V.
Figueira
Diz-se que Maria Antonieta, perante
o povo de Paris que reclamava não ter pão, lhes recomendou que comessem
brioches. A história não é bem assim, mas é ilustrativa de como a falta de
consciência social pode levar à revolta do povo e à decapitação de alguns.
Sinceramente esta história
ocorre-me a propósito da indignação do ex-presidente do BCP Filipe Pinhal
e do movimento que lidera, os reformados indignados. Pinhal terá motivos para
se indignar? Sem dúvida! Parece que a sua reforma de 70 mil euros ficou em 14
mil euros, sendo o resto «comido» pelo Estado. Pode o dr. Pinhal fazer da sua
indignação uma bandeira e um movimento? Não! Porque essa é a demonstração da
maior insensibilidade social. É ridiculamente absurdo.
Posso falar por mim. Ganho
hoje menos do que há 20 anos, não estou reformado e trabalho talvez mais.
Porque os impostos me atacaram, porque abdiquei de parte do meu salário, e
porque a vida me trouxe até aqui. Isso cria-me problemas? Naturalmente. Cada um
tem a sua vida mais ou menos organizada para o que ganha e é expectável ganhar.
Posso indignar-me? É ridículo! Ganho mais que a larga maioria das pessoas, sou
um privilegiado. E no fim disto, tomara eu ganhar metade dos 14 mil euros de
que o dr Pinhal se queixa agora.
Estou muito longe de defender
que o trabalho tem todo o mesmo valor ou de que todos deviam receber o mesmo.
Mas estou também muito longe de achar que, em momentos de enorme crise, o
esforço não deve ser – mais do que proporcional – exigido sobretudo aos que
mais podem. E como última nota biográfica, direi que sou daqueles que nunca foi
em cantigas de facilidade, pelo que não tenho uma única dívida a um banco.
Se politicamente posso
responsabilizar muita gente pelo que me aconteceu, a mim e a tantos outros,
sentir-me-ia mal por actuar apenas e no momento em que as consequências de
décadas me chegam ao bolso! E é isso que este senhor e outros fazem. Foram
patrões, líderes, altos quadros para ganhar dinheiro e viver à grande. São
ratos quando chega a tempestade, não só não resistem como pensam nada ter a ver
com o nosso passado colectivo.
O dr. Pinhal (e todos os
magistrados, generais e quadros superiores que o acompanham numa acção indignada
pela defesa de direitos adquiridos) é igual a um maquinista da CP, mas em
versão rica! Daqueles que pensa que a política não é uma arte de compromisso
entre a sociedade, mas uma dádiva da sociedade ao que cada um pensa ser o seu
valor. Ou seja, que a política tem de estar ao serviço da prevalência do eu.
Que o indivíduo, perante uma catástrofe, não pode perder direitos, nem
regalias. Que mesmo olhando à volta e vendo legiões de desempregados, de
famílias a perder as casas, de miseráveis sem comida, é incapaz de abdicar do
muito que tem. É outro Jardim Gonçalves! E dizem-se católicos!
Quando estes senhores viviam à sombra do Estado
e das offshores, indignei-me eu muitas vezes. Mas nunca lhes cobicei, nem
cobiço a riqueza. Prefiro as noites tranquilas e a liberdade de lhes dizer na
cara que são dos piores exemplos que uma sociedade que quer ser justa pode ter.
Tenham vergonha (ou se preferirem uma expressão mais elegante, porque em
inglês, shame on you)!
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