Maria Regina Rocha, Público,
4 de Maio de 2016
Talvez não tenha sido muito feliz a criação do
termo «igualdade de género», pois as pessoas não são palavras, sendo mais
adequada a expressão «igualdade de direitos, deveres e garantias entre sexos»,
e, quanto ao «Cartão de Cidadão», esta designação naturalmente que engloba todo
e qualquer cidadão.
Recentemente, tem sido objecto de discussão a
denominação do Cartão de Cidadão, documento por meio do qual, em Portugal, se
procede à identificação das pessoas, verificando-se em diversos artigos, e
invocando-se a «igualdade de género», alguma confusão entre sexo e género, pelo
que talvez valha a pena distinguir estes dois conceitos e explicar como
funciona a língua portuguesa (e respectiva gramática) no que diz respeito à
designação dos seres e das pessoas em geral.
Como ponto prévio, convém referir que o signo
linguístico é arbitrário, o que significa, genericamente, que a designação de
um determinado objecto, ser, fenómeno, etc., obedece a alguma convenção,
variando de língua para língua. Observe-se, por exemplo, que «o mar» (palavra
do género masculino em português) corresponde a «la mer» (feminino em francês)
e a «the sea» (sem género em inglês) e que «uma criança» (palavra do género
feminino em português, independentemente do sexo da criança em causa)
corresponde a «un enfant» (palavra masculina em francês) e a «a child» (palavra
sem género em inglês): como se vê, palavras diferentes e de diferentes géneros
para designar a mesma realidade.
Assim, é conveniente distinguir sexo de género gramatical.
O sexo diz respeito a características morfológicas
das pessoas e de outros seres vivos. Um género gramatical é um conjunto de
palavras que seguem determinadas regras de concordância, distintas das dos
outros géneros. Há línguas em que existe em alguns domínios uma relação entre
género e sexo, mas não absoluta nem determinante (o caso da nossa), outras em
que não há qualquer relação entre género e sexo; outras, raras, em que existe
uma relação exacta; muitas em que o género está relacionado com outros factores
(animado ou inanimado; metal, madeira ou pedra...), e mesmo algumas em que não
existe sequer género.
Em português, muitos dos substantivos que designam
um ser animado têm um género que corresponde a uma distinção de sexo (exemplos:
o menino, a menina; o gato, a gata), mas muitos outros há em que tal não se
verifica, quer no que diz respeito aos animais, quer no que diz respeito às
pessoas.
Efectivamente, embora haja nomes de animais que têm
masculino e feminino (o coelho, a coelha; o cavalo,
a égua…), muitos dos substantivos que designam animais têm apenas uma
forma (masculina ou feminina) para os dois sexos. São os substantivos epicenos,
de que são exemplo a borboleta, a foca, a girafa, a serpente, o milhafre, o
sapo, o tubarão…
Passando às palavras que designam pessoas, notamos
que muitas delas têm a marca de género correspondente ao sexo, ou por meio do
uso de uma palavra diferente consoante o sexo (exemplos: homem, mulher; pai,
mãe), ou marcando-se a palavra feminina com um morfema próprio (exemplo:
professor, professora). Há, no entanto, um certo número de substantivos,
chamados «comuns de dois» e outros «sobrecomuns», que não têm essas marcas. Os
«comuns de dois» são aqueles que têm a mesma forma para o masculino e para o feminino,
sendo apenas o artigo que indica se nos estamos a referir a uma pessoa do sexo
feminino ou do sexo masculino (exemplos: o artista, a artista; o colega, a
colega; o presidente, a presidente). Os «sobrecomuns» são aqueles que têm um só
género gramatical, não se distinguindo nem sequer pelo artigo (exemplos: a
testemunha, o cônjuge, a vítima), verificando-se apenas pelo contexto, quando
necessário, qual o sexo da pessoa. Este último caso acontece porque não importa
aqui marcar a distinção de sexo: o que importa é a condição ou a situação da
pessoa, e não a diferença de sexo.
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