quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Bento XVI:
«Missão do católico é transformar o mundo
com Cristo»



Em Outubro passado, o Papa Bento XVI, aos fiéis reunidos na Praça de São Pedro, citando Paulo VI, declarou:

«A Igreja existe para evangelizar, quer dizer para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus, perpetuar o sacrifício de Cristo na Santa Missa que é o memorial de sua morte e de sua gloriosa ressurreição.»





Estas e as próximas eleições

Nuno Serras Pereira

1. Segundo noticia a comunicação social Cavaco Silva foi eleito com menos meio milhão de votos (números redondos, de facto são mais) do que no primeiro mandato. Esta diminuição muito significativa do seu eleitorado mostrou claramente a vontade de uma punição ao seu comportamento ético irresponsável ao promulgar leis iníquas e injustas. Esta multidão de pessoas, ao que sabemos em virtude de múltiplos contactos, ou votaram nulo, ou em branco ou em candidatos que sabiam que não seriam eleitos (assim se explicam as percentagens de votos de Fernando Nobre e de José Manuel Coelho) ou pura e simplesmente abstiveram-se.
Era da maior importância que este sinal de indignação e descontentamento fosse dado – só é pena que não fosse ainda mais extenso. Ele constitui uma força que, se bem aproveitada, poderá servir de freio para o mal e de incentivo para o bem àqueles dois partidos políticos que ainda têm uns resquícios de respeito pela vida nascitura, pela família natural, pela liberdade de ensino e de educação, pela liberdade religiosa, pela salvaguarda da inocência de crianças e jovens.


Por isso, proponho que, desde já, se elabore uma Declaração, para ser assinada pelo maior número possível de pessoas, na qual se diga com toda a firmeza que o respeito e a defesa dos absolutos morais, isto é, dos princípios e valores inegociáveis será a condição essencial para votar nesses partidos. De facto, nenhum destes estará em condições de desprezar algumas centenas de milhares de votos.

Todos os cidadãos, crentes ou não crentes, fiéis leigos ou membros da hierarquia deverão participar e ajudar neste esforço que não é somente educativo e evangelizador mas do qual dependerá, em grandíssima parte, o futuro do país e do cristianismo em Portugal.

2. Desde o 25 de Abril que me tenho preocupado com uma coisa a que muitos parecem alheios. Em todas as eleições os partidos de matriz anticristã são sempre muito mais numerosos do que aqueles que se podem, ou podiam!?, reclamar-se de inspiração cristã. Um dos funestos resultados deste estado de coisas - em virtude de uma maior presença na comunicação social, tempos de antena, comícios, etc. -, é o de ter influído “catequeticamente”, o de ter permeado, uma mentalidade avessa à Lei Moral Natural e ao Cristianismo na generalidade dos fiéis e crentes e do povo em geral, mesmo quando pertencem a outros partidos.


 

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Todos os cristãos devem opor-se
à agenda escolar da União Europeia

Para unir-se a esta iniciativa, entre em:




Durão Barroso convidado
por loja maçónica do GOL

Maçonaria anuncia presença do presidente da Comissão Europeia em Lisboa, a confirmar. Assessoria de Durão diz que não está nada na agenda

O Grande Oriente Lusitano (GOL), a mais importante corrente maçónica portuguesa, está a anunciar internamente a presença, ainda que sujeita a confirmação, do presidente da Comissão Europeia num ciclo de conferências sobre o futuro da União Europeia. À SÁBADO, a assessoria de Durão Barroso diz que nada está marcado na agenda do presidente da Comissão Europeia. “Ou não aceitou ou ainda não aceitou”, referiu a assessora Leonor Ribeiro da Silva.

Um Documento interno da Loja Europa a que a SÁBADO teve acesso refere que Durão Barroso deverá encerrar, em Junho, ainda sem data exacta designada, um ciclo de sete conferências sobre a União Europeia.

A sessão deverá decorrer entre as 19h e as 20h30 na sala Magalhães Lima, na sede do GOL, no Bairro Alto, em Lisboa. As inscrições estão ainda a fazer-se para o próprio endereço electrónico da Loja Europa (europa.gol [at] gmail.com), anunciando-se também a participação de António Reis, grão-mestre do GOL, que falará sobre o tema Os valores europeus.

[...]

Este mês já se realizou urna sessão, no dia 2, com a presença de Ernâni Lopes, director do Instituto de Estudos Europeus, prevendo-se que nesta quinta-feira, dia 25, seja o presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Rui Vilar, o convidado principal no evento realizado pela maçonaria.

Com ou sem Durão Barroso, ainda irão passar pelo GOL, em Abril, Carlos Santos Ferreira, presidente do Millenium BCP, e, Em Maio, o antigo Presidente da Republica Mário Soares.

In Revista Sábado



quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A fé dos Demónios

Nuno Serras Pereira

1. Poderá um Sacerdote ou um Bispo aconselhar em quem votar ou desaconselhar de votar. Segundo o Cardeal Pell, que recentemente se pronunciou sobre o assunto, qualquer um deles tem plena legitimidade de o fazer, em circunstancias habituais, pois qualquer um deles é cidadão, como todas as outras pessoas.

