sábado, 6 de fevereiro de 2016


Eutanásia: Resposta a um manifesto


Pedro Vaz Patto

Nunca pode haver a garantia absoluta de que o pedido de eutanásia é verdadeiramente livre, inequívoco e irreversível. Muitas vezes, traduz um estado de espírito momentâneo, que pode ser superado.

Foi divulgado um manifesto que defende a legalização da eutanásia (eufemisticamente designada como morte assistida, sendo certo que não é certamente a assistência aos moribundos que está em causa). Invoca tal manifesto os direitos de autonomia, liberdade religiosa, liberdade de convicção e consciência, sustentando que a Constituição portuguesa consagra a vida como um direito, não como dever irrenunciável. A eutanásia será, de acordo com tal manifesto, um acto compassivo e de benevolência, que põe termo a um sofrimento inútil e sem sentido.

A este manifesto, respondo assim:

Não é lógico contrapor o valor da vida humana ao valor da autonomia. É que a autonomia supõe a vida. A vida é um bem indisponível, o pressuposto de todos os outros bens terrenos e de todos os direitos. A eutanásia e o suicídio não representam um exercício de liberdade, mas a supressão da própria raiz da liberdade. Não trazem consigo nenhum benefício, mas eliminam o próprio beneficiário. É absurdo falar em «direito à morte» (como seria absurdo falar em «direito à doença»), porque o direito tem sempre por objecto um bem na perspectiva da realização humana pessoal, e a morte não é nunca, em si mesma, um bem, pois todos os bens terrenos pressupõem a vida, e nunca a morte. O «direito à morte» seria ainda mais contraditório do que uma escravidão legitimada pelo consentimento da vítima. A liberdade não pode servir para se anular a si própria. Até Stuart Mill rejeitava a renúncia à liberdade em nome da liberdade: «o princípio de liberdade não pode exigir que se seja livre de deixar de o ser».

A Constituição portuguesa, mais do que consagrar o direito à vida, consagra a inviolabilidade da vida humana como um princípio e um valor objectivos (artigo 24.º, n.º 1: A vida humana é inviolável), de onde decorre a indisponibilidade desse direito (a vida humana é inviolável até com o consentimento do seu titular). O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, desde o caso Pretty v. Reino Unido, nunca fez decorrer do direito à vida ou à autonomia um pretenso direito a morrer. Nem o fez o Supremo Tribunal norte-americano.

Por outro lado, nunca é absolutamente seguro que se respeita a vontade autêntica de uma pessoa que pede a eutanásia. Nunca pode haver a garantia absoluta de que o pedido de eutanásia é verdadeiramente livre, inequívoco e irreversível. Muitas vezes, traduz um estado de espírito momentâneo, que pode ser superado. Em fases terminais sucedem-se esses momentos de desespero e outros de apego à vida. Não poderia a pessoa vir a arrepender-se mais tarde (como se arrependem a maior parte dos que tentam o suicídio)?


É que a decisão de suprimir uma vida é a mais absolutamente irreversível de quaisquer decisões, dela nunca pode voltar-se atrás. Que certeza pode haver de que o pedido de morte é bem interpretado, não será ambivalente, talvez mais expressão de uma vontade de viver de outro modo (sem o sofrimento, a solidão ou a falta de amor experimentados) do que de morrer? Ou de que não é consequência de estados depressivos passíveis de tratamento? Estando em jogo a vida ou a morte, a mínima dúvida a este respeito seria suficiente para optar pela vida (in dubio pro vitae). E poderá estar alguma vez afastada essa mínima dúvida?

Justificar a supressão da vida em nome da autonomia conduziria, até, mais longe do que à legalização da eutanásia, conduziria à licitude do homicídio a pedido e do auxílio ao suicídio, condutas que vêm sendo criminalizadas em todas as ordens jurídicas. Pretende-se apenas (para já?), no entanto, reconhecer a licitude da supressão da vida, quando consentida, em situações de sofrimento intolerável ou em fases terminais.

Atinge-se, desta forma, o princípio de que a vida humana tem sempre a mesma dignidade, em todas as suas fases e independentemente das condições externas que a rodeiam. A dignidade da vida humana deixa de ser uma qualidade intrínseca, passa a variar em grau e a depender de alguma dessas condições externas. Uma proposta de recomendação em tempos apresentada no Parlamento Europeu referia expressamente as situações em que «a vida perde dignidade» como aquelas em que se justificaria a eutanásia.

