sexta-feira, 4 de março de 2016
O complexo social-industrial em acção
Carta revela drama de mais famílias
que perderam a guarda dos filhos na Noruega
Num abaixo-assinado, trinta e oito famílias denunciam sequestro sistemático de crianças pelo governo da Noruega: «Os nossos filhos estão sendo literalmente arrancados das nossas mãos.»
«O Barnevernet sequestra crianças!»: protesto de famílias da Lituânia, um dos países mais afectados pelas políticas autoritárias da Noruega.
Trinta e oito famílias escreveram um abaixo-assinado denunciando o sequestro sistemático de crianças feito nos últimos anos pelo governo da Noruega. Assinada no início deste mês por pais vindos das mais diversas partes do mundo, a carta é um protesto contra as decisões arbitrárias do Barnevernet – o departamento de «protecção à infância» do país –, que simplesmente afasta as crianças dos seus pais, sem motivo razoável, nem mandado judicial. O documento foi enviado às Nações Unidas, ao Papa Francisco, bem como à Comissão e ao Parlamento da União Europeia.
Embora a Noruega não pertença à União Europeia, as famílias reunidas na plataforma Stop Barnevernet pedem que a comunidade internacional intervenha de alguma forma para defender os seus filhos e outros tantos que estão retidos pelo governo norueguês. Os signatários da carta vêm de países como Eslovénia, Estados Unidos, Índia, Inglaterra, Iraque, Lituânia, Roménia, Rússia, Suécia, Turquia e até do Brasil. Alguns só podem ver os seus filhos «quatro horas por ano»; a outros é negado qualquer contacto com as crianças. Mesmo os lactentes são tirados às suas mães e uma família norueguesa está sendo perseguida pelo departamento há cinco gerações.
A brasileira residente no país Daiane Alves Lopes, uma das vítimas desta política arbitrária, revelou à TV Anhanguera, no ano passado, como perdeu a guarda de um dos seus dois filhos, Yorrani, que hoje vive num lar adoptivo. «Eles fizeram uma reunião e não falaram que iam pegar a criança. Depois me chamaram. Falaram que iam me ajudar. E quando eu cheguei lá não era isso. Tinha dois seguranças, fecharam a porta e pediram a criança. Arrancaram a criança de mim, do meu braço», refere ela.
Na carta endereçada às autoridades internacionais, os 38 pais condenam o que chamaram de um «inexplicável abuso de poder» por parte do governo de uma nação «supostamente avançada», como é a Noruega. «Famílias inocentes estão sendo destruídas por 'violar' um 'bem-estar infantil' de que ninguém sabe a definição», diz o abaixo-assinado. «Muitas famílias têm que viver uma vida no medo».
A íntegra do documento foi disponibilizada pelo site espanhol Religión en Libertad e contém detalhes assombrosos sobre o que está acontecendo no país:
«As crianças estão a ser literalmente arrancadas das mãos dos seus pais. Tanto o serviço social quanto a polícia são implacáveis. As crianças chorando e gritando, implorando por uma oportunidade de ficar com as suas famílias, não são absolutamente nenhum obstáculo para eles. (...) Geralmente, tudo começa com uma acusação infundada e, depois de um momento iniciar, as crianças são levadas dos seus pais em estado de choque. Os pais, então, colaboram com as autoridades e conformam-se, tudo na esperança de que os seus amados sejam devolvidos um dia. Instruídos pelo Barnevernet, permanecem em silêncio: não lutam contra o sistema, não vão à imprensa com as suas histórias e pacientemente aguardam pelo próximo encontro com os seus filhos, que é agendado para apenas um par de horas algumas vezes ao ano, geralmente sob a vigilância pesada da polícia e do Barnevernet.»
«Tratam-nos como assassinos, apesar do facto de não terem nenhuma evidência de maus tratos. Não têm nenhuma evidência de que algo ilegal tenha sido feito aos nossos filhos. O destino das nossas vidas é decidido pela chamada fylkesnemnda, uma comissão para assuntos de família que determina com que frequência poderemos ver os nossos filhos – se é que poderemos vê-los – e se os nossos filhos serão obrigatoriamente adoptados.»
Os signatários do documento ainda acusam as ditas comissões de se servirem de métodos fraudulentos para manter os filhos longe dos seus pais biológicos. «São capazes de falsificar documentos e pareceres de especialistas, e nós temos fortes evidências disso», refere o texto.
Alguns dos pais que assinaram a carta conseguiram novamente a guarda dos filhos, ainda que em «circunstâncias estranhas». «Não houve nenhuma intenção de indemnizar-nos pela dolorosa intervenção por que passámos», afirma o documento, «nem sequer uma espécie de desculpas ou explicação por tudo o que aconteceu.»
O abaixo-assinado também faz referência à base cristã em que nasceu a Noruega, hoje em livre decadência. «Ainda que a Noruega não seja um país predominantemente cristão, é um país baseado numa herança cristã», diz a carta. «Essa herança cristã está, agora, severamente ameaçada pelas tendências a ignorar o que a unidade familiar significa, seja para os indivíduos, seja para toda a sociedade.»
No caso dos Bodnariu, a família de ascendência romena que perdeu recentemente a guarda de cinco filhos, o motivo da intervenção parece ter sido eminentemente religioso. A directora da escola em que as meninas estudavam preocupava-se com o facto de Ruth e Marius serem «muito cristãos» e a avó acreditar que «Deus castiga o pecado». Na opinião dela, a ideia criaria «uma inabilidade nas crianças». Outras ocorrências, todavia, sugerem motivações de ordem étnica e económica para o sequestro das crianças.
Porta-vozes da campanha Stop Barnevernet responsáveis por entregar a carta às autoridades europeias. À esquerda, o eurodeputado Tomáš Zdechovský.
O eurodeputado polonês Tomáš Zdechovský, que também está à frente da campanha Stop Barnevernet – reunindo na Internet várias histórias similares ao caso Bodnariu –, explica que muitas das intervenções do governo norueguês afectam principalmente os filhos de imigrantes.
«As famílias são forçadas a enviar os seus filhos à pré-escola, a assistir a programas infantis da Noruega e a ter um número de amigos noruegueses», escreve o deputado. «Não é suficiente que vocês, como pais, planejem ensinar a língua norueguesa ao seu filho fora da escola, nem que estejam prontos para obter o que é necessário quando a escola começar. É o governo que decide o que é melhor para o seu filho. Os legisladores desenvolveram medidas incrivelmente severas para forçar as pessoas a fazer o que o governo acha que está certo.»
É sempre válido lembrar que, independentemente das leis que vigoram num país, o direito dos pais de educar os próprios filhos é um direito natural, reconhecido inclusive pelo art.º 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: «Os pais têm prioridade de direito na escolha do género de instrução que será ministrada aos seus filhos».
Tomáš Zdechovský condena terminantemente o autoritarismo do Barnevernet e questiona o modo como as coisas estão a ser conduzidas na Noruega. «Sempre haverá problemas com a imigração», diz ele. «Mas simplesmente não podem ser resolvidos tirando as crianças sem uma boa razão. Como chamar a tal estado de ilegalidade senão de fascista ou comunista?»
segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
Humanae Vitae:
A coragem de ir contra a «revolução sexual»
Entrevista ao Pe. Ángel Rodríguez Luño, decano de teologia da Universidade Pontifícia da Santa Cruz, sobre a Humanae Vitae. Neste documento do Papa Paulo VI a contracepção é condenada, em sintonia com a doutrina que a Igreja sempre defendeu.
Há quase 50 anos foi publicada a Encíclica Humanae Vitae. Qual o significado dessa publicação naquela época?
Paulo VI publicou a Humanae Vitae dois meses depois dos acontecimentos de Maio de 68, que provocaram, entre outras coisas, a «revolução sexual». Existia uma forte pressão de alguns meios de comunicação social e os especialistas divulgavam previsões demográficas pessimistas e alarmistas, que a realidade negou mais tarde. Alguns ambientes eclesiais sofriam uma certa desorientação causada por interpretações abusivas do Concílio, e alguns dos participantes nos estudos preparativos da encíclica publicaram informes que não eram definitivos. Neste contexto Paulo VI, depois de longa reflexão, reafirmou a visão cristã da sexualidade, na qual o Criador uniu duas dimensões de significado e de valor, que a encíclica chama «significado unitivo» e «significado procriativo». Esta conexão não pode desarticular-se sem que sofram ambas dimensões, e não apenas a que se deseja excluir.
De um ponto de vista teológico, foi revolucionária? Em quais pontos?
Depende do que se entende por «revolucionária». Substancialmente Paulo VI propõe novamente a visão antropológica e moral que Pio XI, na sua encíclica sobre o matrimónio, tinha considerado como «doutrina cristã ensinada desde o princípio e nunca modificada». Neste sentido a Humanae Vitae não representa nenhuma evolução. Revolucionária é a valentia com a qual Paulo VI se opôs a uns estereótipos culturais então muito difundidos, que eram impostos, e que eram e continuam a ser nocivos para a vida das pessoas casadas e para a cultura moral geral. Embora a encíclica se refira directamente ao matrimónio, o que estava em jogo era a visão global da sexualidade.
Para entender o contexto histórico: O que é que levou o Papa Paulo VI a escrever esta encíclica? O que era necessário responder?
Acho que a delicadeza do problema e a complexidade do contexto levaram Paulo VI a ocupar-se pessoalmente do estudo e da resolução desta questão. À luz da tradição moral da Igreja, ninguém podia duvidar que a contracepção é um comportamento intrinsecamente desordenado. Existia uma ideia, no imaginário colectivo, de que a anticoncepção consistia em manipular de alguma forma a realização da relação conjugal. Como a pílula anovulatória (que quase não existe mais hoje porque a maioria dos remédios contraceptivos têm também outros efeitos além do anovulatório) não altera a relação conjugal, alguns perguntaram se a sua utilização deveria ser sempre considerada como um pecado de contracepção. A questão não era, portanto, se a contracepção é pecado ou não, mas se o uso esponsal da pílula anovulatória é ou não anticoncepcional. Isto forçou a definir melhor a essência da contracepção, que Paulo VI se refere quando escreveu: «exclui-se também toda a acção que, ou em previsão do acto conjugal, ou na sua realização, ou no desenvolvimento das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação». Para colocá-lo de forma gráfica: se descobríssemos que comer uma laranja antes da relação conjugal a fechasse para a transmissão da vida, quem comesse a laranja propondo-se, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação cometeria o pecado de contracepção. Uso essa hipótese irreal para dar a entender onde está a contracepção, que não depende do facto de que o medicamento contraceptivo seja um produto artificial.
Considera que na formação dos noivos falte um maior aprofundamento de alguns aspectos da Humanae Vitae?