Em Maio do ano passado escrevi dois pequenos textos sobre as presidenciais[1] nos quais sugeria que não se votasse em Cavaco Silva, em virtude das “leis” injustas, iníquas e criminosas que promulgou, cooperando desse modo formalmente com o mal intrínseco das mesmas e tornando-se moralmente responsável por todos os males, previstos e imprevistos, cometidos ao abrigo dessa mesmas “leis” [2] . Neles propunha, uma vez que os restantes candidatos padecem do mesmo mal, uma abstenção generalizada, com um propósito determinado. O facto de não sugerir o voto branco não se deveu somente ao facto de ele não contar como voto expresso mas também à circunstância de me parecer praticamente impossível persuadir um número significativo de pessoas a saírem de casa para irem votar desse modo. Continuo pois a favorecer a desmobilização eleitoral, pela abstenção.[3]
 

2. Desde então, e agora com maior frequência, tem-se advogado a escolha de Cavaco Silva em nome do “mal menor”. Este mal dito menor é defendido fundamentalmente por dois motivos. O primeiro consiste em pensar que Cavaco Silva é uma garantia que muito poderá ajudar na resolução da grave crise económica. Mutatis mutandi essa seria uma razão para votar em Hitler em vez de Stalin, caso a eleição se disputasse entre os dois. Julgue o leitor se seria oportuno e lícito escolher o primeiro. Eu, por mim, recusar-me-ia, evidentemente, a votar em qualquer um deles. O segundo motivo prende-se com a Fé. Cavaco diz que acredita em Deus e que é um católico praticante. Alegre pelo contrário professa o ateísmo. Ora, segundo alguns sempre será melhor eleger alguém que acredita em Deus do que quem n’ Ele não crê. Esta afirmação, porém, parece esquecer duas coisas. A primeira prende-se com o que o Papa Bento XVI e toda a história da Igreja têm ensinado, a saber, que os piores inimigos da mesma se encontram dentro dela e não fora. E a segunda de que há uma fé que é pior do que a ausência dela. Trata-se da fé dos demónios, de que fala S. Tiago na sua Carta. O P. António Vieira, desenvolvendo este tema num dos seus sermões acusa, num tempo dado à perseguição dos judeus, os cristãos de serem piores do que esses nossos irmãos mais velhos, precisamente, por terem uma fé como a dos demónios[4]. Essa fé acredita em todas as verdades acerca de Deus, de Cristo, da Igreja, etc., mas não se conforma com a vontade de Deus, não é operante, ignorando não só a Caridade e a Justiça mas indo mesmo contra elas. É uma fé cadavérica, morta, aquela que não tem obras. E se as que tem são contra o Amor e a Justiça é escabrosa, macabra, pestilencial, diabólica. E essa fé, segundo um filósofo judeu, que era ateu e se converteu ao catolicismo, Fabrice Hadjadj, é pior do que o ateísmo[5].

Alguém tem dúvidas, do tipo de fé que é revelado pelas leis promulgadas pelo actual presidente da república? As árvores conhecem-se pelos seus frutos, diz o Senhor no Evangelho.

3. Dantes, alguns manuais de moral, nos dias de hoje superados pela Encíclica O Esplendor da Verdade, diziam que entre dois males inevitáveis devia-se escolher o menor. Ora ninguém é obrigado a votar em qualquer um dos candidatos pelo que não está perante uma escolha má inevitável. A verdade, porém, é que nunca se pode escolher o mal e mesmo que alguém pense em consciência que deve escolher entre algum deles terá de fazê-lo por um bem e nunca por um mal.

De qualquer modo, parece-me claro que nas últimas décadas os eleitores têm vindo a escolher de “mal menor” em “mal menor” caindo sucessivamente nos piores males.

4. Uma vitória à primeira volta e retumbante do actual presidente-candidato constituiria uma consagração triunfal de todas as infâmias e crueldades de que foi cúmplice, uma sagração das políticas antivida, antifamília, antiliberdade de ensino e de educação, antiliberdade religiosa, anti, enfim, princípios e valores inegociáveis. Seria uma validação e premiação do maquiavelismo, da mais baixa imoralidade do falso e pernicioso axioma de que os fins justificam os meios. Seria uma proclamação de que tudo é permitido e nada impedido. Se desta vez não é penalizado nem punido nas urnas quem tanto mal fez em tão breve tempo, será imparável e irreversível, por muitos anos, a degradação e estragação dos católicos na política.

 

A Igreja não deve fazer concessões
na questão do aborto
e “casamento” de mesmo sexo

Chuck Colson

27 de Julho de 1945. Londres está ainda aos poucos se recuperando de seis anos de guerra com a Alemanha. Centenas de milhares de soldados britânicos estão mortos. As cidades britânicas estão em ruínas. À medida que o noticiário dos cinemas vai expondo os recentes horrores dos campos de morte nazis, o povo britânico fica pensando: “Será que não haverá limite para as atrocidades alemãs?”

Por isso, não foi de surpreender que muitos britânicos tivessem reagido com espanto ao ficarem a saber que haveria um culto na Igreja da Santa Trindade de Londres: um culto em memória, não dos mortos de guerra da Inglaterra, mas de um alemão morto. O culto seria transmitido pela BBC. Muitos ficaram a pensar: será que existiria um bom alemão, digno de tal honra?

A resposta foi um enfático sim. O culto foi em memória do Pastor Dietrich Bonhoeffer, executado pelos nazis três semanas antes do final da guerra. Bonhoeffer é muitas vezes lembrado por sua resistência a Hitler, aliás, por participar da conspiração para matá-lo. Mas Bonhoeffer é também celebrado por seu papel num acontecimento importante na vida da Igreja — a elaboração da Declaração de Barmen.

Depois de Hitler subir ao poder, os nazis tentaram cooptar as igrejas alemãs, misturando a verdade cristã com a doutrina nazi. Alguns líderes cristãos deixaram-se atrair para esse acordo com o diabo. Outros, como Karl Barth e Bonhoeffer, recusaram.

