terça-feira, 19 de agosto de 2014


Portugal em contramão


José Maria C. S. André

Escrevo de Glasgow, nas latitudes frias e chuvosas da Escócia. Não é o círculo polar Ártico, mas em Agosto há sol até muito tarde: uma luz suave, a iluminar esta paisagem de relva e verdura, sulcada todo o ano por regatos. Com outra luminosidade e com menos vento, os Açores lembram este germinar de vida, que só é possível em terras onde escorre água em tanta abundância.

Passo as manhãs a assistir a umas conferências magistrais sobre história da Igreja na Grã-Bretanha. Além da biblioteca que nos rodeia, o professor trouxe dois caixotes de livros, que considerou «essenciais». Cada um começou por uma ponta, mas ninguém tem dúvidas de que vamos chegar ao fim do mês sem ter esgotado a colectânea do «indispensável». As aflições do Almada Negreiros!

Não vou contar numa página o que tão grandes autoridades académicas condensaram em dezenas de volumes, mas atrevo-me a partilhar impressões.

A principal é que o Reino Unido está a assistir a uma revolução cultural empolgante, que acelerou na última década. Há 200 anos, os católicos desta ilha eram uma minoria ínfima, à beira da mendicidade, considerados pela população como gente suja, com doenças e iletrada. De facto, eram geralmente imigrantes muito pobres. A lei proibia o acesso dos católicos ao funcionalismo público, à universidade e a outras instituições.

No século XIX, a Igreja católica voltou a ter bispos, vários deles recém-convertidos, por exemplo o Cardeal Manning, que tinha sido um pastor anglicano, casado e depois viúvo. Por volta de 1850, começou um conjunto de conversões de grandes intelectuais, artistas e escritores: Henry Benson, John H. Newman, G. Manley Hopkins, G. K. Chesterton, Ronald Knox, Siegfried Sassoon, Evelyn Waugh, Edith Sitwell, Graham Greene, Muriel Spark, além de outros que já nasceram em famílias católicas como o realizador Hitchcock, ou os escritores Hilaire Belloc e J.R.R. Tolkien, o célebre político Lord Acton, o compositor Edward Elgar.

No período até à Segunda Guerra Mundial, o número de católicos ingleses multiplicou-se por muito e começaram a notar-se na vida pública. Aos poucos, foram admitidos nalgumas repartições do Estado. O tempo do imediato pós-Guerra e do Concílio foi uma época atribulada, embora não tanto como para outras confissões religiosas.

Actualmente, está em curso uma transformação acelerada. Neste princípio do século XXI, já chegaram ao Governo alguns católicos, inclusive de Missa diária. As escolas católicas são consideradas as melhores do país. Nunca houve tantas conversões.

Ainda assim, o que chama a atenção é a reacção dos que não são católicos. Uma sacerdotisa anglicana declara que o seu principal livro é o Catecismo da Igreja Católica. As autoridades protestantes entusiasmam-se com as recentes Encíclicas papais. O Chefe da Igreja Anglicana anuncia publicamente que escolheu um director espiritual católico. A «speaker» do Parlamento (a Presidente do Parlamento) recebeu o Papa Bento XVI declarando que eles o consideravam a maior autoridade moral do mundo. Bastantes jornais, que há poucos anos criticavam duramente a Igreja católica, exprimem agora um respeito sem precedentes.

Isto não quer dizer que a população das ilhas britânicas tenha passado a ser católica ou compreenda bem a doutrina da Igreja, mas é algo que não se via desde há 400 anos.

Sobretudo, o que impressiona é a mudança na Universidade. Por exemplo, os maiores historiadores ingleses – de Cambridge, de Oxford, das outras universidades –, a maioria não católicos, são «revisionistas», isto é, ensinam a história da Reforma Católica exactamente ao contrário do que ensinaram até agora. Referindo-se a si próprio, um dos convertidos ingleses mais conhecidos dizia: «to deepen in history is to cease to be protestant» (aprofundar o conhecimento da história é deixar de ser protestante). De facto, é isso o que está a acontecer nestas ilhas.

