sábado, 23 de março de 2013

Notícias de Roma

O Papa Francisco almoça e canta tango
com 50 argentinos em Roma

ROMA, 22 Mar. 13 (ACI/Europa Press) .- O Papa Francisco teve uma refeição com um grupo de 50 argentinos presentes em Roma nesta quarta-feira às 12:30h em um dos salões adjacentes à Sala Paulo VI.

Entre os convidados, com os quais cantou tangos argentinos, encontrava-se o presidente da Conferência Episcopal Argentina, Dom José Maria Arancedo, o mestre geral da Ordem de Nossa Senhora das Mercês, Frei Pablo Bernardo Ordoñe, sacerdotes, religiosas e alguns casais com seus filhos.

No dia seguinte do início do Pontificado do Francisco, o frade argentino recebeu uma chamada que anunciava que "o novo Papa Francisco queria 'comer alguma coisa' com ele, e com outros argentinos presentes em Roma", conforme indicava a Rádio Vaticano.

Sobre o encontro, Frei Pablo Bernardo Ordoñe, destacou que tudo foi "com uma grande naturalidade", que recebeu "o abraço típico e o conselho do bom pai" e que cantaram algum tango, pois "tratava-se também de recuperar as raízes e tradições".

Do mesmo modo, o Mestre Geral da Ordem de Nossa Senhora das Mercês assinalou que "os convidados também rezaram juntos" e que o Papa insistiu "em rezar muito e rezar juntos".

Por outro lado, Pablo Bernardo Ordoñe ressaltou que o novo Papa "não é um homem que fica dando voltas ao problema, mas um homem que sabe aonde vai, com quem vai, e com que conta" e acrescentou que os presente disseram ao Pontífice que "estão dispostos a colaborar com ele, a apoiá-lo, a acompanhá-lo" pois querem "que tudo caminhe bem para todos, em toda a Igreja".


sexta-feira, 22 de março de 2013

Grupos interessados em destruir a Igreja,
adverte autoridade vaticana

O Subsecretário da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, Mons. Juan Miguel Ferrer Grenesche, assinalou que existem alguns grupos que tentam destruir a Igreja porque a vêem como um obstáculo que lhes impede de dominar o mundo com legislações «que atentam contra os próprios fundamentos da civilização».

«Hoje temos desafios semelhantes em diversos países do mundo. A globalização trouxe legislações que se difundem nas diferentes nações; e que atentam contra os próprios fundamentos da civilização», advertiu durante a sua visita ao Seminário Maior São José de La Prata (Argentina).

Mons. Ferrer Grenesche disse que estas legislações «apontam à secularização e laicização da sociedade. E há grupos bem interessados em destruir o que se oponha a isso. Por isso, vêem a Igreja como um perigo para o seu plano de dominação. Porque não procura acordos, a meio caminho, entre a verdade e a mentira».

A autoridade vaticana disse que, neste cenário, o trabalho dos sacerdotes e fiéis é «retomar intensamente a nossa identidade (católica), e a conversão interior; a vocação à santidade e à missão. Onde refere a Nova Evangelização».

«Como bem nos ensina isso o Santo Padre (Bento XVI), temos três vias de evangelização: a ordinária, nas nossas comunidades, fiéis que estão na Igreja; a missionária, onde não se conhece a Cristo, e a Nova Evangelização, para todos aqueles que se afastaram ou não vivem, com intensidade, a sua prática cristã», assinalou.

Para isso, deve-se procurar o encontro dos fiéis com Deus e uma ferramenta importante é a liturgia. «Por isso é responsabilidade dos pastores do povo de Deus, como parte do seu ofício de amor, cuidar dela. E isso começa aqui, no Seminário», afirmou.

Mons. Ferrer, que foi reitor do Seminário Maior de Toledo (Espanha), recordou que a liturgia pertence a Deus e não aos homens, e por isso «celebrar os sagrados mistérios é o mais importante na vida de qualquer sacerdote, bispo e do próprio Papa. E, além disso, a forma em que o Santo Padre celebra se constitui no modelo perfeito para toda a Igreja».

