sábado, 22 de fevereiro de 2014

Estremecedor relato vindo da Venezuela:
«Eles tiraram-nos tudo, inclusive o medo»


Uma jornalista e mãe de família venezuelana compartilhou a experiência do profundo drama que a Venezuela atravessa nestes dias, entre os populares protestos pacíficos de estudantes e as violentas repressões do governo.

Num artigo publicado no jornal El Universal, María Denisse Capriles recordou que num dos cartazes que os jovens venezuelanos usaram durante as manifestações lia-se «tiraram-nos tanto, que acabaram por tirar-nos o medo», e assegurou que os jovens que hoje protestam contra o governo perderam o medo da morte.

«Eu nunca pensei viver o que estou vivendo. Quando era estudante de jornalismo queria ser repórter de guerra, e nunca tive medo da morte. Gostava de mudar de ideias por causa dos meus filhos e não sofrer a angústia de que possam matar algum deles nas ruas. Mas isso não é possível, o que estamos vivendo é quase o que vemos nos filmes, coisas que ninguém imaginou viver».

Até agora, a repressão do governo contra os estudantes provocou cinco vítimas mortais. A mais recente delas é Génesis Carmona, Miss Turismo 2013, com apenas 22 anos, que recebeu um tiro na cabeça durante uma manifestação em 18 de Fevereiro, e faleceu ontem ao meio-dia.

María Denisse Fanianos de Capriles assegurou que «todas as mães venezuelanas sabem que há anos que ficamos com o coração apertado, e começamos a rezar, cada vez que nos despedimos dos nossos filhos para que Deus os proteja da delinquência».

«Passamos noitadas esperando vê-los entrar em casa. Quando eram pequenos era muito fácil, colocávamos-os no berço ou na cama e santa paz, mas quando passam dos 16 a coisa é muito diferente».

A violência e os crimes no país não deixaram de crescer. No sábado passado,15 de Fevereiro, dois menores que tinham entre os 13 e 15 anos entraram no colégio Dom Bosco de Valência e assassinaram um sacerdote e um religioso, ambos salesianos. As autoridades suspeitam que tenha sido um roubo.

A jornalista referiu que os venezuelanos «foram acostumados a ter muito trabalho, a sofrer, a chorar de impotência, a ser desprendidos até do indispensável, a ter muita paciência... Isso fez-nos fortes, muito fortes!».

«Hoje verifico que os nossos filhos absorveram tudo isso. Os nossos jovens estão demonstrando uma fortaleza tão impressionante que nunca acreditei que fosse ver alguma coisa parecida. Mas penso que o que nunca podemos acostumar-nos é que nos matem um filho. Podemos criá-los com fortaleza, mas isso é muito difícil meu Deus!».

María Denisse assinalou que agora entende que «os meus filhos e muitos filhos da Venezuela, não têm nem medo da morte, porque eles sabem que isto aqui é um passo, e que logo lhes chegará a grande recompensa, porque viveram diante de Deus e deixaram semeadas coisas boas nesta terra».
«No dia 12 de Fevereiro, quando os meus meninos foram sozinhos para a concentração, estavam particularmente emocionados. Com as suas duas garrafinhas de água, um telemóvel para comunicar e tirar fotos, o bilhete de identidade no bolso e a graça de Deus. Era tudo o que levavam», recordou.

«Abracei-os com força e despedi-me deles (novamente) como se fosse a última vez. Mas desta vez foi diferente porque saíam para defender a sua Venezuela».

Os seus filhos, recordou, «às duas da tarde chegaram e foram logo para a cozinha para almoçar porque vinham mortos de fome. Minutos mais tarde, quando estávamos vendo a reportagem da RTN Notícias, ficamos a saber que um jovem tinha morrido no mesmo sitio onde eles tinham estado minutos antes, isso deu-me uma dor de cabeça terrível. Imediatamente este canal foi desligado. Fui para a cama mais cedo porque estava esgotada e comecei a rezar».

«Na madrugada do dia 13 quando me levantei para consultar oTwitter porque é o único que resta para nos informarmos, a primeira coisa que vi foi a fotografia de Roberto Redman que dizia: ‘Amava Ávila e o seu país, e morreu por ele’. Comecei a chorar desconsolada porque senti como se ele fosse meu filho, porque agora todos os filhos da Venezuela os sinto como meus. É de tanto sofrer que o nosso coração se torna admirável. E como me dizia uma amiga a quem lhe contei o que senti nesse momento: ‘Chora amiga, que as lágrimas são a oração dos olhos’».

A jornalista venezuelana assegurou que «não é nada fácil estar na nossa pele. Estamos sofrendo muito, mas ao mesmo tempo estamos felizes porque sabemos que se não lutarmos pelo nosso país  ‘gritamos que é de todos’ (como dizia a minha amiga cubana) o vamos perder definitivamente».

«O que me impressiona mais é a coragem que os nossos jovens mostraram. O meu marido e eu sentamos-nos várias vezes com eles para explicar-lhes que o protesto é bom sempre que for pacífico; e que é necessário ser muito prudente porque os grupos armados têm armas até aos dentes e disparam indiscriminadamente».

A jornalista reconheceu que inicialmente, «como mãe que sou, tentei que os meus meninos não saíssem, mas isso é impossível».

«Uma amiga contava-me que o seu filho lhe gritava: ‘Eu saio, queira ou não queira, eu tenho que defender o meu país’. Isso acontece porque eles estão cansados, estão fartos de ver tanta mentira, ineficácia, corrupção, injustiça. Estão fartos de sofrer e de nos ver sofrer! Eles também vêem em nós tantos cabelos brancos e ‘rugas aceleradas’ (como disse Henrique Capriles), que temos devido a tanto trabalho, tanta dor e tanta angústia».

«Aos meus amados jovens venezuelanos digo o seguinte: hoje mais do que nunca estou imensamente orgulhosa da vossa geração, para mim a única no mundo! Vocês serão a nossa salvação, com a ajuda de Deus e da Santíssima Virgem de Coromoto. E nada de medo, meus filhos da minha pátria, porque ‘Se Deus está conosco, do que teremos medo?’», concluiu.

Recentemente, o bispo de Cidade Guayana (Venezuela), Dom Mariano José Parra Sandoval, exortou os estudantes venezuelanos a protestarem pacificamente nestes dias no país e que mantenham o seu protesto dentro da lei, assegurando-lhes que «têm a arma da razão e o poder da sabedoria».




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