quarta-feira, 28 de outubro de 2015


O Sínodo na visão de um progressista



O Sínodo na visão de um progressista: «Fui pessimista demais. Como o Concílio Vaticano II, o Sínodo alcançou um consenso através da ambiguidade».

Sínodo: um consenso na ambiguidade

IHU – Ok, vamos ser sinceros: fui pessimista demais na minha previsão sobre como acabaria este Sínodo dos bispos. Deveria ter confiado no Espírito.

Estava convencido de que a oposição à ideia de os católicos divorciados e recasados voltarem à Comunhão (aqueles que não possuem as devidas anulações) era tão forte que o Sínodo nada poderia fazer. O melhor que eu esperava era que os bispos recomendassem estudos posteriores à volta dessa possibilidade.O pior resultado teria sido o Sínodo dizer definitivamente que a prática da Igreja não poderia mudar.

O comentário é de Thomas Reese, jesuíta, jornalista, num artigo publicado pela National Catholic Reporter, 24-10-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

O meu engano foi escrever o artigo antes que o grupo de discussão alemão produzisse o seu relatório. Para a surpresa de todos, os alemães chegaram a um acordo unânime no seu relatório, que incluía um debate de foro interno.

«Deve haver talvez uma forma de trabalhar com as pessoas nestas situações, com o sacerdote a cuidar se e quando podem vir a uma plena reconciliação com a Igreja», explicou o cardeal Reinhard Marx, ao falar das pessoas divorciadas e recasadas. «Eis a proposta».

Esta unanimidade foi significativa porque, no grupo alemão, havia cardeais teologicamente sofisticados que representavam diferentes pontos de vista, incluindo os cardeais Walter Kasper, quem originalmente propusera a ideia de um «caminho penitencial», e Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé  –  CDF, conhecido pela sua oposição a esta proposta.

O facto de que estes cardeais puderam concordar significou que a recomendação que fizeram carregava um grande peso junto aos demais Padres Sinodais. Müller foi fundamental em trazer junto a si os bispos que estavam indecisos. «Se o presidente da CDF diz que está OK, então deve ser verdade» foi o pensamento.

O que, afinal, o Sínodo diz sobre os católicos divorciados e recasados no seu relatório final (recomendações) ao Papa?

Com os alemães, o Sínodo sugere o emprego do que se chama «foro interno», em que o documento diz que os sacerdotes podem ajudar os católicos recasados a «tornarem-se conscientes das suas situações perante Deus» e a decidir quando seguir em frente.

«O diálogo com o sacerdote, no foro interno, contribui para a formação de uma decisão correcta sobre o que está impedindo a possibilidade de uma plena participação na vida da Igreja e sobre os passos que poderia fomentar tal participação e fazê-la crescer», afirma o documento.

«Para que isso aconteça, as condições necessárias de humildade, discrição, amor à Igreja e os seus ensinamentos devem ser garantidas numa procura sincera da vontade de Deus», continua o texto aprovado.

O que é marcante nos três parágrafos que lidam com os fiéis divorciados e casados novamente no civil é que as palavras Comunhão e Eucaristia nunca aparecem. Sim, isso mesmo, eles nunca mencionam a Comunhão como uma conclusão deste processo de foro interno.

Então, o que isso significa? Um conservador poderá interpretar esta ausência como uma proibição à Comunhão porque, no texto, esta não foi mencionada. Um progressista poderá interpretar que a Comunhão está incluída, visto que não está explicitamente excluída no texto.

Para mim, a verdade é que não se mencionou a Comunhão porque este era o único jeito de os parágrafos receberem dois terços dos votos. Como o Concílio Vaticano II, o Sínodo alcançou um consenso através da ambiguidade. Isso significa que estão a deixar o Papa Francisco livre para fazer o que achar melhor.

Parabéns à equipa da elaboração do documento, que encontrou a linguagem exacta para alcançar o consenso mesmo quando não dá uma resposta definitiva às nossas dúvidas.

[O jornalista do National Catholic Reporter] J. McElwee informa também que o documento fala sobre o emprego de métodos anticoncepcionais artificiais, citando a encíclica Humanae Vitae, do Papa Paulo VI e publicada em 1968, que proíbe tal prática. Porém o documento sinodal igualmente pede por um «diálogo consensual» entre os cônjuges quando reflectirem sobre a questão de terem, ou não, filhos.

O documento também fala de tomar decisões sobre se ter filhos depois de reflectir sobre o que se está ouvindo em consciência, citando o documento conciliar Gaudium et Spes, para dizer: «A escolha responsável da procriação supõe a formação da consciência, que é o ‘centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser’».

Aparentemente, o texto original escrito pela equipa de elaboração foi brevemente alterado no intuito de se conseguir chegar a um consenso.

Por fim, no outro assunto polémico – o relativo aos homossexuais –, o Sínodo disse que eles fazem parte das nossas famílias e citou documentos eclesiásticos que dizem que estas pessoas devem ser «respeitadas na sua dignidade e recebidas com respeito, com o cuidado de evitar ‘todo o tipo de discriminação injusta’». O Sínodo não foi além do ponto em que os bispos americanos se encontravam na sua mensagem pastoral de 1997, intitulada «Always Our Children».

O documento também critica as organizações internacionais que condicionam a ajuda financeira para países em desenvolvimento com base no reconhecimento legal dos casamentos homoafectivos.

Então, quem venceu?

• Claramente a comissão de redacção, que teria feito um trabalho inadequado caso o seu texto fosse rejeitado.

• Os alemães que se mostraram ser verdadeiros religiosos dispostos a manterem o diálogo até que se alcance um acordo, em vez de lançar condenações uns contra os outros.

• O Papa Francisco, que conduziu um Sínodo onde se trocaram ideias e em que se debateu com completa abertura.

• As famílias católicas de todos os tipos, que receberam a atenção indivisa dos Padres Sinodais durante estas três semanas.

Quem perdeu? Aqueles que quiseram enfatizar o direito em detrimento da misericórdia; aqueles que se opuseram a quaisquer mudanças na prática eclesial.

Porque sei que perderam? Porque foram os que ferozmente atacaram os parágrafos que diziam respeito ao divórcio e ao segundo casamento, mas acabaram por ser derrotados quando se contaram os votos [ndr: há controvérsias].

Nos próximos dias, os conservadores poderão tentar contornar as recomendações finais do Sínodo de uma forma que apoie a posição deles, mas não poderão sair-se bem a não ser que respondam à pergunta: «Então porque se opuseram tão ferozmente a estes parágrafos?»

Com frequência tenho dito que, como cientista social, sou um pessimista, mas como cristão, preciso ter esperança. O Sínodo não conseguiu aprovar tudo o que eu queria, e um consenso precisou ser alcançado por meio da ambiguidade. Então o meu pessimismo não está completamente equivocado.

Por outro lado, o Sínodo apontou a Igreja para a direcção certa, e, conforme nos lembra o Papa Francisco, a sinodalidade não é apenas uma experiência de três semanas; está no coração de como deseja ver a Igreja trabalhar no futuro. Isso dá-me esperança.





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