«A liturgia é escola de fé e de vida cristã, e deve impregnar toda a vida do Seminário. Nela convergem o Magistério, a Bíblia e os Sacramentos. Por isso, já desde o Seminário, temos que viver o que a Igreja nos pede no dia da nossa Ordenação: ‘Configura a sua vida com o mistério da Cruz do Senhor’», assinalou.



quinta-feira, 21 de março de 2013

Os tolos aplaudem

José António Saraiva

Passos Coelho e Vítor Gaspar pediram mais tempo para baixar o défice, para pagar os juros da dívida e para cortar a despesa do Estado.

E deixaram cair a palavra maldita – «austeridade» – e passaram a usar a palavra milagrosa – «crescimento».

Eu percebo-os: estavam sozinhos.

Tinham contra eles todos os partidos da oposição, os sindicatos, os «senadores» (de Mário Soares a Freitas do Amaral), os autarcas, alguns bispos, o CDS (que funciona com frequência como oposição dentro do Governo), os manifestantes que os perseguem por todo o lado chamando-lhes «gatunos», a maioria da comunicação social e os comentadores (inclusive muitos afectos ao PSD).

Este fenómeno dos comentadores é curioso.

Em Portugal, instalou-se a moda dos «políticos-comentadores televisivos», isto é, dos políticos que, depois de deixarem a política ou estando momentaneamente fora dela, se dedicam ao comentário.

Os exemplos não têm fim: Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa, Augusto Santos Silva, Jorge Coelho, Pedro Santana Lopes, Manuel Maria Carrilho, António Costa, Bagão Félix, António Capucho, Manuela Ferreira Leite, Francisco Louçã, Nuno Melo, Paulo Rangel, Sérgio Sousa Pinto, Ana Drago, eu sei lá!

E estes «políticos-comentadores» têm uma limitação: nunca deixam de ser políticos.

De pensar como políticos.

E, nessa medida, também gostam de ser populares.

Assim, mesmo os comentadores sociais-democratas começaram, a partir de certa altura, a dizer que bastava de «austeridade» e se impunha começar a falar de «crescimento».

Eles sentiam que, se continuassem a dizer «Não podemos abandonar já a austeridade, temos de levar até ao fim a consolidação orçamental, é cedo para falar de crescimento», começavam a perder audiência e popularidade (tal como os políticos perdem votos).

Mas terão razão?

Julgo que não: é cedo demais para o Governo mudar de discurso.

E, além disso, é enganador e é perigoso.

É enganador, porque o crescimento não depende do Governo; não basta estalar os dedos para a economia começar a crescer.

É perigoso, porque as pessoas podem pensar que os tempos de austeridade já lá vão e que podemos voltar alegremente ao passado.

Ora, não podemos voltar ao passado.

O discurso do «crescimento» foi o que Sócrates andou a fazer durante seis anos, com os resultados que se conhecem.

Além disso, vamos crescer com que dinheiro?

Só pode haver crescimento com investimento.

Ora, o que conseguiu atrair algum investimento estrangeiro nos últimos anos (como o prova o sucesso das privatizações, que renderam mais do que o previsto) foi precisamente o cumprimento do programa de austeridade.

Porque os investidores pensaram: «Eles estão a ganhar juízo! Vão finalmente pôr as finanças em ordem».

Foi isso que deu credibilidade ao país lá fora e atraiu capitais.

Um discurso oco, assente em sonhos de crescimento que não temos dinheiro para sustentar, não teria atraído ninguém.

Mas há outra razão para não ir por esse caminho.

É que Portugal e a Europa não mais voltarão a ser o que eram.

Porquê?

Porque a crise não é conjuntural, é estrutural; não é passageira, é permanente.

