sexta-feira, 17 de outubro de 2014
Carta aos bispos da Igreja católica
sobre o atendimento pastoral
das pessoas homossexuais
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, 1986
1. O problema do homossexualismo e do juízo ético acerca dos actos homossexuais tornou-se cada vez mais objecto de debate público, mesmo em ambientes católicos. Em tal discussão, propõe-se muitas vezes argumentos e exprime-se posições não conformes com o ensinamento da Igreja católica, que suscitam justa preocupação em todos aqueles que se dedicam ao ministério pastoral. Por esse motivo esta congregação julga o problema tão grave e difuso que justifica a presente carta sobre o atendimento pastoral às pessoas homossexuais, Carta dirigida a todos os bispos da Igreja católica.
2. Naturalmente, não se pretende elaborar neste texto um tratado exaustivo sobre um problema tão complexo. Prefere-se concentrar a atenção no contexto específico da perspectiva moral católica. Esta encontra apoio também nos resultados seguros das ciências humanas, as quais, também, possuem objecto e método que lhes são próprios e gozam de legítima autonomia.
A posição da moral católica baseia-se na razão humana iluminada pela fé e guiada conscientemente pela intenção de fazer a vontade de Deus, nosso Pai. Desta forma, a Igreja está em condições não somente de poder aprender com as descobertas científicas, mas também de transcender-lhes o horizonte; ela tem a certeza de que a sua visão mais completa respeita à complexa realidade da pessoa humana que, nas suas dimensões espiritual e corpórea, foi criada por Deus e, por sua graça, é chamada a ser herdeira da vida eterna.
Somente em tal contexto poder-se-á compreender com clareza em que sentido o fenómeno do homossexualismo, nas suas múltiplas dimensões e com os seus efeitos sobre a sociedade e sobre a vida eclesial, é um problema que afecta propriamente a preocupação pastoral da Igreja. Por isso mesmo, requer-se dos seus ministros atento estudo, empenho concreto e reflexão honesta, teologicamente equilibrada.
3. Já na «Declaração acerca de algumas questões de ética sexual» de 29 de Dezembro de 1975, a Congregação para a Doutrina da Fé tratava explicitamente este problema. Naquela declaração, salientava-se o dever de procurar compreender a condição homossexual e observava-se que a culpabilidade dos actos homossexuais deve ser julgada com prudência. Ao mesmo tempo, a congregação levava em consideração a distinção feita comumente entre a condição ou tendência homossexual, de um lado, e, do outro, os actos homossexuais. Estes últimos eram descritos como actos que, privados da sua finalidade essencial e indispensável, são «intrinsecamente desordenados» e, como tais, não podem ser aprovados em nenhum caso (cfr. n. 8, § 4).
Entretanto, na discussão que se seguiu à publicação da declaração, foram propostas interpretações excessivamente benévolas da condição homossexual, tanto que houve quem chegasse a defini-la indiferente ou até mesmo boa. Ao invés, é necessário precisar que a particular inclinação da pessoa homossexual, embora não seja em si mesma um pecado, constitui, no entanto, uma tendência, mais ou menos acentuada, para um comportamento intrinsecamente mau do ponto de vista moral. Por esse motivo, a própria inclinação deve ser considerada como objectivamente desordenada.
Aqueles que se encontram em tal condição deveriam, portanto, ser objecto de uma particular solicitude pastoral, para não serem levados a crer que a realização concreta de tal tendência nas relações homossexuais seja uma opção moralmente aceitável.
4. Uma das dimensões essenciais de um autêntico atendimento pastoral é a identificação das causas que provocaram confusão quanto ao ensinamento da Igreja. Entre elas, deve-se assinalar uma nova exegese da Sagrada Escritura, segundo a qual a Bíblia ou não teria nada a dizer acerca do problema do homossexualismo, ou até mesmo tacitamente o aprovaria, ou então ofereceria prescrições morais tão condicionadas cultural e historicamente, que afinal não mais poderiam ser aplicadas à vida contemporânea. Tais opiniões, gravemente erróneas e desorientadoras, requerem, portanto, uma especial vigilância.
5. É verdade que a literatura bíblica é tributária das várias épocas nas quais foi escrita, em relação a grande parte dos seus modelos de pensamento e de expressão (cfr. Dei Verbum, n. 12). Certamente, a Igreja de hoje proclama o Evangelho a um mundo bastante diferente do mundo antigo. Por outro lado, o mundo no qual foi escrito o Novo Testamento estava já consideravelmente mudado, por exemplo, quanto à situação na qual foram escritas ou redigidas as Sagradas Escrituras do povo judeu.
