quarta-feira, 14 de outubro de 2015


O marciano


Helena MatosObservador, 11 de Outubro de 2015

O mundo de Costa é o da CML. Esse mundo em que foi vencedor, em que foi engolindo adversários e em que tudo parecia à sua medida. Esse mundo em que os jornalistas eram amigáveis e a política simples.

António Costa não é deste mundo. Deste mundo do centro que resultou esmagadoramente maioritário das eleições de 4 de Outubro. Quando António Costa repete que só em caso de invasão de marcianos haverá um governo de Bloco Central não está a fazer uma piada cuja graça nos escapa, mas sim a lançar um grito do mais profundo da sua alma: o seu mundo, o mundo em que ele é capaz de agir e viver não é o da negociação ao centro. O mundo de Costa é o da CML. Esse mundo em que foi vencedor, em que foi engolindo os adversários e em que tudo parecia à sua medida. Esse mundo em que os jornalistas eram amigáveis e a politica simples. Costa, é bom lembrá-lo, tornou mediaticamente invisível José Sá Fernandes. Neutralizou Helena Roseta e, a cada manifestação de força do PCP, optava por contratar mais trabalhadores como sucedeu nos casos da recolha de lixos. Fora deste universo presidido por si Costa sente-se sem ar. Um marciano.

Basta olhar para o embaraço agastado com que saiu da reunião com PSD e CDS e para a desenvoltura sorridente que ostentou após os encontros com Jerónimo de Sousa e Heloísa Apolónia para percebermos onde e com quem Costa se sente à vontade. É ao negociar à esquerda que pisa o chão com segurança. Não porque esteja próximo do comunismo mas sim porque é aquele tipo de conversas e propostas que está preparado para ouvir e negociar. E sobretudo são aqueles protagonistas que acredita saber neutralizar. Engana-se mas essa é outra história. Mais precisamente a do futuro. Por agora o que não podemos esquecer é que as pessoas contam e no caso de Costa essa constatação leva a que se conclua que não é por ideologia mas sim por idiossincrasia que tenta transformar o governo de Portugal num remake da assembleia municipal de Lisboa.

Esta incapacidade de mudar de atmosfera de António Costa não teria problema de maior caso ele fosse o candidato presidencial do PS: numa candidatura à Presidência da República, Costa podia dar largas ao espírito de frente popular que fez da Presidência da República, até à chegada de Cavaco Silva, uma espécie de casa comum de Marx e da Maçonaria.

Mas acontece que António Costa não é o candidato presidencial do PS mas sim o líder socialista que se candidatou a primeiro-ministro pedindo uma maioria absoluta. E que perdeu. Agora procura manter-se na liderança do PS graças não aos apoios com que conta no PS mas sim através dos acordos que consiga estabelecer com o BE e PCP. O que daí resultará para o PS e para si mesmo não é difícil de augurar (peço encarecidamente que nessa data Costa nos poupe à lamúria do engano e da má fé: os radicais só enganam quem quer ser enganado).

Já no que respeita ao país o problema não está no euro nem na NATO nem no ressuscitar da Reforma Agrária reivindicados pelo PCP e pelo BE: todos esses slogans desempenham entre os radicais de esquerda o mesmo papel que os trajes das confrarias, sejam elas do vinho do Porto ou da alheira, no dia a dia dos respectivos confrades — ninguém pensa que aquela parafrenália doutros tempos tenha qualquer uso que não o das celebrações mas todos lhe reconhecem uma vertente identitária. A berraria contra o euro e os apelos à saída da NATO são as vestes rituais das grandes corporações políticas da democracia: o PCP, uma corporação que radica sobretudo nos privilégios dos sindicalistas, a que se juntou o BE que se sustenta no mundo universitário.

As corporações sabem bem que não podemos sair do euro e, para lá do folclore do costume, não vão opor-se à permanência na NATO. (As corporações dependem em absoluto da manutenção do status quo). O que lhes interessa é o Estado. Este vai necessariamente crescer para albergar as unidades de missão, as comissões, os institutos, os grupos de estudo, os observatórios, as empresas públicas, os centros… em que bloquistas e comunistas, reproduzindo a táctica usada pelo desaparecido MDP, potenciarão a influência dos respectivos partidos.

Pano de fundo indispensável a esta instalação no aparelho de Estado e ao seu crescente intervencionismo será a criação de um país dividido em progressistas e reaccionários. Causas fracturantes, multiplicação de incidentes (veja-se a despropositada reacção de Costa à leitura de um pivot errado por José Rodrigues dos Santos), fulanização de alvos e muita invenção de inimigos externos para explicar os fracassos internos irão marcar a actualidade. Acabaremos estafados, menos livres, ainda mais endividados e o PS, claro, com menos votos porque nos governos as alianças com os radicais só fazem ganhar votos aos radicais.

Pode Costa ainda arrepiar caminho e negociar ao centro? Pode. Mas não é isso que o faz feliz. E muito menos o que lhe pede o instinto.

