Jorge
Ferraz
A polémica do dia é
esta: Psiquiatras dos EUA aceitam
pedofilia como «orientação sexual». O
assunto está correr na internet.
Li o seguinte na «ACI
Digital»:
A Associação Americana de
Psiquiatria dos Estados Unidos (APA) aceitou dentro da quinta edição do seu
Manual de Diagnóstico e Estatística das Desordens Mentais a «orientação sexual
pedofílica», e diferenciou-a da «desordem pedofílica».
Fui procurar. O
tal Diagnostic and Statistical Manual
of Mental Disorder sexiste. A sua quinta edição foi
de facto recentemente editada. Trata-se realmente de um texto de referência
da American Psychiatric
Association.
Não tive acesso à íntegra
do manual na internet, mas encontrei (no site oficial do DSM-5) um documento falando sobre parafilias com
a nova versão. Lá é realmente dito que a quinta edição do livro traçou uma
linha separativa entre comportamento humano atípico e comportamento que causa
angústia mental [mental
distress] para o indivíduo ou faz com que ele seja uma séria ameaça
ao bem-estar físico e psicológico de terceiros. E estabeleceu a diferença entre
o comportamento atípico e a doença (possivelmente) decorrente dele:
É uma diferença subtil mas
crucial, que torna possível a um indivíduo envolver-se consensualmente em
comportamentos sexuais atípicos sem ser inapropriadamente rotulado com um
distúrbio mental. Com esta revisão, o DSM-5
claramente distingue entre interesses sexuais atípicos e distúrbios mentais
envolvendo estes desejos ou comportamentos.
[It
is a subtle but crucial difference that makes it possible for an individual to
engage in consensual atypical sexual behavior without inappropriately being
labeled with a mental disorder. With this revision, DSM-5 clearly distinguishes
between atypical sexual interests and mental disorders involving these desires
or behaviors.]
E aí começou a
brincadeira: masoquismo sexual virou «distúrbio sexual masoquista»,
fetichismo virou «distúrbio fetichista», etc. Finalmente chegamos à cereja do
bolo: o que era simplesmente pedofilia (pedophilia)
virou «distúrbio pedofílico» (pedophilic
disorder).
À primeira vista, portanto,
vale tudo o que foi dito acima: a «subtil» mudança objectivava distinguir o
comportamento do distúrbio, tornando assim possível a existência de um «desejo
ou comportamento» pedofílico que não fosse intrinsecamente doentio. Porém, contudo, todavia,
o mesmo documento dedica o parágrafo final a este espinhoso caso, explicando o
seguinte:
No caso do distúrbio
pedofílico, o detalhe (sic) notável é
o que não foi revisado no novo manual. Embora tenham sido discutidas propostas
durante o processo de elaboração do DSM-5, os critérios diagnósticados
terminaram permanecendo os mesmos do DSM-IV TR. Apenas o nome do distúrbio será
mudado de pedofilia para distúrbio pedofílico, a fim de manter a consistência
com [a nomenclatura adoptada] nos outros itens
do capítulo.
[In
the case of pedophilic disorder, the notable detail is what wasn’t revised in
the new manual. Although proposals were discussed throughout the DSM-5
development process, diagnostic criteria ultimately remained the same as in
DSM-IV TR. Only the disorder name will be changed from pedophilia to pedophilic
disorder to maintain consistency with the chapter’s other listings.]
Note-se, portanto, a alteração:
fez-se uma revisão completa no conceito de parafilias, a fim de distinguir
entre o «comportamento atípico» e o distúrbio que o envolve. Para expressar
essa mudança conceitual, adoptou-se uma nova terminologia, transformando a «parafilia
X» no «distúrbio X-parafílico». Única e exclusivamente no caso da pedofilia,
mantiveram-se os critérios de diagnóstico da versão anterior (i.e., para ela
não vale a distinção recém-introduzida). No entanto, para manter uma
nomenclatura padrão, alterou-se o nome da doença de «pedofilia» simpliciter para «distúrbio
pedofílico». Ao contrário de todos os outros casos, aqui esta nova terminologia
não significa uma mudança conceitual no distúrbio psicológico.
A emenda saiu pior do que o
soneto. É bastante óbvio que se vai questionar este tratamento diferenciado,
feito sem o menor rigor científico. Ou pior, estas notas de rodapé serão
facilmente ignoradas quando as pessoas começarem a citar e a usar somente a
nova nomenclatura, tendo já interiorizado a razão da mudança. No fundo, esta
tentativa de salvar a credibilidade da psiquiatria ficou patética, e não terá
força alguma para conter a revolução moral que já há décadas se lança impetuosa
contra o que resta de bom senso na civilização ocidental. A APA
não reclassificou a pedofilia como uma «orientação sexual», mas
deu todas as ferramentas para que isso – por engano ou má fé – doravante possa
ser facilmente feito.
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