Como o meu amigo do passado Eric Metaxas escreve no seu recente livro inspirador Bonhoeffer, em Maio de 1934, “os líderes da Liga de Emergência dos Pastores realizaram um sínodo em Barmen. Foi ali, à beira do rio Wupper, que eles escreveram a famosa Declaração de Barmen, que originou o que veio a ser conhecido como a Igreja Confessante”.

A Declaração declarava ousadamente independência tanto do Estado como da Igreja cooptada. A Declaração deixava claro que os signatários e suas igrejas não se estavam a separar da igreja alemã; pelo contrário, era a igreja alemã cooptada que havia rompido com todos.

Para Bonhoeffer, escreve Metaxas, a Declaração de Barmen “repetiu o esclarecimento do que a legítima e real Igreja alemã de facto cria e defendia”. A Declaração rejeitava a “falsa doutrina” de que a Igreja podia mudar de acordo com as “posições ideológicas e políticas predominantes”.

Essa rejeição é uma parte essencial do que significa ser a Igreja. César, em todos os seus disfarces, exortar-nos-á a fazer concessões e adaptar a nossa mensagem para atender à agenda dele. A nossa situação não é tão horrenda como a de Bonhoeffer, mas o governo hoje está a tentar forçar a igreja a prostrar-se aos ventos políticos do momento — como, por exemplo, o tão chamado “casamento” de mesmo sexo e as questões de vida como aborto e decisões de fim de vida.


Como Bonhoeffer e seus colegas, temos de lembrar constantemente onde repousa a nossa lealdade máxima. Temos também de estar dispostos a praticar a grande virtude da coragem cívica*.

Nós, a igreja, temos de declarar onde nos situamos. É por isso que, motivados pelo exemplo de Barmen, nós escrevemos a Declaração de Manhattan — e é por isso que um milhão de crentes a assinou. Mas fazer uma declaração é uma coisa. Viver à altura do que declaramos, como Bonhoeffer fez, é outra.

E isso exigirá coragem nos anos que estão vindo. Muita coragem.

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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Votar em consciência

P. Gonçalo Portocarrero de Almada

Os católicos têm a mais absoluta liberdade de voto, pois só em circunstâncias de excepcional gravidade a Igreja, através da voz autorizada da sua hierarquia, pode exigir aos seus fiéis que exerçam esse direito de uma forma concreta. Mas não sendo este o caso, na medida em que o episcopado não se pronunciou nesse sentido, cada cidadão cristão está chamado a decidir, em consciência, a modalidade da sua participação no próximo acto eleitoral.

Que a Igreja respeite a liberdade política dos seus crentes não quer dizer que esta decisão não tenha relevância moral, nem que seja indiferente votar ou não e, votando, apoiar qualquer candidato ou partido. Muito pelo contrário. Os cristãos também têm toda a liberdade matrimonial e profissional, mas a escolha do cônjuge ou do ofício não são indiferentes, como também a prática laboral ou a vivência conjugal se devem pautar por exigências éticas. E casos haverá em que determinadas situações – como é o caso do aborto, por exemplo – ainda que legais, não são admissíveis para um católico, porque incompatíveis com o seu padrão moral.

No panorama eleitoral português há várias opções, mas não se vislumbra nenhuma que corresponda aos principais valores cristãos, como são, entre outros, a vida, que a Igreja defende desde a concepção e até à morte natural; o casamento, entendido como a união indissolúvel entre um homem e uma mulher; a família e a educação. De facto, a maioria das propostas eleitorais são assumidamente favoráveis ao aborto, à eutanásia, ao divórcio, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e são também contrárias à liberdade de educação. Por outro lado, a candidatura ideologicamente mais próxima dos valores humanistas está, à partida, descredibilizada junto do eleitorado cristão, pelo seu reiterado apoio às leis anti-vida, anti-casamento e anti-família.

De acordo com o princípio evangélico – dê-se a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus – não seria desejável a existência de um partido ou candidato oficialmente católico, porque um tal absurdo seria uma expressão do mais anacrónico clericalismo que, para além de coarctar a liberdade política dos católicos, atentaria contra a natureza sobrenatural da Igreja que, como é sabido, não tem ambições temporais. Mas seria de esperar que, num país de tão arreigadas tradições cristãs, se apresentassem vários candidatos que, pela sua ideologia humanista e a sua consequente prática política, pudessem constituir uma opção legítima para o eleitorado que se identifica com os princípios da Doutrina Social Cristã e procura quem possa viabilizar as suas aspirações de justiça e de solidariedade social.

Não sendo este o caso, os cristãos coerentes ver-se-ão assim na contingência de se absterem; de votarem em branco; de votarem contra a sua consciência, se o fizerem em forças políticas assumidamente anti-cristãs; ou à margem da sua consciência, se votarem em quem, mesmo professando, em teoria, os princípios cristãos, na prática favoreceu uma política contrária aos princípios éticos e ao bem comum, nomeadamente viabilizando o aborto, o divórcio e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Se o voto contra a consciência é sempre reprovável, é eticamente aceitável, num contexto de mal menor, votar no menos mau dos candidatos, embora seja um voto à margem da consciência.

Votar em consciência é um imperativo ético para todos os cidadãos, mormente para os cristãos. Mas, que fazer quando a consciência – por falta de ciência ou por falta de coerência – não se apresenta às eleições?!