Houve muitas fábricas que emigraram da Europa (e dos EUA) para outras paragens, houve muitos serviços que emigraram para outras paragens, houve investimentos que emigraram para outras paragens – para o Oriente, para a América do Sul, para África – e, como consequência disto, o Ocidente passou a produzir menos, os rendimentos das famílias caíram e o número de postos de trabalho diminuiu drasticamente.

O progresso tecnológico também contribuiu para isso.

Na portagem de Estremoz, por exemplo, trabalhavam até há poucos anos três ou quatro pessoas. Hoje, as cobranças estão automatizadas e já não há portageiros. Essas pessoas foram para onde? E isto não se passou só em Estremoz: passou-se no país todo, em muitas centenas de portagens. E não se passou só na Brisa: passou-se em centenas de empresas. Na Autoeuropa, a maior parte do trabalho de montagem e pintura é hoje realizada por robôs.

Portanto, a Europa e Portugal jamais voltarão a ser o que eram.

E é esse discurso que os políticos e os comentadores responsáveis deveriam fazer.

Mas não fazem, porque perderiam votos e audiências.

Têm de fazer um discurso cor-de-rosa.

E isto conduz-nos a outra ideia, muito mais inquietante: será a democracia compatível com uma austeridade prolongada?

Será a democracia compatível com o definhamento das nações e a queda dos rendimentos das pessoas?

Se calhar não é.

O alargamento da democracia na Europa coincidiu com um período de crescimento económico sustentado, de desenvolvimento, de abastança, de implantação da sociedade de consumo.

Mas, se a economia começar regularmente a definhar, tudo poderá ser diferente.

Basta olhar para Itália: o político mais responsável, o menos demagogo, o mais credível, o que mais falou verdade durante a campanha eleitoral – Mario Monti – foi cilindrado nas urnas.

Simultaneamente, dois comediantes foram os grandes triunfadores: um de direita, Berlusconi, o outro de esquerda, Grillo.

Isto diz tudo sobre a «responsabilidade» dos eleitorados em tempo de crise.

As eleições – que são a pedra de toque das democracias – foram transformadas numa triste palhaçada.

E assim a Europa irá escorregando para o abismo.

Por culpa das circunstâncias madrastas, mas também por culpa dos políticos, dos comentadores e dos jornalistas – que não têm coragem para explicar que o mundo mudou, que o passado de abastança não vai voltar, que temos de nos habituar a viver com menos dinheiro.

Com medo de perderem votos, audiências ou leitores, políticos e comentadores semeiam ilusões.

Fazem promessas que não podem cumprir ou tecem comentários com propostas inexequíveis.

E de dia para dia a revolta crescerá, como uma onda irracional decidida a engolir as instituições e a democracia.

E os tolos aplaudem.



quarta-feira, 20 de março de 2013

De acordo em acordo até ao
desacordo final?

Teolinda Gersão

O Acordo Ortográfico foi um processo infeliz, tratado nas costas da população dos países lusófonos, como se a língua fosse propriedade de um grupo de linguistas e os Governos tivessem legitimidade para mudar por decreto uma língua que não é propriedade sua, mas do país e dos cidadãos.

O percurso errático do Acordo Ortográfico arrasta-se há 23 anos (ou melhor, há 38, porque começou a ser pensado em 1975) e ainda não está legalmente em vigor, porque as populações dos vários países lhe resistem e porque, quando se tentou impô-lo pela força de um decreto, o resultado foi o caos.

O que faltará acontecer para que os sucessivos Governos reconheçam que pretendem a quadratura do círculo e que estas tentativas pura e simplesmente não funcionam?

Recentemente a Presidente Dilma adiou para 2016 a entrada em vigor do Acordo Ortográfico no Brasil, e, a acreditar nos jornais, tomou essa decisão unilateralmente, sem consultar os seus parceiros.

Pretende-se vender-nos a ideia patética de que o português de grafia uniformizada (vulgo, o «acordês») é a língua do poder e dos negócios.

Seguindo o «acordês» todos seríamos, a reboque do Brasil, grandes potências emergentes, a caminho de um mundo magnífico de poder e riqueza, partilhado por 240 milhões de falantes. Será que não percebemos a irracionalidade desta ideia?

A verdade é que o Brasil – ele sim – é uma grande potência emergente, o que nos alegra porque também nós o amamos. Mas Portugal, e outros pequenos países lusófonos, jamais serão grandes potências ou terão o peso do Brasil.

Esse peso não é partilhável, a nível nenhum.

Manter em cada país a sua variante da língua é uma marca de identidade e um património, que está acima do poder de qualquer Governo. Porque os Governos passam e mudam, mas as línguas não podem passar nem mudar como se fossem Governos.

É natural que o Brasil pretenda maior protagonismo liderando estas alterações linguísticas. Mas os restantes países lusófonos não têm nada a lucrar com isso, só têm a perder. E o Brasil, como grande potência emergente que já é, não precisa de nós, a não ser a nível simbólico. Porque, com Acordo Ortográfico ou sem Acordo Ortográfico, o Brasil vai sempre cuidar dos seus negócios e dos seus interesses, e só deles, o que é normal e legítimo: os países cuidam de si próprios, e tomáramos nós ter em Portugal quem defendesse os nossos interesses como Dilma defende os do Brasil.

Os laços e afectos só existem a nível das pessoas. A nível dos países, há apenas interesses. Não sentimos isso na pele, aqui na Europa? Estas mudanças linguísticas são apenas uma jogada política. Em todos os outros aspectos, são incongruentes:

Só dois exemplos: se o Acordo Ortográfico é fundamental para que nos entendamos, então por que razão no Brasil os livros portugueses, escritos segundo o «acordês», são traduzidos para o português do Brasil como se estivessem escritos numa língua estrangeira? Por que razão «mesa de cabeceira» passa a «criado mudo», «ficou pasmado» a «ficou pasmo», «foi apanhado pela polícia» a «foi pego pela polícia» etc. etc.?

Por que razão a nós nunca nos passou pela cabeça traduzir para o português europeu Guimarães Rosa, João Ubaldo Ribeiro, Ruben Fonseca ou qualquer outro autor?

Por que razão as livrarias portuguesas têm bancas de livros brasileiros e a literatura do Brasil nos é tão familiar, quando o inverso não se verifica?

Por que razão há cada vez MENOS estudos de literatura portuguesa nas universidades brasileiras, e cada vez MAIS estudos de literatura brasileira nas universidades portuguesas?

A resposta é simples: porque Portugal se abriu há muitas décadas ao Brasil, cujos autores circulam livremente entre nós, porque os sentimos como se também fossem «nossos», enquanto o Brasil sempre levantou barreiras alfandegárias intransponíveis aos livros portugueses, que lá chegam a preços proibitivos, e na maior parte dos casos nunca chegam.

A solução não está em «acordizar», mas em ter um intercâmbio maior e mais simétrico, em conhecer-nos melhor, valorizando as nossas diferenças.

Quanto ao «acordês» ser a língua dos negócios, «acção» e «facto», por exemplo, são mais compreensíveis para qualquer estrangeiro do que «ação» e «fato» (porque mais próximas de «action» e «fact» em inglês, língua de recurso que é, e continuará a ser, a língua franca dos negócios internacionais).

No ponto em que estamos, temos dois caminhos:

O do senso comum, que é reconhecer que a língua portuguesa admite variantes, nos diferentes países onde é usada, o que só a enriquece. Não pode haver qualquer hierarquia entre os países lusófonos, nem entre as suas variantes linguísticas: Nenhum país é dono da língua, e nenhum é inquilino. Vamos deixar a língua evoluir naturalmente, a partir de dentro e não por decretos, porque ela é um organismo vivo, e cada país a usa a seu modo, como bem entende e quer, porque ela é sua e lhe pertence por direito próprio. Nenhum país tem o direito de policiar ou fiscalizar o uso da língua em qualquer outro país lusófono. O português não é uniformizável, qualquer acordo é um contra-senso. Mesmo que fosse possível «acordar» e «simplificar», o resultado seria imensamente empobrecedor.