Parece-me que, efectivamente, na formação que se dá aos noivos seria necessário estudar com profundidade e integridade a Humanae Vitae. Mas isso levar-nos-ia longe. Limitar-me-ei a uma só coisa que a minha experiência confirma continuamente. Quando a encíclica de Paulo VI estava a ser preparada alguns diziam que a moral sexual cristã acaba por danificar o amor entre o homem e a mulher e a estabilidade do matrimónio. A experiência diz que hoje, numa cultura na qual se difunde o recurso à contracepção e às relações pré-matrimoniais, os fracassos dos casais são cada vez mais numerosos, bem como também são mais numerosos os fenómenos de violência e de infidelidade. Certamente outras causas podem levar a estes fenómenos. Mas continuo admirado por que é que muitos casais, que tiveram um longo período de namoro, às vezes excessivamente concentrado nos aspectos sexuais, depois de se casar, descobrem que não se conheciam bem. Talvez pudessem ter conversado mais e se juntado menos, porque juntar-se nem sempre é comunicação e conhecimento. A maior parte das vezes, pelo contrário, impede detectar e corrigir o egoísmo próprio e o da outra parte.
Muitas das questões abordadas neste documento continuam a ser debatidas: aborto, fecundação artificial... Com o passar do tempo é ainda maior a «oposição» aos fundamentos teológicos da Igreja sobre estas questões?
A nossa cultura evoluiu da forma que sabemos. Denunciar as causas que fez com que as mudanças sociais tomassem esse rumo requereria uma reflexão muito interessante, mas também muito longa para esta entrevista. Não há dúvida de que, para alguns, também para alguns fieis católicos, é difícil entender alguns aspectos da moral cristã. Talvez seria necessário mais esforço para explicá-la melhor e mais esforço para compreendê-la melhor. Mas, para mim, é muito significativo que a maioria dos fiéis praticantes considerem muito positivo o seu próprio esforço por viver a moral cristã, embora ocasionalmente cometam erros.
Umberto Eco:
A triste parábola de um nominalista
Roberto de Mattei
Al 23 de Febrero de 2016 ha tenido lugar en Milán el funeral laico del escritor Umberto Eco, que falleció en pasado 19 de febrero a los 84 años. Eco ha sido uno de los productos de la cultura turinesa e italiana del siglo XX. Su origén turinés destaca porque el Piamonte fue una cantera de grandes santos durante el siglo XIX, pero en el XX lo fue de intelectuales laicos y anticatólicos.
La escuela turinesa, que tan bien describió Augusto Del Noce, pasó, gracias a la influencia de Antonio Gramsci (1891-1937) y de Piero Gobetti (1901-1925), del idealismo al marxismo-iluminismo, manteniendo siempre su alma inmanentista y anticatólica. En la posguerra de la segunda contienda mundial esta línea cultural ejercitó una hegemonía tan poderosa que atrajo a no pocos católicos. Umberto Eco, nacido en Alessandria en 1932, dirigente diocesano a los 16 años en Acción Católica, era, como él mismo recuerda, no sólo un activista, sino «un creyente de comunión diaria».
Participó en la campaña electoral de 1948 pegando carteles en las paredes y distribuyendo folletos anticomunistas. Colaboró con la presidencia de Acción Católica en Roma, mientras estudiaba en la Universidad de Turín, donde se licenció en 1954 con una tesis sobre la estética en Santo Tomás, publicada más tarde en el único libro suyo que vale la pena leer (El problema estético en Santo Tomás de Aquino, 1956).
En aquel año de 1954 abandonó la fe católica. ¿Cómo maduró su apostasía? Indudablemente fue una apostasía razonada, convencida y definitiva. Eco afirmò con irrisión haber perdido la fe leyendo a Santo tomás de Aquino. Pero la fe no se pierde. Se rechaza, y en el origen de su apartamiento de la fe no estaba Santo Tomás, sino el nominalismo filosófico, que es una interpretación decadente y deformada de la doctrina tomista. Eco fue hasta el fin un nominalista radical, para el cual no existían verdades universales, sino apenas nombres, signos y convenciones. Guillermo de Occam, padre del nominalismo, es representado como Guillermo de Baskerville, protagonista de su más célebre novela, El nombre de la rosa (1940), que concluye con un lema nominalista: «Stat rosa pristina nomine, nomina nuda tenemus».
La esencia de la rosa (como de todo lo que existe) se reduce a un nombre; no tenemos más que nombres, apariencias, ilusiones; ninguna verdad ni certeza. Otro personaje de la novela, Adso, afirma: «Gott ist ein lautes Nichts», (Dios es una pura nada). A fin de cuentas, todo es juego, un danzar en la nada. Este concepto es el mismo de otra novela filosófica suya, El péndulo de Foucault (1989). Tras la metáfora del péndulo hay un Dios que se confunde con la nada, con el mal, con la oscuridad absoluta.
El verdadero péndulo del pensamiento de Eco fue en realidad la oscilación entre el racionalismo absoluto de los iluministas y el irracionalismo del ocultismo, la cábala, la gnosis, por los que a pesar de combatirlos sintió una atracción morbosa. Si el nominalismo vacía la realidad de significado, la consecuencia inevitable no es otra que la caída en el irracionalismo. Para escapar de éste no queda otra salida que un escepticismo absoluto. Si Norberto Bobbio (1909-2004) representa la versión neokantiana del iluminismo turinés del siglo XX, Umberto Eco encarna la versión neolibertina. Una de sus últimas novelas, El cementerio de Praga (2010), es una apología implícita del cinismo moral que resulta necesariamente de la ausencia de verdad y de bien.
En las más de quinientas páginas del volumen no hay nada de ardor idealista, ni personaje que actúe impulsado por el amor o el idealismo. Eco hace decir a Rachkovskij, uno de los protagonistas, que el odio es la auténtica pasión primordial, mientras que el amor es una situación anómala. Y sin embargo, a pesar de los personajes despreciables y hasta criminales que llenan las páginas del libro, falta esa nota trágica que por sí sola basta para engrandecer una obra literaria.