 

domingo, 16 de janeiro de 2011

Com Bento XVI,
reaprender as coisas essenciais

P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Ainda está muito viva em todos nós a viagem apostólica de Bento XVI a Portugal no mês de Maio passado. Foi seguramente um momento único na história espiritual e humana de Portugal nos últimos tempos. Nessa altura estava no Canadá, a acompanhar uma peregrinação mariana dos emigrantes portugueses na região de Toronto, mas segui todos os momentos através da televisão. Num dos momentos, só me foi possível acompanhar por um canal de língua inglesa e pude registar a surpresa dos comentadores pelo ambiente de recolhido silêncio que acompanhava a viagem apostólica, e ao mesmo tempo pelo vivo e são entusiasmo que a passagem de Sua Santidade em toda a parte provocava. Foi uma lição para todos, o modo como toda a sociedade portuguesa, nas suas diversas instituições, de simples associações e movimentos às mais altas estruturas do Estado, se sentiu mobilizada pelo Santo Padre, dando assim sinais bem visíveis do sentido profundamente humano, cordial e cristão que inspira o nosso modo de ser e estar no mundo.

Meses depois, é bom que aquela chama se mantenha viva e que revisitemos não só aqueles momentos, que agora estão registados em imagem e mesmo em livro recentemente publicado por uma das nossas editoras católicas mais prestigiadas, a Princípia, mas também pela releitura das sucessivas mensagens que nas diversas circunstâncias Bento XVI foi pronunciando.

Foi neste espírito que reli o diálogo de Bento XVI com os jornalistas durante a sua viagem para Portugal, na qual aborda três temas, que de certo modo estruturam toda a sua visita e que ele foi desenvolvendo nos diversos discursos: a situação de Portugal na história e no mundo contemporâneo; a situação da Europa contemporânea no contexto da actual crise; e importância da mensagem de Fátima.

De Portugal, Bento XVI evocava a sua história gloriosa de dar novos mundos ao mundo, sobretudo ter dado ao mundo uma alma profundamente humanista e cristã, mas num contexto de coexistência relativamente pacífica não só do pluralismo decorrente dos novos mundos, de África às Américas e à Ásia, mas também da interligação em muitos momentos dialéctica, da tensão entre racionalidade e fé, tensão que deverá ser mantida ainda hoje como caminho para um futuro humanista e cristão. Bento XVI dizia dirigir-se a Portugal com "sentimentos de alegria, gratidão, por tudo quanto fez e faz este país no mundo e na história, e pela profunda humanidade deste povo…". No contexto de uma cultura aberta como é a do mundo contemporâneo, dizia o Papa ser tarefa de Portugal e da Europa hoje "encontrar este diálogo, integrar a fé e a racionalidade moderna numa única visão antropológica…".

Muito lúcidas foram as suas palavras a propósito de Fátima e da sua mensagem, na qual ele reconhece a indicação dos sofrimentos do Papa e da Igreja, "a necessidade de uma paixão da Igreja…, dos sofrimentos da Igreja que se anunciam. O Senhor disse-nos que a Igreja seria sempre sofredora, de diversos modos, até ao fim do mundo…". Nisto Bento XVI mostrava ser um atento discípulo de Santo Agostinho que escreveu, na Cidade de Deus, que a Igreja peregrina na história entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus. Neste sentido, o que acontece hoje na Igreja, em termos de perseguições cruentas nas pessoas dos mártires ou de calúnias contra a Igreja, está em sintonia com a existência da violência do mal no mundo, a respeito do qual a Igreja representa uma instância crítica, e mal estaria ela verdadeiramente se o mundo, com a qual ela não se pode por natureza identificar, dissesse bem dela.

Mas outra coisa são os sofrimentos e a paixão da Igreja que vêm do seu interior. E aqui muito lucidamente Bento XVI diz, de um modo lapidar, que "a maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja, e que a Igreja, portanto, tem uma profunda necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purificação, de aprender por um lado o perdão, mas também a necessidade de justiça. Numa palavra, devemos reaprender precisamente estas coisas essenciais: a conversão, a oração, a penitência e as virtudes teologais".

Esta foi, na verdade, uma das palavras mais fortes de toda a viagem e que marcou o estilo e o tom de toda a viagem apostólica, mas que termina com uma visão ainda mais profunda, pois recorda que "o Senhor é mais forte que o mal, e Nossa Senhora é para nós a garantia visível, materna, da bondade de Deus, que é sempre a última palavra na história".

Aqui, nesta expressão final, vê-se nas entrelinhas como Bento XVI defende uma teologia da história que em parte, pelo conhecimento que tem da Mensagem, colheu na sua leitura. De facto, por duas vezes, encontramos na Mensagem, na versão que a Irmã Lúcia nos legou nas suas Memórias, a afirmação da força de Deus que é mais forte que o pecado do mundo e que o pecado que se pratica no interior da Igreja: Não tenhais medo, a graça de Deus será o vosso conforto. E noutra versão mais mariana: Não tenhais medo, o meu coração será o vosso conforto e o caminho que vos há-de conduzir até Deus.Então podemos ver que a crise que hoje globalmente envolve o mundo é apenas a expressão de uma crise mais profunda, do esquecimento do que é essencial. E este essencial articula-se, segundo Bento XVI, em torno de dois temas: o necessário reencontro da fé e da racionalidade, sem o qual não há verdadeira humanidade; a necessária reaprendizagem das verdades essenciais: a conversão, a oração, a penitência e as virtudes teologais.
Para nós, para quem o centro espiritual e moral de Portugal se encontra em Fátima, tudo isto representa um desafio, de conhecermos e vivermos a mensagem de Fátima, pois é nestas coisas essenciais, acessíveis aos simples, que ela se concentra.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Beatificação de João Paulo II
marcada para 1 de Maio


João Paulo II será beatificado a 1 de Maio, anunciou hoje o Vaticano. Bento XVI aprovou oficialmente um milagre atribuído a João Paulo II, o último passo no caminho da beatificação. O passo seguinte, embora não obrigatório, é o da canonização.

A beatificação está marcada para 1 de Maio. A data é muito significativa, sendo a celebração da Divina Misericórdia, uma festa instituída por João Paulo II, assinalada no primeiro domingo depois da Páscoa - precisamente o dia em que faleceu.

João Paulo II foi Papa durante 27 anos, um dos mais longos pontificados da história da Igreja, e morreu em Abril de 2005.

João Paulo II com beatificação marcada para dia 1 de Maio

Durante o seu funeral, milhares de pessoas reunidas na Praça de São Pedro gritaram “Santo Subito”, pedindo uma canonização imediata. A Igreja, porém, optou por seguir as regras nesta matéria e aguardar eventuais milagres, abdicando apenas dos cinco anos de espera entre a morte e o início do processo, por iniciativa pessoal de Bento XVI .

O caso de uma freira francesa de 48 anos, que ficou curada de Parkinson depois de pedir a intercessão do Papa polaco, foi considerado milagre pelos especialistas do Vaticano.

É também significativo que seja Bento XVI a celebrar a beatificação, pois o actual Papa tinha decidido, no início do seu pontificado, só proceder a canonizações, abrindo até agora uma única excepção para o cardeal Newman, no passado mês de Setembro, em Inglaterra.












A consciência, caminho para a conversão

Bento XVI, Discurso aos membros da Cúria
(20 de Dezembro de 2010)

Em Newman, a forma motriz que impelia pelo caminho da conversão era a consciência. Com isto, porém, que se entende? No pensamento moderno, a palavra «consciência» significa que, em matéria de moral e de religião, a dimensão subjectiva, o indivíduo, constitui a última instância de decisão.



O mundo é repartido pelos âmbitos do objectivo e do subjectivo. Ao objectivo pertencem as coisas que se podem calcular e verificar através da experiência. Uma vez que a religião e a moral se subtraem a estes métodos, são consideradas como âmbito do subjectivo. Aqui não haveria, em última análise, critérios objectivos. Por isso a última instância que aqui pode decidir seria apenas o sujeito; e é isto precisamente o que se exprime com a palavra consciência: neste âmbito, pode decidir apenas o indivíduo, o individuo com as suas intuições e experiências.

A concepção que Newman tem da consciência é diametralmente oposta. Para ele, consciência significa a capacidade de verdade do homem: a capacidade de reconhecer, precisamente nos âmbitos decisivos da sua existência -- religião e moral --, uma verdade, a verdade.

E, com isto, a consciência, a capacidade do homem de reconhecer a verdade, impõe-lhe, ao mesmo tempo, o dever de se encaminhar para a verdade, procurá-la e submeter-se a ela onde quer que a encontre. Consciência é capacidade de verdade e obediência à verdade, que se mostra ao homem que procura de coração aberto.

O caminho das conversões de Newman é um caminho da consciência: um caminho não da subjectividade que se afirma, mas, precisamente ao contrário, da obediência à verdade que pouco a pouco se abria para ele.

A sua terceira conversão, a conversão ao Catolicismo, exigia-lhe o abandono de quase tudo o que lhe era caro e precioso: os seus haveres e a sua profissão, o seu grau académico, os laços familiares e muitos amigos. A renúncia que a obediência à verdade, a sua consciência, lhe pedia, ia mais além ainda. Newman sempre estivera consciente de ter uma missão para a Inglaterra. Mas, na teologia católica do seu tempo, dificilmente podia ser ouvida a sua voz. Era demasiado alheia à forma dominante do pensamento teológico e mesmo da devoção.

Em Janeiro de 1863, escreveu no seu diário estas palavras impressionantes: «Como protestante, a minha religião parecia-me miserável, mas não a minha vida. E agora, como católico, a minha vida é miserável, mas não a minha religião». Não chegara ainda a hora da sua eficácia. Na humildade e na escuridão da obediência, ele teve de esperar até que a sua mensagem fosse utilizada e compreendida.

Para poder afirmar a identidade entre o conceito que Newman tinha da consciência e a noção subjectiva moderna da consciência, comprazem-se em fazer referência à sua palavra, segundo a qual ele -- no caso de ter de fazer um brinde - teria brindado primeiro à consciência e depois ao Papa.

Mas, nesta afirmação, consciência não significa a obrigatoriedade última da intuição subjectiva; é a expressão da acessibilidade e da força vinculadora da verdade: nisto se funda o seu primado. Ao Papa pode ser dedicado o segundo brinde, porque a sua missão é exigir a obediência à verdade.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Razões para não votar Cavaco Silva

Apenas a título de informação, reproduzimos aqui uma pequena discussão entre católicos em torno da candidatura de Cavaco Silva, publicada pelo blog Espectadores. Esta discussão revela a ilusão em torno de Cavaco Silva numa primeira fase, mas quando, no fim de contas, não haveria lugar a ilusões; o desencanto numa segunda fase, mas um desencanto apenas parcial; e a busca de uma política católica nesta conjuntura, mas sem a encontrar.

