Nuno Serras Pereira
Pela forte bátega de
mensagens-e, de gente estupefacta e «incrédula», que recebi a propósito da
notícia «Matar um bebé é o mesmo que fazer um aborto», dizem estudiosos, dei
como infrutífero o penosíssimo trabalho a favor do Evangelho da vida a que me
tenho dedicado progressiva e arduamente desde há trinta e quatro anos. Não
saberei dizer se vos parece pouco e uma sem-razão quer o empenho quer o
queixume. Por isso acrescentarei que estar continuamente estudando, escrevendo,
alertando, insistindo, rezando, pregando, explicando, teimando, descrevendo,
coisas tão sórdidas como o aborto provocado, a matança de embriões humanos e
eutanásia, contra quase todos, a condenação de muitos, a incompreensão geral e
a marginalização sistemática, é uma agonia, uma exaustão que me deixa
literalmente esbodegado. Não que me arrependa ou sequer o lamente, de modo
nenhum, tanto mais que no meio de tanta cruz lá se encontra a ressurreição e o
amparo fiel de uma porção significativa de amigos formidáveis.
Mas custa a crer que
tantos não tenham entendido que a morte provocada de uma pessoa no estado
embrionário, fetal, recém-nascida, criança, adolescente, adulta, anciã,
saudável, enferma, deficiente ou moribunda constitui, objectivamente, um
assassinato. E que a gravidade de tal acto se torna tanto maior quanto mais
vulnerável é a pessoa eliminada. Por isso, como lembra o Beato João Paulo II, o
Vaticano II designa como crimes abomináveis quer o infanticídio quer o aborto.
Mas, para que entendamos bem não somente a semelhança entre um e outro, mas
também a diferença no grau de gravidade logo afirma sem titubeações: «A gravidade moral do aborto provocado
aparece em toda a sua verdade, quando se reconhece que se trata de um homicídio
e, particularmente, quando se consideram as circunstâncias específicas que o
qualificam. A pessoa eliminada é um ser humano que começa a desabrochar para a
vida, isto é, o que de mais inocente, em absoluto, se possa imaginar: nunca
poderia ser considerado um agressor, menos ainda um injusto agressor! É frágil,
inerme (indefeso, desarmado), e numa medida tal que o deixa privado inclusive
daquela forma mínima de defesa constituída pela força suplicante dos gemidos e
do choro do recém-nascido. Está totalmente entregue à protecção e aos cuidados
daquela que o traz no seio. E todavia, às vezes, é precisamente ela, a mãe,
quem decide e pede a sua eliminação, ou até a provoca.» (João Paulo II,
Evangelium vitae, 58). Daqui a conclusão: «De
entre todos os crimes que o homem pode realizar contra a vida, o aborto
provocado apresenta características que o tornam particularmente perverso e
abominável.» (Idem). Torno a repetir, como já o fiz num texto anterior, que
isto foi escrito por um Papa que antes de o ser passou pelos terrores e
horrores quer do nazismo quer do comunismo.
Constitui para mim
uma enorme perplexidade como, aqui em Portugal, se branqueia e se censura esta
Encíclica que João Paulo II considerava central no seu Magistério: «Desejo, antes de tudo, agradecer … o facto
de terem pensado e organizado esta Jornada comemorativa do quinto aniversário
da publicação da Encíclica Evangelium vitae. … Documento, que considero
central no conjunto do Magistério do meu Pontificado (sublinhado meu) e em
ideal continuidade com a Encíclica Humanae vitae do Papa Paulo VI, de venerada
memória.» (João Paulo II, Discurso no 5º aniversário da Evangelium Vitae).
Quantas
conferências, entrevistas, palestras, reportagens, livros sobre este Papa e o
seu Pontificado, realizadas pelas mais graúdas sumidades da Igreja em Portugal
e nem uma palavra, uma referência, uma atenção a este ponto nuclear do seu
Magistério. A Humanae vitae e a Evangelium vitae geram paralisia mental nesses
Prelados e Fiéis Leigos subidamente qualificados.
Em verdade vos digo
que a não haver intervenção Divina não tardará muito a termos professores na
ucp (universidade católica portuguesa) e comentadores na rr (rádio renascença)
que advogam o infanticídio, o eugenismo, a eutanásia, o suicídio assistido,
como hoje lá temos os que propagandam o aborto, a selecção embrionária, a
clonagem e outras atrocidades ignominiosas.
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