sábado, 8 de dezembro de 2012

A lei de identidade de género e os limites
da omnipotência do legislador (4)

Pedro Vaz Patto

Os limites da omnipotência do legislador
 
É tempo de retomarmos a análise dos diplomas em apreço, relativos à possibilidade de mudança de registo oficial do sexo de uma pessoa contra o sexo biológico e em função do «sexo social desejado».
 
Poderá dizer-se que não têm consequências directas danosas e se limitam a satisfazer um desejo compreensível das pessoas transexuais.
 
Mas é, desde logo, duvidoso que seja desta forma que se resolvem os problemas das pessoas transexuais. A lei criará apenas uma ficção, pretendendo ocultar uma discrepância que não deixará de existir e que, por isso, não deixará de causar os distúrbios que lhe são inerentes.
 
E, sobretudo, inovações como a que decorre destes diplomas põem em causa princípios fundamentais relativos à função do legislador. São estes princípios, mais do que consequências sociais directas, que estão em jogo.
 
Inovações como esta estão longe de ser ideologicamente indiferentes ou anódinas. Leis como esta servem um propósito de afirmação ideológica, a afirmação da ideologia de género, inserindo-se num processo mais vasto de revolução de mentalidades que vem de cima e se impõe à mentalidade comum. Admitir que a Lei sirva propósitos destes, numa pretensa engenharia social, revela tendências mais próprias de um Estado totalitário do que de um Estado respeitador da autonomia da sociedade civil.
 
O que se pretende é a instrumentalização da Lei ao serviço da prevalência da vontade subjectiva sobre a realidade objectiva. Trata-se de fazer prevalecer «como última unidade de medida apenas o 'eu' e os seus desejos», para usar a expressão com que o cardeal Ratzinger, no discurso de abertura do Conclave de 18 de Abril de 2005, caracterizou aquilo a que chamou a ditadura do relativismo. Dir-se-à que a transexualidade não é uma escolha arbitrária, que é também ela uma realidade psicológica que se impõe à própria pessoa. Poderá ser assim nalguma medida. No entanto, a vontade não deixa de ser determinante na definição do «sexo social desejado» a que os diplomas em apreço dão relevância. E os pressupostos da ideologia de género que lhe estão subjacentes, que sobrepõem o desejo a qualquer forma de heteronomia objectiva, deixam aberta a porta a situações de verdadeira arbitrariedade.
 
Desta forma o legislador atribui-se uma prerrogativa nova, uma pretensão de omnipotência que derruba uma barreira até aqui intransponível, a barreira da própria realidade objectiva. O legislador constrói uma sua própria realidade contrária à realidade objectiva. E também esta pretensão é reveladora de tendências totalitárias. Como afirmou o Papa Bento XVI num dos discursos acima citados, a «lei natural é, em definitivo, o único baluarte válido contra o arbítrio do poder ou os enganos da manipulação ideológica». Leis que consagram a ideologia de género desprezam por completo qualquer conceito de natureza ou lei natural. Por isso, derrubam a mais potente barreira à omnipotência do legislador, o «único baluarte válido» contra o arbítrio deste.
 
Vem à mente a este propósito o célebre dito que tradicionalmente se usava para exprimir a extensão dos poderes do Parlamento inglês: «pode fazer tudo excepto transformar um homem numa mulher, ou uma mulher num homem». É claro que num Estado de Direito, nem mesmo um Parlamento democraticamente legitimado, nem mesmo a mais absoluta das maiorias, pode fazer tudo. Está sempre limitado pelo direito natural, donde decorrem, antes de mais, os direitos fundamentais da pessoa humana. Mas agora parece que se pretende que nem sequer a realidade objectiva da diferença sexual biológica sirva de barreira à omnipotência do legislador. Pretende-se que os Parlamentos passem a poder «transformar um homem numa mulher ou uma mulher num homem».
 
FIM
 

Protesto junto da Rádio Renascença

João J. Brandão Ferreira

Oficial Piloto Aviador BI 2171021

Ex.mos Senhores,
 
Venho protestar relativamente a dois locutores (um locutor e outra locutora, que não consegui identificar) que, no passado dia 4/12/12, na RFM, pelas 19:15, a propósito de nada, faziam chalaça barata, a propósito da intercepção de uma avioneta por parte de dois F-16, dois dias atrás.
 
Não me cabe a mim – embora o possa fazer – dar esclarecimentos sobre este caso, mas é lamentável como dois profissionais da comunicação social se permitem «gozar» com uma instituição séria e com militares que cumpriram diligente e competentemente a missão de que foram incumbidos.
 
É lamentável que tenhamos transformado grande parte da população em «treinadores de bancada»; em que todo o cidadão sinta a compulsão de opinar sobre tudo – mesmo do que não sabe – e haja tantos jornalistas que a coberto de uma liberdade de expressão – que devem entender não ter regras – se expressam sem qualquer contenção ou senso.
 
Cumprimentos.
 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Eslováquia resiste e não retira auréolas
dos santos Cirilo e Metódio
impressas nas moedas

Dos jornais

Resistindo à pressão da Comissão Europeia, o Banco Nacional da Eslováquia e a maioria da oposição, a Eslováquia votou para que se mantenha o desenho original da moeda comemorativa da evangelização da Grande Morávia pelos dois irmãos e santos Cirilo e Metódio, grandes evangelizadores e construtores da cultura dos países eslavos.
 