Ou entendemos isto e desistimos de acordos, ou vamos persistir por muitas décadas neste processo delirante de acordos impossíveis – um acordo ortográfico falhado atrás de outro, seguido de um já anunciado acordo de vocabulário que irá ser igualmente falhado, e depois um acordo de sintaxe falhado, etc. etc. – ... até bater na parede de um imenso Desacordo final, que deixará profundo desgaste e feridas a todos os níveis, entre países que sempre souberam entender-se e conviver, respeitando e valorizando as suas diferenças.

Deixo ainda uma breve nota de carácter prático: certamente que é útil a existência de Vocabulários e Dicionários que abranjam as variantes usadas nos diversos países. Mas apenas como instrumentos de informação e de consulta, onde se encontrem respostas a perguntas como: em que variantes da língua se escreve húmido ou úmido, ou o que significam palavras como xiluva, caxinde, imbandas, quizumba, tambarina, cachupa, kebur, ipê etc. Mas considero que os Vocabulários e os Dicionários só fazem sentido sem qualquer valor normativo, cada país tendo direito exclusivo à sua variante da língua, sem imposições ou interferências de outro país.



terça-feira, 19 de março de 2013

Salazar, a pobreza, o pó e o ouro

Fernando Sobral

Os portugueses iludiram-se culturalmente: julgaram que o dinheiro fácil que chegou durante três décadas comprava a solidez da educação e o espírito da invenção e inovação. E do risco. É uma tónica portuguesa: prefere-se a renda ao risco. O resultado está à vista.

Em 1962, António Oliveira Salazar sintetizou de forma clara a visão que tinha do seu Portugal: «Um país, um povo que tiverem a coragem de ser pobres são invencíveis». Este mundo pobre, ou remediado, acabou após a entrada na União Europeia.

Em cima da nossa pobreza caíram toneladas de dinheiro. O país ficou sulcado por auto-estradas e rotundas. As mercearias de bairro fecharam e nasceram hipermercados. Os portugueses passaram a preferir ir passear para os centros comerciais do que para os jardins. A democracia de consumo chegou como se fosse um milagre redentor.

Todos acharam que faziam parte da classe média, alimentada pelo crédito fácil. O paraíso tinha também construído na sombra o purgatório, feito de cumplicidades: do BPN à Parque Escolar foi um mundo de oportunidades de «negócio» para muitos. Deixando de ter a coragem de ser remediado o povo português tornou-se uma presa fácil de uma crise que não percebesse.

Destruída a base industrial, agrícola e piscatória do país, com fundos comunitários para abater tudo isso e trazer a «modernidade», Portugal ficou indefeso quando chegou a grande crise de 2008. Já antes era visível mas todos se recusavam a ver: o Estado continuava a ser a mãe de todas as batalhas e de todas as rendas. A própria sociedade civil e iniciativa privada viviam de bem com o Estado, fosse ele guiado pelo PS ou pelo PSD. A mais breve nota de suicídio da história portuguesa foi escrita por José Sócrates, o último da linhagem de destruidores de um país que poderia ser remediado mas inteligente.

Tudo se desvaneceu no ar. O crédito fácil foi substituído pela amarga austeridade. António de Oliveira Salazar, em 1963, dizia: «Quero este país pobre, se for necessário, mas independente – e não o quero colonizado pelo capital americano». A colonização é hoje exercida pela Comissão Europeia e pela troika, numa Europa que parece cada vez mais dividida cultural e moralmente, entre um norte protestante e um sul católico. A moral calvinista é uma forma demolidora de salvação (salvamo-nos pelo trabalho), face à forma como se perdoam os pecados, no confessionário, a sul.

