terça-feira, 20 de setembro de 2016


Pró ou contra o moderno:

questão de palavras ou de princípios?


Plinio Corrêa de Oliveira

Se moderno é sinónimo de materialista, revolucionário, pagão, somos contra o moderno. Se quer dizer hodierno, distinguimos: somos pelo hodierno sadio e honesto, contra o hodierno pagão.

Insistimos na ideia expressa em números anteriores. Se por «moderno» se entende tudo quanto é contemporâneo, só um estúpido pode condenar em bloco as coisas modernas só porque modernas. Mas se por «moderno» entendemos as manifestações incontáveis e triunfantes de certo espírito materialista, nivelador e pagão que chegou hoje ao seu paroxismo, então somos contra tudo quanto é moderno, em bloco e por princípio.

Não nos retardemos na questão de palavras, que consistiria em saber se moderno é sinónimo de hodierno, ou se indica apenas uma faceta – a faceta materialista e revolucionária – do contemporâneo. É melhor ir directamente aos exemplos, que elucidam a distinção entre o bom e o mau moderno, entre o hodierno e o moderno.


* * *
O desporto está profundamente radicado nos costumes actuais. Somos a favor dele, ou contra ele?

Cumpre distinguir. Ninguém pode ser contra o exercício físico enquanto tal, isto é, enquanto meio de conservar a saúde, e honesta distracção.

Porém, daí até certo desportivismo dos nossos dias, que diferença! O ambiente desportivo tomou – muito frequentemente – aspectos francamente condenáveis. Em primeiro lugar, porque dá pretexto a toda a espécie de exibições nudistas. Em segundo lugar, porque degenerou numa idolatria do corpo, com inteiro desprezo da virtude, da inteligência, da cultura, que são as riquezas da alma. Em terceiro lugar, porque nesta idolatria do corpo o desportismo actual não ficou no nível dos clássicos, mas degradou-se até ao culto do murro e do pontapé, da brutalidade enfim, com inteiro desprezo da nobreza do corpo humano. Típico disto é o tratamento que o homem sofre na cabeça, a parte mais nobre do seu corpo, no jogo de boxe. Em quarto lugar, o ambiente desportivo tomou algo de delirante e brutal, com as suas «claques» exageradas, a trivialidade degradante das maneiras e dos trajes ditos «desportivos», etc., etc.

* * *

Mas há desportos e desportos.

Considere-se o estado da face do boxeur cuja fotografia aqui estampamos. É licito, é justo, é digno pôr-se em tais condições um rosto humano, só para divertir uma multidão? Se um servo da Idade Média tivesse sido posto neste estado num jogo, para divertir algum senhor feudal, quanta declamação lacrimejante daí se originaria. Este boxeur, com o fito de ganhar a vida e fazer carreira, sujeitou-se a ficar assim para divertir o grande senhor dos nossos dias, que é a multidão. E quase ninguém vê nisto algo de censurável.

* * *

Neste pobre boxeur, dir-se-ia que a força bruta reduziu ao mínimo as manifestações da alma, a matéria comprime, oprime, deprime o espírito.

Considere-se por outro lado o alpinismo, desporto também hoje apreciado. O corpo trabalha intensamente. Não menos, porém, a alma. Há riscos a correr, que exigem coragem; há ocasiões em que não basta a força, mas é necessária a agilidade. E situações em que a escalada só não redunda num desastre devido à presença de espírito, à fortaleza de ânimo, ao engenho e à capacidade inventiva dos alpinistas. Vendo-os pois, como no cliché, no alto de um píncaro que pareceria inacessível, triunfando por todos os obstáculos da natureza, tem-se muito acentuadamente a sensação da vitória do espírito sobre a matéria. Pois se o homem, fisicamente tão frágil mesmo quando corpulento, domina a rudeza dos penhascos, não é bem verdade que o deve sobretudo ao facto de ter audácia, espírito de iniciativa e capacidade inventiva?

* * *

De tudo isto, o nosso terceiro cliché dá uma demonstração quase emocionante. Na Alemanha, são numerosos os mutilados de guerra que praticam desporto na neve. Suprindo pelo vigor da alma as deficiências dos seus corpos estropiados, deslizam céleres pelas superfícies geladas e vencem precipícios. Quem não sente respeito diante de tal força de ânimo e simpatia por um exercício físico tão dignificante?

Somos pelo desporto ou contra o desporto? Pelo moderno ou contra o moderno? Questões confusas e capciosas.

Se moderno é sinónimo de materialista, revolucionário, pagão, somos contra o moderno. Se quer dizer hodierno, distinguimos: somos pelo hodierno sadio e honesto, contra o hodierno pagão.

E mutatis mutandis o mesmo dizemos do desporto. Se por desporto se entende todo o exercício físico, distinguimos: há desportos bons e maus, há até maneiras boas e más de praticar os desportos bons. A natação, por exemplo, é em si um desporto bom. Mas numa piscina mista é mau. Se porém o desporto autêntico e por antonomásia é o desporto embrutecedor, aviltante, sensual, demagógico, vulgarizador, e se o resto são formas antiquadas de desporto, em vias de desaparecimento, dizemos com coragem que o antiquado é bom e o novo é mau.





Sem comentários: