Caros irmãos e irmãs,
Hoje gostaria de continuar a reflexão sobre como a oração e o sentido religioso fazem parte do homem ao longo da sua história.
Nós vivemos numa época na qual são evidentes os sinais do secularismo. Deus parece ter desaparecido do horizonte de muitas pessoas ou tornou-se uma realidade indiferente. Vemos, porém, ao mesmo tempo, muitos sinais que nos indicam um despertar do sentimento religioso, uma redescoberta da importância de Deus na vida do homem, uma exigência espiritual que supera uma visão somente horizontal, materialista na vida humana.
Olhando para a história recente, vemos que a previsão do desaparecimento das religiões e da exaltação da razão absoluta separada da fé, da época do iluminismo, falhou; uma razão que dissiparia a escuridão do dogmatismo religioso e teria dissolvido o "mundo do sagrado," restituir ao homem a sua liberdade, a sua dignidade e a sua independência de Deus.
A experiência do século passado, com as duas trágicas Guerras Mundiais, colocou em crise aquele progresso da razão autónoma que o homem sem Deus parecia poder garantir.
O Catecismo da Igreja Católica afirma: “Pela criação, Deus chama todo o ser do nada à existência... Mesmo depois de ter perdido, pelo seu pecado, a semelhança com Deus, o homem permanece um ser feito à imagem do seu Criador. Ele conserva o desejo d’Aquele que o chama à existência. Todas as religiões testemunham essa procura essencial dos homens” (n. 2566).
Podemos dizer – como mostrei na catequese passada – que não houve nenhuma grande civilização, dos tempos mais longínquos até os nossos dias, que não fosse religiosa.
O homem é por natureza religioso, é homo religiosus, como é homo sapiens e homo faber: “O desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus” (n. 27).
A imagem do Criador está impressa no seu ser e ele sente necessidade de encontrar uma luz para dar resposta às perguntas que permanecem no sentido profundo da realidade; resposta que ele não pode encontrar em si mesmo, no progresso, na ciência empírica. O homo religiosus não emerge somente dos mundos antigos, ele atravessa toda a história da humanidade. Neste sentido, o rico terreno da experiência humana viu surgir várias formas de religiosidade, na tentativa de responder ao desejo da plenitude e da felicidade, a necessidade de salvação, a busca de sentido.
O homem “digital”, como o das cavernas, busca na experiência religiosa as vias para superar os seus limites e para assegurar a sua precária aventura terrena. De resto, a vida sem um horizonte transcendente não teria sentido completo. E a felicidade, que todos buscamos, é projectada espontaneamente para o futuro, num amanhã ainda a cumprir-se.
O Concílio Vaticano II, na Declaração Nostra Aetate [A nossa época], sublinhou sinteticamente: “Os homens esperam das diversas religiões a resposta aos enigmas da condição humana, os quais, hoje como ontem, profundamente preocupam os seus corações: a natureza do homem (quem sou eu?), o sentido e a finalidade da vida, o bem e o pecado, a origem da dor, o caminho para alcançar a felicidade verdadeira, a morte, o juízo e a retribuição depois da morte, e finalmente, que mistério último e inefável envolve a nossa existência, do qual vimos e para onde vamos” (n. 1).
O homem sabe que não pode responder sozinho às próprias necessidades fundamentais de compreender. Enquanto está iludido e se iluda acreditando ser auto-suficiente, ele faz a experiência de não bastar a si mesmo. Tem necessidade de abrir-se a algo, a qualquer coisa ou a alguém que possa doar-lhe aquilo que lhe falta, deve sair de si mesmo para ir para Aquele que seja capaz de preencher a amplitude e a profundidade de seu desejo.
O homem tem em si uma sede de infinito, uma nostalgia da eternidade, uma busca pela beleza, um desejo pelo amor, uma necessidade de luz e de verdade, que o impulsiona para o Absoluto; o homem tem em si o desejo de Deus. O homem sabe que, de qualquer modo, pode voltar-se para Deus, sabe que pode rezar a Ele.