Tudo nos divide. A forma como os protestantes criaram o capitalismo moderno enquanto nós víamos as naus carregadas de pimenta e ouro irem directas para Amesterdão e Londres para pagar os nossos prazeres ao sol diz muito do que são formas diferentes de olhar para a civilização.

Mas, ainda assim, os portugueses iludiram-se culturalmente: julgaram que o dinheiro fácil que chegou durante três décadas comprava a solidez da educação e o espírito da invenção e inovação. E do risco. É uma tónica portuguesa: prefere-se a renda ao risco. O regime atolou-se e o BPN representa-o perfeitamente nas suas ligações pouco transparentes a tudo e a todos. Se quisermos estudar este regime estudemos o BPN. Antes e depois da nacionalização. Está lá tudo o que se andou a fazer desde a entrada na União Europeia.

Maquilhou-se a pobreza com um falso riquismo que só encheu os bolsos e a estima de alguns. Que hoje vivem acima dos dramas dos comuns portugueses que só acreditaram no cartão de crédito, na casa acima das suas possibilidades, nas férias nos «resorts» mais aprazíveis, no carro do último modelo e no telemóvel 3G. Esse mundo ruiu para a maioria. Mas na sombra da crise há quem continue a viver de rendas, escudado nos invencíveis contratos com que o Estado prometeu dar tudo sem receber nada. Voltamos assim aos anos de 1960, como se tudo não tivesse passado de uma ilusão.

Com uma diferença:

Em Agosto de 1968, Oliveira Salazar dizia: «No dia em que eu abandonar o poder, quem voltar os meus bolsos do avesso, só encontrará pó». Hoje, nos bolsos de alguns que nasceram, cresceram e singraram com este regime, só se encontrará ouro.



domingo, 17 de março de 2013

Ao encontro de Pacheco Pereira

João J. Brandão Ferreira

O Dr. Pacheco Pereira (PP) escreveu um muito interessante artigo no Jornal «Público», de 9 de Março, com o título «Tem sentido manter Forças Armadas em Portugal?», onde, entre vários considerandos e exemplos pertinentes, coloca a questão central de «Portugal precisar de ter FAs ou não».

Sendo uma questão legítima do ponto de vista democrático, como defende, convém enquadrá-la e pôr-lhe limites sob pena de também passar a ser legítimo (e natural?) questionarmos se a Nação Portuguesa deve desaparecer – a velha questão de que «a Pátria não se discute mas defende-se» – ou de passarmos a discutir se podemos levar os nossos velhos para a montanha e abandoná-los lá (como se fez com o aborto). Se calhar o Ministério das Finanças até aplaudia…

Podia, até, ser considerado legítimo, mas seria moral, ou legal?

E convém lembrar que Cristo também foi cruxificado democraticamente. De braço no ar.

Com isto dito e sem querer pôr nada mais em causa, tenho que dizer que a questão central apontada, podendo entender-se, já não tem razão de ser pelo simples facto de estar ultrapassada.

A questão sobre as missões e o modelo de FAs a constituir tinha toda a razão de ser, por exemplo, a seguir ao abandono do Ultramar e, nomeadamente, em 1982, quando as FAs se integraram plena e normalmente, nas estruturas do Estado.

Mas tal não se fez nem nos anos seguintes em que a pergunta era recorrente em vários meios.

A situação política e social do País, porém, descambou e apodreceu de tal maneira que passámos a ser um Estado falido e tutelado (e não só financeiramente) – que a inaudita posição do governo, muito bem referida por PP, de deixar a «Troika» pronunciar-se sobre cortes nas FAs, mais acentua – que é a própria sobrevivência de Portugal que está em causa.

Ou seja, o que faz sentido questionar é se queremos, ainda, ter País ou não e que País pretendemos, a que a suicidária hipótese do Federalismo Europeu está longe de ser alheia, (para já não falar no Iberismo).