La tónica es típica de la comedia sarcástica cuyo autor se burla de todo y de todos, porque lo único en que cree verdaderamente es en los filets de barbue sauce hollandaise que sirven en el Laperouse del Quais des Grands-Augustin, las écrevisses bordelaises o los mousses de Volailles del Café Anglais de la rue Gramont y los filets de poularde piqués aux truffes del Rocher du Cancale en la rue Montorgueil. Lo único que sale triunfante de la novela es la comida, que es objeto de continua celebración por parte del protagonista, que confiesa que la cocina siempre lo ha satisfecho más que el sexo, y que ello puede deberse al efecto que han tenido los curas en él. No es casualidad que en1992 Eco tuviera que ser hospitalizado y estuviese a punto de morir a causa de una indigestión.
Técnicamente, Eco ha sido un gran bufón, que se ha burlado de todos: de sus lectores, de sus críticos y, sobre todo, de los católicos que lo invitaban a sus conferencias como si fuera un oráculo. Como en son de broma, con ocasión del referéndum sobre el divorcio en 1974, dirigió desde las páginas de L’Espresso un llamamiento a los partidarios del divorcio para que realizaran una inteligente campaña propagandística por medios de estas palabras: «La campaña a favor del referéndum deberá estar desprovista de presupuestos teóricos y de prejuicios. Tiene que ser directa, con efecto a corto plazo. Dirigida ante todo a un público que sea presa fácil de los estímulos emotivos. Deberá presentar una imagen positiva del divorcio que invierta totalmente los argumentos emotivos de la parte contraria. Los argumentos de esta campaña deventas deben ser: el divorcio es beneficioso para la familia, es beneficioso para la mujer, es beneficioso para los niños. Desde hace años los publicistas italianos sufren un drama de identidad: siendo cultos e informados, se saben objeto de una crítica sociológica que los presenta como siervos fieles del poder consumista. Emprenden campañas gratuitas en defensa de la ecología y la donación de sangre. Pero se sienten excluidos de los grandes problemas de su tiempo, condenados a anunciar jabones. La batalla por el referéndum pondrá a prueba la sinceridad de muchas aspiraciones civiles tantas veces declaradas. Basta que un grupo de agencias expertas, dinámicas, sin prejuicios y democráticas se coordinen y autofinancien para sostener una campaña de este estilo. Bastan unas pocas llamadas telefónicas, dos reuniones, un mes de intenso trabajo. Destruir un tabú en pocos meses es un desafío que entusiasmaría a todo publicista al que le guste su oficio.»
El tabú a destruir era la familia, que, para un relativista como él, no tenía ninguna razón para existir. Desde 1974, la destrucción de la familia ha continuado en Italia siguiendo una serie de etapas sucesivas. Eco la ha acompañado complacido, y ha desaparecido en vísperas de la aprobación de las uniones homosexuales, que han sido la consecuencia en la que ha desembocado la introducción del divorcio cuarenta años atrás. La familia natural se sustituye por la que no es natural.
El relativismo celebra su aparente triunfo. Umberto Eco ha contribuido en gran medida a esta obra de desacralización del orden natural y cristiano. Con todo, de lo que deberá responder no es tanto del mal que ha hecho como del bien que habría podido hacer de no haber rechazado deliberadamente la Verdad. ¿De qué sirve recibir cuarenta cuarenta doctorados honoris causa y vender treinta millones de ejemplares de un solo libro (El nombre de la rosa) si no se alcanza la felicidad eterna? El joven activista de Acción Católica podría haber sido un San Francisco Javier en la tierra de misión que es hoy en día Europa. Pero no escuchó aquellas palabras de San Ignacio a San Francisco Javier que Dios hace resonar en todo corazón cristiano: «¿De qué le sirve al hombre ganar el mundo entero si después pierde su alma?»
domingo, 28 de fevereiro de 2016
Perante isto, só resta ao Ministério Público
abrir inquérito...
ORDEM DOS ENFERMEIROS
Bastonária diz que eutanásia já acontece no SNS
Ana Cristina Marques, Observador, 27 de Fevereiro de 2016
Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, revelou num programa de rádio que já assistiu a casos de eutanásia nos hospitais públicos. «Eu não estou a chocar ninguém.»
A eutanásia já é praticada nos hospitais públicos. Quem o disse foi Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, durante o programa Em Nome da Lei, emitido na rádio Renascença. A responsável pela Ordem dos Enfermeiros admitiu ter conhecimento de casos em que médicos sugeriram administrar insulina a doentes terminais, de maneira a provocar-lhes o coma e, consequentemente, a morte.
«Vivi situações pessoalmente, não preciso de ir buscar outros exemplos, em que houve médicos que sugeriram, por exemplo, administrar insulina àqueles doentes para lhes provocar um coma insulínico», revelou Ana Rita Cavaco.
Perante esta declaração, a jornalista confrontou a bastonária, questionando-a sobre se as situações descritas aconteceram, ou não, no Sistema Nacional de Saúde. «Sim, como é óbvio», responde Ana Rita Cavaco. «Eu não estou a chocar ninguém, porque quem nos está a ouvir e trabalha no SNS sabe que estas coisas acontecem por debaixo do pano. Portanto, vamos falar abertamente sobre isto», continuou.
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Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros |
A responsável pelos enfermeiros alegou que não é a única pessoa a afirmá-lo publicamente. «Há mais figuras públicas que o admitiram. Acho que vale a pena admitirmos que há coisas que, enquanto sociedade, não estão legalizadas ou legisladas e que, portanto, escondemos.»