Olho com pena para o nosso Portugal em contramão, alheio a este fenómeno de evolução no mundo britânico. Porque não é a cultura do Reino Unido que vai em contramão, apesar de aqui os carros andarem pela esquerda.





segunda-feira, 18 de agosto de 2014


SOS Iraque








A.J. Jardim, leviandades,

ou como não se deve fazer política em Portugal


João J. Brandão Ferreira Oficial Piloto Aviador

«Passámos a grande ilha da Madeira
Que do muito arvoredo assim se chama,
Das que nós povoámos a primeira,
Mais célebre por nome que por fama».

Camões, Canto V, 5.


O Dr. Alberto João Jardim (AJJ), usando da palavra na habitual «festa/comício» do Chão da Lagoa, no passado dia 30 de Julho, pariu uma catilinária contra o que ele definiu, sem explicar, de «Estado Português Unitário» e usou, mais uma vez, de demagogia barata sobre os «poderes» de Lisboa.[1]

Não demos conta que algum órgão do Estado ou força política lhe tenha respondido ou actuado e nenhum comentador, comentou…

Fazem-no, possivelmente, na esperança (vã) que ele se cale ou fique a falar sozinho. Outros porque julgarão que ele é tolo e não vale a pena gastar sebo com tão ruim defunto.

Fazem mal.

As razões são simples: há coisas por demais importantes que não devem ser deixadas passar em claro. É o caso, e AJJ também não é propriamente o 4.º secretário de uma agremiação de bairro.

Por outro lado AJJ está longe de ser tolo. Estamos até em crer, que mesmo debaixo da influência de umas quantas «ponchas», ele sabe perfeitamente o que diz e pensa o que diz.

A verdadeira razão porque não o criticam, porém, não é essa – note-se que a chamada «esquerda» está sempre na 1.ª fila do ataque a Jardim e sobre este âmbito aos costumes nada diz. A coisa é mais profunda e tem origem na herança «vinte cinco abrileira» e na agonia apóstata da «descolonização».

Até agora nenhum «filho d’algo» se demarcou publicamente do discurso oficial, nem tentou emendar o que mentirosamente vem escrito nos livros «oficiais», sobre os quais o Ministério da Educação (que nem instrução ministra…), obriga os nossos filhos e netos a fazer exame – só para referência claro!

De facto quando oficialmente está instituído que os povos das «colónias»[2]  tinham direito à autodeterminação (que nunca foi realizada) e à independência (que até hoje não lograram) – mesmo que soprada de fora – e a maioria dos portugueses que queriam manter a secular Nação incólume, não tinha o direito sequer a lutar por isso, está tudo dito!

Pior, quando alguns daqueles da «geração mais bem preparada» (deixa-me rir), que nos passaram a governar, ignoram por completo, ou fazem por ignorar, e confundem autodeterminação com substituição de soberanias e neocolonialismo, e não sabem destrinçar o termo «colonização» de «colonialismo», o que se pode esperar?

Como se podem opor a que um vicioso qualquer possa vir bolsar as baboseiras «jardínicas» quando a Madeira está na mesmíssima posição que S. Tomé e Príncipe antes da independência apenas com a diferença – para o caso irrelevante – de que a pigmentação da pele da maioria dos São Tomenses é substancialmente mais escura do que a dos conterrâneos do agora faltoso conselheiro de Estado (será que nem ao menos aí o criticam?).

Sim, sim, AJJ é conselheiro de Estado, mas acha que não tem direito a nada nem lhe ligamos nenhuma…

AJJ queixa-se da Constituição? Também eu e muitos mais. De facto a CR está errada e mal escrita, em muitos aspectos, mas naquilo de que agora se queixa o político há mais tempo em exercício, está até escorreita!


Bom, mas o coitado não quer pertencer a um estado unitário, quererá pertencer a quê, então?

A um estado «partido»? Um estado «fragmentado»? Um estado «assim-assim», ou apenas a um estado patético que é o estado da figura triste, apesar de florida, a que AJJ aparenta ter chegado?

Vejamos, o Estado é a Nação politicamente organizada; e unitário refere-se à unidade política de um país. Ora é evidente que AJJ ao dizer que não quer pertencer a um estado unitário está a dizer que não quer pertencer à mesma Nação.

Ou será que AJJ como presidente de um órgão que não serve em rigor para nada – a não ser para arranjar clientelas e esbanjar dinheiros públicos – quer simplesmente fazer o que lhe der na realíssima gana e não ter responsabilidades ou ser criticado; e que as consequências negativas do que faz sejam pagas pelos outros, leia-se Açorianos e Continentais?

Não lhe chega uma boa descentralização?

E o arquipélago da Madeira também quer ser unitário? Os de Porto Santo querem aturar o «colonialismo» dos «cubanos» da Madeira? E as Selvagens que estão quase tão longe do Funchal como Lisboa, também não terão direito a uma delegação da Assembleia Regional?

O que é que AJJ quererá fazer que o governo «unitário» não deixa? Quer que a gente lhe compre a banana a cinco euros e lhe revenda o gasóleo a 20 cêntimos?

Quer impedir a GNR de actuar na sua terra, por razões que só podemos imaginar?

Ou quer que seja o governo regional a mandar no central?

Diga-me Dr. AJJ, o que é que o faz pensar que tem mais direitos do que os habitantes do Minho?

Veja se atina!

Estamos cheios de aturar desconchavos políticos e também de iluminados muito democráticos que defendem que todas as opiniões são respeitáveis.

É mentira, muitas não o são – defender a pedofilia, por ex., não é respeitável (embora não esteja longe de vir a ser legal…) – e algumas merecem, quando não exigem, umas bengaladas!

AJJ já devia, há muito tempo, ter sido objecto de um processo, ao abrigo do artigo 308 do Código Penal. Mas parece que a PGR não está para aí virada.

Tão pouco os restantes órgãos do Estado com maiores responsabilidades.

O PR assiste a tudo assobiando para o lado – parece até ter medo do personagem; os governos, cheios de telhados de vidro e conivências de ofício partidário, evitam pisar-lhe os calos; os políticos de um modo geral são farinha do mesmo saco e da manjedoura comum; os chefes militares há muito que não existem e já nem as tropas os conhecem; os diplomatas andam escondidos no receio da própria sombra, alegando discrição; a Universidade virou negócio e campo de lutas ideológicas e de influência, onde a maioria dos alunos anda ao «Deus dará» tirocinando em muito álcool, sexo e rock e pouco estudo pelo meio (fora o que designam por «praxes»), etc..

Os comentadores esfregam as mãos, pois são casos destes que lhes mantêm o filão inesgotável e as notícias são sempre bem-vindas, pois ajudam ao negócio da venda de papel, som e imagem dos «média».

Assim vamos vivendo.

Parece restar apenas ser um cidadão ou grupo de cidadãos, a fazer queixa das atitudes antipatrióticas e seccionistas de AJJ.

A cena carnavalesca, também ocorrida no Funchal, com os encapuzados a imitarem a «ETA», é bem o retrato de como a vida política e social se degenerou no nosso país.

O João G. Zarco, o Tristão V. Teixeira e o Bartolomeu Perestrelo, descobridores e povoadores do arquipélago, que Camões cantou, bem mereciam melhores descendentes.

Dr. AJJ não vou ser tão radical como o seu colega de Partido (lá está outra coisa que não é unitária…) – e que rico Partido, sim senhor – que por um acaso do destino ocupa temporariamente o cargo de PM, e sugerir-lhe que emigre.

Limito-me apenas a mandá-lo cavar semelhas para o Pico do Areeiro. Sempre lhe refrescava as ideias.



[1] Presume-se que se estivesse a querer referir ao artigo 6.º da Constituição.

[2] Que, por acaso, só se chamaram colónias entre 1920 a 1926 e entre 1930 a 1951, por modismo da época, tendo sido ao longo dos séculos conhecidos também, como «Praças», «Fortalezas», «Estabelecimentos», «Feitorias», «Presídios», «Capitanias», «Domínios», «Conquistas», «Províncias», «Estados» e até, «Reinos»…