Em 2013 a Eslováquia celebrará um grande jubileu pelo 1 150.º aniversário do início da missão na Grande Morávia dos santos e irmãos, Cirilo e Metódio.
 
Por esta razão, em Maio de 2012, o Banco Nacional Eslovaco (NBS), anunciou um concurso público para o desenho da moeda comemorativa de 2 euros. Um total de 22 desenhos de 13 artistas foram admitidos e o resultado foi divulgado em Junho pelo Comité de Governo do NBS para a avaliação dos desenhos das moedas do euro da Eslováquia.
 
O primeiro prémio foi dado a Miroslav Hric. O seu desenho representa os dois santos e entre ambos, em primeiro plano, uma dupla cruz – símbolo da Eslováquia –, que representa a importância da sua missão, que ajudou a assegurar a plena soberania e legitimidade da região da Grande Morávia como o primeiro Estado eslavo no centro da Europa.
 
A figura de São Cirilo levando um livro simboliza a educação e a Fé, enquanto que São Metódio aparece junto a uma igreja que simboliza a Fé e a Cristandade institucional.
 
Entretanto, o desenho original estava para ser modificado retirando as auréolas de santidade das suas cabeças e as cruzes das suas túnicas porque a Comissão Europeia e «alguns países» pediram à Eslováquia «para eliminar alguns símbolos da moeda para cumprir com o princípio de neutralidade religiosa».
 
Ao tomar conhecimento desta censura a Conferência Episcopal da Eslováquia emitiu um comunicado no qual não hesitou em utilizar a palavra «vergonha»: «a renúncia dos atributos chave relacionados conceitualmente com os santos Cirilo e Metódio, demonstra a falta de respeito pela tradição cristã na Europa», comentou indignado o padre Jozef Kovaczik, porta-voz da Igreja da Eslováquia.
 
O comunicado acrescentou que a Igreja da Eslováquia ficou a saber da retirada dos símbolos cristãos das moedas de 2 euros através dos meios de comunicação.
 
«Em 1988, antes da 'Revolução de Veludo', os fiéis da Eslováquia arriscaram as suas vidas, pregando a doutrina dos dois santos. Realmente vivemos num estado de direito, ou num sistema totalitário, que nos dita que atributos podemos utilizar», afirmava o sacerdote asseverando que a Eslováquia é um país católico.
Os santos Cirilo e Metódio são os evangelizadores do mundo eslavo e são além disso considerados «isoapóstolos» pelos cristãos ortodoxos. O Beato João Paulo II nomeou-os Co-Padroeiros da Europa em 1980. Foram também o sinal visível da união de toda a Igreja, Oriente e Ocidente.
 
Os santos inventaram o alfabeto glagolítico (cirílico) para traduzir a Bíblia e convertê-la num grande meio de evangelização. É por causa de São Cirilo que o alfabeto que usam algumas línguas eslavas, tem este nome.
 

Cardeal Bertone: «O diabo não suporta
a clareza e a purificação que caracterizam Bento XVI»

O Secretário de Estado Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone, lamentou que muitos jornalistas brinquem «a imitar Dan Brown», o autor de «O Código Da Vinci», criando intrigas sobre a Santa Sé como está acontecendo com os casos de documentos privados conhecidas como Vatileaks.
 
Muitos jornalistas «inventam fábulas e lendas», afirmou o Cardeal em declarações à revista Família Cristã.

O Cardeal Bertone assinalou que isso vem do maligno e explicou que há uma tentativa de despertar «divisões ferozes entre o Santo Padre e seus colaboradores».
 

Não são os portugueses
que têm de escrever e falar «brasileiro».

Este (des)acordo não pode nem deve ser implementado,

A BEM DA «LÍNGUA DE CAMÕES». 

Já não é só o Centro Cultural de Belém, instituição de direito privado, sem tutela pública. Ou Serralves. Ou a Casa da Música. Já não são só a generalidade dos jornais que o ignoram: Correio da Manhã, Jornal de Notícias, Público, i, Diário Económico e Jornal de Negócios, além da revista Sábado.
 
Já não só os angolanos que se demarcam, ou os moçambicanos. Ou até os macaenses. Sem excluir os próprios brasileiros.
 
Por cá também já se perdeu de vez o respeitinho pelo Acordo Ortográfico. Todos os dias surge a confirmação de que não existe o consenso social mínimo em torno deste assunto.
 
São os principais colunistas e opinadores da imprensa portuguesa. Pessoas como Anselmo Borges, António-Pedro Vasconcelos, Baptista-Bastos, Frei Bento Domingues, Eduardo Dâmaso, Helena Garrido, Inês Pedrosa, Jaime Nogueira Pinto, João Miguel Tavares, João Paulo Guerra, João Pereira Coutinho, Joel Neto, José Cutileiro, José Pacheco Pereira, Luís Filipe Borges, Manuel António Pina, Manuel S. Fonseca, Maria Filomena Mónica, Miguel Esteves Cardoso, Miguel Sousa Tavares, Nuno Rogeiro, Pedro Lomba, Pedro Mexia, Pedro Santos Guerreiro, Ricardo Araújo Pereira, Vasco Pulido Valente e Vicente Jorge Silva.
 
É o ex-líder socialista, Francisco Assis, que se pronuncia sem complexos contra este «notório empobrecimento da língua portuguesa».
 
É o encenador Ricardo Pais, sem papas na língua.
 
É José Gil, um dos mais prestigiados pensadores portugueses, a classificá-lo, com toda a propriedade, de «néscio e grosseiro».
 
É a Faculdade de Letras de Lisboa que recusa igualmente impor o acordo.Que só gera desacordo.
 
Um acordo que pretende fixar norma contra a etimologia, ao contrário do que sucede com a esmagadora maioria das línguas cultas. Um acordo que pretende unificar a ortografia, tornando-a afinal ainda mais díspar e confusa. Um acordo que pretende congregar mas que só divide. Um acordo que está condenado a tornar-se letra morta, no todo ou em parte. Depende apenas de cada um de nós.
 
Passe para todos os seus contactos
 
É preciso evitarmos ser destruídos por intelectualóides ignorantes e arrogantes que procuram a celebridade com palhaçadas à custa daquilo que Portugal tem de melhor. E os políticos com medo de os chamarem ignorantes (que são) alinham com qualquer fantasia que seja apresentada com ares de inteligência. COITADOS!!!
 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Demónio, exorcismo e oração de libertação
em 20 questões [1][1]

1. Os demónios existem?
 
Sim, existem. «A existência dos seres espirituais, não-corporais, a que a Sagrada Escritura habitualmente chama anjos, é uma verdade de fé»[2][2]. Alguns desses anjos, criados bons por Deus, liderados por Satanás, também chamado Diabo, «radical e irrevogavelmente recusaram Deus e o seu Reino»[3][3], e portanto deve-se afirmar que «de facto, o Diabo e os outros demónios foram por Deus criados naturalmente bons; mas eles, por si próprios, é que se fizeram maus»[4][4].
 
2. Porque é que existem alguns cristãos que negam a existência do demónio?

Alguns cristãos[5][5], entusiasmados com as grandes descobertas científicas dos últimos séculos, colocaram, erroneamente, uma confiança excessiva no método próprio das ciências experimentais e acabaram por negar a existência de realidades que, pela sua natureza, não são passíveis de estudo empírico, tais como, por exemplo, os seres puramente espirituais a que chamamos anjos.


3. Satanás pode causar todos os males que quer?

Não. «O poder de Satanás não é infinito. Satanás é uma simples criatura, poderosa pelo facto de ser um puro espírito»[6][6], isto é, um anjo que tal como todos os anjos «excedem em perfeição todas as criaturas visíveis»[7][7].

4. Qual é o maior mal que podem causar os demónios?


Os demónios «esforçam-se por associar o homem à sua rebelião contra Deus»[8][8] por induzir o homem ao pecado mortal o qual «tem como consequência a perda da caridade e a privação da graça santificante, ou seja, do estado de graça. E se não for resgatado pelo arrependimento e pelo perdão de Deus, originará a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no Inferno»[9][9].

5. Quais são os pecados com os quais o demónio leva mais pessoas para o inferno?


Só Deus o sabe. Na nossa cultura, porém, sobressaem pela sua difusão, dois vícios especialmente graves: 1) A luxúria, idolatria do prazer sexual, em todas as suas formas (contracepção, masturbação, adultério, relações pré-matrimoniais, sexo oral, anal, etc.), que destrói a capacidade humana de amar, ou seja de a pessoa se dar a Deus e aos outros[10][10]; 2) A superstição pela qual divinizamos alguma criatura ou força criada, caindo assim na idolatria[11][11], na adivinhação[12][12] ou na magia[13][13]. Através destes pecados o demónio corrompe a nossa relação com Deus[14][14].

6. O demónio é o instigador de todos os nossos pecados e a causa de todos os males?


Não. Como ensina Jesus na parábola do semeador[15][15], às vezes somos levados a pecar movidos pelas seduções do mundo ou pelas nossas próprias más inclinações. «Não se deve acusar o Diabo em todas as coisas que acontecem, de facto, às vezes, o próprio homem faz de Diabo para si mesmo»[16][16].

7. Jesus Cristo já venceu o Diabo e os seus anjos?


Sim, «foi para destruir as obras do Diabo que apareceu o Filho de Deus» (1Jo 3,8). «Cristo, pelo mistério pascal da sua morte e ressurreição, livrou-nos da escravidão do Diabo e do pecado, derrubando o seu domínio e livrando todas as coisas dos contágios malignos»[17][17]. Porém, o Diabo embora já definitivamente vencido por Cristo na cruz ainda continua a exercer a sua acção maléfica no mundo e «essa acção é permitida pela divina Providência»[18][18], que do mal sabe tirar bens maiores[19][19]. «Um duro combate contra os poderes das trevas atravessa, com efeito, toda a história humana; começou no princípio do mundo e, segundo a palavra do Senhor, durará até ao último dia»[20][20].

8. Que tipos de acção exercem os demónios sobre este mundo?


«A maléfica e adversa acção do Diabo e dos demónios afecta pessoas, coisas e lugares, manifestando-se de diversos modos»[21][21].

9. Que tipo de capacidades naturais têm os anjos e os demónios?


Têm um certo domínio sobre as realidades materiais, por exemplo, podem mover objectos[22][22] e têm a capacidade de actuar sobre os nossos sentidos externos ou internos[23][23].