Deve-se ressaltar todavia que, embora no contexto de uma diversidade notável, existe uma evidente coerência no interior das mesmas Escrituras no que diz respeito ao comportamento homossexual. Por isso, a doutrina da Igreja acerca deste ponto não se baseia apenas em frases isoladas, das quais se podem deduzir argumentações teológicas discutíveis, e sim no sólido fundamento de um testemunho bíblico constante. A actual comunidade de fé, em ininterrupta continuidade com as comunidades judaicas e cristãs no seio das quais foram redigidas as antigas Escrituras, continua a alimentar-se com aquelas mesmas Escrituras e com o Espírito de Verdade do qual elas são a Palavra. É igualmente essencial reconhecer que os textos sagrados não são realmente compreendidos quando interpretados de um modo que contradiz a vigente Tradição da Igreja. Para ser correia, a interpretação da Escritura deve estar em acordo efectivo com esta Tradição.
A este respeito, assim se exprime o Concílio Vaticano II: «É claro, pois, que a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, por sapientíssima disposição de Deus, são entre si tão relacionados e unidos, que não podem subsistir independentemente, e todos juntos, segundo o modo próprio de cada um, sob a acção de um só Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas» (Dei Verbum, n. 10). À luz dessas afirmações aqui se delineia sucintamente o ensinamento da Bíblia sobre a matéria.
6. A teologia da criação, presente no livro do Génesis, fornece o ponto de vista fundamental para a adequada compreensão dos problemas suscitados pelo homossexualismo. Na sua infinita sabedoria e no seu amor omnipotente, Deus chama à existência toda a criação, como reflexo da sua bondade. Cria o homem à sua imagem e semelhança, como varão e mulher. Por isso mesmo, os seres humanos são criaturas de Deus chamadas a reflectir, na complementariedade dos sexos, a unidade interna do Criador. Eles realizam esta função, de modo singular, quando, mediante a recíproca doação esponsal, cooperam com Deus na transmissão da vida.
O capítulo 3 do Génesis mostra como esta verdade acerca da pessoa humana como imagem de Deus foi obscurecida pelo pecado original. Daí provém inevitavelmente uma perda da consciência acerca do carácter de aliança, próprio da união que as pessoas humanas mantinham com Deus e entre si. Embora o corpo humano conserve ainda o seu «significado esponsal», este, agora, é obscurecido pelo pecado. Assim, o deterioramento devido ao pecado continua a desenvolver-se na história dos homens de Sodoma (cfr. Gn 19, 1-11). Não pode haver dúvidas quanto ao julgamento moral aí expresso contra as relações homossexuais. Em Levítico 18, 22 e 20, 13, quando se indica as condições necessárias para se pertencer ao povo eleito, o autor exclui do povo de Deus os que têm um comportamento homossexual.
Tendo como tela de fundo esta legislação teocrática, São Paulo desenvolve uma perspectiva escatológica, dentro da qual repropõe a mesma doutrina, elencando também entre aqueles que não entrarão no reino de Deus os que agem como homossexuais (cfr. 1 Cor 6, 9). Noutra passagem do seu epistolário, baseando-se nas tradições morais dos seus ancestrais, mas colocando-se no novo contexto do confronto entre o cristianismo e a sociedade pagã do seu tempo, ele apresenta o comportamento homossexual como um exemplo da cegueira em que caiu a humanidade. Tomando o lugar da harmonia original entre Criador e criatura, o grave desvio da idolatria levou a todo tipo de excessos no campo moral. São Paulo aponta o exemplo mais claro desta desarmonia exactamente nas relações homossexuais (cfr. Rm 1, 18-32). Enfim, em perfeita continuidade com o ensinamento bíblico, na lista dos que agem contrariamente à sã doutrina, são mencionados explicitamente como pecadores aqueles que praticam actos homossexuais (cfr. 1 Tm 1, 10).
7. A Igreja, obediente ao Senhor que a fundou e a enriqueceu com a dádiva da vida sacramental, celebra no sacramento do matrimónio o desígnio divino da união do homem e da mulher, união de amor e capaz de dar a vida. Somente na relação conjugal o uso da faculdade sexual pode ser moralmente correcto. Portanto, uma pessoa que se comporta de modo homossexual, age imoralmente.
