Pedro Afonso, médico psiquiatra, Observador, 10 de Março de 2016
O Facebook funciona muitas vezes como um «buraco
negro» que suga as mentes de muitas pessoas, criando um estado regressivo
colectivo. O pensamento pára, a introspecção e a autocrítica deixam de existir.
As redes sociais vieram mudar significativamente as
nossas vidas. A emigração maciça da vida social real para o mundo virtual das
redes sociais da internet corresponde, num sentido lato, à maior emigração
humana da história.
Ninguém sabe exactamente quais são as consequências
que decorrem deste novo estilo de vida passado na internet, embora já haja
alguns estudos. Por exemplo, a utilização excessiva da internet e das redes
sociais está associada a depressão, a uma baixa auto-estima e a sentimentos de
isolamento. Além disso, a utilização regular das redes sociais, e mais
concretamente do Facebook, tem sido associada a um maior risco de divórcio e de
relacionamentos extraconjugais.
Um inquérito realizado junto da American Academy of
Matrimonial Lawyers (AAML) revelou que a utilização da rede social Facebook
estava envolvida, como factor principal, em um em cada cinco divórcios nos EUA.
O ecrã do nosso computador serve muitas vezes como uma espécie de janela para
as nossas fantasias, onde se busca aquilo que não encontramos na vida real. Se
um casamento está em crise, se alguém está infeliz numa relação, pode surgir a
tendência para essa pessoa procurar uma alternativa amorosa. Essa procura
faz-se cada vez mais nas redes sociais. Porém, essa busca pode revelar-se
enganadora, uma vez que é essencialmente reactiva e emocional. Muitas vezes não
se faz uma reflexão madura adequada sobre o que está mal na relação conjugal e
o que poderá ser alterado, o que já foi feito para melhorar e o que ainda é
possível fazer; há geralmente uma fuga para a frente.
Qualquer pessoa percebe que, com a rapidez com que
tudo se passa actualmente na era da internet, a ponderação e a reflexão foram
praticamente excluídas do nosso dia-a-dia. Muitas crises conjugais são
intensificadas por uma baixa tolerância à frustração, uma falta de perseverança
face à adversidade e por um certo egocentrismo. Com frequência, as
justificações das rupturas são importadas das revistas cor de rosa e assentam
nos clichês individualistas habituais: «não era feliz», «deixei de gostar»,
«tenho o direito de procurar a minha felicidade», «quero voltar a estar
apaixonado(a)».
O mundo mudou e muitas vezes já não são as
televisões, os jornais e as rádios que nos dão as notícias, mas são as redes
sociais que, perante determinados acontecimentos que aparentemente seriam
insignificantes, fazem a notícia. Todavia, em muitos casos a reacção é
emocional, pouco profunda e elaborada, tal como grande parte dos comentários
que lemos sobre as notícias dos jornais na internet. A agressividade
prepondera, assistem-se a linchamentos públicos, e todos têm opinião sobre
tudo.
Veja-se o caso recente do colunista Henrique
Raposo, mais concretamente o ódio irracional de que foi vítima nas redes
sociais, após a publicação do seu livro Alentejo Prometido. É certo que correu
riscos, por ter abordado temáticas nesta obra que não domina propriamente
(psiquiatria e sociologia), mas isso não invalida que emita opinião e pense
sobre o assunto, ainda que se possa discordar. Ora, é precisamente «o
pensamento» que está a desaparecer numa parte significativa da sociedade que
emigrou para as redes sociais e que por lá passa cada vez mais tempo. O
Facebook funciona muitas vezes como um enorme «buraco negro» que vai sugando as
mentes de muitas pessoas, criando um estado regressivo colectivo. O pensamento
pára, a introspecção e a autocrítica deixam de existir. Tudo é reactivo e
instintivo, o hedonismo prevalece e o seguidismo emocional cego surge de forma
recorrente e imprevisível. Numa palavra, as emoções dominam o ser humano e
surgem dissociadas do pensamento e da inteligência.
Em ambos os exemplos citados anteriormente, há um
elemento comum: estamos a assistir à promoção da cultura da imaturidade. Neste
contexto, as redes sociais são autênticos «esconderijos emocionais», pois não
estão a favorecer propriamente o conhecimento, a reflexão, a prudência e o
autocontrolo. Existe uma exaltação febril da impulsividade, da superficialidade,
da expressão de sentimentos e comportamentos mais primitivos, como a violência
e os julgamentos sumários das pessoas. Estas características são imaturas,
primárias e revelam uma reduzida inteligência emocional.
Cada vez mais pessoas passam demasiado tempo
imersas no mundo virtual das redes sociais da internet, agarradas
obsessivamente ao computador, procurando a sua auto-realização. Mas julgo que
este caminho é enganador e não ajuda ao crescimento individual, nem à aquisição
de uma verdadeira aprendizagem social. O mundo real é muito mais rico,
profundo, e valioso do que o mundo virtual. É motivo para dizer «viva cá fora,
não se refugie lá dentro».