quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Bento XVI sobre o «género»

«Não se nasce mulher; fazem-na mulher  On ne naît pas femme, on le devient».
 
Nestas palavras [de Simone de Beauvoir], manifesta-se o fundamento daquilo que hoje, sob o vocábulo «gender - género», é apresentado como nova filosofia da sexualidade. 
 
De acordo com tal filosofia, o sexo já não é um dado originário da natureza que o homem deve aceitar e preencher pessoalmente de significado, mas uma função social que cada qual decide autonomamente, enquanto até agora era a sociedade quem a decidia.
 
Salta aos olhos a profunda falsidade desta teoria e da revolução antropológica que lhe está subjacente.
 
O homem contesta o facto de possuir uma natureza pré-constituída pela sua corporeidade, que caracteriza o ser humano. Nega a sua própria natureza, decidindo que esta não lhe é dada como um facto pré-constituído, mas é ele próprio quem a cria.
 
De acordo com a narração bíblica da criação, pertence à essência da criatura humana ter sido criada por Deus como homem ou como mulher. Esta dualidade é essencial para o ser humano, como Deus o fez.
 
É precisamente esta dualidade como ponto de partida que é contestada.
 
Deixou de ser válido aquilo que se lê na narração da criação: «Ele os criou homem e mulher» (Gn1, 27). Isto deixou de ser válido, para valer que não foi Ele que os criou homem e mulher; mas teria sido a sociedade a determiná-lo até agora, ao passo que agora somos nós mesmos a decidir sobre isto.

Homem e mulher como realidade da criação, como natureza da pessoa humana, já não existem.

O homem contesta a sua própria natureza; agora, é só espírito e vontade.

A manipulação da natureza, que hoje deploramos relativamente ao meio ambiente,torna-se aqui a escolha básica do homem a respeito de si mesmo.

Agora existe apenas o homem em abstracto, que em seguida escolhe para si, autonomamente, uma outra coisa para sua natureza. Homem e mulher são contestados como exigência, ditada pela criação, de haver formas da pessoa humana que se completam mutuamente.

Se, porém, não há a dualidade de homem e mulher como um dado da criação, então deixa de existir também a família como realidade pré-estabelecida pela criação.

Mas, em tal caso, também a prole perdeu o lugar que até agora lhe competia, e a dignidade particular que lhe é própria; Bernheim mostra como o filho, de sujeito jurídico que era com direito próprio, passa agora necessariamente a objecto, ao qual se tem direito e que, como objecto de um direito, se pode adquirir.

Onde a liberdade do fazer se torna liberdade de fazer-se a si mesmo, chega-se necessariamente a negar o próprio Criador; e, consequentemente, o próprio homem como criatura de Deus, como imagem de Deus, é degradado na essência do seu ser.

Na luta pela família, está em jogo o próprio homem.

E torna-se evidente que, onde Deus é negado, dissolve-se também a dignidade do homem. Quem defende Deus, defende o homem.
 
 
 

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Abuso de menores e relativismo na Igreja

Nuno Serras Pereira
 
1.º Uma quantiosa parte de grandes meios de comunicação social, principalmente no ocidente, depois de durante anos ter uma atitude permissiva ou mesmo concordante com a pedofilia e, em geral, sexo de adultos com menores de repente fingiu-se escandalizada, e acomunada com os inimigos de Cristo e da Sua Igreja, e com gentes cobiçosas de riquezas, mesclada com quem genuinamente demandava justiça, desatou numa algazarra denunciando, a torto e a direito, sacerdotes, culpados e inocentes, vivos e defuntos, que alegadamente estariam implicados nesses crimes horrendos. O bombardeamento sistemático e prolongado no tempo provocou em alguns países um pavor tal em muitíssimos pais que quando lobrigavam um Padre enxotavam os filhos para trás de si e punham uma carranca ameaçadora, com olhares relampejando áscuas ferozes para qualquer Sacerdote.