Optar por uma actividade sexual com uma pessoa do mesmo sexo equivale a anular o rico simbolismo e o significado, para não falar dos fins, do desígnio do Criador a respeito da realidade sexual. A actividade homossexual não exprime uma união complementar, capaz de transmitir a vida e, portanto, contradiz a vocação a uma existência vivida naquela forma de auto-doação que, segundo o Evangelho, é exactamente a essência da vida cristã. Não quer dizer que as pessoas homossexuais não sejam frequentemente generosas e não se doem, mas quando se entregam a uma actividade homossexual, elas reforçam dentro delas mesmas uma inclinação sexual desordenada, caracterizada em si mesma pela auto-complacência.
Como acontece com qualquer outra desordem moral, a actividade homossexual impede a auto-realização e a felicidade porque contraria a sabedoria criadora de Deus. Refutando as doutrinas erróneas acerca do homossexualismo, a Igreja não limita, antes pelo contrário, defende a liberdade e a dignidade da pessoa, compreendidas de um modo realista e autêntico.
8. O ensinamento da Igreja de hoje encontra-se, portanto, em continuidade orgânica com a visão contida na Sagrada Escritura e com a constante Tradição. Embora o mundo de hoje esteja, realmente mudado, sob diversos pontos de vista, a comunidade cristã está consciente do vínculo profundo e duradouro que a une às gerações que a precederam «no sinal da fé».
No entanto, um número cada vez mais vasto de pessoas, mesmo dentro da Igreja, exerce fortíssima pressão para levá-la a aceitar a condição homossexual como se não fosse desordenada e a legitimar os actos homossexuais. Os que, no interior da Igreja, pressionam nesta direcção, frequentemente mantêm estreita ligação com os que agem fora dela. Ora, tais grupos externos são movidos por uma visão oposta à verdade acerca da pessoa humana, verdade que nos foi revelada plenamente no mistério de Cristo. Embora de modo não de todo consciente, eles manifestam uma ideologia materialista, que nega a natureza transcendente da pessoa humana bem como a vocação sobrenatural de cada indivíduo.
Os ministros da Igreja devem agir de tal modo que as pessoas homossexuais confiadas aos seus cuidados não sejam desencaminhadas por estas opiniões, tão profundamente opostas ao ensino da Igreja. Contudo o risco é grande e existem muitos que procuram criar confusão quanto à posição da Igreja e aproveitar-se de tal confusão em favor dos seus próprios objectivos.
9. Mesmo dentro da Igreja formou-se uma corrente, constituída por grupos de pressão com denominações diferentes e diferente amplitude, que tenta impôr-se como representante de todas as pessoas homossexuais que são católicas. Na realidade, os seus adeptos são, na maioria dos casos, pessoas que, ou desconhecem o ensinamento da Igreja, ou procuram subvertê-lo de alguma maneira. Tenta-se reunir sob a égide do catolicismo pessoas homossexuais que não têm a mínima intenção de abandonar o seu comportamento homossexual. Uma das tácticas usadas é a de afirmar, em tom de protesto, que qualquer crítica ou reserva às pessoas homossexuais, à sua atitude ou ao seu estilo de vida, é simplesmente uma forma de injusta discriminação.
Em algumas nações funciona, como consequência, uma tentativa de pura e simples manipulação da Igreja, conquistando-se o apoio dos pastores, frequentemente de boa fé, no esforço que visa mudar as normas da legislação civil. Finalidade de tal acção é ajustar esta legislação à concepção própria de tais grupos de pressão, para a qual o homossexualismo é, pelo menos, uma realidade perfeitamente inócua, quando não totalmente boa.
Embora a prática do homossexualismo esteja ameaçando seriamente a vida e o bem-estar de grande número de pessoas, os fautores desta corrente não desistem da sua acção e recusam levar em consideração as proporções do risco que ela implica.
A Igreja não pode despreocupar-se de tudo isto e por conseguinte mantém firme a sua posição clara relativamente a, posição que não pode, certamente, modificar-se sob a pressão da legislação civil ou da moda do momento. Ela preocupa-se também, sinceramente, pelos muitos que não se sentem representados pelos movimentos pró-homossexuais e por aqueles que poderiam ser tentados a crer na sua propaganda enganadora. Ela está consciente de que a opinião segundo a qual a actividade homossexual seria equivalente à expressão sexual do amor conjugal ou, pelo menos, igualmente aceitável, incide directamente sobre a concepção que a sociedade tem da natureza e dos direitos da família, pondo-os seriamente em perigo.
10. É de se deplorar firmemente que as pessoas homossexuais tenham sido e sejam ainda hoje objecto de expressões malévolas e de acções violentas. Semelhantes comportamentos merecem a condenação dos pastores da Igreja, onde quer que aconteçam. Eles revelam uma falta de respeito pelos outros que fere os princípios elementares sobre os quais se alicerça uma sadia convivência civil. A dignidade própria de cada pessoa deve ser respeitada sempre, nas palavras, nas acções e nas legislações.
Todavia, a necessária reacção diante das injustiças cometidas contra as pessoas homossexuais não pode levar, de forma alguma, à afirmação de que a condição homossexual não seja desordenada. Quando tal afirmação é aceite e, por conseguinte, a actividade homossexual é considerada boa, ou quando se adopta uma legislação civil para tutelar um comportamento ao qual ninguém pode reivindicar direito algum, nem a Igreja nem a sociedade no seu conjunto deveriam surpreender-se se depois também outras opiniões e práticas distorcidas ganham terreno e se aumentam os comportamentos irracionais e violentos.
11. Alguns afirmam que a tendência homossexual, em certos casos, não é fruto de uma opção deliberada e que a pessoa homossexual não tem outra alternativa, sendo obrigada a comportar-se de modo homossexual. Por conseguinte, afirma-se que, em tais casos, ela agiria sem culpa, não sendo realmente livre.
A este propósito, é necessário referir-se à sábia tradição moral da Igreja, que alerta para as generalizações no julgamento dos casos individuais. De facto, num determinado caso, podem ter existido no passado, e podem subsistir ainda, circunstâncias tais que reduzem ou até mesmo eliminam a culpa do indivíduo; outras circunstâncias, ao contrário, podem agravá-la. Em todo caso, deve-se evitar a presunção infundada e humilhante de que o comportamento homossexual das pessoas homossexuais esteja sempre e totalmente submetido à coacção e, portanto, seja sem culpa. Na realidade, também às pessoas com tendência homossexual deve ser reconhecida aquela liberdade fundamental que caracteriza a pessoa humana e lhe confere a sua particular dignidade. Como em toda a conversão do mal, graças a tal liberdade, o esforço humano, iluminado e sustentado pela graça de Deus, poderá permitir-lhes evitar a actividade homossexual.
12. Que deve fazer, então, uma pessoa homossexual que procura seguir o Senhor? Substancialmente, tais pessoas são chamadas a realizar a vontade de Deus na sua vida, unindo ao sacrifício da cruz do Senhor todo o sofrimento e dificuldade que possam experimentar por causa da sua condição. Para quem crê, a cruz é um sacrifício frutuoso, pois daquela morte derivam a vida e a redenção. Ainda que se possa prever que qualquer convite a carregar a cruz ou a compreender de tal forma o sofrimento do cristão será ridicularizado por alguns, é preciso recordar que é este o caminho da salvação para todos aqueles que seguem Cristo.
Não é outro, na realidade, o ensinamento transmitido pelo apóstolo Paulo aos Gálatas, quando diz que o Espírito produz na vida do fiel «amor, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade, fidelidade, mansidão e auto-domínio» e, mais adiante: «Não podeis pertencer a Cristo sem crucificar a carne com as suas paixões e os seus desejos» (Gal 5, 22. 24).
Todavia, este convite é facilmente mal interpretado, se é considerado apenas como um inútil esforço de auto-renegação. A cruz é, sem dúvida, renegação de si mesmo, mas no abandono à vontade daquele Deus que da morte faz brotar a vida e habilita os que nele depositam a sua confiança a praticarem a virtude em lugar do vício.
Só se celebra autenticamente o Mistério Pascoal quando se deixa que ele impregne o tecido da vida cotidiana. Recusar o sacrifício da própria vontade na obediência à vontade do Senhor é, de facto, opor obstáculo à salvação. Exactamente como a Cruz é o centro da manifestação do amor redentor que Deus tem por nós em Jesus, assim o facto de conformarem a negação de si mesmos ao sacrifício do Senhor constituirá para homens e mulheres homossexuais uma fonte de auto-doação que os salvará de uma forma de vida que continuamente ameaça destruí-los.
As pessoas homossexuais, como os demais cristãos, são chamadas a viver a castidade. Dedicando-se com assiduidade a compreender a natureza do chamado pessoal que Deus lhes dirige, serão aptas a celebrar mais fielmente o sacramento da Penitência e a receber a graça do Senhor que, neste mesmo sacramento, se oferece para generosamente poderem converter-se mais plenamente ao seu seguimento.
13. É evidente, por outro lado, que uma clara e eficaz transmissão da doutrina da Igreja a todos os fiéis e à sociedade no seu conjunto depende em grande parte do ensinamento correcto e da fidelidade daqueles que exercem o ministério pastoral. Os bispos têm a responsabilidade particularmente grave de preocupar-se que os seus colaboradores no ministério e, sobretudo, os sacerdotes, sejam correctamente informados e pessoalmente bem dispostos a comunicar a todos a Doutrina da Igreja na sua integridade.
São dignas de admiração a particular solicitude e a boa vontade demonstradas por muitos sacerdotes e religiosos, no atendimento pastoral às pessoas homossexuais; esta congregação espera que tal solicitude e boa vontade não diminuam. Estes zelosos ministros devem nutrir a certeza de que estão seguindo fielmente a vontade do Senhor quando encorajam a pessoa homossexual a levar uma vida casta e relembram a dignidade incomparável que Deus lhe deu também.
14. Considerando tudo o que precede, esta congregação deseja pedir aos bispos que sejam particularmente vigilantes em relação aos programas que, de facto, tentam exercer pressão sobre a Igreja a fim de que ela mude a sua Doutrina, embora às vezes, verbalmente neguem que seja assim. Um estudo atento das declarações públicas neles contidas e das actividades que promovem revela uma calculada ambiguidade, através da qual procuram desviar pastores e fiéis. Por exemplo, costumam citar o ensinamento do Magistério, mas somente como uma fonte facultativa na formação da consciência; a sua autoridade peculiar não é reconhecida. Alguns grupos costumam até mesmo qualificar de «católicas» as suas organizações ou as pessoas às quais pretendem dirigir-se, mas, na realidade, não defendem nem promovem o ensinamento do Magistério; ao contrário, às vezes, atacam-no abertamente. Mesmo reafirmando a vontade de conformar a sua vida ao ensinamento de Jesus, de facto os membros desses grupos abandonam o ensinamento da sua Igreja. Este comportamento contraditório de forma alguma pode receber o apoio dos bispos.
15. Esta congregação encoraja, pois, os bispos a promoverem, nas suas dioceses, uma pastoral para as pessoas homossexuais, que concorde plenamente com o ensinamento da Igreja. Nenhum programa pastoral autêntico poderá incluir organizações em que pessoas homossexuais se associem entre si, sem que fique claramente estabelecido que a actividade homossexual é imoral. Uma atitude verdadeiramente pastoral incluirá a necessidade de evitar, para as pessoas homossexuais, as ocasiões próximas de pecado.
Devem ser encorajados os programas em que tais perigos sejam evitados. Mas é necessário deixar bem claro que afastar-se do ensino da Igreja ou fazer silêncio em torno dele, sob o pretexto de oferecer um atendimento pastoral, não é forma legítima nem de autêntica atenção nem de pastoral válida. Em última análise, somente aquilo que é verdadeiro pode ser também pastoral. Quando não se tem presente a posição da Igreja, impede-se a homens e mulheres homossexuais de receberem o atendimento de que necessitam e ao qual têm direito.
Um programa pastoral autêntico ajudará as pessoas homossexuais em todos os níveis da sua vida espiritual, mediante os sacramentos e, particularmente, a frequente e sincera confissão sacramental, como também através da oração, do testemunho, do aconselhamento e da atenção individual. Desta forma, a comunidade cristã na sua totalidade pode chegar a reconhecer a sua vocação de assistir estes seus irmãos e irmãs, evitando-lhes tanto a desilusão como o isolamento.
16. Desta abordagem diversificada podem advir muitas vantagens, entre as quais não menos importante é a constatação de que uma pessoa homossexual, como, de resto, qualquer ser humano, tem uma profunda exigência de ser ajudada contemporaneamente em vários níveis.
A pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, não pode definir-se cabalmente por uma simples e redutiva referência à sua orientação sexual. Toda e qualquer pessoa que vive sobre a face da terra conhece os problemas e dificuldades pessoais, mas possui também oportunidades de crescimento, recursos, talentos e dons próprios. A Igreja oferece ao atendimento da pessoa humana aquele contexto de que hoje se sente a exigência extrema, e o faz exactamente quando se recusa a considerar a pessoa meramente como um «heterossexual» ou um «homossexual», sublinhando que todos têm uma mesma identidade fundamental: ser criatura e, pela graça, filho de Deus, herdeiro da vida eterna.