PS. Não esqueci o meu compromisso de aqui ir dando conta do fabuloso mundo das revistas das autarquias e juntas de freguesia. Assim, após informação de um leitor atento cheguei à revista de Janeiro-Junho deste ano da Câmara de Santo Tirso. Aí o respectivo presidente aparece 31 vezes fotografado. Contudo 31 vezes em cem páginas é uma espécie de vitória relativa porque a presidente da Câmara Municipal da Amadora, que aqui referi a passada semana, aparece 23 vezes numa publicação de 44 páginas.





domingo, 11 de outubro de 2015


Suicídio colectivo da Europa


F.S.

A Europa é como um edifício cujas fundações têm vindo a ser minadas de forma sistemática e programática nas últimas décadas. A ideologia revolucionária que, de forma paciente, vem levando a cabo este trabalho não tem o apoio da maioria das populações mas avança praticamente sem oposição. Porquê?

A resposta de certo modo é simples: uma máquina de propaganda colossal que tem nos grandes media (televisões, música, cinema e imprensa) os seus veículos privilegiados e uma fórmula mágica para fazer avançar a sua agenda – o relativismo moral.

O relativismo moral corrói as bases morais de uma sociedade, a sua identidade e convicções, proporcionando condições favoráveis à revolução. Não é por acaso que «moral» significa tanto costumes e valores como força mental. Nenhuma civilização histórica se fundou sob a dúvida, a incerteza ou o cepticismo. Ninguém combate por coisa nenhuma. Quem não possua convicções e valores não tem força mental para suportar os desafios e até os sacrifícios que a vida apresenta e requer. Está sempre mais perto da desistência e do conformismo. O que é válido para um individuo é-o em maior grau para uma sociedade.

Nas nossas sociedades o radicalismo revolucionário dos anos 60 e 70 (tanto na Europa como nos Estados Unidos que fazem parte da mesma civilização Ocidental) não se impôs como norma moral porque existia ainda uma matriz conservadora forte. No entanto ele produziu o resultado desejado que era o de abalar os alicerces morais do Ocidente e questionar os seus valores, abrindo caminho ao relativismo moral.

73% dos franceses tem uma visão negativa na presença islâmica na Europa.
Na foto, oração colectiva de muçulmanos numa rua de Paris.

É também importante perceber que o relativismo moral não é o fim em si mesmo da mentalidade revolucionária. Ele é um meio para promover a «igualdade» dos valores mas o objectivo final é substituir os valores antigos pelos revolucionários. Só os ingénuos – e existem muitos, que se prestam ao papel de serem instrumentos da revolução – acreditam no relativismo moral. Um indivíduo teria que ser criado num laboratório esterilizado da vivência humana para poder ser moralmente asséptico, moralmente neutro.

O relativismo foi e continua a ser um instrumento que serve para tornar aceitáveis práticas aberrantes ou até moralmente hediondas como o aborto, introduzindo propositadamente a confusão e pervertendo a linguagem para criar um véu que oculta a realidade. O exemplo mais claro disso é o do aborto, uma morte espontânea ou forçada que os seus promotores apresentam como «direito das mulheres» ou até como parte dos «direitos reprodutivos das mulheres».

Na fase em que nos encontramos, o relativismo está em vias de ser ultrapassado e de dar lugar a um discurso abertamente anti-valores morais e religiosos (já dominante entre as elites «bem-pensantes», ou seja aquelas que têm acesso aos grandes media). Um exemplo claro disso é o que se passa com a homossexualidade. O objectivo é suprimir todo o discurso que não seja de apologia da homossexualidade e respectivas uniões, inclusivamente por via legislativa. Foi assim inventado o «crime» da «homofobia» que é tão simplesmente a instituição do delito de opinião. Os programas curriculares das escolas estão já a endoutrinar as crianças e em breve as Igrejas serão forçadas a ministrar o matrimónio a pessoas do mesmo sexo sob pena de ilegalização.

No entanto, está ainda por determinar qual será o ponto de chegada desta senda revolucionária porque o assalto aos valores europeus conhece nos nossos dias uma nova frente que é a da ameaça da religião de Maomé. Esta prescreve a conversão forçada ou exploração económica dos não-muçulmanos e a aplicação universal da sharia ou lei islâmica, que entre outras provisões estende as normas sobre blasfémia aos não-crentes em Maomé.

Ora o mais curioso e intrigante nos nossos dias é que a esquerda europeia e norte-americana, que tanto combate os valores da religião cristã, seja hoje a grande defensora do Islão. As grandes estrelas de Hollywood e as figuras mais progressistas da esquerda ocidental surgem hoje com um discurso de defesa do Islão bem preparado, ainda que assente em argumentos ingénuos ou dissimulados e factos enumerados de forma parcial e selectiva. A conclusão que desejam popularizar é a de que o problema não reside na religião mas na interpretação extremista da mesma. É de facto uma posição tanto mais desconcertante quanto hoje todos sabem o que se passa na Arábia Saudita, país fundador, guardião dos lugares santos e da doutrina do Islão, e no Irão, país bastião dos xiitas, assim como no Paquistão, país fundado para acolher os muçulmanos da Índia, ou tantos outros. Não se percebe pois onde existe esse Islão moderado que os apologistas proclamam.

