Nicolau Santos
Há cerca de um ano que Ricardo Salgado não devia
ser presidente do Banco Espírito Santo. Em meados de 2013, quando se soube que
tinha recebido uma comissão de 8,5 milhões de euros de um construtor
civil por causa de um qualquer serviço que lhe terá prestado em Angola, nesse
mesmo dia o Banco de Portugal deveria tê-lo declarado pessoa não idónea para se
manter à frente do banco verde. Era o mínimo. Nos Estados Unidos, uma situação
idêntica dá também direito a prisão, com punhos algemados e as televisões a
filmarem em directo.
Nenhum banqueiro em exercício pode receber
comissões por fora. É das regras, é da deontologia do cargo, é do mais
elementar bom senso. Mas Salgado fê-lo e o Banco de Portugal calou-se. Salgado
corrigiu três vezes a sua declaração de rendimentos e o Banco de Portugal
calou-se. Agora, duas jornalistas do Jornal de Negócios, Maria João Gago e
Maria João Babo escrevem um livro sobre a ascensão e queda de Salgado,
mostrando, preto no branco, que os 8,5 milhões de euros afinal foram um
«presente» de 14 milhões do tal construtor civil (José Guilherme, para os mais
distraídos, um homem que não usa telemóvel por ser demasiado «perigoso») e o
Banco de Portugal cala-se. O dr. Salgado queria presidir ao Conselho
Estratégico e o Banco de Portugal cala-se. O dr. Salgado já não vai presidir ao
conselho estratégico mas vai integrá-lo e o Banco de Portugal cala-se. O
dr. Salgado continua a dirigir o banco até à assembleia geral de 28 de
Julho e o Banco de Portugal cala-se. As bolsas europeias caem, o Banco Popular
trava uma emissão de 500 milhões, a Mota-Engil África interrompe um IPO, o
Financial Times on line dá manchete ao caso, o principal jornal de economia da
CNN abre com o banco verde e o dr. Salgado continua todos os dias a entrar na
instituição pela Rua Barata Salgueiro como se o mundo estivesse calmo e
sereno.
Há clientes que perderam 25 milhões que tinham
aplicados no Banque Privée na Suíça. A Porto Editora também vai levar um rombo
grande. E há o caso da Portugal Telecom, que está a ser devastada na sua
governação, na fusão com a Oi e nas suas contas, depois de ter aplicado 897
milhões na Rioforte, que nunca mais verá – e o dr. Salgado continua com o seu
ar olímpico a governar o banco como se ele não estivesse em chamas.
O dr. Salgado não merece ficar nem mais um minuto à
frente do banco ou em qualquer dos seus órgãos de gestão. Mostrou não ter os
mínimos padrões de ética exigidos para ocupar esses cargos. A ganância matou-o.
Ao Banco de Portugal exige-se que remova o cadáver o mais depressa possível do
caminho, sob pena de nos afundarmos todos com ele. Ou, mais grave, nos virmos
todos a tornar colegas acionistas do dr. Salgado. Livra!
As acções caíram mais de 17% na quinta-feira,
estiveram suspensas há um ror de tempo, os mercados estão em pânico, os
investidores e os clientes também, e o dr. Salgado continua a levitar sobre
tudo e sobre todos, sem perceber que aquilo que tinha antes – todo o tempo do
mundo para resolver os problemas e a confiança de todos para executar essas
tarefas – acabou abrupta e definitivamente na semana passada.
Bem pode o dr. Salgado mandar dizer que o banco tem
uma almofada de 2,1 mil milhões e que a exposição ao GES é de apenas 1,2 mil
milhões. Bem pode dizer que o GES é uma coisa e o BES outra, embora os
administradores do banco estivessem todos na administração do grupo. Bem pode
culpar o contabilista, a crise, a informática, o dr. Álvaro Sobrinho, os jornais
e tutti quanti pela evidente falência em que está o Grupo
Espírito Santo e pelos enormes problemas que o BES está a enfrentar. A questão,
simples, muito simples, é que o tempo do dr. Salgado acabou. E acabou no dia em
que a sua ganância o levou a aceitar um presente de 14 milhões de euros. Ou de
8,5 milhões. Um presente que ele nunca explicou à opinião pública, dizendo
sobranceiramente que já tinha explicado tudo a quem de direito. É essa
sobranceria que conduziu o grupo e o banco até aqui e que está a colocar em
causa o sistema financeiro e a credibilidade da República, que tinha sido
conquistada a duras penas dos trabalhadores e dos contribuintes nacionais.
Sem comentários:
Enviar um comentário