Ana Rita Cavaco está entre as pessoas que já assinaram a petição Direito a Morrer com Dignidade, divulgada no início de Fevereiro. Da lista de signatários destacam-se, entre artistas, cientistas e políticos, a ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, e o antigo presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio.
«A Morte Assistida é um direito do doente que sofre e a quem não resta outra alternativa, por ele tida como aceitável ou digna, para pôr termo ao seu sofrimento. É um último recurso, uma última liberdade, um último pedido que não se pode recusar a quem se sabe estar condenado. Nestas circunstâncias, a Morte Assistida é um acto compassivo e de beneficência», lê-se na respectiva petição.
Do outro lado da barricada está a médica e deputada do CDS Isabel Galriça Neto que, no mesmo programa de rádio emitido pela Renascença, argumentou que a eutanásia não é um tratamento ou um assunto médico:
«Isto não é um tratamento médico. Isto não é um assunto médico, não é. Os médicos servem para ajudar a viver. Outro equívoco que não podemos ter é a ideia de que a eutanásia acaba com o sofrimento. A eutanásia acaba com a vida, ponto final parágrafo».
Galriça Neto defende que ainda que o manifesto faz uso de um «eufemismo perigosíssimo», uma vez que «diz acabar com a vida de pessoas com uma doença incurável e em sofrimento profundo», algo que a deputada não considera ser igual a dizer que essas pessoas «estão no fim da sua vida».
Já o padre Vítor Feytor Pinto, também convidado do programa, disse que o manifesto assenta num «erro terrivelmente ilusório» ao chamar morte assistida à eutanásia.
«A morte digna é a morte assistida. Assistida com cuidados eficazes, com a companhia da família, com a terapia de compaixão indispensável, com os apoios religiosos a que todo o doente tem direito na religião que pratica. Tudo isso é que é a morte assistida. Não é a precipitação da morte», conclui.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
A Eslovénia recusa em referendo
o chamado «casamento» entre invertidos
Luís Dufaur
Em Dezembro de 2015, a Eslovénia recusou
em referendo a lei que pretendia permitir o «casamento» entre invertidos,
noticiou o jornal francês Le Monde.
O referendo foi de iniciativa popular e
os eleitores eslovenos rejeitaram a lei, aprovada pelos deputados há dez meses.
A maioria vencedora atingiu 63,12% dos votos.
A participação no escrutínio foi fraca
(35,65%), mas legalmente suficiente para validar a votação. Os defensores da
família natural conseguiram o apoio de pelo menos 370 000 eleitores. Eram
necessários 342 000 votos para vetar a lei.
Esta tinha sido aprovada por larga
maioria dos deputados do Parlamento, constituída por partidos de esquerda e
engrossada pelos representantes do partido centrista que, como é de praxe
nessas formações de meio termo, no momento decisivo traem o seu «centrismo», a
sua «moderação» ou a «equidistância» e aliam-se à esquerda.
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A Eslovénia votou NÃO ao «casamento invertido» e à adopção de crianças por esses «casais». |
O partido centrista é o mesmo do
primeiro-ministro Miro Cerar e tinha à sua disposição as alavancas do poder do
Estado.
O texto legal, hoje despojado de valor,
concedia aos casais invertidos e lésbicos os mesmo direitos dos casais
heterossexuais bem constituídos, inclusive o direito de adopção de crianças, um
dos pontos mais contestados pela população.
O referendo pôde ser realizado graças às
40 mil assinaturas recolhidas por grupos pela vida pedindo a convocação de uma
consulta de iniciativa popular com poder de veto.
A lei não entrou em vigor antes do
veredicto popular e hoje encontra-se revogada.
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Santuário e castelo de Bled na Eslovénia |
Em 2012, numa consulta similar, os
eslovenos já tinham dito «não» ao «casamento» sodomítico com uma maioria de
55%.
O país tem dois milhões de habitantes,
pertence à União Europeia desde 2004 e é considerado o mais liberal das antigas
nações que sofreram a imoral opressão comunista.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
De que falamos quando falamos de eutanásia?
Filipe d'Avillez
O que é eutanásia voluntária? E involuntária? Qual
é a diferença entre esta e outras práticas médicas como a ortotanásia, a
distanásia e os cuidados paliativos? Explicamos estes e outros conceitos na
semana em que se instalou o debate sobre a eutanásia.
A palavra eutanásia vem do grego e significa «boa
morte». Em termos médicos, contudo, significa pôr termo intencionalmente à vida
de uma pessoa, normalmente de alguém que sofre de uma doença incurável ou que
está em grave sofrimento.
Há diferentes tipos de eutanásia, conforme envolvem
a manifestação de uma vontade da pessoa doente ou em sofrimento, ou não, mas
envolve sempre uma segunda pessoa que toma parte no acto, sendo isso que a
distingue do suicídio.
A eutanásia é voluntária quando
existe um pedido expresso por parte da pessoa para ser morta. É não
voluntária quando essa decisão é tomada por outra, normalmente um
familiar, porque o doente não tem capacidade para o fazer. Este último tipo não
deve ser confundido com eutanásia involuntária, que é o
acto de matar alguém doente, que tem capacidade para manifestar a sua vontade
mas não o faz, ou porque a opinião não lhe foi solicitada, ou porque não quer
morrer.
Há outras situações em que é a própria pessoa que
toma a medida que põe fim à sua própria vida, mas fá-lo com a ajuda de outra
que, por exemplo, lhe fornece uma dose letal de medicação. Nestes casos não se
fala de eutanásia, mas sim de suicídio assistido.