O facto do mesmo comportamento obsceno existir em ministros de outras confissões religiosas, bem como nas famílias, principalmente nas desestruturadas, nos professores e treinadores, em maior percentagem do que no clero católico foi largamente silenciado e ocultado. De modo que as crianças e adolescentes continuam, sem instinto protector por parte de seus pais ou mães, a aproximarem-se e a conviverem com essa gente.

Não sendo poucas as injustiças com que a Igreja foi assim acoimada, não se pode deixar de reconhecer que Deus na Sua Providência o permitiu para purificar muitos dos seus membros. De facto, não existia uma consciência por parte da maioria da alta Hierarquia da Igreja quer da extensão quer da gravidade dos abusos perpetrados. Esses desvios perversos do clero e de alguns prelados eram evidentemente gravíssimos e intoleráveis. E imensamente mais sérios dos que os realizados por outras pessoas, na medida em que o Sacerdote, ao ser embaixador de Deus, presença de Jesus Cristo Sumo-sacerdote e Cabeça da Igreja, em vez de O comunicar se tornava um anti-sacramento, um veículo do Maligno. As consequências tamanhas quer naturais quer sobrenaturais nas vítimas não se podem exprimir adequadamente, pelo menos em texto tão breve como este.

E tudo isto é tanto mais para espantar não só por existir na Igreja uma Tradição de padecimento do martírio por parte de crianças e adolescentes que rejeitaram todas as ameaças de tormentos cruéis e de morte por repugnaram as concupiscências lúbricas de pagãos e infiéis, como de implacabilidade do Papado, altos hierarcas e Santos para com esse tipo de abusos da parte de sacerdotes, frades e monges.

É preciso acrescentar que a enorme maioria dos abusos passados (em muito menor número) e presentes não foram exercidos sobre crianças pré-púberes mas sobre adolescentes masculinos entre os 14 e 17 anos. Importa muito frisar isto porque assim fica claro aquilo que quase ninguém, quer fora quer dentro da Igreja, quer que se saiba: que o problema de fundo responsável por esta abjecção são os comportamentos homossexuais, nestes casos, na forma de efebofilia.

Tudo isto foi possível nas décadas passadas em virtude de uma dissolução doutrinal, um abandono da Verdade substituída por ideologias, que teve consequências na disciplina e na formação que deveria ser ministrada nos Seminários e Conventos, potenciada pela mentalidade triunfante e omnipresente no ar do tempo. Isso permitiu ou facilitou uma muito significativa infiltração de «comandos ‘gay’ » que nalgumas nações e Dioceses alcançaram lugares de alta prelatura dominando Seminários, Ordens Religiosas e outras instituições eclesiais, recrutando outros contaminados pela mesma ideologia, pervertendo inocentes e expulsando os que resistiam aos seus avanços e se mostravam imunes ao contágio. Não surpreendente, por isso, que ainda haja bolsas de resistência constituída por gente poderosa e muito dissimulada intentando combater as reformas de João Paulo II e Bento XVI.

2.º Estes crimes e pecados horrorosos a que temos feito referência, apesar de serem apresentados pela generalidade dos descrentes e mesmo por grande parte dos membros da Igreja, como os mais hediondos entre todos, não o são verdadeiramente. Há pior, muito pior.

Eu sei que com aquilo que vou afirmar deixarei boquiabertos ou mesmo estuporados a grande maioria dos leitores: a heresia, por exemplo, é um crime e um pecado muito mais grave do que o abuso de menores, o qual como sugeri brota da negação de uma verdade racional confirmada pela Revelação positiva Sobrenatural, a saber, o único lugar adequado e lícito do exercício da sexualidade é o amor, ou seja, a entrega total corpóreo-espiritual, exclusiva, fiel e permanente de um homem e de uma mulher, até que a morte os separe.

Isto que afirmei não é uma invenção minha mas é e sempre uma verdade doutrinal reconhecida e anunciada pela Igreja. No entanto, convenho, que não o parece. Creio que há várias razões para tal. Uma é, sem sombra de dúvida, a «ditadura do relativismo» em que estamos mergulhados, senão mesmo afogados. O mais estranho, todavia, é que os efeitos funestos desta mentalidade parecem em parte controlar, creio que inconscientemente, muitos daqueles que a reconhecem e combatem. De facto, que outra explicação se poderá encontrar para a circunstância de ela ser largamente tolerada ou mesmo admitida e icentivada em Universidades Católicas, em sacerdotes que escrevem em jornais, que estão à frente de paróquias e peroram nas rádios e nas televisões, em Leigos católicos apontados como exemplos e referências, e mesmo nos mais altos prelados? Qual a razão de não existir, no mínimo, igual rigor por parte da Igreja para com este crime como para com o anterior? Será por não existir indignação social? Por a comunicação social não só o não apontar como tal como advogar os que a proclamam? Mas então, perguntar-se-á, a Igreja anda a toque de caixa da mentalidade reinante? Porventura, ou desventura…, quem a comanda não é a Verdade, o seu Senhor, mas sim a opinião do vulgo? Quererá isto dizer que caso o abuso de menores deixe de ser considerado infame pela sociedade a Igreja encolherá os ombros? Não será necessário fazermos um exame de consciência e perguntarmo-nos, diante de Deus, o que se passa connosco?

3.º Quando interrogamos um esposo e sua esposa sobre que reacções teriam na eventualidade de saberem que um filho tivesse sido abusado por um adulto, padre ou não, as suas respostas geralmente são prontas e viscerais: um espancamento brutal ou um homicídio sumário do criminoso. Se, no decorrer da conversa, perguntarmos se «preferiam» que um filho tivesse sido abusado, por sedução ou violência, ou assassinado, não obstante a forte detestação da primeira hipótese todos acabam por reconhecer que antes os queriam vivos, apesar do enorme traumatismo, do que destruídos pelo extermínio. Estas reacções são concordes com a Lei Moral Natural, isto é, com a Lei da Recta Razão, que vê no homicídio de um ser humano um pecado e um crime ainda mais graves do que o abuso, mesmo de um menor.

É verdade, o aborto provocado é um crime maior e ainda mais monstruoso que o abuso de um menor. E no entanto, o primeiro é legalizado, publicitado, financiado, elogiado, enquanto o segundo é criminalizado, sendo que há uma substancial variação, quanto a este último, no que diz respeito à idade da penalização, de país para país. Pelo que aquilo que num é odioso noutro é considerado normal e fazendo parte da vida privada…

Importa ainda sublinhar que a injustiça e ilicitude moral da matança deliberada e directa de qualquer pessoa humana inocente em qualquer fase da sua existência, desde a sua concepção, ou seu início, até à morte natural, é não só uma verdade do Direito Natural mas também uma Verdade Revelada, de Fé Divina e Católica, pelo que a sua negação obstinada, ou, por outras palavras, a advocacia da sua legalização ou liberalização constitui, sem dúvida alguma, uma heresia.

De modo que podemos afirmar que o aborto provocado é mais grave que o abuso de menores quer a título natural quer a Sobrenatural. E no entanto aí temos o seus fautores ou mesmo realizadores a pregar nos órgãos de comunicação, mesmo os da Igreja, contractados para ensinar, mesmo nas instituições da Igreja, para dar formação pastoral em Fátima e em outros lugares Sagrados, enaltecidos e aclamados pelos mais graúdos prelados. E ninguém se choca, nem se ofende, nem se melindra; ninguém se indigna nem mobiliza; tudo amocha, tudo se retrai, tudo conclama ámen, ámen; todos censuram quem se atreve a denunciar a cegueira, o pecado, a malignidade atroz destas infâmias.


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