Dir-se-á que, com a legalização da eutanásia e do suicídio assistido, não se toma partido nesse sentido e se respeita, apenas, a vontade e as concepções, sobre o sentido da vida e da morte, de quem solicita tais pedidos. Mas não é assim. O Estado e a ordem jurídica, ao autorizarem tal prática, dando-lhes o seu beneplácito, estão a tomar partido, estão a confirmar que a vida permeada pelo sofrimento, ou em situações de total dependência dos outros, deixa de ter sentido e perde dignidade (pois só nessas situações seria lícito suprimi-la).

Esta «mensagem» cultural não pode deixar de ter efeitos no modo como toda a sociedade passará a encarar a doença e o sofrimento. Resposta a estas situações passa a ser, já não um esforço solidário de combate à doença e ao sofrimento, mas uma resposta mais fácil e descomprometida, a supressão da própria pessoa doente e sofredora, pretensamente diminuída na sua dignidade. Até aqui, a doença e o sofrimento não têm sido encarados como algo que diminui a pessoa na sua dignidade, mas antes como um motivo de reforço do amor e da solidariedade para com ela. Neste novo contexto cultural, esse amor e essa solidariedade deixarão de ser tão encorajados, como já têm alertado associações de pessoas que sofrem das doenças em questão (e que se sentem, obviamente, ofendidas quando vêm que a morte é apresentada como «solução» para os seus problemas). E também é natural que, como muitas vezes tem sido salientado, haja doentes, de modo particular os mais pobres e débeis, que se sintam socialmente pressionados a requerer a eutanásia, porque se sentem «a mais» ou «um peso». Tudo isto se revela particularmente perigoso num contexto de envelhecimento da população e de restrições nas despesas com cuidados de saúde. Com o risco de cedência à cultura do descartável, no que aos doentes e idosos diz respeito.

Não se elimina o sofrimento com a morte, com a morte elimina-se a pessoa que sofre. O sofrimento pode ser eliminado ou debelado com os cuidados paliativos, não com a morte. E quando não é possível eliminar completamente o sofrimento do doente, a presença fraterna e solidária dos outros deve ajudar a descobrir um sentido para esse sofrimento. Porque nunca é possível eliminar em absoluto o sofrimento físico, psicológico e espiritual, mas isso acontece em qualquer fase da vida. E a morte nunca pode ser a resposta para esta realidade.





quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016


A adopção («gay») e o engano


Abel Matos Santos, Público, 2 de Fevereiro de 2016

É deplorável, quando estão em causa questões tão cruciais para a família e as crianças, ter de assistir à passividade do centro e da direita.

Chega de ser enganado! Estou cansado de ver mentir sem pudor.

Nesta questão da confirmação parlamentar da lei vetada pelo Presidente da República sobre a adopção por uniões do mesmo sexo, sinto-me cansado, saturado, farto, ao ver o porta-voz do PS a faltar descaradamente à verdade, afirmando que toda a comunidade científica e o mundo inteiro são unânimes na ideia de que é igual para as crianças terem um pai e uma mãe, ou só dois pais, ou só duas mães.

É particularmente chocante e reprovável a falta de honestidade intelectual quando se convoca o testemunho da Ciência. É certo que, infelizmente, a falsidade já se tornou moeda corrente na política; mas não podemos deixar que essa mesma onda contamine a ciência ou a sua citação, cavando o seu descrédito geral.

Percebo porque o povo se distancia do que considera «políticos de pacotilha», ao ouvir-lhes falsidades e vê-los afirmarem todas as inverdades possíveis sobre o tema, apenas para fazerem aprovar derivas ideológicas, usando, neste caso, as crianças e desprezando o seu superior interesse.

A lógica subjacente é apenas a do poder, o poder circunstancial, e não a da razão, a serena e objectiva procura do que está certo. Como a democracia é, formalmente, a aprovação das leis pela maioria, ou seja pelo maior número de votos, mesmo que se aprovem coisas más, acreditam que leis injustas, leis desajustadas ao bem da pessoa humana, estão «legitimadas pela democracia».

Por isso, não hesitam diante de qualquer vulgar técnica de propaganda, mesmo quando estão em causa valores humanos fundamentais e até o bem de crianças desvalidas.

Seria mais correcto que afirmassem claramente aquilo a que vêm: que é uma lei para defender os direitos e os interesses dos homossexuais (ou melhor, da sua linha mais radical) e do lobby LGBTI.

Deviam também dizer, num assomo de seriedade, que é certo que muitos homossexuais são contra esta lei, revelando e publicitando as suas posições e os seus argumentos.

