sábado, 2 de agosto de 2014


A fraude


Pedro Santos Guerreiro, Expresso, 2 de Agosto de 2014

O Estado tem de intervir, capitalizando ou separando o banco dos problemas. E depressa. Processem-me se quiserem: houve fraude. A justiça tem de agir

Já vamos aos polícias, já vamos aos ladrões, já vamos à ética, ao roubo, ao crime, já vamos aos culpados e aos inocentes, às vítimas, às fúrias e às lamúrias. Mas antes salvem o BES. Salvem-no já. Hoje é sábado, amanhã é domingo, chamem-lhe nacionalização ou capitalização, usem cocos ou socos, partam o banco em bom e mau, comprem-no, vendam-no, pintem o verde de laranja, azul ou encarnado, mas acabem com esta desgraça. O Estado tem de entrar em cena. Entrar já. E entrar com tudo.

Os resultados semestrais do banco revelam um crime. O da destruição de um banco; o da transmissão, deliberada e ocultada, do buraco do GES para o BES. Processem-me se quiserem: há fraude. Há burla. Há falsificação. A justiça tem de agir, investigar, condenar e absolver.

Até ao final de 2013, destruíram um grupo. Nos primeiros seis meses deste ano, passaram a destruição para o banco. Agora descobriu-se que o engano e a ilegalidade grassaram até ao último minuto.

Vai ser necessário usar dívida pública, recorrendo à linha da troika. Há interessados na parte boa do BES – incluindo a carteira de crédito a empresas. Mas há tantos problemas relacionados com a dívida do GES, e provavelmente na carteira de imobiliário, que não bastam os três mil milhões de euros de que se tem falado. É preciso mais. E é preciso anunciá-lo de modo tranquilizador. Dirão que os contribuintes não perderão dinheiro. É impossível. Pode não ser hoje nem este ano, mas parte do que é agora dívida será um dia défice. O BES não poderá gerar resultados para devolver no futuro a injecção de capital de que precisa. Nem de digerir os activos tóxicos sem perdas.

Perde-se um grande banco. A política vai incendiar-se. As contas públicas vão sofrer. As PME perderão o apoio do banco que mais as financia. A falência do GES arrastará fornecedores e trabalhadores.

Ricardo Salgado não pode ter feito tudo sozinho, mas liderou um grupo e um banco durante a maior fraude financeira da história económica portuguesa – e durante uma manipulação tão perturbadora que dará capítulos até de psicopatia, onde se listam exemplos de perversão narcísica. Salgado usou e abusou das pessoas que o rodeavam e até das pessoas que desconfiavam: o Banco de Portugal, que já não confiava desde Janeiro, foi enganado ainda em Junho. O mal produzido pelo Espírito Santo à economia e à sociedade é tão grave que a justiça deve investigar até a fortuna pessoal de Salgado, dos presentes de Angola às contas em Singapura.

Desgraçada sorte. Há uns anos, Salgado disse que «o capitalismo é amoral». Nós continuámos a admirá-lo. Mas, no fundo, ele avisou.





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