domingo, 29 de março de 2015


Inclusivismo, desproporção e obsessão


Nuno Serras Pereira

1. Inclusivismo

Grande parte da hierarquia da Igreja, nos últimos tempos, adoptou a moda do «inclusivo». A Igreja, dizem, não pode excluir ninguém, tem de ser inclusiva. Isto, num certo sentido, é verdade porque assim como Jesus Cristo veio para todos, do mesmo modo a Igreja, que é o Seu Corpo continuado na história, é enviada a todos. Os padres da Igreja ilustravam esta verdade com a narrativa da arca de Noé. Há aqui, no entanto, pelo menos, dois problemas.

a) O primeiro é que a esta palavra foi-lhe dado um significado muito preciso, nas última décadas, que veicula uma ideologia totalmente alheia, e mesmo inimiga, do cristianismo. De facto, ela é usada principalmente pelas ideologias lgbtq, do género, dos relativistas, dos controladores demográficos, dos niilistas, enfim, daqueles que estão apostados em destruir o casamento e a família, e em excluir a verdade, designadamente Aquela que a Igreja anuncia. Trata-se, pois, de um naturalismo que se insinua através de um politeísmo ético. Que esta palavra esteja a entrar no vocabulário das mais altas hierarquias é problemático, nem que mais não seja pela sua ambiguidade. «Tudo ao molho e fé em Deus» não consta do Evangelho.

b) A Igreja, evidentemente, exclui e sempre excluiu determinadas práticas e mesmo pessoas. E ao praticá-lo não está a fazer mais do que obedecer ao mandato do próprio Jesus Cristo, como se pode, por exemplo, depreender desta passagem da Bíblia: «Se o teu irmão te ofender, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te escutar, terás ganho o teu irmão. Se não te escutar, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas. Mas se ele não lhes der ouvidos, comunica o caso à Igreja; e se também não der ouvidos à Igreja, considera-o como um pagão ou um publicano. Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu; e tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu.» (Mt. 18, 15-17).

Tratar como um pagão ou um publicano tinha o significado de menosprezar e pôr de lado esse irmão, arredando-o da comunidade. Claro que subjaz a esta atitude a intenção de fazer com que a pessoa assim excomungada tome consciência do estado grave e deplorável em que se encontra, e se arrependa de modo a poder ser reinserida na Igreja. Não é por acaso que o Papa Francisco já ditou várias penas de excomunhão, (estranhamente grandes meios de comunicação social não o reportam). É também significativo que afirme com vigor, nele inusitado, que os corruptos não são cristãos. Não saberei dizer ao certo o que é que o Santo Padre entende por corrupção. Por exemplo, o que é que significa ao certo o seu dito «pecadores sim, corruptos não»? A impressão que eu tenho é a de que o Papa tem um horror extremo à corrupção económica. Tenho a sensação que usa essa palavra principalmente para denunciar essas trafulhices que acabam por prejudicar grandemente a sociedade e, particularmente, os pobres.

«Pecadores sim, corruptos não» é uma afirmação que provavelmente pareceria absurda aos nossos antepassados, uma vez que nos escritos espirituais, nos sermões, nas pregações, em livros de moral, etc., etc., o pecado era considerado uma corrupção. Creio que compreenderiam mais facilmente o dito «penitentes sim, pecadores não». Francisco usa por vezes uma linguagem que, porventura, exigirá uma espécie de dicionário que descodifique, traduzindo-as para a linguagem costumeira, algumas das suas palavras e expressões.

Seja como for, eu confesso (espero que tomem tudo isto somente como uma partilha de reflexões) que tenho dificuldade de entender este encarnecimento severo contra alguns tipos de pessoas e de pecados e simultâneamente uma meiguice toda ternurenta para com outros.

Se eu escrever que o aborto provocado (ou a experimentação embrionária) é um «homicídio sanguinário» ou que quem o pratica comete um acto «terrorista» pouco tempo depois recebo uma série de mensagens a protestar contra o tom usado e a falta de caridade consequente. E, no entanto, para gáudio geral, o Santo Padre recorre a essas expressões para as aplicar a quem recorre aos mexericos, o que seguramente é incomparavelmente menos grave do que as barbaridades que atrás referi. Misteriosamente, este sucessor de Pedro parece não se aperceber que o aborto provocado, a fecundação in vitro, a experimentação embrionária, a clonagem, as ideologias «gay» e do «género» provocam imensas mais vítimas que as máfias e outros que tem como corruptos.

