Pedro Afonso
De acordo com as informações disponíveis, a queda
do Airbus 320 da Germanwings na região nos Alpes, em que morreram 150 pessoas,
terá tido origem num acto deliberado do co-piloto Andreas Lubitz. O jornal
alemão Bild avança a informação de que Andreas Lubitz terá
recebido tratamento psiquiátrico há cerca de seis anos por apresentar sintomas
de depressão profunda. Estas informações levantam a possibilidade de existir
uma doença psiquiátrica grave por detrás deste acto aparentemente suicida.
Embora tenhamos de ter a devida reserva por não
conhecermos os factos na sua totalidade, o acidente é suficientemente grave
para merecer algumas reflexões. Em primeiro lugar, este acidente levanta a
questão dos riscos das doenças psiquiátricas no mundo laboral. Um relatório
recente, publicado este ano pela OCDE, revelou que cerca de 20% da população em
idade activa sofre de uma doença mental a qualquer momento e uma em
cada duas pessoas (50%) vai sofrer um período de má saúde mental durante a vida.
Quando um indivíduo sofre de depressão grave e
continua a exercer a sua actividade profissional sem o acompanhamento adequado,
esta situação pode ser particularmente perigosa e sensível em determinadas
profissões, como é o caso dos pilotos de aviação, agentes de segurança,
militares, etc. Um dos perigos reside no risco de suicídio. Cerca de dois
terços das pessoas que cometem suicídio sofrem de depressão. Além disso, no
caso de o indivíduo sofrer de depressão, o risco de cometer suicídio é cerca de
21 vezes superior à restante população.
Mas como é que se podem detectar estas situações em
profissões de risco? Contrariamente ao que tem sido referido por alguma
comunicação social, a depressão grave não é uma «doença psicológica» que pode
ser facilmente detectada por testes. A depressão grave é uma doença orgânica
que provoca muitas alterações fisiológicas, atingindo o cérebro e outros
órgãos, e que afecta a capacidade de sentir, pensar e agir. O seu diagnóstico é
clínico — já que não existe um exame específico —, não podendo ser efectuado
por testes psicológicos. No entanto, estes testes podem ajudar a seleccionar os
candidatos a pilotos, identificando alguns factores de risco para vir a sofrer
de doenças mentais, nomeadamente associados à personalidade, mas não diagnosticam
propriamente doenças psiquiátricas.
Por que será que um indivíduo se suicida e decide
matar juntamente consigo uma série de pessoas inocentes? A resposta a esta
pergunta é difícil, mas sabemos que existem doenças psiquiátricas graves,
embora raras (por exemplo, a depressão psicótica), nas quais o indivíduo pode
apresentar sintomas psicóticos, mais concretamente ideias delirantes de
conteúdo niilista. Neste caso, a pessoa pode acreditar que tudo acabou, a
esperança desaparece e não há futuro; portanto, está convicta de que não existe
solução para o sofrimento que se tornou insuportável, julgando ainda que os
outros se encontram na mesma situação. Assim, este acto homicida é visto pelo
próprio como um acto de compaixão. É o chamado «homicídio oblativo ou piedoso»,
já que o indivíduo considera (erradamente) que ao matar os outros está a ter um
gesto de misericórdia.
Que factores na área da aviação podem contribuir
para o aumento das doenças psiquiátricas? Um dos aspectos que se encontram
relacionados com este tema diz respeito ao stresse profissional. Esta
situação pode dar origem a uma autêntica doença ocupacional (burnout) que
ainda é muitas vezes ignorada pelos vários responsáveis. Com
frequência surgem queixas, por parte dos pilotos e restante tripulação, de que
a carga horária é excessiva e que nem sempre são respeitados os intervalos de
descanso. Aparentemente, este fenómeno tem vindo a aumentar, já que a
competição entre companhias de aviação é enorme, e a tentativa de reduzir ao
máximo os custos tornou-se uma obsessão dos gestores. O incremento do stresse
profissional pode aumentar o risco de aparecimento de doenças psiquiátricas e
com isso colocar em causa a segurança.
Esta recente tragédia veio trazer para o debate
público a questão da segurança na aviação. Para além disso, deveria também
alertar para o aumento das doenças psiquiátricas no mundo do trabalho
e para a importância que se deve dar à saúde mental, independentemente da
profissão. Este é um assunto complexo para o qual não existem soluções fáceis.
Seja como for, há que criar condições para prevenir e detectar estas situações
o mais precocemente possível, evitando-se as consequências terríveis que um
aparente suicídio como este acarreta, levando à morte 150 inocentes e gerando
um sentimento de impotência e de humilhação colectiva.
NOTA DA REDACÇÃO
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