P. Gonçalo Portocarrero de Almada, 24
de Dezembro de 2016
Não, falsos apóstolos do anti-consumismo, não nos
roubem o Natal. A religião cristã é festa e alegria, em todos os dias e para
toda a eternidade, mas sobretudo no dia que celebra o nascimento de Jesus
Sempre que chega o Natal, ouvem-se as velhas vozes
de novos profetas insurgindo-se contra o consumismo que, ao que parece, ataca
de forma particularmente virulenta nesta época final do ano. Mas, toda a
eloquência das suas invectivas moralistas não logra embaciar o brilho desta
festa que a todos, sem distinção de religiões ou raças, nos toca e desperta
para a grande alegria do Natal, a festa de Deus connosco! A religião cristã é
festa e alegria, agora e para toda a eternidade, mas sobretudo nos abençoados
dias em que o calendário litúrgico solenemente celebra o nascimento de Cristo
para a vida terrena e, depois, na festa gloriosa da Páscoa da sua ressurreição,
o seu definitivo nascimento para a vida eterna!
Não é preciso ser teólogo, nem sequer crente, para
compreender a necessidade do Natal! O nosso mundo, os nossos países, as nossas
cidades, as nossas empresas, as nossas famílias e todos nós precisamos,
absolutamente, do Natal. Não foi certamente por acaso que um recente e
lamentável ataque terrorista, em Berlim, teve como alvo, precisamente, uma
feira de Natal. Se um terrorista, que é, por definição, um inimigo da
civilização, ataca o Natal desta forma hedionda é porque, também ele, de algum
modo, reconhece que nenhuma outra festa do que a universal celebração do
nascimento de Cristo é tão emblemática da cultura europeia. Por isso, defender
o Natal é defender também o que de melhor há na cultura ocidental. E, se não
for possível fazê-lo sem consumismo, pior para o consumismo!
É verdade que o consumismo materialista não é uma
prática coerente com a fé cristã, mas talvez não seja excessivamente ousado
afirmar que, de algum modo, Jesus Cristo foi o primeiro «consumista». Com
efeito, as suas últimas palavras, antes de expirar na Cruz, foram: «Tudo está
consumado!» (Jo 19, 30). Um pouco antes, o evangelista que o Senhor amava,
introduzindo o seu relato evangélico da paixão, morte e ressurreição de Cristo,
dissera: «sabendo Jesus que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo ao
Pai, tendo amado os seus que estavam neste mundo, amou-os até ao fim» (Jo 13,
1). O Natal é um convite a este «consumismo»: uma excelente ocasião para nos
consumirmos no serviço dos outros, sobretudo dos que nos são mais próximos, ou
estão mais necessitados.
Mas … e os pobrezinhos?! Esta é, decerto, a mais
recorrente crítica ao consumismo natalício e, porventura, a mais consistente.
Como podem os cristãos montar presépios, quando há tantas pessoas que nem um
tecto têm para se abrigar?! Como se podem sentar a uma mesa cheia de apetitosas
iguarias, se tantos há, também a seu lado, que nem sequer têm uma sopa e um
pouco de pão para dar aos filhos?! Como se atrevem a oferecer e receber
presentes, mais ou menos fúteis, se tantos há que carecem até do que é mais
indispensável?! Não seria muito melhor converter todas as despesas de tão
inúteis comemorações em benefícios sociais para os que mais precisam?
Razão não falta a esta tão aparentemente caridosa e
pertinente objecção contra o Natal consumista. Pena é que reproduza, ipsis
verbis, a argumentação de Judas Iscariotes, o traidor, quando censurou
asperamente o consumismo de Maria, a irmã de Lázaro, que ungira o Senhor com
«uma libra de perfume feito de nardo puro de grande preço»: «Porque não se
vendeu este perfume por trezentos denários para se dar aos pobres?!». «Disse
isto – esclarece o evangelista – não porque se importasse com os pobres, mas
porque era ladrão e, tendo a bolsa, roubava o que nela se deitava» (Jo 12,
1-8). E Jesus não censurou o consumismo da irmã de Lázaro, mas a avareza do
apóstolo traidor.
Os modernos profetas do anti-consumismo natalício,
que tanto abundam, também nas publicações católicas, na realidade são réplicas,
mais ou menos exactas, do irmão primogénito do pródigo. Também ele, cheio de
razões sem razão, se insurgiu contra o consumismo desenfreado do pai, que deu
ao filho mais novo o vestido mais precioso, um anel no dedo e sandálias nos
pés. Para esse filho pródigo, mandou até matar o vitelo gordo e organizou uma
grande festa, a que nem sequer faltaram a música e os coros! E, ante a
indignação do filho mais velho, despeitado por aquele escandaloso consumismo, o
pai disse-lhe: «Era justo que houvesse banquete e festa» (Lc 15, 11-32).
Não, falsos apóstolos do anti-consumismo, não nos
roubem o Natal! Não nos tirem a festa! Não silenciem as músicas, nem calem os
coros, porque são anjos que nos anunciam o nascimento do Senhor! (Lc 2, 13-14).
Não nos excluam dessa mesa a que o Pai dos céus a todos convida! (Lc 14,
15-24). O Natal não exclui ninguém: Deus veio ao mundo para os bons e para os
que o não são, para os fiéis e os pagãos; para todos, sem excepção.
Porque, como veio Deus ao mundo? Não veio como
Deus, para que a sua santidade não afugentasse os pecadores. Não veio como
omnipotente, para que o seu poder não atraísse os ambiciosos, nem afastasse os
tímidos. Não veio como sacerdote, para que os não crentes, ou crentes noutras
religiões, não fossem excluídos. Não veio como rei, para que não se impusesse
aos seus súbditos pela força. Não veio como mestre, para que também os soberbos
o pudessem aceitar. Não veio como sábio, para que também os ignorantes o
pudessem compreender. Não veio como herói, para não humilhar os cobardes. Não
veio como vencedor, para não envergonhar os derrotados. Não veio como rico,
para não intimidar os pobres.
Então, como veio aquele
que, antes de nascer e até de ser concebido, já era rico, vencedor, herói,
mestre, rei, sacerdote e omnipotente, como Deus que é desde sempre?! Veio como
ínfima criança, para que todos os homens e mulheres do mundo, qualquer que seja
a sua virtude ou vício, o possam contemplar e amar. Porque não há ninguém, por
melhor ou pior que seja, que, diante da fragilidade de um recém-nascido, não
seja capaz de se comover e de sorrir. Santo Natal
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