Por que será que o Santo Padre afirma peremptoriamente que os corruptos «não são cristãos» e não faz o mesmo em relação aos abortistas, aos activistas «gays», aos ideólogos do «género»? Por que não dizer simplesmente que a corrupção não passa de uma «confusão mental», como o fez em relação à ideologia do género?

Por que será que apesar de não ter tido a aprovação de dois terços dos votos por parte dos bispos no Sínodo de Outubro passado, o Papa passou por cima das regras dos Sínodos para incluir a Comunhão aos adúlteros «divorciados recasados» e o acolhimento às pessoas homossexuais? Porque há famílias em que isso acontece, foi a explicação dada. É verdade, mas também não o é menos que há famílias que têm filhos ou maridos ou mulheres que são pessoas corruptas, ou que são pessoas pedófilas, ou pessoas toxicodependentes, ou pessoas traficantes de droga, ou  pessoas, na sua fase embrionária, congeladas em laboratórios, ou pessoas nascituras. Para estes não há inclusão? Não há atenção do Sínodo? Por quê?

Certamente que o Santo Padre terá razões ponderosas para isso. Mas a verdade é que enquanto não me explicarem não consigo entender nem fazê-lo compreender a todos aqueles que me interrogam sobre o assunto. O defeito e a incapacidade são meus.


2. Desproporção

a) Os imigrantes africanos que morreram em naufrágio, no ano passado, tentando alcançar a Europa foram 3 400 (três mil e quatrocentos); num ano, em Itália, foram mortos legal e propositadamente 100 500 (cem mil e quinhentos) «imigrantes» intra-uterinos que tentaram «migrar», em itália, do seio materno para a luz do dia (os números apresentados são redondos).

b) As crianças que morrem anualmente, nos cinco continentes, por causas ligadas à má nutrição, nos cinco primeiros anos de vida, são 3 milhões e 100 mil (três milhões e cem mil); as crianças mortas propositadamente no seio materno, por aborto cirúrgico, anualmente, são 44 milhões (quarenta e quatro milhões) – 84 (oitenta e quatro) por minuto.

c) Nos USA morrem anualmente por envenenamento 46 000 pessoas (quarenta e seis mil) por agressões 187 500 (cento e oitenta e sete mil e quinhentas), por acidentes de viação 33 800 (trinta e três mil e oitocentas), por armas de fogo 32 400 (trinta e duas mil e 400). Por aborto cirúrgico legal, anualmente, um milhão e duzentas mil pessoas na sua fase nascitura (crianças).

d) No seu livro «Atrocities: The 100 Deadliest Episodes in Human History», Matthew White, calculou que a partir da segunda guerra Persa, no ano 480 antes de Cristo, até à segunda guerra do Congo, terminada em 2002, foram mortos, por causa de todas as guerras, 445 milhões de pessoas (quatrocentas e quarenta e cinco milhões); Nos últimos quarenta anos em todo o mundo foram mortas, por aborto cirúrgico, 1 bilião e 720 milhões de pessoas (um bilião e setecentos e vinte milhões). Em 40 anos matámos muitíssima mais gente do que em 2 482 anos (dois mil e quatrocentos e oitenta anos). Com a diferença que os que foram mortos nestes quarenta anos eram inocentes e totalmente indefesos.

Claro que se contabilizássemos a inumerável multidão das pessoas mortas pelos métodos da reprodução artificial e pela contracepção o susto ainda seria muito maior. É importante não esquecer que são mortas muitíssimas mais pessoas, na sua fase inicial, pela quase sempre chamada impropriamente contracepção («saúde reproductiva») do que pelo aborto cirúrgico.


3. Obsessão

Se alguém dedica décadas da sua vida aos desabrigados (sem abrigo) é uma pessoa muito generosa e dada aos periféricos; se outro se empenha inteiramente num bairro social com grandes índices de pobreza é um servidor dos mais fracos; se outro durante anos visita sistematicamente as prisões é um herói; se aquele dá a sua vida à Caritas ou ao Banco Alimentar contra a Fome é um justo formidável; se este serve os doentes homossexuais e toxicodependentes é um santo; se alguém combate anos a fio pelo direito à saúde e à educação é uma pessoa extraordinária; se outro se arrisca pela promoção continuada da paz é digno de todos os louvores, etc.

Mas mal daquele que se entrega à defesa das crianças concebidas não nascidas, ao amparo das mães grávidas, da recuperação de pessoas homossexuais, de advogar o casamento natural, de promover os métodos naturais de regulação dos nascimentos e capacitação da fertilidade, pois não passa de um obcecado, rígido e hipócrita obstinado...






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