10. Os demónios podem fazer verdadeiros milagres?


Não, só Deus pode fazer milagres propriamente ditos, mas os demónios pelas suas capacidades naturais podem fazer coisas prodigiosas e extraordinárias que parecem aos homens milagres. De facto, por vezes, «quando os demónios realizam algo pelo seu poder natural, nós o chamamos de milagre, não de modo absoluto mas em relação à nossa capacidade [humana], e é assim que os bruxos realizam milagres graças aos demónios»[24][24].

11. O que é a parapsicologia?


É uma falsa ciência (pseudo-ciência) que se propõe de estudar os fenómenos ditos «para-normais», como, por exemplo, a telepatia, a clarividência, a mediunidade, as experiências extra-corpóreas, os espíritos, com o método científico das ciências experimentais. A comunidade cientifica mundial é unânime na crítica negativa que faz do valor científico dos métodos e dos resultados obtidos pela parapsicologia. Contrariamente, a teologia sempre soube explicar, partindo da Palavra de Deus, as verdadeiras causas dos fenómenos hoje chamados «para-normais», denominados tradicionalmente por «praeternaturais», apoiando-se sobretudo na angelologia.

12. Os demónios podem possuir as pessoas?


Normalmente aos demónios é apenas permitido pela Providência divina tentar os homens ao pecado, mas por vezes encontram-se casos de ataques diabólicos que vão muito para além das simples tentações. A maior parte destes distúrbios menos comuns estão directamente relacionados com formas de adivinhação[25][25] ou magia[26][26] em que explícita ou implicitamente os homens pedem à ajuda dos demónios[27][27]. Tais pactos, muitas vezes, conferem aos demónios a possibilidade de causar distúrbios que vão para além das simples tentações.

13. Que sinais podem indiciar a presença de distúrbios de origem diabólica?


Conhecer línguas desconhecidas à pessoa, bem como factos ocultos, manifestar uma força acima do normal e ter aversão às coisas sagradas[28][28]. Ver, ouvir, sentir, cheirar e imaginar coisas inexplicáveis à luz das ciências psicológicas. Ter doenças ou distúrbios somáticos inexplicáveis à luz das ciências médicas[29][29]. Acontecimentos estranhos com objectos e animais inexplicáveis à luz da ciência, como por exemplo, coisas que se movem do lugar sozinhas, electrodomésticos que se acendem e desligam sozinhos, etc.

14. O que é um malefício?


«O malefício é o poder de fazer mal a outros, graças a um pacto e com a ajuda dos demónios. Distingue-se da magia, a qual tem como objectivo realizar prodígios, enquanto este vem direcionado a fazer mal a alguém»[30][30].

15. Como se pode destruir um malefício?


Através de uma vida vivida na graça de Deus, da frequência dos sacramentos, principalmente da Eucaristia e da Reconciliação, dos sacramentais, de modo especial dos exorcismos, dos objectos religiosos abençoados, das peregrinações a lugares santos, da invocação dos santos, da destruição dos objectos utilizados no malefício e das orações de libertação[31][31].

16. O que é um exorcismo?


O exorcismo é um sacramental. Trata-se de uma celebração litúrgica em que «a Igreja pede publicamente e com autoridade, em nome de Jesus Cristo, que uma pessoa ou objecto seja protegido contra a acção do Maligno e subtraído ao seu domínio [...]. Sob uma forma simples, faz-se o exorcismo na celebração do Baptismo. O exorcismo solene, chamado «grande exorcismo», só pode ser feito por um presbítero e com licença do bispo»[32][32].

17. O que é uma oração de libertação?


É uma oração dirigida a Deus, em que, tal como na última petição do Pai Nosso, pedimos para ser libertados do influxo diabólico. «Ao pedirmos para sermos libertados do Maligno, pedimos igualmente para sermos livres de todos os males, presentes, passados e futuros, dos quais ele é autor ou instigador»[33][33].

18. Nos casos de pessoas que apresentem distúrbios diabólicos leves um sacerdote deve rezar orações de libertação mesmo não sendo exorcista?


Sim, deve. O Cardeal Schönborn num retiro internacional para sacerdotes em Ars afirmou: «É preciso distinguir bem o Grande Exorcismo, reservado ao bispo ou àquele em quem o bispo delegou – porque um exorcista não se improvisa – da oração de libertação que deveria ser normal para todos nós, padres. Trata-se de uma oração pronunciada com a autoridade de Jesus, dos Santos e dos Anjos, com o fim de interceder por uma pessoa, não possessa, mas infestada, perturbada por ataques do Maligno. É preciso prestar este serviço aos nossos fiéis, pois ele faz parte do nosso ministério de padre»[34][34].

19. Qualquer fiel pode rezar uma oração de libertação?


Sim, pode. O Senhor Jesus quer que todos os seus discípulos rezem o Pai Nosso e que portanto que peçam ao Pai que está nos céus a libertação «do poder do Maligno» (1Jo 5,19). Na última petição do Pai Nosso «o Mal não é uma abstracção, mas designa uma pessoa, Satanás, o Maligno, o anjo que se opõe a Deus»[35][35].

20. Qual a utilidade e eficácia de uma oração de libertação?


É eficaz como qualquer outra oração de petição a Deus[36][36]. Deve ser feita com as devidas disposições[37][37] e estar de acordo com o plano divino de amor e salvação para cada um de nós[38][38]. Concretamente, alcançam a graça que pedem, ou seja, a efectiva libertação do domínio diabólico e de todos os males causados pelos demónios. Além disso, ajudam a discernir eventuais casos de possessão, obsessão, vexação e infestação diabólica.

NOTAS


[1][1] Estas breves questões foram preparadas pelo Pe. Duarte Sousa Lara (
www.santidade.net), exorcista e doutor em teologia.

[2][2] Catecismo da Igreja Católica, n. 328.

[3][3] Catecismo da Igreja Católica, n. 391.

[4][4] Concílio de Latrão IV, cap. 1, De fide catholica: DH 800.

[5][5] Cf. R. Bultmann, Nuovo Testamento e mitologia. Il manifesto della demitizzazione, Bescia 1970, pp. 109-110: «A fé acerca da existência dos espíritos e dos demónios está liquidada pela conhecimento das forças e das leis da natureza. [...] Não se pode usar a luz eléctrica e a rádio, servir-se dos modernos instrumentos médicos e químicos nos casos de doença, e depois acreditar no mundo dos espíritos e dos milagres do Novo Testamento».

[6][6] Catecismo da Igreja Católica, n. 395.

[7][7] Catecismo da Igreja Católica, n. 329.

[8][8] Ritual Romano. Rito dos exorcismos, Proémio.

[9][9] Catecismo da Igreja Católica, n. 1861.

[10][10] Afirmava a Beata Jacinta Marto pouco antes de morrer: «Os pecados que levam mais almas para o inferno, são os pecados da carne» (J. M. De Marchi, Era uma Senhora mais brilhante que o Sol, 17ª ed., Editora Missões Consolata, Fátima 2000, p. 267).

[11][11] Cf. Ex 20,2-17: «Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egipto, dessa casa da escravidão. Não terás outros deuses perante Mim. Não farás de ti nenhuma imagem esculpida, nem figura que existe lá no alto do céu ou cá em baixo na terra ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas nem lhes prestarás culto porque eu, o Senhor teu Deus, sou um Deus cioso castigo a ofensa dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que Me ofendem; mas uso de misericórdia até à milésima geração com aqueles que Me amam e guardam os meus mandamentos».

[12][12] Cf. Afonso Maria de Ligório (santo), Theologia moralis, Tipografia Vaticana, Roma 1905, tom. 1, lib. 3, tract. 1, cap. 1, dub. 2, n. 5:«A adivinhação dá-se quando alguém invoca a ajuda tácita ou explícita dos demónios a fim de conhecer coisas futuras contingentes (não necessárias) ou coisas ocultas que não se podem conhecer naturalmente».

[13][13] Cf. ibidem, dub. 4, n. 15:«A vã observância, tal como a adivinhação, é de sua natureza (ex genere suo) um pecado mortal. Porque atribui honras divinas às creaturas esperando dessas algo que só de Deus devemos esperar e também porque tenta entrar em pacto com o demónio».

[14][14] Cf. ibidem, dub. 1, n. 1:«A superstição é a falsificação da religião, ou culto vicioso».

[15][15] Cf. Mt 13,3-8.18-23; Mc 4,3-9.13-20; Lc 8,5-8.11-15.

[16][16] Agostinho de Hipona (santo), Serm. 163/B, 5.

[17][17] Ritual Romano. Rito dos exorcismos, Proémio.

[18][18] Catecismo da Igreja Católica, n. 395.

[19][19] Cf. Rom 8,28: «Ora nós sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus».

[20][20] Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, n. 37.

[21][21] Ritual Romano. Rito dos exorcismos, Proémio.

[22][22] Cf. At 12,7-10: «De repente apareceu um anjo do Senhor, e uma luz resplandeceu no recinto. O anjo, batendo no lado de Pedro, despertou-o, dizendo: «Levanta-te depressa!». E caíram as correntes das suas mãos. O anjo disse-lhe: «Toma o teu cinto e calça as tuas sandálias!». E ele assim fez. E disse-lhe: «Põe sobre ti a tua capa e segue-me!». Ele, saindo, seguia-o sem dar conta de que era realidade o que se fazia por intervenção do anjo, antes julgava ter uma visão. Depois de passarem a primeira e a segunda guarda, chegaram à porta de ferro que dá para a cidade, a qual se abriu por si mesma. Saindo, passaram uma rua, e imediatamente o anjo afastou-se dele»; Tomás de Aquino (santo), Summa theologiae, I, q. 110, a. 3, ad 3: «a potência motora da alma limita-se ao corpo a ela unido, que ela vivifica, e mediante o qual pode mover outros corpos. No entanto, a potência do anjo não é limitada a um corpo, podendo assim mover localmente corpos aos quais não está unida».

[23][23] Cf. Tomás de Aquino (santo), Summa theologiae, I, q. 111, a. 3, c.: «O anjo, bom ou mau, pode, em virtude da sua natureza, mover a imaginação do homem»; Ibidem, a. 4, c.: «O anjo pode agir sobre os sentidos do homem».

[24][24] Tomás de Aquino (santo), Summa theologiae, I, q. 110, a. 4, ad 2.

