terça-feira, 8 de dezembro de 2009

NATAL DE QUEM?


João Coelho dos Santos
in Lágrima do Mar, 1996

Mulheres atarefadas
tratam do bacalhau,
do peru, das rabanadas.


– Não esqueças o colorau,
o azeite e o bolo-rei!
– Está bem, eu sei!
– E as garrafas de vinho?
– Já vão a caminho!


– Ó mãe, estou pr'a ver
que prendas vou ter.
Que prendas terei?
– Não sei, não sei...


Num qualquer lado,
esquecido, abandonado,
o Deus-Menino
murmura baixinho:


– Então e Eu,
toda a gente Me esqueceu?


Senta-se a família
à volta da mesa.
Não há sinal da cruz,
Nem oração ou reza.


Tilintam copos e talheres.
Crianças, homens e mulheres
em eufórico ambiente.
Lá fora tão frio,
cá dentro tão quente!


Algures esquecido,
ouve-se Jesus dorido:
– Então e Eu,
toda a gente Me esqueceu?


Rasgam-se embrulhos,
admiram-se as prendas,
aumentam os barulhos
com mais oferendas.

Amontoam-se sacos e papéis
sem regras nem leis.

E Cristo Menino
a fazer beicinho:


– Então e Eu,
toda a gente Me esqueceu?


O sono está a chegar.

Tantos restos por mesa e chão!
Cada um vai transportar
bem-estar no coração.


A noite vai terminar
e o Menino, quase a chorar:

– Então e Eu,
toda a gente Me esqueceu?
Foi a festa do Meu Natal
e, do princípio ao fim,
quem se lembrou de Mim?


Não tive tecto nem afecto!

Em tudo, tudo, eu medito
e pergunto no fechar da luz:
– Foi este o Natal de Jesus?!!!


Sem comentários: