O Sínodo na visão de um progressista: «Fui pessimista
demais. Como o Concílio Vaticano II, o Sínodo alcançou um consenso através da
ambiguidade».
Sínodo: um consenso na ambiguidade
IHU – Ok, vamos ser sinceros: fui pessimista demais na minha previsão sobre como acabaria este Sínodo dos bispos. Deveria ter confiado no Espírito.
Estava convencido de que a oposição
à ideia de os católicos divorciados e recasados voltarem à Comunhão (aqueles
que não possuem as devidas anulações) era tão forte que o Sínodo nada poderia
fazer. O melhor que eu esperava era que os bispos recomendassem estudos
posteriores à volta dessa possibilidade.O pior resultado teria sido o Sínodo
dizer definitivamente que a prática da Igreja não poderia mudar.
O comentário é de Thomas Reese,
jesuíta, jornalista, num artigo publicado pela National Catholic Reporter,
24-10-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O meu engano foi escrever o artigo
antes que o grupo de discussão alemão produzisse o seu relatório. Para a surpresa
de todos, os alemães chegaram a um acordo unânime no seu relatório, que incluía
um debate de foro interno.
«Deve haver talvez uma forma de
trabalhar com as pessoas nestas situações, com o sacerdote a cuidar se e quando
podem vir a uma plena reconciliação com a Igreja», explicou o cardeal Reinhard
Marx, ao falar das pessoas divorciadas e recasadas. «Eis a proposta».
Esta unanimidade foi significativa
porque, no grupo alemão, havia cardeais teologicamente sofisticados que
representavam diferentes pontos de vista, incluindo os cardeais Walter Kasper,
quem originalmente propusera a ideia de um «caminho penitencial», e Gerhard
Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da
Fé – CDF, conhecido pela sua oposição a esta proposta.
O facto de que estes cardeais
puderam concordar significou que a recomendação que fizeram carregava um grande
peso junto aos demais Padres Sinodais. Müller foi fundamental em trazer junto a
si os bispos que estavam indecisos. «Se o presidente da CDF diz que está OK,
então deve ser verdade» foi o pensamento.
O que, afinal, o Sínodo diz sobre
os católicos divorciados e recasados no seu relatório final (recomendações) ao
Papa?
Com os alemães, o Sínodo sugere o
emprego do que se chama «foro interno», em que o documento diz que os
sacerdotes podem ajudar os católicos recasados a «tornarem-se conscientes das
suas situações perante Deus» e a decidir quando seguir em frente.
«O diálogo com o sacerdote, no foro
interno, contribui para a formação de uma decisão correcta sobre o que está
impedindo a possibilidade de uma plena participação na vida da Igreja e sobre
os passos que poderia fomentar tal participação e fazê-la crescer», afirma o
documento.
«Para que isso aconteça, as
condições necessárias de humildade, discrição, amor à Igreja e os seus
ensinamentos devem ser garantidas numa procura sincera da vontade de Deus»,
continua o texto aprovado.
O que é marcante nos três parágrafos
que lidam com os fiéis divorciados e casados novamente no civil é que as
palavras Comunhão e Eucaristia nunca aparecem. Sim, isso mesmo, eles nunca
mencionam a Comunhão como uma conclusão deste processo de foro interno.
Então, o que isso significa? Um
conservador poderá interpretar esta ausência como uma proibição à Comunhão
porque, no texto, esta não foi mencionada. Um progressista poderá interpretar
que a Comunhão está incluída, visto que não está explicitamente excluída no
texto.
Para mim, a verdade é que não se
mencionou a Comunhão porque este era o único jeito de os parágrafos receberem
dois terços dos votos. Como o Concílio Vaticano II, o Sínodo alcançou um
consenso através da ambiguidade. Isso significa que estão a deixar o Papa
Francisco livre para fazer o que achar melhor.
Parabéns à equipa da elaboração do
documento, que encontrou a linguagem exacta para alcançar o consenso mesmo
quando não dá uma resposta definitiva às nossas dúvidas.
[O jornalista do National Catholic
Reporter] J. McElwee informa também que o documento fala sobre o emprego de
métodos anticoncepcionais artificiais, citando a encíclica Humanae Vitae, do
Papa Paulo VI e publicada em 1968, que proíbe tal prática. Porém o documento
sinodal igualmente pede por um «diálogo consensual» entre os cônjuges quando
reflectirem sobre a questão de terem, ou não, filhos.
O documento também fala de tomar
decisões sobre se ter filhos depois de reflectir sobre o que se está ouvindo em
consciência, citando o documento conciliar Gaudium et Spes, para dizer: «A
escolha responsável da procriação supõe a formação da consciência, que é o
‘centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com
Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser’».
Aparentemente, o texto original
escrito pela equipa de elaboração foi brevemente alterado no intuito de se
conseguir chegar a um consenso.
Por fim, no outro assunto polémico
– o relativo aos homossexuais –, o Sínodo disse que eles fazem parte das nossas
famílias e citou documentos eclesiásticos que dizem que estas pessoas devem ser
«respeitadas na sua dignidade e recebidas com respeito, com o cuidado de evitar
‘todo o tipo de discriminação injusta’». O Sínodo não foi além do ponto em que
os bispos americanos se encontravam na sua mensagem pastoral de 1997,
intitulada «Always Our Children».
O documento também critica as
organizações internacionais que condicionam a ajuda financeira para países em
desenvolvimento com base no reconhecimento legal dos casamentos homoafectivos.
Então, quem venceu?
• Claramente a comissão de
redacção, que teria feito um trabalho inadequado caso o seu texto fosse
rejeitado.
• Os alemães que se mostraram ser
verdadeiros religiosos dispostos a manterem o diálogo até que se alcance um
acordo, em vez de lançar condenações uns contra os outros.
• O Papa Francisco, que conduziu um
Sínodo onde se trocaram ideias e em que se debateu com completa abertura.
• As famílias católicas de todos os
tipos, que receberam a atenção indivisa dos Padres Sinodais durante estas três
semanas.
Quem perdeu? Aqueles que quiseram
enfatizar o direito em detrimento da misericórdia; aqueles que se opuseram a
quaisquer mudanças na prática eclesial.
Porque sei que perderam? Porque
foram os que ferozmente atacaram os parágrafos que diziam respeito ao divórcio
e ao segundo casamento, mas acabaram por ser derrotados quando se contaram os
votos [ndr: há controvérsias].
Nos próximos dias, os conservadores
poderão tentar contornar as recomendações finais do Sínodo de uma forma que
apoie a posição deles, mas não poderão sair-se bem a não ser que respondam à
pergunta: «Então porque se opuseram tão ferozmente a estes parágrafos?»
Com frequência tenho dito que, como
cientista social, sou um pessimista, mas como cristão, preciso ter esperança. O
Sínodo não conseguiu aprovar tudo o que eu queria, e um consenso precisou ser
alcançado por meio da ambiguidade. Então o meu pessimismo não está
completamente equivocado.
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