João Miguel Tavares, Público, 22
de Novembro de 2016
Sais de fruto. Pastilhas Rennie. Comprimidos Omeprazol. Não se consegue
escrever um texto a criticar o Governo de António Costa e a situação do país
sem receber em troca uma receita médica, diligentemente prescrita pelos
leitores de esquerda. O estado de saúde de quem votou no PSD ou no CDS
inspira-lhes mais cuidados do que o estado do país: todo o nosso pessimismo é
justificado por razões de azia e descontrolo dos sucos gástricos, devido à
substituição do Governo de Pedro Passos Coelho pelo Governo de António Costa. É
a homeopatia aplicada ao debate político — se diluirmos o pessimismo, o
optimismo floresce, e Portugal voltará a convergir com a Europa.
Numa coisa, pelo menos, os leitores de esquerda têm razão: esta visão do
estado do país e dos desafios que ele enfrenta é de tal forma alucinada que nem
litro e meio de sais de fruto refreia a indigestão. Imagine, caro leitor, que
você está endividado até ao pescoço. O seu ordenado cresce 1,5% ao ano (vamos
ser optimistas), tem uma dívida gigantesca a crescer ao ritmo do seu ordenado,
e paga ao banco juros anuais de 3,5%.
Diga-me, caro leitor: com o correr dos meses e dos anos, parece-lhe que
a sua situação irá piorar ou melhorar? Eu diria (já digo há muito tempo) que
não é uma questão de esquerda ou de direita, mas de matemática. Só que em
Portugal há um número espantoso de pessoas que pensa da seguinte forma: a
situação iria piorar, se fosse Pedro Passos Coelho que estivesse no governo,
mas, estando lá António Costa, a situação vai com certeza melhorar. Não há
matemática que perturbe o realismo mágico-ideológico da esquerda nacional.
Ao contrário do que se possa pensar, não sou um espectacular fã da
anterior coligação PSD-CDS. Acho que se perdeu uma oportunidade para reformar
mais profundamente o país. Acho que a explicação daquilo que se fez foi uma
desgraça. Acho que Pedro Passos Coelho ficou preso a um chavão no Governo — «ir
além da troika» —, como voltou a ficar preso a um chavão na oposição — «Vem aí
o diabo» —, o que significa que, nesse aspecto, aprendeu muito pouco. Mas
reconheço o seu esforço e coragem em várias áreas, e a capacidade para diminuir
o défice de 11,2% em 2011 para 3% em 2015 (sem Banif, que foi já uma decisão de
António Costa).
Ora, quando comparamos a indiferença generalizada perante a redução do
défice em 8,2 pontos percentuais em quatro anos (média: 2,05%/ano) com o
entusiasmo que uma possível redução de 0,5 pontos percentuais em 2016 está a
provocar, percebemos que onde Costa arrasa Passos Coelho não é na capacidade de
governar, mas sim na capacidade de se autopromover. Costa vende-se muito bem a
gente cheia de vontade de o comprar, porque está farta do discurso dos
sacrifícios e da tanga.
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