P. Portocarrero de Almada, Observador, 8
de Outubro de 2016
Heróis são a Liliana Melo e os seus filhos. É o
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que agora condenou o Estado português,
por este incrível atropelo dos mais elementares direitos fundamentais.
Já lá vão mais de quatro anos desde que o
Tribunal de Sintra mandou retirar, a Liliana Melo, sete filhos, com idades
entre os seis meses e os sete anos. A implacável decisão judicial, que apanhou
de surpresa a mãe, incapaz de se opor a uma tão dramática medida, foi executada
com requintes de especial crueldade: a casa familiar foi cercada por polícias e
os filhos que nela se encontravam – um dos sete conseguiu, felizmente, evitar a
captura, encontrando-se desde então em casa de outros familiares – foram
levados para diversas instituições, para adopção.
Sem meios económicos ou outros, Liliana Melo
começou, nesse mês de Maio – em que, por cruel ironia, se celebra o dia da mãe
– a percorrer a sua via-sacra. Não é difícil imaginar a sua angústia quando se
viu só, num país que não é o da sua naturalidade, proibida de ter consigo os
seus filhos e até de com eles contactar. Tratada pelas autoridades judiciais e
policiais como se fosse uma criminosa, Liliana é responsável pelo crime de ser
mãe de muitos filhos, com as agravantes de ser cabo-verdiana, muçulmana e
pobre.
Mas Liliana Melo não desistiu. Graças a Deus,
não lhe faltou, desde a primeira hora, o apoio de duas corajosas advogadas, que
assumiram pro bono a sua defesa. E foi com surpresa que verificaram que, ao
contrário do que seria de supor pela brutal decisão judicial, não constava a
ocorrência de maus-tratos, abusos, violência doméstica ou grave negligência,
que justificasse não só a retirada forçosa dos seis filhos, mas sobretudo a sua
separação.
Mãe coragem, Liliana Melo teve que esperar três
anos para ver, de novo, os filhos que a justiça portuguesa não só lhe roubou,
como impediu de contactar. Graças a uma decisão provisória do Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos, de Fevereiro de 2015, o Estado português foi obrigado a
pôr termo à separação dos irmãos, bem como à proibição que, até então, impediu
a mãe de estar com estes seus filhos.
Vale a pena recordar esse primeiro encontro,
três anos depois da dolorosa separação da família: «as crianças chegaram à sala
e não houve nenhuma palavra trocada. A mãe apenas abriu os braços e estiveram a
chorar, agarrados uns aos outros, durante largo tempo».
Mesmo já autorizada a visitar os filhos nas
instituições que os acolheram, Liliana ainda teve que sofrer não poucas
humilhações. Por exemplo, no aniversário de um deles, fez-lhe o bolo que sabia
ser do seu especial agrado, meteu-se no comboio e foi ter com o «menino dos
anos». Mas, ao chegar à referida instituição, foi-lhe dito que não lhe era
permitido entregar ao filho o seu bolo preferido, mas que podia compra-lhe
outro. Liliana confidenciou que, nesse dia, voltou para casa a chorar: eram
muito diferentes o bolo comprado numa pastelaria e aquele que ele mais gostava,
feito pela sua mãe!
Se a mãe nunca desistiu dos seus filhos, os
filhos também nunca desistiram da mãe. Dois episódios. Um dos pequenos
perguntou uma vez, a uma das advogadas que tratavam do caso, quando é que
acabava o «para sempre», porque tinham-lhe dito que ia ficar «para sempre» na
instituição e ele supunha que, depois, poderia voltar para casa … Outro filho,
que Liliana Melo foi buscar à escola, fez questão de levar a mãe à sua sala de
aulas, para a apresentar, orgulhosamente, aos seus colegas!
Nesta história há muitos vilões, nomeadamente o
Estado português, alguma da sua justiça e alguma da sua Segurança Social que,
embora exemplares em geral, neste caso, em vez de ajudarem uma família com
necessidades, tudo fizeram para a destruir.
Também o foram, por omissão, os políticos, de
esquerda ou de direita, que andam sempre a encher a boca com as causas sociais,
mas depois nada fazem para resolver os casos concretos. Andam a brincar ao
Robin dos Bosques, à frente das câmaras da televisão, exibem a sua indignação
sempre que têm um microfone pela frente mas, depois, não mexem um dedo. Uma
certa comunicação social, mais atenta às causas fracturantes do que às pessoas
fracturadas, foi também cúmplice, pelo seu silêncio, quando era sua obrigação
informar sobre estes casos de inadmissível prepotência estatal.
Heróis são a Liliana Melo e
os seus filhos, finalmente reunidos na casa que nunca devia ter deixado de ser
a sua. É o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que, em acórdão recente,
recomendou a reunificação de toda a família e condenou o Estado português, por
este incrível atropelo dos mais elementares direitos fundamentais, obrigando-o
também a uma pesada multa que, contudo, não paga o sofrimento desta família
durante quatro longos anos. São as advogadas Paula Penha Gonçalves e Clotilde
Almeida, que deram a esta mãe e aos seus filhos o apoio do seu muito saber e do
seu imenso trabalho, sem outra recompensa que não seja o consolo de ver, de
novo, a família unida. Foi também o jornalista José Manuel Fernandes que, numa
exemplar reportagem, teve
a coragem de denunciar este caso. Bem-hajam!
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