P. Gonçalo Portocarrero de Almada,
Observador, 3 de Dezembro de 2016
Observador, 3 de Dezembro de 2016
Os regimes não se medem pelas suas belezas retóricas mas pelas suas
obras. O sonho revolucionário de Fidel, um terrível pesadelo para os cubanos,
não o exime das atrocidades perpetradas pelo castrismo.
Apesar de esperada, a morte de Fidel Castro foi uma notícia
surpreendente. Talvez porque a invulgar resistência do ancião guerrilheiro
tivesse levado a crer que alcançara, como os antigos deuses, o dom da
imortalidade. Mas, humano como era, embora não muito, Fidel também tinha os
seus dias contados e, a estas horas, já prestou contas ao Criador. Paz à sua
alma e, já agora, à nossa também. A sua morte não significa, para o seu país, o
fim do comunismo mas, desaparecido o ditador, está mais próxima a tão desejada
libertação de Cuba. Neste sentido, é um sinal de esperança.
Apesar de decorrida uma semana sobre a sua morte, continuam as
inevitáveis reacções à sua vida e acção política, em catadupa de declarações
mais ou menos hipócritas, ou mais ou menos comprometedoramente envergonhadas. É
sabido que, no que se refere aos ditadores falecidos, a esquerda é como aquele
detergente que lava duas vezes mais branco. A imprensa, enquanto por um lado
diaboliza Adolf Hitler e Augusto Pinochet; pelo outro absolve e idealiza as
atrocidades de Che Guevara e de Fidel Castro … enfim, o costume.
Não vale a pena insistir nas atrocidades protagonizadas por Fidel
Castro, ou por ele consentidas, porque são já sobejamente conhecidas e foram,
em sua vida, denunciadas pelos Repórteres sem Fronteiras
(O livro negro de Cuba, prefácio e introdução de José Manuel Fernandes, Aletheia, 2005). Mas vale a pena retirar uma conclusão a que nem todos se atrevem: a natureza essencialmente antidemocrática da ideologia comunista.
(O livro negro de Cuba, prefácio e introdução de José Manuel Fernandes, Aletheia, 2005). Mas vale a pena retirar uma conclusão a que nem todos se atrevem: a natureza essencialmente antidemocrática da ideologia comunista.
Há quem distinga a teoria da prática comunista: desculpam a realidade
ditatorial dos regimes comunistas, à conta do alegado altruísmo do
marxismo-leninismo. Uma atitude tão incoerente como seria condenar Hitler, mas
ressalvando o nacional-socialismo. Os regimes políticos não se medem pelos seus
encantos retóricos, mas pelas obras. O indiscutível ideal patriótico de Hitler
não o desculpa dos crimes do nazismo, do mesmo modo como o sonho revolucionário
de Fidel, que foi um terrível pesadelo para milhares de cubanos, o não exime
das atrocidades perpetradas pelo castrismo. Como se costuma dizer, de boas
intenções está o inferno cheio.
O nazismo não foi apenas um fracasso político mas, sobretudo, uma
aberração ideológica. O comunismo não é apenas uma prática que nunca resultou,
nem sequer economicamente, mas também uma ideologia intrinsecamente contrária à
liberdade e à dignidade humana. Ou seja, não se pode ser comunista e democrata,
nem humanista, como aliás a história não se cansa de provar e a trágica vida de
Fidel Castro, mais uma vez, confirmou. Considerar o marxismo-leninismo como um
regime democrático é já um embuste da propaganda comunista.
Mas mesmo sabendo, como ninguém minimamente honesto pode hoje ignorar,
que o comunismo é uma ideologia per se antidemocrática, poucos são os que ousam
dizê-lo. Todos os democratas são unânimes em excluir, em absoluto,
qualquer regime fascista ou nazi mas, paradoxalmente, alguns ainda toleram o
comunismo, que é analogamente antidemocrático. Ninguém tem qualquer pejo em se
afirmar, sem tibiezas, antifascista, mas – muito embora seja evidente que um
verdadeiro democrata não pode, sem cair em contradição, deixar de ser
anticomunista – poucos são os que têm a coragem de o assumir. Quanto muito,
alguns mais afoitos dirão que não são comunistas, ou que são não comunistas,
mas não anticomunistas, porque uma tal afirmação parece relevar radicalismo e
cheira a extremismo fascista, ou coisa que o valha. Contudo, o mesmo não se
verifica quando alguém se define, sem rebuço, como antifascista, ou antinazi…
Marx e Engels invocaram a história como o garante da inevitabilidade das
suas previsões políticas e económicas, mas a história não só não confirmou os
seus prognósticos como os desmentiu categoricamente. Mais ainda, a história
veio dar razão ao juízo profético da Igreja católica que, pela encíclica Qui
pluribus, já em 1846 condenou o comunismo, precisamente por ser contrário à
liberdade humana, à justiça social e ao bem comum.
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