[25][25] Cf. At 16,16-19: «Aconteceu que, um dia, indo nós à oração, nos veio ao encontro uma jovem escrava que tinha um espírito pitónico, e que com as suas adivinhações dava muito lucro a seus amos. Ela, seguindo-nos a Paulo e a nós, gritava, dizendo: «Estes homens são servos do Deus excelso e vos anunciam o caminho da salvação». E fez isto muitos dias. Paulo, porém, enfadado, tendo-se voltado para ela, disse ao espírito: «Ordeno-te, em nome de Jesus Cristo, que saias dessa mulher». E ele na mesma hora saiu. Mas, vendo seus amos que se lhes tinha acabado a esperança do lucro, pegando em Paulo e em Silas, os levaram ao foro, às autoridades»; Agostinho de Hipona (santo), De divinatione daemonum liber unus: PL 40; Tomás de Aquino (santo), Summa theologiae, II-II, q. 95, a. 2, c.: «toda a adivinhação é obra dos demónios».

[26][26] Cf. At 19,18-19: «Muitos dos que tinham acreditado iam confessar e declarar as suas práticas. Muitos também daqueles que se tinham dedicado à magia, trouxeram os seus livros e queimaram-nos diante de todos»; Agostinho de Hipona (santo), De Trinitate, 3,7,12: «os anjos prevaricadores [...] que conferem à magia todo o poder que essa tem».

[27][27] Cf. Tomás de Aquino (santo), Summa theologiae, II-II, q. 95, a. 2, ad 2: «esse modo de adivinhação é culto aos demónios, enquanto com eles se fazem pactos implícitos ou explícitos».

[28][28] Cf. Ritual Romano. Rito dos exorcismos, Preliminares, n. 16.

[29][29] Cf. Lc 13,11: «Estava lá uma mulher possessa de um espírito que a tinha doente havia dezoito anos; andava encurvada, e não podia levantar a cabeça».

[30][30] Afonso Maria de Ligório (santo), Theologia moralis, Tipografia Vaticana, Roma 1905, tom. 1, lib. 3, tract. 1, cap. 1, dub. 5, n. 23.

[31][31] Cf. ibidem, n. 24:«Contra os malefícios é lícito utilizar: 1) Os remédios da ciência médica [...]. 2) Os exorcismos e os sacramentos da Igreja, as peregrinações, as invocações dos santos, etc. 3) A destruição dos sinais por meio dos quais o demónio ataca».

[32][32] Catecismo da Igreja Católica, n. 1673.

[33][33] Catecismo da Igreja Católica, n. 2854.

[34][34] Christoph Schönborn (cardeal), La joie d'être prêtre. A la suite du Curé d'Ars, ouverture par le pape Benoît XVI, Éditions des Béatitudes, Nouan-le-Fuzelier 2009, p. 90.

[35][35] Catecismo da Igreja Católica, n. 2851.

[36][36] Cf. Jo 16,24: «pedi e recebereis»; Mt 7,7-8: «Pedi, e vos será dado; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Porque todo aquele que pede, recebe, e quem busca, encontra; e a quem bate, abrir-se-á».

[37][37] Feita em nome de Jesus (cf. Jo 16,23: «se pedirdes a Meu Pai alguma coisa em Meu nome, Ele vo-la dará»), com fé (Mt 21,22: «tudo o que pedirdes com fé na oração alcançá-lo-eis»; Tg 1,6: «peça-a com fé, sem nada hesitar»), com humildade (Lc 18,10-14; Catecismo da Igreja Católica, n. 2559: «A humildade é o fundamento da oração»), perseverança (cf. Rom 12,12: «perseverantes na oração») e de preferência em grupo (cf. Mt 18,19: «se dois de vós se unirem entre si sobre a terra a pedir qualquer coisa, esta lhes será concedida por Meu Pai que está nos céus»).

[38][38] Cf. Lc 22,42: «Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice; não se faça, contudo, a Minha vontade, mas a Tua»; 2Cor 12,8-9: «roguei três vezes ao Senhor que o apartasse de mim, mas Ele disse-me: ‘Basta-te a Minha graça, porque é na fraqueza que o Meu poder se manifesta por completo’».

 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Ao leme da barca de Pedro,
no meio do temporal

Sandro Magister 

Há quem censure Bento XVI por ter um comando débil. Mas não é verdade. Todos os conflitos deste pontificado nasceram de decisões de governo. Decisões firmes e contra a corrente. As intrigas por detrás da expulsão de Ettore Gotti Tedeschi do IOR.

É grande a desordem debaixo do céu, numa cúria vaticana dilacerada por conflitos.

O conflito mais explosivo combate-se nestes dias no campo das finanças. Combatido sem caridade nem verdade, apesar do nome da encíclica de Bento XVI, a «Caritas in Veritate».

Este conflito chocou o mundo pela inaudita brutalidade com que a 24 de Maio Ettore Gotti Tedeschi foi expulso do cargo de presidente e membro do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o banco do Vaticano.

Mas o aspecto ainda mais surpreendente deste e doutros confrontos abertos actualmente na cúria e na Igreja é que Bento XVI está na sua origem primária.

Não por debilidade de comando, como em muitos lugares, e erradamente, se diz.

Pelo contrário: por claros e fortes actos de governo que ele assumiu. Com uma audácia consciente das oposições que suscita.