Há ainda uma série de outros termos que
frequentemente são confundidos com eutanásia. A palavra ortotanásia significa
morte natural e por vezes é utilizada para situações em que são desligados ou
retirados os meios extraordinários para manter a vida. O que é coloquialmente
designado como «desligar as máquinas», ou o recusar tratamentos que podem curar
uma doença ou eventualmente prolongar a vida, não são formas de eutanásia, nem
são moralmente equiparáveis.
A distanásia é precisamente o
contrário da eutanásia. A palavra significa «má morte» e é entendida como o
prolongamento de uma vida, por meios artificiais, mesmo quando isso implica
sofrimento para o doente. A distanásia é considerada universalmente uma prática
médica inadequada.
Nos últimos anos tem-se falado bastante da
expressão testamento vital. Também isto não pode ser confundido com eutanásia.
O testamento vital é apenas um instrumento jurídico que
permite a uma pessoa, em plena possa das suas capacidades, deixar instruções
sobre como gostaria de ser tratada caso venha a encontrar-se incapacitada. O
que se pede no testamento vital é que pode, ou não, ser polémico. Mas o pedido
de não ser prolongada a vida por meios artificiais, quando não existe esperança
médica de uma cura ou recuperação de consciência, por exemplo, mais uma vez,
não é eutanásia. Naturalmente, enquanto a eutanásia não for uma prática legal em
Portugal, não se pode requisitá-la num testamento vital.
Quando se fala de sofrimento em fim de vida,
fala-se ainda de cuidados paliativos, os cuidados de saúde
prestados a pessoa com doença incurável, avançada e progressiva, com o
objectivo de intervir no sofrimento global (físico, psicológico, emocional),
independentemente da doença de que sofre e do prognóstico (que pode ser de
anos, meses ou semanas). Não se destinam apenas a moribundos e pretendem
intervir globalmente no sofrimento, evitando que ele se torne intolerável, e
apoiam também a família.
Uma das ferramentas terapêuticas, que não se
utiliza como medida de primeira linha mas sim para sintomas que não podem ser
tratados de outra forma, é a sedação paliativa.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
A morte não é direito
Henrique Raposo, Jornal
Expresso, 13 de Fevereiro de 2016
Cresci numa cultura que promove o suicídio. No
Alentejo, a eutanásia não é um debate, é uma forma de convívio. «Atão não se
houvera de matar!». O suicida até é glorificado pelos alentejanos, o que acabou
por cavar um abismo entre mim e os meus antepassados. Uma cultura que aceita o
suicídio e a eutanásia está no caminho errado. Querem um exemplo? Muitos
alentejanos matam-se porque «estão a dar trabalho» à família por causa da
doença. Ora, devem dar trabalho. O fim da vida não é a perfeição biológica. A
doença e a velhice fazem parte do pacote. É claro que os velhos e os doentes
dão trabalho às famílias, às comunidades, ao Estado. É nosso dever tratar
deles, é nosso dever retirar qualquer tipo de legitimidade ao desabafo «mato-me
para não dar trabalho». Uma lei que legaliza a eutanásia directa faz o
contrário, legitima este desespero e traz o Alentejo para o resto do país.
Lamento, mas temos de fazer o contrário. Há que trazer o resto do país para o
Alentejo. O suicídio não pode ser um acto social e colectivo.
Lamento, mas nada disto faz sentido. É tudo
demasiado desconcertante. É desconcertante ver como a atmosfera intelectual
obcecada com a vida animal é a mesmíssima atmosfera que aceita activa ou
passivamente a morte de seres humanos (na fase intra-uterina e na velhice). De
igual forma, é desconcertante assistir ao estertor do progressismo, que nas
últimas décadas elevou a morte à condição de direito fundamental. Lamento
interromper o coro da unanimidade já cozinhada, mas a morte não pode entrar no
arsenal legislativo de um Estado que preza a vida e o livre arbítrio. Não há
mortes beneméritas, misericordiosas ou úteis. A morte não leva adjectivo. Em
consequência, um Estado civilizado não pode aceitar a pena de morte como
punição aceitável, não pode aceitar o aborto como método contraceptivo, não
pode aceitar a legitimação da eutanásia directa — a morte a pedido. Uma coisa é
a família em articulação com os médicos decidir desligar a máquina que suporta
um homem inconsciente; outra coisa é uma pessoa escolher a morte no cardápio do
hospital. A primeira é orgânica, indirecta e nasce numa decisão colegial. A
segunda é directa e parte de uma decisão desesperada que não pode ser
legitimada pela lei. Um acamado que pede para morrer já não é um homem dotado
de livre arbítrio, é apenas um homem reduzido à condição de animal acossado
pela biologia. O nosso dever é evitar essa queda na condição animal.
A presença de Fátima no encontro de Havana
José Milhazes, Observador, 13 de Fevereiro de 2016
O templo ortodoxo em Fátima continua aberto mas, ao visitá-lo, sentimos a falta da bela imagem da Mãe de Deus de Kazan. Talvez fosse boa ideia fazer uma cópia do ícone para o centenário das Aparições.
O encontro histórico entre o Papa Francisco e o Patriarca Ortodoxo russo Kirill realizou-se em Havana, capital de Cuba, mas a verdade é que, mesmo que de forma indirecta, Fátima esteve presente nele. Esta presença materializou-se na cópia do ícone da Mãe de Deus de Kazan que Kirill ofereceu a Francisco.
Esse ícone está estreitamente ligado ao segundo segredo de Fátima que preconizava o regresso da Rússia, depois de uma terrível passagem por um regime ateu, à família cristã.
Segundo reza a lenda, a imagem original da Mãe de Deus de Kazan foi milagrosamente descoberta em 1579 por uma menina na cidade de Kazan, hoje capital da Tartária, após a conquista dessa cidade pelo czar russo Ivan o Terrível.
