Henrique Raposo, Jornal
Expresso, 13 de Fevereiro de 2016
Cresci numa cultura que promove o suicídio. No
Alentejo, a eutanásia não é um debate, é uma forma de convívio. «Atão não se
houvera de matar!». O suicida até é glorificado pelos alentejanos, o que acabou
por cavar um abismo entre mim e os meus antepassados. Uma cultura que aceita o
suicídio e a eutanásia está no caminho errado. Querem um exemplo? Muitos
alentejanos matam-se porque «estão a dar trabalho» à família por causa da
doença. Ora, devem dar trabalho. O fim da vida não é a perfeição biológica. A
doença e a velhice fazem parte do pacote. É claro que os velhos e os doentes
dão trabalho às famílias, às comunidades, ao Estado. É nosso dever tratar
deles, é nosso dever retirar qualquer tipo de legitimidade ao desabafo «mato-me
para não dar trabalho». Uma lei que legaliza a eutanásia directa faz o
contrário, legitima este desespero e traz o Alentejo para o resto do país.
Lamento, mas temos de fazer o contrário. Há que trazer o resto do país para o
Alentejo. O suicídio não pode ser um acto social e colectivo.
Lamento, mas nada disto faz sentido. É tudo
demasiado desconcertante. É desconcertante ver como a atmosfera intelectual
obcecada com a vida animal é a mesmíssima atmosfera que aceita activa ou
passivamente a morte de seres humanos (na fase intra-uterina e na velhice). De
igual forma, é desconcertante assistir ao estertor do progressismo, que nas
últimas décadas elevou a morte à condição de direito fundamental. Lamento
interromper o coro da unanimidade já cozinhada, mas a morte não pode entrar no
arsenal legislativo de um Estado que preza a vida e o livre arbítrio. Não há
mortes beneméritas, misericordiosas ou úteis. A morte não leva adjectivo. Em
consequência, um Estado civilizado não pode aceitar a pena de morte como
punição aceitável, não pode aceitar o aborto como método contraceptivo, não
pode aceitar a legitimação da eutanásia directa — a morte a pedido. Uma coisa é
a família em articulação com os médicos decidir desligar a máquina que suporta
um homem inconsciente; outra coisa é uma pessoa escolher a morte no cardápio do
hospital. A primeira é orgânica, indirecta e nasce numa decisão colegial. A
segunda é directa e parte de uma decisão desesperada que não pode ser
legitimada pela lei. Um acamado que pede para morrer já não é um homem dotado
de livre arbítrio, é apenas um homem reduzido à condição de animal acossado
pela biologia. O nosso dever é evitar essa queda na condição animal.
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