que em momentos extraordinários se consegue superar a si próprio, seja ele Abraham Lincoln, Rocky Balboa ou Chesley Sullenberger, o comandante do avião que em Janeiro de 2009 conseguiu amarar nas águas geladas do rio Hudson, salvando todas as pessoas a bordo.

Por muito filme de Hollywood que a gente veja, nós não temos essa cultura em Portugal, nem, segundo parece, esse tipo de herói. Já desde os tempos da padeira de Aljubarrota que o herói português é invariavelmente do tipo relutante, mais dado à astúcia do que à coragem desabrida. É como nas velhas anedotas do português, do inglês e do francês – o português sai-se sempre melhor, mas nunca por fazer uso de qualquer espécie de heroísmo espampanante; sai-se melhor porque é o chico-esperto, o manhoso, o campeão dos improvisadores.

Recentemente, o PÚBLICO divulgou um longo excerto do texto que Adelino Gomes escreveu para o óptimo livro Os Rapazes dos Tanques, centrado na figura do cabo apontador José Alves Costa, que na manhã de 25 de Abril de 1974 se recusou a disparar sobre a coluna de Salgueiro Maia, mesmo após o brigadeiro Junqueira dos Reis lhe ordenar directamente «dá fogo já a direito». O que é extraordinário na descrição de Adelino Gomes não é a recusa em si – já antes o alferes Fernando Sottomayor havia feito o mesmo, recebendo ordem de detenção –, mas sim a forma tão portuguesa como Alves Costa resolveu o imbróglio que tinha à sua frente.

Em primeiro lugar, explicou ao brigadeiro que não percebia lá muito de tanques. «Fui improvisado para aqui. Sei pouco trabalhar com isto. Vou ver se consigo, mas eu não sei», desculpou-se. E quando o brigadeiro o ameaçou «ou dá fogo ou meto-lhe um tiro na cabeça!», Alves Costa decidiu-se por um desenrascanço 100% nacional: enfiou-se dentro da torre e trancou a porta. «Eu, fechando-me dentro do carro, ninguém abre, porque aquilo é blindado, entende?» E assim se fez Abril.

Nós somos o povo para quem Herman Melville criou, sem saber, o seu Bartleby, o desconcertante escrivão que fazia da passividade uma filosofia existencial. A tudo o que lhe era pedido Bartleby respondia: «Preferiria não o fazer.» Também José Alves Costa preferiria não atirar sobre os revoltosos de Santarém. E não atirou. No entanto, nunca afrontou de forma directa o seu superior: «A gente sabia o regime que tinha. Se calhava as coisas não correrem bem, a minha vida podia ir para o maneta», explicou a Adelino Gomes.

É certo que o espírito luso-bartlebyano, na mão de burocratas, é de modo a conduzir qualquer alma ao desespero – como pode comprovar quem já passou dias numa repartição pública. No ramerrão diário, «preferiria não o fazer» é um inferno paralítico, que nos faz sonhar com as virtudes da disciplina teutónica. Mas na Alemanha dificilmente haveria um 25 de Abril com cravos enfiados nos canos das espingardas, porque um qualquer Alves Costa da Baviera nunca mandaria o seu brigadeiro dar uma curva enquanto fingia cumprir ordens. Para citar José Gil, a não-inscrição chega ao próprio heroísmo – o cabo apontador que impediu que a revolução se tornasse num banho de sangue viveu 40 anos no anonimato de uma aldeia da Póvoa de Varzim. Afinal, ele não fez nada. O que é tão absurdo quanto comoventemente português.