As conclusões da discussão não são claras, não apontam um caminho coerente e eficaz para uma política católica. Revelam que reina a falta de perspectivas, a falta de estratégia, contradições e ingenuidade política. Sabemos que, ao longo de décadas, os católicos não têm estado ausentes da cena política. Contudo, os resultados não são brilhantes. Pois se o próprio discutido Cavaco Silva é assíduo na missa... Que faltará então?

Deste ponto de vista, que, do aspecto prático, é o essencial, ficamos na mesma ao ler os textos. Mas a sua leitura tem o mérito de revelar quanto é preciso clarificar ideias políticas entre católicos e trabalhar para a sua unidade. Porque a Milícia de São Miguel se propõe precisamente contribuir para esse objectivo, julgamos útil a reflexão sobre estes textos tão representativos do meio. Por isso aqui os reproduzmos.




[ Blog Espectadores, Parte I ]

Considerações preliminares

• Eu votei Cavaco Silva nas últimas eleições presidenciais;

• Se Cavaco Silva tivesse tomado decisões diametralmente opostas às que de seguida irei criticar, eu voltaria a votar Cavaco Silva nas próximas eleições presidenciais;

• Todos os candidatos presidenciais são maus candidatos, e Cavaco Silva é, sem dúvida, o melhor dos maus;

• Não concordo com a estratégia do "voto útil": é por causa dessa estratégia miserável que o País tem alternado, nas últimas décadas, e com as consequências que se sabem, entre um "laranja" e um "rosa" que pouco diferem, num patético e incompetente "centrão" que se perpetua no poder, e que perpetua a nossa desgraça; o voto útil, nestas eleições presidenciais, e à falta de candidatos decentes, é o voto em branco (*): este é o único voto que passa a mensagem correcta, a de que precisamos de uma nova classe de dirigentes políticos, dotada de moral, de competência e de princípios;

• Não irei fazer a Cavaco Silva nenhuma das imbecis críticas que lhe têm feito, desonestamente, os seus opositores políticos; não lhe vejo nada que se possa apontar em matéria de investimentos pessoais na banca privada, nem em matéria de alegado anti-patriotismo (esta última uma crítica bizarra, visto que a crítica vem da esquerda, essa mesma esquerda que considera o patriotismo como um pecado grave).

Eixo central das críticas a Cavaco Silva

• Ter aprovado, com a sua assinatura, uma série de leis injustas, iníquas, imorais e, nalguns casos, mesmo criminosas;

• Apesar de o Presidente, frequentemente, ter feito acompanhar a sua aprovação dessas leis de um ou outro comentário reprobatório no qual se destacava do texto legislativo, esses seus gestos foram também altamente censuráveis: qual Pilatos, o Presidente promulgou uma série de leis com as quais discordava em questões de fundo, estruturantes: então, porque razão as assinou?

• Cavaco foi um presidente tíbio: em nome da "estabilidade governativa" ou das "boas relações institucionais" entre Presidência e Governo, ou ainda da "maturidade democrática", o Presidente não transformou os seus princípios, os seus pensamentos e palavras, em acções; as suas várias inacções são cúmplices, são colaboradoras, são co-autoras dos males que entretanto foram plasmados na Lei.

Erros estratégicos de Cavaco Silva

• Não foi boa a ideia de defraudar uma parte significativa do seu eleitorado, sobretudo aquela parte que comunga dos mesmos valores que ele, e que votou nele precisamente por essa razão;

• Não é sensato, agora, depois de ter traído essa parte significativa do seu eleitorado, confiar no "voto útil", tentando capitalizar sobre a inépcia dos seus adversários: há eleitores, e eu sou um deles, que mesmo sem alternativa credível a Cavaco Silva, não vão voltar a cometer o erro de votar em Cavaco: os eleitores não são todos trouxas.

(continua)

PS: Vários familiares e amigos já me têm dito: "Mas o Manuel Alegre é péssimo, e era uma desgraça se ele fosse eleito!". Certo. Manuel Alegre é um péssimo candidato. Mas as desgraças são relativas... Como veremos de seguida, quando percorrermos as desgraças legislativas que Cavaco Silva promulgou neste seu último mandato, é muito difícil, ou mesmo impossível, caso Manuel Alegre seja eleito, superar o rol de desgraças cometidas nos últimos anos. É triste dizer isto, sobretudo a quem, como eu, votou Cavaco nas últimas eleições, mas dado o que Cavaco fez, ou ajudou a fazer, é difícil, ou mesmo impossível, fazer pior do que ele. A razão é simples: as piores leis que se possam imaginar já foram todas aprovadas e promulgadas por Cavaco Silva: sobra pouco para estragar... Sim, falta promulgar ainda a monstruosidade da eutanásia: mas, quando confrontado com essa lei, Cavaco iria promulgá-la certamente: se promulgou o aborto, legitimando a destruição de seres humanos sem se consultar a vontade dos próprios, seria bizarro não promulgar a eutanásia.

PPS: Uma queda dramática no número de votos em Cavaco Silva, mesmo que não chegasse para impedir a sua reeleição, teria ainda um outro efeito útil e positivo: transmitir uma forte e inesquecível lição àquelas mentes iluminadas da nossa direita que julgam que é "chique", "moderno" e "urbano" ser-se de direita e anticristão.

(*) Tenho recebido vários e bons argumentos a favor, quer do voto nulo, quer da abstenção. Para o sentido do meu texto, é realmente secundário se a opção melhor será a de votar em branco, votar nulo, ou não votar de todo. O essencial do meu texto está em reiterar que é imoral (e até ilógico) que uma pessoa de princípios morais sólidos vote em Cavaco Silva.


