quinta-feira, 21 de março de 2013

Os tolos aplaudem

José António Saraiva

Passos Coelho e Vítor Gaspar pediram mais tempo para baixar o défice, para pagar os juros da dívida e para cortar a despesa do Estado.

E deixaram cair a palavra maldita – «austeridade» – e passaram a usar a palavra milagrosa – «crescimento».

Eu percebo-os: estavam sozinhos.

Tinham contra eles todos os partidos da oposição, os sindicatos, os «senadores» (de Mário Soares a Freitas do Amaral), os autarcas, alguns bispos, o CDS (que funciona com frequência como oposição dentro do Governo), os manifestantes que os perseguem por todo o lado chamando-lhes «gatunos», a maioria da comunicação social e os comentadores (inclusive muitos afectos ao PSD).

Este fenómeno dos comentadores é curioso.

Em Portugal, instalou-se a moda dos «políticos-comentadores televisivos», isto é, dos políticos que, depois de deixarem a política ou estando momentaneamente fora dela, se dedicam ao comentário.

Os exemplos não têm fim: Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa, Augusto Santos Silva, Jorge Coelho, Pedro Santana Lopes, Manuel Maria Carrilho, António Costa, Bagão Félix, António Capucho, Manuela Ferreira Leite, Francisco Louçã, Nuno Melo, Paulo Rangel, Sérgio Sousa Pinto, Ana Drago, eu sei lá!

E estes «políticos-comentadores» têm uma limitação: nunca deixam de ser políticos.

De pensar como políticos.

E, nessa medida, também gostam de ser populares.

Assim, mesmo os comentadores sociais-democratas começaram, a partir de certa altura, a dizer que bastava de «austeridade» e se impunha começar a falar de «crescimento».

Eles sentiam que, se continuassem a dizer «Não podemos abandonar já a austeridade, temos de levar até ao fim a consolidação orçamental, é cedo para falar de crescimento», começavam a perder audiência e popularidade (tal como os políticos perdem votos).

Mas terão razão?

Julgo que não: é cedo demais para o Governo mudar de discurso.

E, além disso, é enganador e é perigoso.

É enganador, porque o crescimento não depende do Governo; não basta estalar os dedos para a economia começar a crescer.

É perigoso, porque as pessoas podem pensar que os tempos de austeridade já lá vão e que podemos voltar alegremente ao passado.

Ora, não podemos voltar ao passado.

O discurso do «crescimento» foi o que Sócrates andou a fazer durante seis anos, com os resultados que se conhecem.

Além disso, vamos crescer com que dinheiro?

Só pode haver crescimento com investimento.

Ora, o que conseguiu atrair algum investimento estrangeiro nos últimos anos (como o prova o sucesso das privatizações, que renderam mais do que o previsto) foi precisamente o cumprimento do programa de austeridade.

Porque os investidores pensaram: «Eles estão a ganhar juízo! Vão finalmente pôr as finanças em ordem».

Foi isso que deu credibilidade ao país lá fora e atraiu capitais.

Um discurso oco, assente em sonhos de crescimento que não temos dinheiro para sustentar, não teria atraído ninguém.

Mas há outra razão para não ir por esse caminho.

É que Portugal e a Europa não mais voltarão a ser o que eram.

Porquê?

Porque a crise não é conjuntural, é estrutural; não é passageira, é permanente.

Houve muitas fábricas que emigraram da Europa (e dos EUA) para outras paragens, houve muitos serviços que emigraram para outras paragens, houve investimentos que emigraram para outras paragens – para o Oriente, para a América do Sul, para África – e, como consequência disto, o Ocidente passou a produzir menos, os rendimentos das famílias caíram e o número de postos de trabalho diminuiu drasticamente.

O progresso tecnológico também contribuiu para isso.

Na portagem de Estremoz, por exemplo, trabalhavam até há poucos anos três ou quatro pessoas. Hoje, as cobranças estão automatizadas e já não há portageiros. Essas pessoas foram para onde? E isto não se passou só em Estremoz: passou-se no país todo, em muitas centenas de portagens. E não se passou só na Brisa: passou-se em centenas de empresas. Na Autoeuropa, a maior parte do trabalho de montagem e pintura é hoje realizada por robôs.

Portanto, a Europa e Portugal jamais voltarão a ser o que eram.

E é esse discurso que os políticos e os comentadores responsáveis deveriam fazer.

Mas não fazem, porque perderiam votos e audiências.

Têm de fazer um discurso cor-de-rosa.

E isto conduz-nos a outra ideia, muito mais inquietante: será a democracia compatível com uma austeridade prolongada?

Será a democracia compatível com o definhamento das nações e a queda dos rendimentos das pessoas?

Se calhar não é.

O alargamento da democracia na Europa coincidiu com um período de crescimento económico sustentado, de desenvolvimento, de abastança, de implantação da sociedade de consumo.

Mas, se a economia começar regularmente a definhar, tudo poderá ser diferente.

Basta olhar para Itália: o político mais responsável, o menos demagogo, o mais credível, o que mais falou verdade durante a campanha eleitoral – Mario Monti – foi cilindrado nas urnas.

Simultaneamente, dois comediantes foram os grandes triunfadores: um de direita, Berlusconi, o outro de esquerda, Grillo.

Isto diz tudo sobre a «responsabilidade» dos eleitorados em tempo de crise.

As eleições – que são a pedra de toque das democracias – foram transformadas numa triste palhaçada.

E assim a Europa irá escorregando para o abismo.

Por culpa das circunstâncias madrastas, mas também por culpa dos políticos, dos comentadores e dos jornalistas – que não têm coragem para explicar que o mundo mudou, que o passado de abastança não vai voltar, que temos de nos habituar a viver com menos dinheiro.

Com medo de perderem votos, audiências ou leitores, políticos e comentadores semeiam ilusões.

Fazem promessas que não podem cumprir ou tecem comentários com propostas inexequíveis.

E de dia para dia a revolta crescerá, como uma onda irracional decidida a engolir as instituições e a democracia.

E os tolos aplaudem.



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