Nuno Serras Pereira
Hoje, entre o meio-dia e a uma, a rádio renascença (RR) – que é reconhecida e promovida pela Igreja como católica -, propriedade do Patriarcado de Lisboa e da Conferência Episcopal, num programa cujo nome não recordo pôs a “debate” o, impropriamente, chamado “testamento vital” (devia denominar-se “declaração antecipada de tratamento”). Pelo menos, três das “sumidades” que palraram advogaram obstinadamente o carácter vinculativo do dito documento (embora me esforçasse estoicamente por aguentar tanta barbaridade não aguentei ouvir o programa na sua totalidade). Qualquer pessoa minimamente informada sabe que essa “vinculação” significa de facto abrir a porta à eutanásia constituindo, por isso, uma agressão violenta e homicida, bem como uma ataque directo à autonomia e liberdade da pessoa em estado de enorme vulnerabilidade. Não é para admirar, uma vez que a estação emissora patriarcal (o Patriarcado de Lisboa é, de longe, o proprietário principal) sabia que estes três eutanazis eram conhecidos abortistas que estiveram fortemente empenhados no referendo sobre a liberalização do aborto, pelo lado do Sim à mesma. São eles João Semedo do bloco de esquerda, Eurico Reis, juiz desembargador (convidado residente) e Miguel Oliveira da Silva, presidente do conselho nacional de ética para as ciências da vida (!). Este último, aliás, é especialmente conhecido por, várias vezes, ter orgulhosamente confessado, na televisão, que ele próprio praticava abortamentos.
A rádio dos nossos Bispos está tão feliz e orgulhosa com as declarações deste último que anda a repeti-las nos noticiários.
Se perguntássemos ao Cardeal Patriarca de Lisboa e à Conferência Episcopal se reconhecem ter graves responsabilidades na liberalização do aborto e na eutanásia que aí vem responderiam indignados atirando-nos com uma resma de papéis, que quase ninguém lê, onde está, como de facto está, preto no branco a sua oposição e boa parte da Doutrina da Igreja sobre o assunto. Deste modo o simples facto da interrogação seria etiquetado de ofensa e calúnia. A verdade, porém, é que aquilo que escreveram tem sido contrariado, quer por uma indiferença generalizada, uma negligência de há muitos anos na formação dos católicos sobre o Evangelho da vida, sobre moral e bioética; na aceitação de catequistas, de ministros extraordinários da Comunhão e tantas outras pessoas com responsabilidades eclesiais e diocesanas publicamente favoráveis ao aborto, à eutanásia, à experimentação em pessoas embrionárias, à reprodução artificial, etc.; e na cumplicidade, repito, na cumplicidade com as forças da morte ao conceder-lhes voz para advogarem as suas perfídias pestíferas nos meios de comunicação social da Igreja, particularmente na RR.
Que o mundo fique a saber, os Bispos portugueses desde há muitos anos compactuam, do modo acima descrito, com o abuso mortal de menores nascentes (também se poderia dizer, pedofobia mortífera) e agora com os eutanazis.
Conheço uma quantidade significativa de rádios e televisões católicas, mas em nenhuma oiço ou vejo algo de semelhante. Pelo contrário, têm bastantes programas de formação nestes campos – uma coisa aliás que desse há muitos anos os movimentos de defesa e promoção da vida, aqui em Portugal, vêm pedindo mas sem nenhum sucesso.
O Bispo do Porto, D. Manuel Clemente, tem dito várias vezes que é necessário, mesmo antes de um novo referendo sobre a defesa da vida, um grande debate nacional sobre a mesma. Com toda a consideração que tenho pelo senhor Bispo estou em que o mais urgente é a formação dos católicos sobre estas matérias, coisa com a qual não se vê os senhores Bispos preocupados ou, pelo menos, decididos.
Por mim, não tenho dúvidas, se o comportamento dos meios de comunicação social da Igreja, em particular da RR, a estação emissora com a mais vasta audiência a nível nacional, tivesse sido como devia ser o resultado do último referendo sobre o aborto teria sido muito diferente.
Os nossos Pastores poderão desconsiderar, com um ligeiro encolher de ombros e um suspiro de enfado, aquilo que diz um beldroega como eu, recordem-se, no entanto, que dentro em breve terão de responder diante do Supremo Juiz não só pelo que fizeram, mas também pelo que deixaram fazer e ainda pelo que não fizeram.
À honra de Cristo. Ámen.