São Tomás de Aquino, um dos maiores teólogos da história, define a oração como “expressão do desejo que o homem tem de Deus”. Esta atracção por Deus, que o próprio Deus colocou no homem, é a alma da oração que depois se reveste de muitas formas e modalidades segundo a história, o tempo, o momento, a graça e a influência do pecado de cada um que ora.
A história do homem conheceu, de facto, várias formas de oração, porque o homem desenvolveu várias modalidades para se abrir ao Outro e ao Além, tanto que podemos reconhecer a oração como uma experiência presente em cada religião e cultura.
De facto, caros irmãos e irmãs, como vimos na quarta-feira passada, a oração não está ligada a um contexto particular, mas encontra-se inscrita no coração de cada pessoa e de cada civilização. Naturalmente, quando falamos da oração como experiência do homem como tal, do homo orans, é necessário ter presente que essa é uma atitude interior, antes de uma séria de práticas e fórmulas, um modo de estar diante de Deus antes do cumprimento de actos de culto ou a pronúncia de palavras.
A oração tem no seu centro e aprofunda as suas raízes no íntimo da pessoa; por isso não é facilmente decifrável e, por este mesmo motivo, pode ser sujeita a mal-entendidos e a mistificações. Também nesse sentido podemos entender a expressão “rezar é difícil”. De facto, a oração é um lugar para a excelência da gratidão, da atenção para o Invisível, Inesperado e Inefável. Por isso, a experiência da oração é para todos um desafio, uma “graça” de invocar, um dom d’Aquele para o qual nos voltamos.
Na oração, em cada época da história, o homem coloca-se a si mesmo e a sua situação perante Deus, a partir de Deus, e em relação a Deus, e experimenta ser uma criatura necessitada de ajuda, incapaz de procurar em si o sentido da própria existência e da própria esperança.
O filósofo Ludwig Wittgenstein recorda que “rezar significa sentir que o sentido do mundo está fora do mundo”. Na dinâmica deste relacionamento com quem dá sentido à existência, com Deus, a oração tem uma das suas típicas expressões no gesto de colocar-se de joelhos. É um gesto que tem em si uma radical ambivalência: na verdade, eu posso ser forçado a ajoelhar-me – uma condição de pobreza e escravidão – mas eu posso descer espontaneamente, declara o meu limite e, portanto, a minha necessidade de um Outro.
A Ele declaro ser fraco, necessitado, “pecador”. Na experiência da oração, a criatura humana exprime toda a consciência de si, tudo aquilo que possa acolher a própria existência e, contemporaneamente, envolver-se a si próprio com Aquele perante quem se está, orienta a própria alma para aquele Mistério do qual se espera o cumprimento dos desejos mais profundos e a ajuda para superar a pobreza da própria vida. Neste olhar a um Outro, neste dirigir-se, está a essência da oração, como experiência de uma realidade que supera o sensível e o contingente.
Toda via, apenas em Deus que se revela é possível encontrar o pleno cumprimento da busca do homem. A oração, que é a abertura e a elevação do coração a Deus, torna-se, assim, o relacionamento pessoal com Ele. E também se o homem esquece o seu Criador, o Deus vivo e verdadeiro não se cansa de chamar o homem ao misterioso encontro da oração.
Como afirma o Catecismo, “Essa atitude de amor fiel vem sempre em primeiro lugar na oração; a atitude do homem é sempre resposta a esse amor fiel. Na medida em que Deus se revela e revela o homem a si próprio, a oração aparece como um recíproco apelo, um drama de Aliança. Por meio das palavras e dos actos, esse drama envolve o coração e revela através de toda a história da salvação” (n. 2567).
Caros irmãos e irmãs, aprendamos a permanecer mais diante de Deus, aquele Deus que se revelou em Jesus Cristo, aprendamos a reconhecer no silêncio, no íntimo de nós próprios, a sua voz que nos chama e nos reconduz à profundidade da nossa existência, à fonte da vida, à fonte de salvação, para fazer-nos andar ao limite da nossa vida e abrir-nos à medida de Deus, ao relacionamento com Ele, que é Amor Infinito.
Obrigado.