Finanças do Vaticano. O «mandato» do Papa.

De facto, as verdadeiras razões pelas quais o conselho de supervisão do IOR expulsou Gotti Tedeschi não são as que foram indicadas na moção de censura. São muito diferentes. São aquelas que já em Dezembro de há dois anos tinham provocado um primeiro confronto sério entre o presidente do IOR e o Secretário de Estado, Tarcisio Bertone.

Em Dezembro de 2010 estavam prontas para serem promulgadas pelo Vaticano novas regras que teriam aberto o caminho para a admissão da Santa Sé na «white list» dos Estados europeus com os mais elevados padrões de transparência financeira, e portanto da luta contra a reciclagem de dinheiros ilícitos.

Para redigir estas regras, e em especial a lei depois conhecida pelo número 127, Gotti Tedeschi e o Cardeal Attilio Nicora, na época presidente da Administração do Património da Sede Apostólica – um organismo vaticano que também tem funções bancárias –, chamaram os dois peritos italianos mais autorizados na matéria, Marcello Condemi e Francesco De Pasquale.

Imediatamente, antes ainda de que tais regras fossem promulgadas e antes ainda de que estivesse instituída a Autoridade de Informação Financeira (AIF) prevista por essas regras, dotada de poderes ilimitados de inspecção de cada movimento de dinheiro realizado por qualquer organismo interno ou ligado à Santa Sé, desencadeou-se contra ambas inovações uma oposição duríssima.

A oposição foi forte sobretudo por parte da direcção do IOR. E tinha apoio no Cardeal Bertone.

O director-geral do IOR, Paolo Cipriani, e os restantes membros da direcção ofereciam uma resistência incansável a que se retirasse o segredo sobre as contas depositada no banco, numeradas ou não, algumas das quais sob investigação da magistratura italiana por suspeita de irregularidades. Segundo eles, o sigilo do IOR era um elemento irrenunciável da autonomia do Estado da Cidade do Vaticano como Estado soberano. Era sua convicção que a reserva e o carácter de banco «offshore» eram ainda aspectos que tornavam o IOR mais atractivo que outros bancos para a sua clientela internacional. E que, sem isso, estaria condenado a encerrar.

Mas no dia 30 de Dezembro de 2010 Bento XVI em pessoa, com um motu proprio – isto é, com um acto de governo assinado pessoalmente por ele – promulgou as novas regras sem mudar uma vírgula do projecto que tinha causado tanta oposição. E instituiu a AIF com todos os seus poderes de inspecção, colocando à sua frente o Cardeal Nicora.

Com este motu proprio e com a encíclica «Caritas in Veritate» Bento XVI traçou uma linha de rumo claríssima, a caminho da passagem definitiva das actividades financeiras vaticanas para um regime de máxima transparência, internacionalmente controlada e reconhecida.

Mas a oposição às novas regras e aos poderes da AIF não cessou com a entrada em vigor desejada pelo Papa. Cresceu, mesmo, de intensidade.

No passado Outono, a Secretaria de Estado e o Governatorato da Cidade do Vaticano, em acordo com a direcção do IOR, reescreveram de novo a lei 127. E no dia 25 de Janeiro de 2012, por decreto, fizeram entrar em vigor uma nova versão, que limitava fortemente os poderes de inspecção do AIF.

Gotti Tedeschi e o cardeal Nicora contestaram duramente a inversão de sentido, antes e depois de se ter implementado. Na sua opinião, isso vai custar a não admissão da Santa Sé à «white list», como já fez pressentir, no passado mês de Março, uma inspecção ao Vaticano do Moneyval – o grupo do Conselho da Europa que avalia os sistemas anti-branqueamento dos vários países – rematada com um juizo desfavorável sobre a segunda versão da lei 127: oito notas negativas contra apenas duas positivas, enquanto a versão anterior merecera seis notas a favor, e apenas quatro negativas.

E agora chegámos à «defenestração» de Gotti Tedeschi, acordada entre a direcção do IOR e o Cardeal Bertone, contrariamente ao que foi dito em público por um membro dessa direcção, o americano Carl Anderson, presidente dos Cavaleiros de Colombo.

Naquele dia 24 de Maio, com efeito, a reunião do conselho de supervisão do IOR, que retirou a confiança a Gotti Tedeschi – e cujo relato foi tornado público pelo conselheiro Carl Anderson – foi precedida, pelas 13h30, meia hora antes do seu início, de um encontro dos conselheiros com o Cardeal Bertone, um encontro convocado por este, estando também presente o director do IOR Paolo Cipriani.

E nos dias anteriores tanto Anderson como um outro conselheiro, o alemão Ronald Hermann Schmitz, tinham escrito confidencialmente ao Cardeal Bertone para lhe anunciar a intenção de votar a favor da censura a Gotti Tedeschi, «certos de apoiar a justa indicação de Sua Eminência».

Nestas cartas ao Secretário de Estado – publicadas no dia 9 de Junho pelo «Il Fatto Quotidiano» –, Anderson e Schmitz sublinhavam a sua preocupação pelo crescente isolamento internacional do IOR, em particular pela interrupção das relações com o instituto decidida pelo grande banco americano JP Morgan. A culpa atribuiam-na ao «extravagante» Gotti Tedeschi.