Deviam reconhecer que esta lei diminui os direitos das crianças, em especial o direito natural a terem um pai e uma mãe.

Deviam ter a  hombridade de reconhecer, noutro assomo de seriedade, que os estudos e a comunidade científica não são de todo unânimes e que, por sinal, os principais e mais credíveis estudos indicam que esta lei vai permitir a pior opção quanto às crianças.

Tenham a simplicidade e a objectividade de dizer tudo isto e, depois, em consciência, como agora se usa em política, votem!

Votem e aprovem esta lei, se é mesmo isto que querem impor à sociedade e às crianças confiadas ao poder e aos serviços do Estado (para que delas cuide efectivamente). Mas não confundam a opinião pública, nem enganem os cidadãos menos informados, que não têm acesso aos estudos.

E, por favor, não acusem o Presidente da República, nem acusem o Mark Regnerus, o Paul Sullins, o Loren Marks, o Sarantakos, a Kristin, o Nock, o Colégio Americano de Pediatras, e todos os demais clínicos e investigadores com trabalhos publicados nas melhores academias e revistas científicas, atacando-os e denegrindo-os só por provarem que existem diferenças enormes, significativas, entre ser criado e viver com um pai e uma mãe e o modelo que agora querem aprovar.

Não venham com os argumentos hipócritas de as crianças estarem mal em instituições, porque não estão, desde que as instituições sejam boas. Haverá sempre, infelizmente, crianças em instituições – por isso, é fundamental que o Estado Social (ou também aqui querem destruir o Estado Social?) assegure a existência dessas instituições pelo apoio à livre iniciativa comunitária e garanta que sejam muito boas.

Não me venham também falar das capacidades dos homossexuais cuidarem de crianças porque todos sabemos que não é isso que está em causa – do que se trata é de impor a uma criança, dependente e desvalida, que tenha dois pais (sem mãe) ou duas mães (sem pai).

Certo que é de amor que se trata. É que, quando se ama, queremos o melhor para aqueles que amamos e não para nós próprios – focamo-nos principalmente no outro e não nos centramos sobre o nosso ego.

E o melhor para a criança não é a adopção por pares do mesmo sexo, com imposição da dupla filiação materna ou paterna no registo civil, atropelando o direito à identidade pessoal, um direito humano fundamental de cada um.





quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016


Estónia: grandes campanhas pela família

de acordo com a lei natural


Luís Dufaur

A Fundação para a Protecção da Família e da Tradição (SAPTK) da Estónia fez uma manifestação simbólica diante do Parlamento nacional – o Riigikogu – e na principal praça da capital com a intenção de enviar ao governo uma forte mensagem em defesa do casamento e da família, noticiou a agência «LifeSiteNews».

Estonianos enviam grande mensagem aos políticos:
a família é a base da nossa nação.

LER MAIS EM:

http://revculturalfamilia.blogspot.pt/2016/02/estonia-grandes-campanhas-pela-familia.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+ValoresInegociveisRespeitoVidaFamliaEReligio+(Valores+inegoci%C3%A1veis:+respeito+%C3%A0+vida,+%C3%A0+fam%C3%ADlia+e+%C3%A0+religi%C3%A3o)




terça-feira, 2 de fevereiro de 2016


Queres mais uma mesquita em Lisboa

paga com o teu dinheiro?


Se NÃO QUERES, assina a petição:

http://petit.io/petition/instituto-santo-condestavel/nao-a-nova-mesquita-na-mouraria-de-lisboa







Ettore Gotti Tedeschi:

«O diabo parou de trabalhar»


Sandro Magister

Por, nos dias de hoje, muitas pessoas se atirarem, elas próprias, para as chamas do inferno, é talvez por esta razão que o mundo conhece um aquecimento climático...

Reflexões mais sérias do que irónicas do antigo Presidente do banco do Vaticano a propósito da Igreja
e do mundo.



LER EM FRANCÊS:
http://chiesa.espresso.repubblica.it/articolo/1351219?fr=y

LER EM INGLÊS:
http://chiesa.espresso.repubblica.it/articolo/1351219?eng=y

LER EM ITALIANO:
http://chiesa.espresso.repubblica.it/articolo/1351219

LER EM CASTELHANO:
http://chiesa.espresso.repubblica.it/articolo/1351219?sp=y





segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016


Já perceberam

ou querem que faça um desenho?


Helena Matos, Observador, 31 de Janeiro de 2016

O problema não é Catarina Martins dizer que o Presidente da República terá de promulgar «quer queira, quer não». O problema é à esquerda e à direita aceitar-se essa alarvidade como um direito natural.