6 comentários:


Alma peregrina disse...


Meu caro amigo:

Partilho completamente da sua intenção de voto. Completamente! Aliás, até já fiz um vídeo sobre o assunto:

http://www.youtube.com/watch?v=aZxSK0B9uXs
Apenas um reparo: em vez de voto branco, talvez seja aconselhável o voto nulo. Por 2 razões:

1) Voto branco traduz indiferença. Voto nulo traduz protesto.

2) A Constituição afirma que o voto branco não é contabilizado em eleições presidenciais, mas é omissa quanto ao voto nulo.

Posto isto, devo dizer que adorei o seu blog e estou agora a segui-lo.

Pax Christi

Nuno CB disse...

Em relação à contabilização do voto não sei bem a resposta. Se o que "Alma peregrina" afirmou é verdade, é lamentável não se saber se é ou não feita contabilização **válida** para o voto nulo.

Já me chegou também que, ao votar em branco, é possível que quem esteja nas mesas de voto coloque uma cruz num candidato. É provável isto acontecer?

Um último aspecto:

Em relação ao segundo post-scriptum, sempre me ensinaram que se escreve Ps: e Pps:, sendo que este é post-post-scriptum!

Abraço e obrigado!

Espectadores disse...

Caro Alma Peregrina

Muito obrigado pelo comentário e pela visita!

Vou pensar na sua sugestão de nulo em vez de branco.

Volte sempre!

abraço

Bernardo

Espectadores disse...

Caro Nuno

Quem vota em branco não tem, realmente, a certeza absoluta de que o seu voto vai permanecer em branco.

Ficamos nas mãos da honestidade das pessoas da nossa mesa de voto.

Quero acreditar nessa honestidade!

Já a questão da contabilização do voto tem que ser vista, pois talvez faça mais sentido votar nulo como protesto em vez de votar em branco.

Obrigado pela correcção em relação ao PPS!

É mesmo como diz!

Abraço

Xiquinho disse...

Olá Bernardo!

Infelizmente eu não voto, se votasse, estava capaz de dar o meu voto ao Cavaco: sei que não é boa peça, mas também não deve ser assim tão mau como o Bernardo o pinta, afinal não foi ele recentemente distinguido com uma medalhinha do Papa?

E não foi uma medalhinha qualquer (Pontifícia Ordem de São Gregório Magno), até lhe dá direito de andar a cavalo dentro da Basílica de São Pedro...

Grande abraço!

Espectadores disse...

Xiquinho,

Quem dedicar a sua vida a seguir os presentes diplomáticos que o Papa entrega em mão, ou manda entregar por um seu representante, verá o óbvio: que esses presentes são o que são: um acto diplomático.
Seria um pouco louco interpretar um presente diplomático papal como qualquer espécie de sanção moral completa, ou parcial, por parte do Papa ao Chefe de Estado que o recebe.
Não disse que Cavaco "não era boa peça". Evitei fazer juízos pessoais a Cavaco Silva. Os únicos que não posso evitar fazer são os juízos à sua actuação pessoal como político.

Não o acho desonesto.

Nem sequer questiono que ele tenha os valores que diz ter.

Questiono, e cheio de razões para tal, a sua actuação, pois essa actuação é uma traição chapada dos valores que ele diz defender.

Um abraço!


[ Blog Espectadores, Parte II ]

A Lei da Procriação Medicamente Assistida

(Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho)


Aníbal Cavaco Silva principiou o seu mandato presidencial a 9 de Março de 2006.

Ao ritmo curioso de uma lei revoltantemente imoral por ano, Cavaco Silva promulgou em 2006 a Lei da Procriação Medicamente Assistida, em 2007 a Lei do Aborto, em 2008 a Lei do Divórcio, em 2009 a Lei da Educação Sexual. Em 2010, os Portugueses tiveram direito a dose dupla: a Lei do Casamento Homossexual, e já no final do ano, à laia de festejo de "réveillon", a Lei que regula o Apoio do Estado aos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo.

Nesta Segunda Parte, iremos abordar a Lei da Procriação Medicamente Assistida. Esta lei criminosa permite a destruição de seres humanos, mais concretamente, de embriões humanos. No ponto 5.º do Artigo 25.º, que regula o destino dos embriões, diz-se: "5 — Aos embriões que não tiverem possibilidade de ser envolvidos num projecto parental aplica-se o disposto no artigo 9.º". Bom, somos levados a esse magnífico Artigo 9.º, que diz: "3 — O recurso a embriões para investigação científica só pode ser permitido desde que seja razoável esperar que daí possa resultar benefício para a humanidade (...)".

Trocado por miúdos, vale quase tudo no que diz respeito a querer ter filhos: inclusive destruir embriões humanos, caso estes não possam "ser envolvidos num projecto parental". O requinte poético da linguagem do Legislador cai trágico numa lei criminosa e iníqua. Embrião: se ninguém te quiser "envolver" num "projecto paternal", estás tramado. Mas fica descansado: podes ser usado para experiências científicas. Faz lembrar a mítica citação do filme dos Monty Python, The Meaning of Life, na qual um pai de muitos anuncia o seguinte aos seus filhos, que ele não pode sustentar: "I'm afraid I have no choice but to sell you all for scientific experiments." Ao embrião quase a ser desmontado para experiências, a esse ser humano de curta vida e nenhuma voz social, resta o consolo de vir a ser mais um tijolo no nobre edifício da Ciência. Uma ciência estilo Terceiro Reich, é certo, mas ciência todavia!

