Nuno Serras Pereira
O Cardeal Meisner autorizou
que nos hospitais da sua Diocese se recorresse à «pílula do dia seguinte» nos
casos de mulheres violadas, uma vez que alguns desses fármacos não teriam
efeitos abortivos mas somente anovulatórios, isto é impediriam a ovulação no
caso de esta não ter ocorrido, mas nos casos em que a fecundação se tivesse
verificado não estorvariam a nidação da pessoa recentemente concebida no
aconchego do seio ou útero materno. A ortodoxia do Senhor Cardeal na declaração
Doutrinal que faz é inatacável: se um fármaco não tem efeitos abortivos deve
ser aplicado nos casos de violação para, no caso de que a ovulação não tenha
ocorrido, se evite a concepção. Já a decisão, que deriva do seu poder de
governo eclesial, de autorização da pílula do dia seguinte nos hospitais não
goza de autoridade Magisterial (Doutrinal), mas trata-se tão-somente de uma
decisão prudencial (ou imprudente…) que pode, e talvez deva, ser discutível.
Por isso, não admira que tenha estalado a polémica no mundo católico. Em defesa
do Cardeal Meisner saiu a Conferência Episcopal alemã. Numa entrevista
informal, o Presidente da Academia Pontifícia para a Vida, o Bispo (Opus Dei)
Ignacio Carrasco di Paula, um eminente Académico na área da Bioética, confirmou
a Doutrina e adiantou que a verificação da abortividade dos fármacos competia
aos médicos. Se interpreto bem as suas declarações, julgo que poderão dar azo a
alguma ambiguidade, não lançando um esclarecimento definitivo sobre o assunto.
Entretanto, Bispos, médicos eminentes e mesmo, pelo menos, uma Conferência
Episcopal, pelo seu porta-voz, têm repudiado as conclusões da Conferência
Episcopal alemã.
Para delimitar bem o problema
creio ser importante esclarecer, desde já, que nos casos de violação a toma de
um fármaco cuja finalidade seja o de impedir a fecundação, do ponto de vista
moral, não é de modo nenhum um acto contraceptivo. Para que se dê um acto
contraceptivo é necessário que se intente (voluntariamente) esterilizar uma
entrega mútua, livremente consentida, que de si poderia dar origem a uma nova
pessoa humana. É isto que a Igreja ensina ser intrinsecamente perverso, uma vez
que separa propositadamente os significados de união e de procriação, e que não
admite excepções. Ora, a violação não é um acto de união mas sim de violenta
invasão.
A polémica, toda ela,
centra-se pois na capacidade abortiva, ou não, da pílula do dia seguinte (pds)
(expressão usada pela Conferência Episcopal alemã). Nesta controvérsia estão
implicados médicos eminentes, que contestam, com erudição e perspicácia, os
estudos apresentados ao Episcopado alemão que o terá levado à decisão de
autorizar algum tipo de pds, nos casos de violação. Pelo que me parece
totalmente compreensível a reacção da Conferência Episcopal espanhola quando afirma
que se a Conferência Episcopal alemã possui estudos credíveis, sem falhas nem
manigâncias, que os mostre para apreciação pública. O eminente médico Renzo
Puccetti, da Academia Pontifícia da Vida, critica vigorosamente os estudos que
pretensamente «provam» a não abortividade de um dos preparados da pds e reclama
que a Conferência Episcopal alemã peça um parecer formal à Academia Pontifícia
da Vida.
Com tanta divergência entre
gente tão graúda e qualificada parece-me elementar que se recorra ao princípio
da precaução. Isto é, que não se aplique tal fármaco na dúvida de ter ocorrido
ou não a ovulação; pois se não existe a certeza (objectiva e não meramente
subjectiva) de que um acto irá assassinar uma pessoa eminentemente inocente e
vulnerável, como é o ser humano quando desponta para a vida, é elementar
reconhecer que só se pode suspender tal acto.
Espera-se pois que a Santa
Sé venha a tomar, tão depressa quanto possível, uma posição clara sobre este
assunto da maior gravidade, pois estamos todos meio pírulas nos dias seguintes
a estas controvérsias.
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