Mas, também aqui, não é evidente que seja essa a verdadeira razão da descida do rating internacional do IOR. É, sim, o seu carácter anómalo, a sua persistente falta de transparência.

Gotti Tedeschi manteve sempre informado o secretário pessoal de Bento XVI, P. Georg Gänswein, sobre a actuação na presidência do IOR e sobre a oposição encontrada.

Do Papa em pessoa, mais de uma vez, tinha recebido o «mandato» explícito de avançar para a plena transparência.

E era ao Papa que Gotti Tedeschi, após a sua expulsão do IOR, queria fazer chegar um memorandum completa sobre tudo quando ocorrera.

Mas hoje esta sua carta e correspondência estão apreendidas pela magistratura italiana, em resultado de uma busca domiciliária realizada no dia 5 de Junho na sua casa de Piacenza e no seu gabinete em Milão.

Rapidamente, excertos dessas cartas e do interrogatório começaram a ser filtrados para os media, como acontece sistematicamente em Itália, com desrespeito pelo segredo de justiça.

Também dos escritórios do Vaticano começaram a sair cartas reservadas. Além das duas cartas de Anderson e Schmitz, veio a lume também uma carta escrita no passado mês de Março, endereçada ao director geral do IOR, Paolo Cipriani, enviada por um psicoterapeuta da sua confiança, Pietro Lasalvia, com um diagnóstico desastroso do estado de saúde psíquica de Gotti Tedeschi, deduzido de uma observação ocasional deste, feita durante um encontro com funcionários do banco do Vaticano, para as saudações do Natal passado.

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O conflito desencadeado no Vaticano por razão da operação transparência teve, portanto, Bento XVI não como espectador, mas como protagonista activo.

É a sua linha de actuação. É seu o motu proprio de 30 Dezembro de 2010 que introduziu as inovações.

Esta desforra dos opositores não é capaz de cancelar a orientação determinada pelo Papa, que continua viva, apesar de tudo. E continua viva, também na opinião pública, convencida de que Bento XVI está pela verdadeira transparência, enquanto muitos outros personagens no Vaticano não estão, mesmo que às vezes a preguem com as palavras.

Governo manso, mas firme.

Naturalmente, o campo financeiro não é o único terreno em que Bento XVI interveio com actos de governo nos seus anos de pontificado.

Noutros, e não menos importantes, terrenos este Papa tomou decisões fortes, de carácter normativo, mesmo tendo consciência de criar dessa maneira resistências e divisões.

Uma indicação sumária:

– Em 2007 Bento XVI, com o motu proprio «Summorum pontificum», liberalizou o uso do missal romano do rito antigo.

– Em 2009 revogou a excomunhão aos quatro bispos consagrados ilicitamente pelo arcebispo D. Marcel Lefebvre e com o motu proprio «Ecclesiae unitatem» abriu o percurso para o regresso dos lefebvriani à plena comunhão com a Igreja.

– Ainda em 2009, com a constituição apostólica «Anglicanorum coetibus», estabeleceu as regras para a passagem para a Igreja Católica de inteiras comunidades anglicanas com os seus bispos, sacerdotes e fiéis.

– Em 2010 promulgou novas regras, muito severas, quanto aos «delicta graviora» e em particular sobre os abusos sexuais sobre menores.

– Ainda em 2010 promulgou o acima referido motu proprio para a transparência financeira.

– Em 2011, com a instrução «Universae ecclesiae» promulgou novas normas para a integração das já existentes sobre a missa em rito antigo.

Pois bem, nem um só destes actos de governo de Bento XVI deixou de suscitar controvérsias, contraposições, conflitos.

Mas atenção, Bento XVI nunca pensou compor estas divisões à custa de processos disciplinares, ou com nomeações ou destituições espectaculares.

A sua arte de governo é sempre a de acompanhar as decisões normativas – como os motu proprio citados – com uma acção de persuasão sobre as razões profundas dessas decisões.

Assim, por exemplo, as suas iniciativas para dar termo ao cisma com os lefebvrianos foram precedidas e explicadas com o memorável discurso à cúria do dia 22 de Dezembro de 2005, sobre a interpretação do Concílio Vaticano II como «renovação na continuidade do único sujeito-Igreja».

A sua liberalização do rito antigo da missa está sendo acompanhada por uma incessante ilustração das riquezas de ambos os ritos, o antigo e o moderno, encorajando a uma recíproca vitalização, como já acontece, debaixo do olhar de todos, nas liturgias que ele celebra.

A sua decisão de instituir as comunidades anglicanas entradas na Igreja católica como ordinariatos com hierarquia e rito próprio vai acompanhada por uma redefinição «sinfónica»do caminho ecuménico com as comunidades cristãs separadas de Roma.

A sua corajosa acção de guia no confronto do escândalo dos abusos sexuais vai acompanhada por um esforço incansável de regeneração intelectual e moral do clero, culminado pela indicação de um ano sacerdotal, com a reafirmação claríssima da lei do celibato. Além disso, Bento XVI pôs em estado de penitência inteiras Igrejas nacionais, como a irlandesa.

Por último, as suas decisões a favor de uma transparência máxima das actividades financeiras da Santa Sé são inseparáveis da leitura teológica deste campo do agir humano que ele fez na encíclica «Caritas in veritate».

Quem tem ouvidos para ouvir, oiça. É a mansa firmeza de governo deste Papa.