Por outro lado, o Islão militante é bem visível e já chegou à Europa e aos Estados Unidos, com atentados, ameaças de morte e ataques impiedosos aos alegados blasfemos ou simples infiéis. Sob a pressão e ameaça do Islão militante, o Ocidente já aceitou a auto-censura, capitulando naquilo que alegadamente seria um valor sacrossanto das sociedades democráticas: a liberdade de expressão. A Europa capitula igualmente na sua soberania, ao abdicar do controlo das suas fronteiras.

Sendo impossível determinar quais as intenções finais da esquerda revolucionária, entre a qual as evidências nos forçam a incluir Angela Merkel e François Holande (que continuam a promover o fluxo descontrolado de muçulmanos para a Europa, ao mesmo tempo que permitem que os cristãos, «esquecidos e traídos»[1], sejam perseguidos e assassinados no Médio Oriente), nem por isso deixamos de ver com clareza as consequências da sua acção: a destruição da cultura e das bases morais da civilização Ocidental. A esquerda está objectivamente a destruir todos os valores tradicionais da Europa ao mesmo tempo que promove o expansionismo islâmico. As incongruências são óbvias mas as consequências são imprevisíveis.


[1] http://rr.sapo.pt/noticia/36406/diario_do_sinodo_8102015






Podem os ricos alcançar o reino dos céus?



PAPA BENTO XVI

ANGELUS

Praça de São Pedro
Domingo, 14 de Outubro de 2012

Amados irmãos e irmãs!

O Evangelho deste domingo (Mc 10, 17-39) tem como tema principal a riqueza. Jesus ensina que para um rico é muito difícil entrar no Reino de Deus, mas não impossível; de facto, Deus pode conquistar o coração de uma pessoa que possui muitos bens e levá-la à solidariedade e à partilha com quem está em necessidade, com os pobres, isto é, a entrar na lógica da doação. Deste modo ela põe-se no caminho de Jesus Cristo, o qual — como escreve o apóstolo Paulo — «sendo rico, fez-se pobre por vós, para que vos tornásseis ricos por meio da sua pobreza» (2 Cor 8, 9).

Como acontece com frequência nos Evangelhos, tudo se inspira num encontro: o de Jesus com um tal que «possuía muitos bens» (Mc 10, 22). Ele era uma pessoa que desde a sua juventude observava fielmente todos os mandamentos da Lei de Deus, mas ainda não tinha encontrado a verdadeira felicidade; e por isso pergunta a Jesus como fazer para «ter em herança a vida eterna» (v. 17). Por um lado ele sente-se atraído, como todos, pela plenitude da vida; por outro, estando habituado a contar com as suas riquezas, pensa que também a vida eterna se possa de alguma forma «comprar», talvez cumprindo um mandamento especial. Jesus capta o desejo profundo que há naquela pessoa, e — escreve o evangelista — fixa nele um olhar cheio de amor: o olhar de Deus (cf. v. 21). Mas Jesus compreende também qual é o ponto frágil daquele homem: precisamente o seu apego aos muitos bens que possui; e por isso propõe-lhe que dê tudo aos pobres, de modo que o seu tesouro — e por conseguinte o seu coração — já não esteja na terra, mas no céu, e acrescenta: «Vem e segue-Me!» (v. 22). Mas aquele homem, em vez de aceitar com alegria o convite de Jesus, vai-se embora entristecido (cf. v. 23), porque não consegue desapegar-se das suas riquezas, que nunca lhe poderão dar a felicidade e a vida eterna.

E a este ponto Jesus dá aos discípulos — e também a nós hoje — o seu ensinamento: «Como é difícil, para aqueles que possuem riquezas, entrar no reino de Deus!» (v. 23). Ouvindo estas palavras, os discípulos ficaram desapontados; e ainda mais quando Jesus acrescentou: «É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no reino de Deus». Mas, vendo-os admirados, disse: «Aos homens é impossível, mas a Deus não; pois a Deus tudo é possível» (cf. vv. 24-27). Assim comenta São Clemente de Alexandria: «A parábola ensina aos ricos que não devem descuidar a sua salvação como se fossem já condenados, nem devem abandonar a riqueza nem condená-la como insidiosa e hostil à vida, mas devem aprender de que modo usar a riqueza e conquistar a vida» (Os ricos poderão salvar-se?, 27, 1-2). A história da Igreja está cheia de exemplos de pessoas ricas, que usaram os próprios bens de modo evangélico, alcançando também a santidade. Pensemos apenas em São Francisco, em Santa Isabel da Hungria ou em São Carlos Borromeu. A Virgem Maria, Sede da Sabedoria, nos ajude a acolher com alegria o convite de Jesus, para entrar na plenitude da vida.