Tudo o resto está dependente desta resposta.

Quer dizer, se nós decidirmos que nos suicidamos, a resposta relativa às FAs está automaticamente dada e, nesse caso, nós formamos o que resta da tropa, entregamos as chaves dos quartéis e dos paióis (vazios), a quem provar pertencer-lhe e mandamos direita volver, destroçar.

Ou, então, revoltamo-nos pois tal, podendo não ser nada democrático, é mais do que legitimo!...

Se por patriotismo do povo português, ou graça da Senhora da Conceição (de Vila Viçosa), acolitada por S. Miguel (Anjo Custódio de Portugal), a decisão fôr a de continuarmos a ter País, nesse caso também não faz sentido, colocar a questão de precisarmos ou não de FAs, mas sim a de estabelecer quais as missões que se entende que elas devam estar aptas a cumprir.

A estrutura, meios, dispositivo, etc., e recursos financeiros a alocar vêm, naturalmente, por acréscimo.

O mesmo é válido para as restantes funções necessárias ao Estado, como expressão da Nação politicamente organizada.

Outra coisa que é necessário entender – e não se vê referido em lado algum, mesmo em textos lúcidos como os de PP – é a de que a hierarquia (palavra tornada maldita) das funções do Estado, existe e deve ser tida em conta.

Isto é, o que deve vir à cabeça são as questões de Segurança, a seguir a Justiça, finalmente as de Bem-Estar. A ordem dos termos não é arbitrária já que não se pode ter Bem-Estar sem Justiça, e ambas sem Segurança.

Isto que é evidente, assim não aparece aos contemporâneos. Os políticos portugueses (idem para os ocidentais, à excepção dos americanos, até ver) têm isto tudo baralhado.

Ofuscados que estão com o lado material da vida e com a contagem dos votos – afinal a «democracia» depende deles – não querem ver mais nada e acabarão por não ter coisa alguma. Como está prestes a acontecer.

E a «arte» da política consiste, justamente, em conseguir a harmonia entre as três áreas.

Por outro lado, a importância dos problemas não é a mesma, nem se podem atacar todos eles ao mesmo tempo: há que estabelecer prioridades (e, já agora, não andar a inventar problemas onde não há…).

As FAs são um pilar fundamental do Poder Nacional e sem poder – poder efectivo, político, diplomático, económico, financeiro, cultural, militar e psicológico – não há política possível, por não haver qualquer capacidade de se poder escolher e manter seja que estratégia fôr; tão pouco escolher caminhos, minimizar dependências ou estabelecer alianças.

A Portugal apenas lhe resta poder residual e arrasta-se por inércia.

A Instituição Militar levou quase 900 anos a construir-se e está, em termos de conhecimento, ao nível das mais avançadas do mundo. Mas pode desaparecer de um dia para o outro, como um fogo destrói uma floresta.[1]

Explicar as coisas por conceitos simples, que toda a gente perceba, ao contrário do que possa parecer, requer grande saber e capacidade de síntese e não está ao alcance da maioria. Infelizmente tem andado arredio da generalidade da classe política, isto para não entrarmos no campo das (más) intenções.

Estamos a aproximar-nos – com as devidas proporções – da sociedade que conheci na Guiné-Bissau «independente» (ah, ah, ah!): uma manta de retalhos em que os desgraçados dos habitantes[2] fingiam que trabalhavam e o simulacro de Estado, fingia que lhes pagava – embora uns quantos enriquecessem.

Vislumbro sérias tribulações.


[1] Como por exemplo aconteceu, em 1807, quando Junot dissolveu o Exército. Atente-se no custo que isso acarretou… (por exemplo a morte de 10% da população!).

[2] E são verdadeiramente desgraçados desde que uns díscolos de ideologias funestas os privaram, unilateralmente, da nacionalidade portuguesa!