Inês Teotónio Pereira
O caso é sério porque revela que os pais se
consideram incompetentes para responder a estas questões e não confiam em quem
os educou – nos avós
Existem duas entidades em quem os pais já não
confiam: neles próprios e nos avós. Ao fim de séculos a confiar nestas duas
instituições milenares chegou a altura de atirar a toalha ao chão e de procurar
novas experiências que ajudem a educar e a criar os filhos. Nada do que valia,
agora vale, é esta a infeliz certeza das novas gerações de pais. Está tudo em
aberto no que diz respeito à educação ou à criação dos filhos e tudo pode ser
dito e escrito porque haverá sempre interessados, likes, polémica e
comentários. Está tudo em aberto: do mais importante ao mais ridículo.
Os pais acham que não sabem coisa alguma sobre a
arte de educar e criar filhos. Confiam mais em qualquer livro, em qualquer
especialista – seja ele pediatra, sociólogo, neuropsicólogo, ou apenas
estudioso – ou em blogues, que ditam sentenças e teorias, do que neles
próprios. A intuição foi de férias para parte incerta e os avós, bom, os avós
são mais velhos e não estão inteirados dos tempos modernos: os tempos são
outros, por isso as crianças também devem ser diferentes. Sim, é um mistério
que apesar da falta de doutrina publicada e da escassez de especialistas
encartados durante todos estes milénios, a humanidade tenha conseguido
sobreviver.
E quais são os temas centrais que preocupam os pais
e que servem de substrato para a sobrevivência de tantos especialistas? Tudo e
mais um par de botas. Há umas semanas estoirou uma polémica dentro da temática
pais e filhos que, tendo em conta o entusiasmo que suscitou, põe em causa a
importância de assuntos como os massacres no Iraque ou o próprio joelho de
Ronaldo. Um pediatra espanhol, um verdadeiro especialista em vender livros na
Ibéria, deu uma entrevista ao Observador onde declara peremptoriamente que as
crianças não devem ser castigadas, devem dormir na cama dos pais até à idade
que entenderem, que os legumes não fazem falta nenhuma à dieta ibérica dos
nossos infantes e, pasme com a grande novidade, os pais devem amar os filhos. O
mundo paternal estremeceu e o debate centrado nos legumes, na cama dos pais e
nos castigos tomou conta da temática pais e filhos. Ficámos, então, todos a
saber que há um mundo de filosofia por detrás destes temas.
Esta semana o Observador descobriu mais um
especialista espanhol, que também é campeão literário de vendas, que revela o
segredo na arte de adormecer uma criança: «A ideia é deixar as crianças na sua
própria cama, com a luz do quarto apagada e a porta aberta. É provável que
chorem, pelo que os pais devem visitar os filhos, em intervalos de tempo
progressivamente maiores, no sentido de os acalmar. A calma e a serenidade são
factores importantes.» O mesmo método deve ser aplicado na arte de enfiar
legumes pela boca abaixo dos nossos filhos: calma e serenidade; assim como no
que toca à disciplina: constância em vez de rigidez. O mundo dos pais
dividiu-se entre os dois espanhóis. Está uma verdadeira revolução em
curso.
O caso é sério. O facto de haver mercado para estes
especialistas é um caso sério porque é a constatação de que os pais acham que
não conseguem sozinhos descobrir fórmulas para adormecerem os filhos, que não
sabem como fazer com que seres que têm um terço do seu tamanho comam um prato
de sopa e não consideram claro como água que as crianças precisam de regras
coerentes, constantes e de sanções caso haja necessidade de as forçar a
respeitarem as ditas regras. Quanto à evidência de «terem de ser amadas», nem
sei que diga.
O caso é sério porque
revela que os pais se consideram incompetentes para responderem a estas
questões e não confiam em quem os educou – nos avós – para esclarecerem as
dúvidas. É sério porque parece que, afinal, a experiência e a intuição não
servem para nada. Não há por aí mais um especialista que queira escrever sobre
isto?