17. Apresentando à atenção dos bispos esses esclarecimentos e orientações pastorais, esta congregação deseja ajudar com os seus esforços no sentido de assegurar que o ensinamento do Senhor e da Sua Igreja acerca deste importante tema seja transmitido integralmente a todos os fiéis.
À luz do que se acaba de expor, os Ordinários locais são convidados a avaliar, no âmbito da própria competência, a necessidade de particulares iniciativas. Além disso, se julgarem útil, poder-se-á recorrer a uma acção mais extensa, coordenada a nível das Conferências Episcopais Nacionais.
Os bispos serão particularmente solícitos em apoiar com todos os meios à sua disposição, o desenvolvimento de formas especializadas de atendimento pastoral às pessoas homossexuais. Isso poderia incluir a colaboração das ciências psicológicas, sociológicas e médicas, mantendo-se sempre na plena fidelidade à Doutrina da Igreja.
Os bispos, sobretudo, não deixarão de solicitar a colaboração de todos os teólogos católicos, os quais, ensinando o que a Igreja ensina e aprofundando com as suas reflexões o significado autêntico da sexualidade humana e do matrimónio cristão no plano divino, como também das virtudes que este comporta, poderão desta forma oferecer um válido auxílio neste campo específico da actividade pastoral.
Particular atenção deverão ter os bispos, além disso, ao escolher os ministros a serem encarregados desta delicada tarefa, de modo que estes, graças à sua fidelidade ao Magistério e ao seu elevado grau de maturidade espiritual e psicológica, possam ser de real ajuda às pessoas homossexuais, de forma que elas alcancem o seu bem integral. Tais ministros rechaçarão as opiniões teológicas que são contrárias ao ensinamento da Igreja e que, portanto, não podem servir como directrizes no campo pastoral.
Será conveniente além disso promover adequados programas de catequese, baseados na verdade acerca da sexualidade humana, na sua relação com a vida da família, tal como é ensinada pela Igreja. Tais programas, com efeito, fornecem um óptimo contexto, dentro do qual pode ser abordada também a questão do homossexualismo.
Esta catequese poderá ajudar inclusive as famílias em que se encontrem pessoas homossexuais, a enfrentar um problema que as atinge tão profundamente.
Deve ser retirado todo o apoio a qualquer organização que procure subverter o ensinamento da Igreja, que seja ambígua quanto a ele ou que o transcure completamente. Tal apoio, mesmo só aparente, pode dar origem a mal-entendidos graves. Uma atenção especial deveria ser dedicada à programação das celebrações religiosas e ao uso, por parte desses grupos, de edifícios de propriedade da Igreja, inclusive a possibilidade de dispor das escolas e dos institutos católicos de estudos superiores. Para alguns, tal permissão de utilizar uma propriedade da Igreja pode parecer apenas um gesto de justiça e de caridade, mas, na realidade, ela contradiz as finalidades mesmas para as quais aquelas instituições foram fundadas, e pode ser fonte de mal-entendidos e de escândalo.
Ao avaliar eventuais projectos legislativos, dever-se-á pôr em primeiro plano o empenho na defesa e promoção da vida da família.
18. O Senhor Jesus disse: «Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará» (Jo 8, 32). A Sagrada Escritura manda-nos realizar a Verdade na Caridade (cfr. Ef 4, 15). Deus, que é ao mesmo tempo Verdade e Amor, chama a Igreja a pôr-se ao serviço de cada homem, mulher e criança, com a solicitude pastoral do nosso Senhor Misericordioso. É com este espírito que a Congregação para a Doutrina da Fé endereça a presente carta aos bispos da Igreja, na esperança de que lhes sirva de ajuda no atendimento pastoral a pessoas cujos sofrimentos só poderão agravar-se por doutrinas erróneas, enquanto que a Palavra da Verdade os aliviará.
O Sumo Pontífice João Paulo II, no decurso da Audiência concedida ao Prefeito abaixo-assinado, aprovou e ordenou a publicação da presente Carta, decidida em reunião ordinária desta Congregação.
Roma, da sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 1.º de Outubro de 1986.
Joseph Card. Ratzinger
Prefeito
+ Alberto Bovone
Arcebispo Tit. de Cesaréia de Numídia
Secr
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