Esta imagem esteve presente nos momentos em que a independência da Rússia se viu em perigo. Existem testemunhos de que cópias desse ícone estiveram, por exemplo, nos arredores de Moscovo e em Stalingrado durante os sangrentos combates entre o Exército Vermelho e os invasores nazis na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Uma das cópias mais antigas e mais valiosas da imagem de Nossa Senhora de Kazan, pintada no século XVIII no mosteiro ortodoxo do Sul da Rússia e ornada com dezenas de pedras preciosas e pérolas, foi levada para o estrangeiro pelas tropas comunistas na guerra civil que assolou a Rússia entre 1917 e 1922.
Depois de ter passado pelas mãos de vários coleccionadores, a relíquia foi adquirida pela organização católica norte-americana Exército Azul, que a trouxe para a Cova da Iria.
O ícone foi instalado num templo ortodoxo (bizantino) construído para o efeito em 1972 e que ainda hoje pode ser visto por detrás do Santuário de Fátima.
A presença desse ícone devia ser temporária, pois estava previsto que ela seria devolvida à Igreja Ortodoxa Russa logo após a queda do comunismo na União Soviética em 1991. Por isso, durante a visita de João Paulo II a Fátima em 1991, o ícone foi entregue ao Sumo Pontífice católico para que o devolvesse a Alexis II, então Patriarca de Moscovo.
É sabido que um dos sonhos desse Papa era visitar a Rússia, mas tal acabou por não acontecer. Por isso, o acto de entrega da obra deveria ocorrer em 1997, num encontro dos chefes das duas Igrejas Cristãs que estava marcado para a Áustria. Porém, a Igreja Ortodoxa Russa anulou o encontro a pretexto de que os católicos estavam a fazer missionação (proselitismo) na Rússia e de que os uniatas, cristãos ortodoxos que reconhecem a primazia do Papa de Roma, estavam a ocupar ilegalmente templos ortodoxos na Ucrânia.
Depois de aturadas conversações, o ícone acabou por ser entregue pelo Vaticano aos ortodoxos russos em 2004, tendo sido recebido com todas as honras e veneração no Kremlin de Moscovo.
O templo ortodoxo em Fátima continua aberto, mas, quando o visitamos, sentimos a falta dessa bela imagem da arte religiosa russa. Por isso, talvez não fosse má ideia fazer mais uma cópia do ícone e instalá-lo nesse templo em 2017, centenário das Aparições. Seria mais um símbolo da ligação de Fátima à Rússia e da aproximação das duas Igrejas irmãs que estiveram de costas voltadas durante quase mil anos.
Proposta de legalização da Eutanásia
– Tomada de posição
A sociedade portuguesa foi confrontada, mais uma vez, com uma proposta que atenta contra a vida humana: a legalização da eutanásia; esta é apresentada sob a aparência de um acto de misericórdia e escondida numa capa de compaixão, procurando ocultar a realidade do que se propõe: tornar legal que os médicos matem, a pedido, determinados doentes. Apelidada, de forma camuflada, de «morte assistida» ou de «morte com dignidade», a eutanásia é entendida como um direito, um exercício de liberdade de pessoas com doenças incuráveis e em sofrimento intolerável, exigindo-se, para isso, por parte dos médicos, o dever de matar os doentes, a seu pedido.
No pressuposto de que a vida não tem sempre o mesmo valor e de que há vidas e fases da vida que podem ser «descartadas», considera-se que a pessoa concreta, afectada pelo sofrimento, com uma doença incurável ou muita idade, se transforma numa vida indigna e prescindível.
Por detrás desta aparente morte misericordiosa existe o risco de os interesses economicistas aflorarem como prioridade numa sociedade onde a pessoa real, o cidadão individual, deixou de ser uma prioridade. Na sociedade do «bem-estar» e da «qualidade de vida», regida exclusivamente por parâmetros economicistas, a visão do ser humano é totalmente orientada por critérios de utilitarismo, para os quais os cidadãos apenas têm valor se «forem úteis» à sociedade. A marginalização crescente e totalitária dos fracos, dos doentes, dos deficientes, dos que sofrem, dos que não têm voz, tornou-se institucional e aparece camuflada sob rótulos de eficiência e de eficácia. Num contexto de envelhecimento da população e de crise económica, é bem aceite pelos Estados a proposta de, face aos custos crescentes na saúde, se suspenderem os tratamentos mais onerosos a doentes mais idosos ou declarados incuráveis.
Mas há, ainda, outros riscos, relativos a pessoas jovens, com patologias crónicas, abrindo-se a porta a que, em nome do exercício da liberdade e da autonomia, as pessoas não sejam ajudadas a viver a doença, mas, sim, encaminhadas a acabar com a sua vida.
Perante o facto de um atentado contra a vida humana, não podem os médicos, no exercício da sua acção profissional, praticar a eutanásia, como consta do seu código deontológico, pois o dever do médico, reiteradamente reafirmado no juramento de Hipócrates, é defender a vida humana, respeitando-a, procurando preservá-la e cuidar dela, usando todos os meios disponíveis para aliviar o sofrimento dos doentes. Se este princípio fosse quebrado, ficariam sem confiança nos médicos aqueles que os procuram e que deles precisam. Os médicos, numa atitude de cuidado e de proximidade com as pessoas, tudo devem fazer para que, com a sua competência e dedicação, a vida seja protegida em todas as fases do seu desenvolvimento, incluindo a do seu fim.