É o Progresso, pá!

Cavaco Silva assinou assim, com data oficial de 26 de Julho de 2006, a criminosa Lei da Procriação Medicamente Assistida que regula, entre outras coisas edificantes, a forma científica como podem ser "legalmente" destruídos os seres humanos que não se encontrem "envolvidos num projecto paternal". Só por esta razão, uma pessoa de bem não pode voltar a votar em Cavaco Silva. Mas, infelizmente, há mais razões...

(continua)

PS: Há sempre uns engraçadinhos preparados para dizer que um embrião não é um ser humano. Brincam com coisas sérias. Nunca explicam porque é que um aluno do 6º ano arrisca reprovar num teste de Ciências da Natureza (se é que algum aluno ainda reprova) se não souber que a vida humana principia com a fertilização do óvulo humano pelo espermatozóide humano, e ao mesmo tempo, sete vetustos senhores do nobre Tribunal Constitucional alinhavam milhares de linhas para defender a legitimidade do homicídio de seres humanos cujo único azar é a sua pouca idade. Sete em treze juízes (aplaudam-se e respeitem-se os distintos seis juízes que votaram vencidos) invocaram, para se poder matar estes seres humanos, algo belo e erudito como isto: «A reflexão sobre valores numa sociedade democrática, pluralista e de matriz liberal quanto aos direitos fundamentais tem sido objecto privilegiado do pensamento filosófico contemporâneo. Tal reflexão exprime-se na ideia de um “consenso de sobreposição” (overlapping consensus) desenvolvida por JOHN RAWLS, em Political Liberalism, 1993, p. 133 e ss.».

Zigoto humano, embrião humano, feto humano, porque razão dizem eles que te podem matar?

É por causa do Rawls, pá! Vai ler o Rawls, pá!

PPS: O raciocínio ético que leva qualquer cérebro operacional à conclusão de que são seres humanos válidos, quer um zigoto, quer um embrião, quer um feto da espécie Homo Sapiens, é um raciocínio simples e claro. Tão simples que uma criança lúcida (como elas costumam ser) é capaz de o fazer. Eis um dos muitos exemplos de argumento, escrito por mim há uns meses: O estatuto ético do zigoto humano. O raciocínio contrário nem merece ser chamado de raciocínio: a defesa do pretenso "direito" a matar seres humanos inocentes de tenra idade estrutura-se numa prevalência da vontade tirana sobre a razão e a verdade morais. Num utilitarismo unilateral (desprezando-se a negativa utilidade do aborto para o próprio do ser humano abortado), aborta-se porque sim. Porque dá jeito. E se for necessário, para afirmar esse pretenso direito, invocar as glórias da Ciência (como a Lei da Procriação Medicamente Assistida), os louros da Liberdade, ou pura e simplesmente a Mentira, então faça-se!


3 comentários

Xiquinho disse...

Estou confuso… então o Cavaco fez estas patifarias todas e de recompensa, presumo, ainda recebeu uma condecoração das mãos de Sua Santidade no ano passado, por, e passo a citar: reconhecimento a seus serviços à Igreja, feitos notáveis, apoio à Santa Sé e ao bom exemplo dado à sociedade!!!

Querem ver que o Vigário de Cristo se enganou na condecoração…

PS: E quem parece que se enganou, foi o Bernardo, ou então fugiu-lhe a boca, digo, a pena, para a verdade:

Esta lei criminosa permite a destruição de seres humanos, mais concretamente, de embriões humanos

Mais concretamente? Então afinal há uma diferença concreta entre embriões humanos e seres humanos? É bem capaz de haver, pois só assim faz sentido em falar de mais concretamente, ou menos concretamente, ou lo que seja. É que a lei até pode ser criminosa. Mas bastava dizer que permite a destruição de seres humanos ou que permite a destruição de embriões humanos. Mas mais concretamente, ficou demonstrado que afinal um ser humano e um embrião humano, não são exactamente a mesma coisa. Até mesmo para o Bernardo.

Outro abraço!

Espectadores disse...

Olá Xiquinho,
 
Já deixei um comentário no "post" Parte I relativo à condecoração papal...

Evidentemente, não faz sentido tomar uma oferta ou condecoração diplomática (e qualquer Papa faz centenas delas) como um qualquer tipo de sanção moral, parcial ou completa, ao receptor da oferta ou condecoração.

«Mais concretamente? Então afinal há uma diferença concreta entre embriões humanos e seres humanos?»

É simples, Xiquinho.

"Embriões humanos" é uma categoria interior da classe "seres humanos". Como "crianças" é uma categoria interior da classe "seres humanos". Como "idosos" é uma categoria interior da classe "seres humanos".

Comigo, a desconversa não funciona!

Poderia ter-me enganado, mas procuro pensar muito bem antes de escrever, para evitar argoladas.

A sua crítica não tem força.

A expressão "mais concretamente" é usada para fazer enfoque sobre uma categoria interior à categoria geral de "seres humanos".

A diferença entre ambas não é de essência (falamos sempre de seres humanos) mas sim de âmbito etário. Um zigoto está num âmbito etário diferente do de um embrião, diferente do de um feto, do de uma criança, do de um adolescente, do de um adulto.

Assim, a sua objecção não tem eficácia. A não ser que nos explicasse porque razão é que a idade é um critério essencial, no determinar do direito à vida.

Um abraço!

CSousa disse...

Mas que m*rd* de irraciocínio!















Eu sou um ser humano, mais concretamente um humano adulto.





Ah!... Xiça pá!... Afinal não sou um humano :(