Argumentar. Contra-argumentar. Nada disso interessa. E nem sequer é útil. O que temos de fazer é estudar afincadamente a Revolução Francesa. Caso contrário isto acaba mal. O governo de esquerda, mais o bater do pé a Bruxelas sem esquecer os arrebatamentos patrióticos com a soberania… tudo isto nos conduz ao mesmo paradoxo: nada do que nos está a acontecer é racional ou sequer ideológico. O nosso problema é o iluminismo jacobino, esse período/modo de ser em que umas criaturas se achavam melhores que as outras e como tal se entendiam não só predestinadas para mandar como não aceitavam quaisquer limites à sua vontade.

Baseados nessa convicção, eles que se achavam iluminados, fecharam os olhos à loucura que em seu nome se instituía. Primeiro diziam-se contra as injustiças. Depois contra os reaccionários, contra os suspeitos fosse isso o que fosse, contra os ultra-montanos, contra os camponeses que se obstinavam em recorrer secretamente ao calendário antigo para não se enganarem nos dias das sementeiras….

Por fim, quando já não havia mais aristocratas, nem padres, nem cientistas como Lavoisier para guilhotinar, nem gentes da Vendeia para afogar viraram-se contra si mesmos, porque nunca eram suficientemente puros, porque tinham traído, porque… Não interessa. Havia sempre um motivo.

A falência do modelo socialista – e ele tinha necessariamente de falir porque foi concebido para redistribuir a riqueza e não para a produzir – fez os socialistas não só descrer de Marx como, e esse é o nosso drama actual, fê-los regredir para Robespierre. Ver os actuais líderes dos socialistas portugueses a fazerem acordos com o BE ou os socialistas espanhóis a ponderarem uma aliança com uma criatura como Iglesias não é um problema político. É um problema civilizacional.

Dir-me-ão: aqui e agora ninguém vai levantar guilhotinas nem meter cabeças em cestos. Pois não. Porque felizmente para todos nós os valores desse agora tão abominado centro se impuseram ao longo das décadas. (Contudo deixo um aviso: a tolerância da civilidade demora muito mais tempo a ser instituída do que a barbárie dos radicais a regressar). No mais as técnicas, a crescente irracionalidade e o maniqueísmo dos iluministas que andaram adormecidos pelas carbonárias e pelos movimentos extremistas estão aí, agora dominantes porque avalizados pelo exercício do poder com partidos outrora do centro.

Os falhanços, as dificuldades e os erros são sempre explicados pela fulanização odienta dos outros. Em Portugal, o esboço de orçamento levanta dúvidas? A culpa é de quem governou antes, das agências de rating e de Bruxelas. Em Madrid o lixo cresce nas ruas mas o que interessa à «alcaldesa roja» que tem umas ideias peregrinas sobre a limpeza das cidades é apagar da toponímia qualquer eco do franquismo. Quanto mais lixo no chão mais franquistas para apagar. Ainda vai inventar franquistas de tal forma cresce o lixo!

Inevitavelmente os velhos aliados de ontem tornam-se no inimigo de hoje. Veja-se como em Portugal, em poucas horas o Tribunal Constitucional se tornou no bombo da festa dos mesmos que na véspera viam no TC o salvador da Constituição e também da economia do país (na série «Contos maravilhosos e de encantar sobre o crescimento económico» foi atribuído aos vetos do TC o poder de dinamizar a economia!) Uma decisão impopular (por sinal divulgada mesmo a tempo de destruir o que restava da candidatura de Maria de Belém) bastou para reverter em negativo a imagem até então solar do TC.

Percebeu o TC a mensagem? Se não percebeu vai perceber – é assim que as coisas funcionam. Duvidam? Olhem para Catarina Martins. Ouçam-na a dizer que o Presidente da República terá de promulgar «Quer queira, quer não» os diplomas que vetou. Já agora quantos dos que criticaram Cavaco leram a fundamentação que o Presidente fez dos vetos? Pois deviam ler e perceberiam que um dia se arrependerão de não o terem feito: independentemente das posições que se tenham nestas matérias – e as minhas não são necessariamente coincidentes com as de Cavaco Silva – as lacunas nos diplomas concebidos à pressa, unicamente para marcar a agenda, virão inevitavelmente a gerar situações bem complexas. Claro que nesse dia, tal como no passado sucedeu com outras «libertações» e «marcos históricos» decididos em função da propaganda, vão dizer que não sabiam, que não era para ser assim, que foram mal interpretados. Mas agora isso não interessa nada. Agora temos é de ir com a onda – e que bem acompanhado se vai nessa onda com tantos jornalistas, actores e demais artistas todos tão progressistas, todos sempre a dizer coisas giras, que parecem tão inquestionáveis! – e fazer declarações a dizer que os diplomas vão passar exactamente como estão.

Mas deixemos a matéria dos vetos e passemos aos vetos em si mesmos e ao «Quer queira, quer não» de Catarina Martins. Que não lembre a uma dirigente partidária que se acha primeira-ministra de facto de Portugal tendo obtido, em 2015, um quarto dos votos com que Cavaco Silva foi reeleito em 2011 e um quinto dos votos que o mesmo Cavaco Silva obteve em 2006, repito que não lhe lembre que o Presidente da República tem o poder de vetar não causa espanto: nos radicais a ignorância e a má fé confundem-se. Também não admira que o BE e seus compagnons das redes sociais recuperem o estilo das páginas do Père Duchesne, esses panfletos em que a infâmia sobre Maria Antonieta foi levado ao extremo e que no seu espalhar de ódio nos mostram como o facebook não inventou nada. Mas que o PS se associe a essa gente e que boa parte do centro direita viva entre o desconcertado e o quase incomodado o que define como «mais esta teimosia do Cavaco» dá bem conta da regressão no sentido darwiniano do termo que estamos a viver.

É como se de cada vez que o BE e a ala jacobina do PS anunciam uma nova causa ou fulanizam num novo ou velho alvo o seu ódio tenhamos de viver esse momento com o fatalismo com que nos tempos da Revolução Francesa a moderação e o bom senso se calavam mal se ouvia o ruído das agulhas das tricoteuses.

Desde os tempos de Robespierre e do seu Comité da Saúde Pública (o jacobinismo é indissociável de uma ideia sanitária da sociedade) que se sabe que os radicais, invariavelmente minoritários, conseguem de facto mandar porque os desmandos dos revolucionários são aceites com fatalismo quer pelos moderados, que lhes reconhecem uma óbvia superioridade política, quer por aqueles que num passado recente se destacavam a denunciar os abusos e os falhanços do poder conservador e que perante a pesporrência e a mediocridade dos revolucionários se calam. Uns temerosos. Outros cúmplices.

A explicação do sucesso de Robespierre não está portanto no terror imposto pela guilhotina, nem nas festas ao Ente Supremo e à Deusa Razão nem sequer nas forquilhas da populaça. O seu sucesso radica em algo acontecido anos antes. Num acontecimento hoje quase esquecido: a queda de Turgot.

Contra Turgot, o homem a quem Luís XVI confiou a reforma da França revoltaram-se os aristocratas, o clero, os comerciantes, os proprietários… As reformas iniciadas por Turgot punham em causa velhos privilégios e proteccionismos. Entre os primeiros a conspirar contra as reformas de Turgot contava-se a própria familia de Luís XVI.

Ao fim de algum tempo Turgot foi afastado e substituído por um muito medíocre Clugny de Nuits que criou a Lotaria, suspendeu os chamados Éditos de Turgot, não mexeu nos direitos adquiridos de ninguém e sobretudo deu por boa a intenção da França de entrar em guerra com a Inglaterra que é mesmo que dizer que a França falida resolveu apoiar a Revolução Americana. Logo Clugny de Nuits apenas saiu do cargo porque morreu. Inesperadamente é certo mas sem ser contestado.

Anos depois veio a Revolução e todos aqueles que anos antes tanto tinham contestado a alteração da velha ordem trazida pelas reformas do moderado Turgot ficaram mudos perante as pilhagens, os impostos crescentes e as perseguições levadas a cabo pelos revolucionários.

Desde então qualquer candidato a Robespierre sabe duas coisas. A primeira diz-lhe que o seu principal aliado é o fatalismo das élites que aceitam a lógica revolucionária com a submissão inversa à energia com que pouco antes rejeitaram todas e quaisquer reformas. A segunda é que os radicais não têm de respeitar a legitimidade dos outros poderes. Os seus limites são apenas aqueles que ele e a sua gente traçam. Em conclusão: o problema não é Catarina Martins dizer que o Presidente da República terá de promulgar «Quer queira, quer não». O problema é à esquerda e à direita aceitar-se essa alarvidade como um direito natural.

Aqui chegados espero que tenham percebido porque de facto não sei fazer desenhos.