Para a Associação dos Médicos Católicos Portugueses é incompreensível que a sociedade não se preocupe em investir nos cuidados de saúde de modo a proporcionar aos doentes todos os cuidados necessários à sua situação concreta; estranha-se, na verdade, que, em vez de se apresentarem propostas para melhorar os cuidados de saúde dos idosos, para apoiar os doentes crónicos e as suas famílias, em tempo de grande dificuldade para o Serviço Nacional de Saúde, se discuta e se apresente como solução a eutanásia; é lamentável que, em vez de se lutar por proporcionar todos os meios disponíveis para se cuidar dos mais idosos, das doenças oncológicas e neuro-degenerativas, haja a preocupação, não em oferecer os melhores cuidados disponíveis e em proporcionar os recursos para que isso aconteça, mas em desprezar os meios de que se dispõe e, em nome de ideologias, proclamar a eutanásia como um direito.
Aquilo por que, na realidade, as pessoas anseiam é experiência profissional, afecto, fuga à solidão, consolo e ajuda, em momentos difíceis, de alguém que as ajude a encontrar sentido para a vida, uma vez que o desejo mais profundo de cada pessoa é viver.
Os riscos que a abertura da porta da legalização da eutanásia acarretaria não são de todo calculáveis, como se pode já verificar em países europeus onde a eutanásia foi legalizada. Esperamos que Portugal seja um testemunho na luta pela defesa do valor da vida humana.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
Trocar o Carlos
pelo São Carlos e as carmelitas
José Maria C.S. André, Correio dos Açores, 14 de Fevereiro de 2016
Há um ano, toda a gente se identificava com o Carlitos, o célebre semanário «Charlie», vítima de um ataque terrorista. Desta vez, é caso para nos identificarmos com o Teatro Nacional de São Carlos, que levou à cena a história de 16 carmelitas guilhotinadas pela Revolução Francesa. O tema da ópera não é o terror daquele regime, nem são os algozes, o protagonismo vai inteiro para uma história de amor, uma aventura radical vivida em equipa.
O acontecimento tem direito a destaque por várias razões. Citando o encenador, Luís Miguel Cintra, os espectáculos de ópera costumam ser divertimentos mais ligeiros, ao gosto do público endinheirado que frequenta esse ambiente; desta vez, foi tudo muito a sério. Mesmo a sério. A imprensa elogiou, em título garrafal: «Luís Miguel Cintra ensina-nos a morrer»... Além disso, raramente uma produção inteiramente portuguesa atingiu uma qualidade artística superlativa; esta foi unanimemente celebrada como excepcional. Os críticos referiram o maestro João Paulo Santos, o acerto com que escolheu cada uma das cantoras, a qualidade das suas interpretações e da presença em palco, o mérito do encenador. Eu louvo também o livro que documenta o espectáculo.
Esta ópera é a obra-prima de Francis Poulenc, um dos principais compositores do século XX. O libreto é de Georges Bernanos, inspirado numa novela histórica de Gertrud von le Fort.
Os diálogos traduzem a experiência de quem avança pelo caminho surpreendente do amor, serenamente, lucidamente, totalmente. No começo, a generosidade parece suficiente. Depois, a pessoa apercebe-se do perigo da vaidade, ou da tentação de se comprazer em si. Uma freira comenta o paradoxo: «para uma religiosa, de que serve separar-se de tudo, se não se distancia de si própria?». Quem experimenta uma entrega realmente plena aprende onde está a dificuldade: «subimos uma montanha, mas tropeçamos numa pedrinha!», diz uma freira: o amor brilha no dia-a-dia, nos pequenos gestos. Decisões muito firmes? «Da divina Providência espero somente as modestas virtudes que os ricos e os poderosos desprezam de bom grado: boa vontade, paciência e espírito de conciliação. (...) Pois existem várias classes de coragem, e a dos grandes senhores deste mundo não é a mesma das gentes humildes». O heroísmo até ao martírio empolga os jovens enamorados, mas a maturidade no amor faz descobrir que «uma carmelita que desejasse o martírio seria uma carmelita tão má como um soldado que procurasse a morte». As coisas não são simples. Umas vezes, o ímpeto da generosidade..., outras vezes, a fragilidade humana parece intransponível. Sente-se estremecer o mundo, à volta. Quase não há quem defenda a justiça. «Estão com medo. Toda a gente está com medo. Contagiam o medo entre eles, como a peste ou a cólera em tempo de epidemia». É então, no auge do desamparo, perante a fraqueza própria e a alheia, que se aprende a confiar verdadeiramente em Deus e se reza melhor. «Não somos uma instituição de mortificação, nem conservatórios de virtudes. Somos uma casa de oração; só a oração justifica a nossa vida».
Um dos mistérios da vida espiritual é que a interioridade é um trabalho de equipa, que se atrofia no individualismo. Aquela pequena equipa de freiras entreajuda-se de mil modos, crescem umas com as outras, abertas para a Igreja e para o mundo inteiro. A ópera de Poulenc é brilhante a expressar isto. Estas freiras de clausura vivem e morrem pelos outros. Uma delas observa que «não morremos cada um para si mesmo, morremos uns pelos outros, ou mesmo – quem sabe? – uns em vez dos outros». Não é um desejo, é uma constatação. Interiorizaram tão profundamente esta realidade que lhes parece natural morrerem «para que nunca faltem sacerdotes em França».
Era justo que esta ópera fosse o tema desta crónica sobre a actualidade religiosa. Religiosa?! A plena sintonia dos críticos não católicos com esta ópera pode surpreender, porque grande parte do tempo se passa a rezar e só fala de Deus. Será o poder da música? Ou talvez os não católicos tenham alguma experiência dos itinerários da vida espiritual. Porque disso se trata, nesta obra prima de Bernanos e Poulenc, servida excelentemente por um elenco português.
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