quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016


A presença de Fátima no encontro de Havana


José Milhazes, Observador, 13 de Fevereiro de 2016

O templo ortodoxo em Fátima continua aberto mas, ao visitá-lo, sentimos a falta da bela imagem da Mãe de Deus de Kazan. Talvez fosse boa ideia fazer uma cópia do ícone para o centenário das Aparições.

O encontro histórico entre o Papa Francisco e o Patriarca Ortodoxo russo Kirill realizou-se em Havana, capital de Cuba, mas a verdade é que, mesmo que de forma indirecta, Fátima esteve presente nele. Esta presença materializou-se na cópia do ícone da Mãe de Deus de Kazan que Kirill ofereceu a Francisco.

Esse ícone está estreitamente ligado ao segundo segredo de Fátima que preconizava o regresso da Rússia, depois de uma terrível passagem por um regime ateu, à família cristã.

Segundo reza a lenda, a imagem original da Mãe de Deus de Kazan foi milagrosamente descoberta em 1579 por uma menina na cidade de Kazan, hoje capital da Tartária, após a conquista dessa cidade pelo czar russo Ivan o Terrível.

Esta imagem esteve presente nos momentos em que a independência da Rússia se viu em perigo. Existem testemunhos de que cópias desse ícone estiveram, por exemplo, nos arredores de Moscovo e em Stalingrado durante os sangrentos combates entre o Exército Vermelho e os invasores nazis na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Uma das cópias mais antigas e mais valiosas da imagem de Nossa Senhora de Kazan, pintada no século XVIII no mosteiro ortodoxo do Sul da Rússia e ornada com dezenas de pedras preciosas e pérolas, foi levada para o estrangeiro pelas tropas comunistas na guerra civil que assolou a Rússia entre 1917 e 1922.

Depois de ter passado pelas mãos de vários coleccionadores, a relíquia foi adquirida pela organização católica norte-americana Exército Azul, que a trouxe para a Cova da Iria.

O ícone foi instalado num templo ortodoxo (bizantino) construído para o efeito em 1972 e que ainda hoje pode ser visto por detrás do Santuário de Fátima.

A presença desse ícone devia ser temporária, pois estava previsto que ela seria devolvida à Igreja Ortodoxa Russa logo após a queda do comunismo na União Soviética em 1991. Por isso, durante a visita de João Paulo II a Fátima em 1991, o ícone foi entregue ao Sumo Pontífice católico para que o devolvesse a Alexis II, então Patriarca de Moscovo.

É sabido que um dos sonhos desse Papa era visitar a Rússia, mas tal acabou por não acontecer. Por isso, o acto de entrega da obra deveria ocorrer em 1997, num encontro dos chefes das duas Igrejas Cristãs que estava marcado para a Áustria. Porém, a Igreja Ortodoxa Russa anulou o encontro a pretexto de que os católicos estavam a fazer missionação (proselitismo) na Rússia e de que os uniatas, cristãos ortodoxos que reconhecem a primazia do Papa de Roma, estavam a ocupar ilegalmente templos ortodoxos na Ucrânia.

Depois de aturadas conversações, o ícone acabou por ser entregue pelo Vaticano aos ortodoxos russos em 2004, tendo sido recebido com todas as honras e veneração no Kremlin de Moscovo.

O templo ortodoxo em Fátima continua aberto, mas, quando o visitamos, sentimos a falta dessa bela imagem da arte religiosa russa. Por isso, talvez não fosse má ideia fazer mais uma cópia do ícone e instalá-lo nesse templo em 2017, centenário das Aparições. Seria mais um símbolo da ligação de Fátima à Rússia e da aproximação das duas Igrejas irmãs que estiveram de costas voltadas durante quase mil anos.





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